CONEXÃO DE PROCESSOS
JULGAMENTO
COMPETÊNCIA
Sumário

Se num processo penal por crime punível com pena de máximo superior a 5 anos de prisão, o Ministério Público deduziu acusação para julgamento em tribunal singular, fazendo uso da disposição do art. 16º, nº 3, do Código de Processo Penal, e a esse processo é apensado um outro contra o mesmo arguido por outro ou outros crimes, o Ministério Público tem o prazo de 10 dias, contados da notificação da apensação ou da primeira vista posterior que lhe for aberta, para requerer, ao abrigo daquela norma, que o julgamento, agora de ambos os processos, se faça ainda em tribunal singular.

Texto Integral

Processo n.º 372/10.9PAVNF-B.P1
4ª Secção
Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Moreira Ramos.

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
O Ministério Público, não se conformando com o despacho que não admitiu o seu requerimento de intervenção de tribunal singular formulado, ao abrigo do disposto no art. 16º n.º 3, do Código de Processo Penal (doravante CPP), na sequência da conexão de processos, dele veio interpor recurso extraindo da motivação as seguintes conclusões: (transcrição)
a) Nos presentes autos com o n.º 372/10.9PAVNF, do 2.º juízo criminal deste Tribunal de Vila Nova de Famalicão, o Ministério Público acusou o arguido B…, requerendo o julgamento perante Tribunal Singular, nos termos do art. 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
b) Tal acusação foi recebida por douto despacho datado de 04 de Fevereiro de 2011 (a folhas 54).
c) No dia 9 de Junho de 2011 (folhas 69 e 70), é dado conhecimento aos autos que no processo comum singular n.º 216/10.1PAVNF, do 1.º juízo criminal deste Tribunal de Vila Nova de Famalicão, fora proferido despacho a decretar a apensação daqueles autos aos presentes, sem que contudo tal apensação se tenha logo efectivado e nada se dizendo sobre os crimes aí imputados ao arguido.
d) O Ministério Público destes autos tomou conhecimento de tal despacho proferido no citado processo n.º 216/10.1PAVNF, por "Vista", em 14 de Junho de 2011 (folhas 71), tendo aí apenas consignado "Visto".
e) Também sobre esse conhecimento inicial ou formal, se pronunciou o Meritíssimo Juiz titular dos autos (folhas 72), limitando-se a um "Visto".
f) A efectiva apensação do processo vem a ocorrer fisicamente no dia 12 de Julho de 2011 -folhas 73.
g) Não foi aberta vista ao Ministério Público, nem de outro modo foi dada oportunidade, para que se pronunciasse sobre os pressupostos da aplicação do art. 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, logo que efectivada e materializada a apensação,
h) Por douto despacho Judicial datado de 13 de Julho (folhas 74), considerou o Meritíssimo Juiz, para além do mais, que a competência para julgar é do Tribunal Colectivo e, portanto, determinou a correcção da autuação e da distribuição, com remessa ao Juiz de Círculo, para marcação de data.
i) O douto despacho vem a ser notificado ao Ministério Público no dia 15 de Julho de 2011, folhas 84.
j) Perante tal douto despacho do dia 13 de Julho (folhas 74), o Ministério Público, numa perspectiva colaborante, invocando implicitamente o vício (evitando o recurso ao confronto com a Irregularidade/Nulidade, que por vezes e indevidamente é tido como desprestigiante para com o Tribunal) optou por, alertando expressamente para o vício ou falha, sensibilizar e requerer, desde logo, a aplicação do art. 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
k) Fê-lo, por requerimento no próprio dia 15 de Julho (a folhas 85), dia em que foi notificado (como vimos, folhas 84), porque, como demonstram os autos não lhe foi aberta "Vista".
l) Sobre tal requerimento do Ministério Público, respondeu-se com o douto despacho datado de 05 de Setembro de 2011 (folhas 90 e 91).
