RECONVENÇÃO
ADMISSIBILIDADE
CAUSA DE PEDIR
COMPENSAÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO A HONRA
OFENSA AO CRÉDITO DO BOM NOME
QUEIXA
DENÚNCIA
ILICITUDE
Sumário

I – No nosso sistema processual, a reconvenção não é obrigatória mas facultativa, pelo que a sua omissão não preclude o direito a acção autónoma do réu contra o autor.
II – O art. 274º, n.º 2, al. a) do CPC permite a reconvenção quando o pedido do réu emerja do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à sua defesa.
III – Assim, formulando o autor o pedido de condenação do réu no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais por ofensas ao seu bom nome e reputação, que este lhe causou em artigos que publicou num periódico, não é admissível reconvenção na qual o réu pede que o autor lhe pague uma indemnização por danos não patrimoniais causados pela propositura da acção, uma vez que aquela não se funda (nem sequer parcialmente) na mesma causa de pedir.
IV – A reconvenção é também admissível quando o réu se propõe obter a compensação.
V – A compensação, enquanto causa de extinção das obrigações para além do cumprimento, vem prevista no art. 487º, n.º 1 do CC, possibilitando que quando duas pessoas sejam simultaneamente credor e devedor, qualquer delas possa livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificando-se os seguintes requisitos: a) ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção peremptória ou dilatória de direito material; b) terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
VI – O recurso à compensação postula o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra-crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo.
VII – Impugnando o réu o direito do autor a qualquer crédito não é igualmente admissível o pedido reconvencional, por não poder obter a compensação exigida pela al. b) do n.º 2 do art. 274º do CPC.
VIII – Para garantir a estabilidade, a segurança e a paz social no estado de Direito há que assegurar ao cidadão a possibilidade, quase irrestrita de denunciar factos que entende criminosos, devendo a mesma limitar-se à narração dos factos sem emissão de quaisquer juízos de valor ou lançamento de epítetos sobre o denunciado.
IX – Se tais juízos de valor ou epítetos integrarem a se uma ofensa à honra, então a denúncia pode (mas só por essa razão) ser ilícita cedendo o respectivo direito perante a honra (desnecessária e gratuitamente lesada) do denunciado.
X – A assim não se entender ficariam os conhecedores de ilícitos penais fortemente coarctados no exercício do direito de denúncia, por poderem correr o risco de a não prova os poder a vir penalizar civilmente, o que se traduziria numa intolerável limitação ao exercício de um direito constitucionalmente consagrado.
XI – Decisivo para o direito à indemnização pelos danos sofridos seria, in casu, a prova de que a queixa-crime teria sido feita com dolo ou, ao menos, com negligência grosseira, o que não ficou provado nas instâncias.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I – Relatório

AA, Advogado, com domicílio profissional na Rua …, n.º … Porto, intentou nas Varas Cíveis do Porto, Acção de Processo Ordinário, contra BB, Advogado, com domicílio profissional na Rua …, n.º … – … Porto, pedindo que seja condenado no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais a liquidar em execução de sentença e por danos não patrimoniais ou morais de quantia não inferior a € 50.000,00, bem como nos respectivos juros legais de mora, desde a citação até efectivo pagamento.

Para o efeito, o Autor articulou, em síntese, que o Réu apresentou contra si uma queixa-crime sem qualquer fundamento, imputando-lhe a prática de dois crimes de denúncia caluniosa e dois crimes de difamação, a qual foi arquivada pelo Ministério Público, o mesmo sucedendo após a realização de instrução, cujo despacho do respectivo Juiz de Instrução foi confirmado pela Relação após recurso interposto pelo queixoso, aqui Réu.

Contestou o Réu, excepcionando a incompetência das Varas para conhecerem da acção, impugnando o articulado pelo Autor e pugnando pela improcedência da acção; também fez um pedido reconvencional, através do qual pediu a condenação do Autor no pagamento de € 75.000,00, com fundamento no facto de o autor lhe atribuir condutas infamantes no respectivo articulado.

Replicou o autor, opondo-se à excepção da incompetência das Varas para conhecerem da acção e pugnando pela inadmissibilidade do pedido reconvencional.

Treplicou o Réu, a pugnar pela admissibilidade da reconvenção.

Foi proferido despacho a julgar processualmente inadmissível a reconvenção, absolvendo-se, em consequência, o Autor da instância.

Inconformado com o despacho que não admitiu o pedido reconvencional, o Réu recorreu do mesmo, recurso esse que foi admitido como de agravo, com subida diferida, nos próprios autos ou em separado, consoante o regime de subida do recurso que com ele viesse a subir, sendo o efeito meramente devolutivo, tendo alegado em seguida.

Seguiu-se o despacho saneador, que julgou o tribunal competente, as partes dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, devidamente representadas e o processo isento de nulidades.

Foi elaborada a base instrutória, a qual foi objecto de reclamação por parte do réu, que foi indeferida.

Procedeu-se a julgamento, que julgou totalmente improcedente a acção, por não provada, com consequente absolvição do réu do pedido contra ele formulado.

Inconformado, apelou o Autor para a Relação, concluindo pela anulação da sentença, com substituição por outra que condenasse o recorrido a indemnizá-lo pelos danos materiais e morais a que deu causa, o que foi rebatido pelo Réu, que alertou para o conhecimento do agravo pelo tribunal ad quem