m) Tal douto despacho pronuncia-se sobre o vício invocado pelo Ministério Público, não o reconhecendo.
n) Para uns, tal despacho, porque omitiu a oportunidade ao Ministério Público de se pronunciar, está ferido de Irregularidade - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-03-2006, processo 4232/05, n.º convencional JTRC, in www.dgsi.pt.
o) Não somos da mesma opinião, salvo o devido respeito, tal despacho estaria desde logo ferido de Nulidade, que é Insanável.
p) Através dessa douta decisão, por exclusiva vontade do Meritíssimo Magistrado Judicial, obviando ao comando legal que possibilita ao Ministério Público que se pronuncie sobre o conhecimento superveniente do concurso, determinou-se e fixou-se a competência de um Tribunal - o Colectivo - quando a lei impõe que ao Ministério Público, em caso de conhecimento superveniente, seja dada oportunidade de se pronunciar sobre a possibilidade de fixação da competência para o julgamento pelo Tribunal Singular – arts. 16º e 119º, alínea e), ambos do Código de Processo Penal.
q) Para que o Ministério Público possa exercer essa prerrogativa, é necessário que lhe seja dada oportunidade para o efeito.
r) Ao não dá-la, omitindo ou recusando que o Ministério Público se pronuncie, o Tribunal "a quo" está a subverter as regras da competência.
s) Na prática está a violá-las, pois sabendo que o Ministério Público tem o poder/dever de se pronunciar, não lhe confere essa possibilidade, avançando pára a sua própria definição da competência do Tribunal.
t) O vício da decisão judicial não é outro senão o da Nulidade prevista no art. 119º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal.
u) O Ministério Público arguiu o vício a que se alude (inserto no tal despacho de 13 de Julho de 2011) e que o fez no próprio dia em que dele teve conhecimento - dia 15 de Julho de 2011 (folhas 84 e 85).
v) O Tribunal recorrido, sabendo que o Ministério Público, por força da notificação de um mero despacho de apensação - sem referência a crimes imputados e ao modo, de execução e respectivas consequências - não estava em condições de ponderar, conscienciosamente, o recurso ao mecanismo do no art. 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, decidiu por si.
w) No entendimento do douto despacho Judicial ora em crise, parece-nos ser de concluir que o Ministério Público deveria pronunciar-se, desde logo, sobre o art. 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, exercendo o seu poder/dever, mesmo antes de saber se:
- O despacho Judicial nesse 216/10.1PAVNF, 1º criminal transitaria em julgado (uma vez que estava a decorrer o prazo de recurso no processo onde foi proferido o despacho que nos era comunicado);
- Antes de conhecer os termos desse processo, já que manifestamente tal despacho não os enunciava, ou seja, quais os crimes pelos quais o arguido estava acusado nesse 216/10.1PAVNF (aqui incluindo, entre outros critérios, o modo de execução dos factos, a relação entre eles, se uns são consequência ou repetição de condutas dirigidas em momentos diferentes contra o mesmo ofendido, às consequências da acção, a moldura penal a consulta do c.r.c. actualizado, etc. ...);
- Se o Meritíssimo Juiz destes autos, ia ou não receber esses autos para apensação, pois, como é óbvio, por seu douto critério poderia, depois de também ele consultar o processo, vir concluir não existir fundamento legal ou conveniência nessa apensação (até com promoção do Ministério Público nesse sentido, o que não sucedeu porque não lhe são abertas "Vistas" para o efeito).
- Em suma, requerendo a aplicação do art. 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal à cautela, mesmo que tal requerimento se viesse a verificar infundado!
x) Não nos lembramos que por regra processual, de cuidado ou outra, se impusesse ao Ministério Público o conhecimento dos termos do processo 216/10.1PAVNF, tanto mais que o Procurado Adjunto que representa o Ministério Público num e noutro juízo criminal não é o mesmo.
y) Teria o Meritíssimo Juiz titular dos nossos autos considerado que se impunha ao Procurador-Adjunto que acompanha o 2.º juízo, por sua iniciativa, à margem destes autos, deslocar-se ao 1.º juízo, solicitar o favor de consultar o processo comum singular n.º 216/10,1PAVNF, consultá-lo, avaliar os seus termos, regressar ao seu gabinete e requerer a aplicação do art. 16º, n.º 3, Código de Processo Penal?
z) Deveria o Procurador-Adjunto que acompanha este 2.º juízo, sem critério ("a olho" ou à laia de cautela), sem cuidar de saber de que estava o arguido acusado no processo Comum Singular n.º 216/10.1PAVNF, do 1.º juízo, recorrer ao art. 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal?
aa) Para o Meritíssimo Juiz, o Ministério Público devia ir consultar o processo 216/10.1PAVNF, porque os processos tinham estado no Ministério Público em fase de inquérito.
bb) Pouco importa que à data já ambos estivessem em dois juízos criminais diferentes, pois para o Digno Magistrado Judicial, o relevante é que num passado não muito distante tenham estado na Delegação do Ministério Público.
cc) Exige-se que o Ministério Público se pronuncie sobre a competência superveniente do concurso, para efeitos de competência material nestes autos, antes mesmo de lhe serem apensos quaisquer outros e sem conhecimento dos seus termos, pois nestes autos, o Tribunal "a quo" não se dignou conceder a consulta dos autos ao Ministério Público logo que juntos.
dd) O douto despacho Judicial que se pronunciou sobre o requerimento do Ministério Público, recusando a aplicação do art. 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não pode subsistir.
ee) Ao actuar do modo como actuou o Tribunal violou o disposto no art. 16.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, vício esse que não é outro que não a nulidade insanável prevista no art. 119.º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Penal.
ff) Deverá, portanto, ser revogado.
gg) Dado que o Ministério Público, ao abrigo do art. 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, já requereu que os autos prossigam para julgamento em processo comum Singular, o despacho deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos como comum Singular, com as demais consequências legais, nomeadamente a marcação de julgamento.
hh) Porém, se em rigor se entender, como entendemos, que o despacho inquinado é o de 13 de Julho de 2011 (folhas 74) e que daí em diante os autos estão viciados, deve ordenar-se, simplesmente, que tal despacho seja substituído por outro que ordene a apresentação dos autos ao Ministério Público, por "Vista", para que se pronuncie sobre o conhecimento superveniente do concurso.

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Não houve resposta.
Admitido o recurso e sustentado tabelarmente por despacho de 9/11/2011, subiram os autos a este Tribunal da Relação onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica,[1] as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso (art. 410º n.º 2, do mesmo Código).
Assim, no caso sub judicio colocam-se as seguintes questões:
• Nulidade insanável do despacho proferido a 13/7/2011;
• Oportunidade temporal para a formulação de requerimento de intervenção do tribunal singular, ao abrigo do preceituado no art. 16º n.º 3, do CPP, nos casos de conhecimento superveniente de concurso de infracções.
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2. Com interesse para a decisão a tramitação processual relevante que evola dos elementos que instruem o presente apenso é a seguinte:
a) No âmbito do processo comum n.º 372/10.9PAVNF, do 2º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, foi proferido, no dia 4/2/2011, o despacho a que alude o art. 311º, do CPP e designada data para julgamento - pelo tribunal singular cuja intervenção foi requerida pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no art. 16º n.º 3, do citado diploma legal - do arguido B…,[2] pela prática de um crime de furto e de um crime de violência depois da subtracção, p. e p. pelos arts. 203º n.º 1 e 211º, do Cód. Penal (fls. 10 a 15);[3]
b) No dia 8/6/2011, no âmbito do processo n.º 216/10.1PAVNF, que corria termos pelo 1º Juízo Criminal do Tribunal referenciado, foi proferido despacho a reconhecer a existência de conexão subjectiva com o processo n.º 372/10.9PAVNF, do 2º Juízo Criminal, tendo essa decisão sido comunicada aos aludidos autos e ao Ministério Público respectivo por vista de 14/6/2011, tendo-se este limitado a apor o seu visto (fls. 3, 16 e 17);
c) O teor integral desse despacho era o seguinte:
“Corre termos neste tribunal o processo supra identificado, onde é arguido B…, arguido também nestes autos, encontrando-se os referidos autos em fase de julgamento.
Sendo aqui e ali imputada ao arguido a prática de crimes cujo conhecimento é da competência deste tribunal, verifica-se uma situação de conexão de processos, importando proceder à sua apensação, com vista à realização de um único julgamento, o que se justifica por razões de celeridade e economia processual.
Face ao exposto e ao abrigo dos arts. 25º, 28º, a) e 29º do CPP determina-se a apensação dos presentes autos ao processo apresentado, onde é imputada a prática do crime mais grave (crime de violência depois da subtracção, p. e p. pelo art. 211º do CP).
Notifique. Comunique desde já ao processo apresentado, que devolverá e oportunamente remetam-se os autos para apensação.” (fls. 3 e 16);
d) No dia 13/7/2011, após ter sido concretizada a apensação do processo conexo, foi aberta conclusão ao M.mo Juiz titular o qual, além do mais, aí exarou o seguinte:
“Nos presentes autos, após a apensação ordenada, aprecia-se a responsabilidade criminal do arguido B… pelos crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, l, furto, p. e p. pelo art. 203º, l, e violência depois da subtracção, p. e p. pelo art. 211º, todos do C. Penal.
Sendo assim, face à moldura penal abstracta dos ilícitos em questão e ao disposto no art. 14º, 2, b), CPP, a competência para julgar o presente processo é do tribunal colectivo.
Consequentemente, determina-se a correcção na autuação em conformidade e, após a distribuição, a remessa dos autos ao M.mº Juiz de Círculo, a fim de indicar data para a realização da audiência de julgamento.
Sem efeito a audiência de julgamento designada nos autos principais.
Notifique.” (fls. 18/19);
e) Concretizada a notificação ao Ministério Público, no dia 15/7/2011, veio este, na mesma data, formular o seguinte requerimento:
“O Ministério Público tendo sido notificado do despacho de fls.74, no qual se determina a competência do Tribunal Colectivo para julgamento vem dizer e requerer o seguinte:
1 - A fls.70 dos autos foi junto despacho proferido nos autos de processo comum singular n.º 216/10.1PAVNF no qual se determina o envio do referido processo para apensação a estes autos.
2 - Aquando da vista ao Ministério Público não lhe foi apresentado o referido processo comum singular n.º 216/10.l PAVNF.
3 - Do despacho de fls.70 não há qualquer referência aos factos aí imputados ao arguido.
4 - A apensação material foi feita a fls.73.
5 - Logo após a apensação é determinada a competência do Tribunal Colectivo para o julgamento.
6 - Ora, em nosso entender só após a apensação material é possível ao Ministério Público apreciar da aplicação do disposto no art. 16º, n.º 3 do C.P. Penal, porquanto só nesse momento tem conhecimento dos elementos que lhe permitem ponderar se em concreto deve ou não ser aplicada pena de prisão superior a 5 anos.
7 - Por isso, entendemos que é este o momento para que o Ministério Público se pronuncie quanto à aplicação do art. 16º, n.º 3 do C. P. Penal.
8 - Face ao exposto, o Ministério Público entende que em concreto não é de aplicar pena de prisão superior a 5 anos, pelo que requer o julgamento perante Tribunal Singular, nos termos do disposto no art. l6º,n.º 3 do C.P. Penal.” (fls. 21);
f) Foi então proferido o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte:
“Por despacho proferido a fls. 260 do processo apensado, foi determinada a apensação aos presentes autos do processo que corria termos no 1º Juízo Criminal deste tribunal sob o n.º 216/10, lPAVNF.
De tal despacho foram notificados todos os sujeitos processuais, sendo o Ministério Público, nos autos em apenso, no dia 9 de Junho de 2011 (fls. 268 daqueles autos) e, no processo principal, por termo de vista, no dia 14 de Junho seguinte (fls. 71).
Em face de tal apensação e da moldura penal abstracta que, consequentemente, passou a ser aplicável à factualidade sub judice, a competência para julgar a matéria em questão passou a ser do tribunal colectivo, nos termos previstos pelo art. 14º, 2, b), CPP, o que se decidiu por despacho de fls. 74.
Veio agora (em 15 de Julho de 2011) o Ministério Público requerer que os crimes em apreço sejam julgados por tribunal singular, ao abrigo do disposto no art. 16º, 3, CPP, dizendo, em súmula, que aquando da "vista" não lhe foi apresentado o Proc. n.º 216/10.1PAVNF e que só após a apensação material é possível ao Ministério Público lançar mão daquele expediente processual, por só nesse momento ter conhecimento dos elementos necessários para o efeito.
Apreciando, deve dizer-se, desde já, que, a nosso ver, não assiste razão ao Ministério Público nos fundamentos invocados e que a iniciativa agora tomada se afigura extemporânea.
Com efeito, tal como acima apontado, o Ministério Público foi notificado do despacho que determinou a apensação de processos, momento em que teve oportunidade de se aperceber que, em resultado da apensação, a moldura penal abstracta aplicável aos crimes em questão seria superior a 5 anos de prisão, o que determinaria a tramitação dos autos como comum colectivo, podendo assim, caso entendesse, requerer o julgamento do processo por tribunal singular, dada a superveniência do conhecimento do concurso de crimes - cfr. art. 16º, 3, 2ª parte, CPP.
Não corresponde à verdade, por isso, dizer que só neste momento - depois de "materializada" a apensação de processos -, pôde o Ministério Público lançar mão do instrumento processual em causa, pois tal possibilidade existiu aquando da notificação do despacho que determinou a referida apensação, bem como quando foi dado conhecimento ao Ministério Público, nos autos principais, através do termo de vista acima referido, de tal apensação, momentos em que poderia ter sido apresentado requerimento autónomo (como aquele ora em apreciação) para os efeitos pretendidos.
Por outro lado, também não faz sentido dizer que o Ministério Público só agora pôde tomar conhecimento dos elementos necessários para decidir da apensação de processos, pois ambos os inquéritos correram termos no Ministério Público e este poderia ter consultado o processo apensado após a notificação do despacho que ordenou a apensação, ou após ter-lhe sido dado conhecimento (por termo de vista) da prolação de tal despacho, em ordem a ponderar a apresentação de requerimento para o julgamento dos autos por tribunal singular.
Ora, considerando o prazo legal «supletivo» para a prática de actos processuais (de 10 dias - art. 105º, l, CPP) e a data em que o Ministério Público foi notificado do despacho que determinou a apensação, ou mesmo da data em que teve vista nos autos principais (em 14 de Junho último), a possibilidade de ser requerido o julgamento por tribunal singular já há muito expirou.
Nos termos expostos, indefere-se o requerimento apresentado pelo Ministério Público.
Notifique.”
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3. Apreciando
3.1 Da nulidade insanável
Do cotejo dos elementos disponíveis e já supra referenciados cremos ser muito simples e de fácil resolução a questão que, realmente, se coloca nos autos e que a dimensão do recurso interposto praticamente obnubilou.
Vejamos.
Invoca o Digno Recorrente que, ao proferir o despacho de 13/7/2011, onde fixou a competência do Tribunal Colectivo sem prévia audição do Ministério Público, o M.mo Juiz teria incorrido em nulidade insanável, nos termos previstos no art. 119º n.º 1 e), do CPP.
Cumprindo recordar que as nulidades insanáveis estão sujeitas ao princípio da tipicidade ou taxatividade e que o catálogo legal não admite adaptações, desde já se dirá que não vislumbramos em que termos é que essa inobservância do ritualismo processual, ainda que com interferência no princípio do contraditório, “viola as regras de competência do tribunal”, a que alude o normativo citado.
Consequentemente, a falta de audição do Ministério Público antes de ser proferido despacho em que se decide remeter a apreciação dos autos para o Tribunal Colectivo, não integrando directamente o núcleo de protecção dos arts. 119º e 120º, do Cód. Proc. Penal, configura nesta circunstância mera irregularidade, por força do preceituado no art. 118º n.º 1, do citado diploma legal.
Irregularidade essa que não foi, expressa ou implicitamente, invocada no requerimento apresentado pelo Ministério Público a 15/7/2011 (v. alínea e) do n.º 2 supra) ao contrário do agora sufragado pelo recorrente.
Mas, salvo o devido respeito por entendimento diverso, também não tinha que o ser, mostrando-se adequados e correctos, no preciso contexto que lhe subjaz, os termos em que tal requerimento foi formulado.
E assim chegamos à segunda questão que se suscita e que constitui, em nosso entender, o núcleo fundamental da questão controvertida.
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3.2 Do requerimento do Ministério Público de 15/7/2011
O art. 16º n.ºs 1 e 2, do CPP, estatui sobre a competência do tribunal singular, estabelecendo, além do mais, que a este compete julgar os processos que respeitarem a crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja igual ou inferior a 5 anos de prisão.
Todavia, no seu n.º 3, admite o alargamento dessa competência às hipóteses previstas no seu art. 14º n.º 2 b),[4] mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.
É, pois, inegável que ao Ministério Público assiste a prerrogativa de solicitar a intervenção do tribunal singular em casos que, à partida, seriam da atribuição do tribunal colectivo.
E, consoante o caso, pode fazê-lo em momentos distintos: Na acusação ou em requerimento autónomo quando a elevação da pena resulte do conhecimento superveniente do concurso posterior à dedução daquele despacho.
In casu, é inegável que os crimes imputados ao arguido excedem, considerando as penas abstractamente cominadas, os 5 anos de prisão.
Já assim era no processo principal, onde a acusação foi deduzida em processo comum com intervenção de tribunal singular mediante prévio requerimento exarado nos termos do art. 16º n.º 3, do CPP, pelo que a conexão de outros autos sempre elevaria ainda mais a moldura legal aplicável já que, necessariamente, outro(s) ilícito(s) o integraria(m) e acresceria(m) em resultado da apensação.
Assim, sendo inquestionável que foi dado conhecimento ao Ministério Público de que fora determinada a conexão de outro processo, é óbvio que este não poderia ignorar as consequências daí resultantes quanto à elevação da pena aplicável ao concurso, designadamente que esta seria necessariamente superior a 5 anos, parecendo assim que assistiria razão ao M.mo Juiz a quo ao afastar, por tardio, o requerimento de intervenção do tribunal singular formulado apenas cerca de um mês depois desse conhecimento (14/6 – 15/7/2011).
No entanto, tal visão excessivamente formalista não se compagina com a circunstância da referida prerrogativa concedida ao Ministério Público dever ser enformada por um juízo esclarecido sobre a globalidade do facto delituoso imputado e sobre a personalidade do arguido nele demonstrada, não sendo automática nem arbitrária. Isto é, o juízo de determinação da competência do tribunal singular é um “juízo objectivo do Ministério Público, fundamentado na apreciação de todas as circunstâncias relativas à ilicitude, à culpa e à punibilidade dos agentes. Não se trata de uma decisão discricionária, mas antes de uma concretização da relevância constitucional do princípio da oportunidade.”[5]
Por outro lado, as promoções e despachos suscitados pela tramitação processual penal devem assentar em critérios de legalidade e necessidade, objectivados e concretos, e não em simples juízos de prognose ou previsibilidade (ainda que elevada). Ou seja e revertendo ao caso dos autos, o requerimento de intervenção do tribunal singular, quando decorrente da conexão subjectiva de processos, resultante do conhecimento superveniente do cometimento de outros crimes, como era o caso, deve ser formulado quando se concretizar o acto que o fundamenta, ou seja a apensação dos processos, não se bastando com a mera comunicação ao Ministério Público de que foi proferido um despacho noutros autos a estabelecer a conexão.
Não só porque esse despacho pode ser impugnado mas também porque podem, entretanto, verificar-se circunstâncias que influenciem o juízo que há-de presidir ao requerimento de intervenção do tribunal singular ou até que o tornem desnecessário (vejam-se os casos em que parte dos crimes têm natureza particular ou semi-pública e é apresentada desistência de queixa, subsistindo apenas um ou outros cujas penas em concurso não atingem os 5 anos; ou a verificação da prescrição de parte ou mesmo todo o procedimento, ou a declaração de vício que determine a invalidade de algum dos autos levando à separação de processos, etc.).
Conclui-se, pois, que a apresentação de requerimento, ao abrigo do disposto no art. 16º n.º 3, do CPP, quando superveniente, pode e deve ocorrer apenas depois de realizada a apensação dos processos conexos, dispondo o Ministério Público do prazo regra de 10 dias (já que outro não foi previsto)[6] após ser notificado desse facto ou de ter vista nos autos, para o formular, se for seu entendimento que tal se justifica no caso.
Consequentemente, evolando dos autos que a apensação do processo n.º 216/10.1PAVNF apenas chegou ao conhecimento do Ministério Público a 15/7/2011, data em que foi notificado do despacho que considerava competente o tribunal colectivo face à moldura penal abstracta dos ilícitos imputados e ao disposto no art. 14º n.º 2 b), do CPP, e que o mesmo logo veio requerer a intervenção do tribunal singular, ao abrigo do disposto no art. 16º n.º 3, do mesmo diploma legal, é manifesto que a sua pretensão é tempestiva e fundada interferindo, necessariamente, no despacho proferido a 13/7/2011 que, estando correcto perante os dados que então constavam do processo, não acautelou, como podia e aconselhavam as regras de economia processual, a prévia audição do Ministério Público.
E assim sendo, não pode subsistir a decisão recorrida devendo ser substituída por outra que, considerando tempestivo o requerimento apresentado pelo Ministério Público a 15/7/2011, julgue competente o tribunal singular e dê sequência, sem mais delongas, à tramitação dos autos.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, conceder parcial provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e determinando a sua substituição por outra que considere tempestivo o requerimento de intervenção do Tribunal Singular formulado pelo Ministério Público a 15/7/2011, ao abrigo do preceituado no art. 16º n.º 3, do Cód. Proc. Penal, e dê seguimento à normal tramitação dos autos
Sem tributação.
*
[Elaborado e revisto pela relatora na grafia original – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 11 de Janeiro de 2012
Maria Deolinda Gaudêncio Gomes Dionísio
António José Moreira Ramos
_________________
[1] Cf., entre outros, Ac. STJ, de 19/6/1996, BMJ n.º 458, pág.98.
[2] E não B1…, como por manifesto lapso de escrita ficou a constar do despacho que recebeu a acusação e designou data para audiência.
[3] Numeração deste traslado como toda a demais que adiante se referirá.
[4] Crimes cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a 5 anos, desde que não referentes a crimes dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa – reservados ao colectivo na alínea a), do n.º 2, do art. 14º.
[5] Comentário do Código de Processo Penal, Paulo Pinto de Albuquerque, 3ª ed. actualizada, pág. 89, nota 6.
[6] Como decorre do disposto no art. 105º n.º 1, do CPP.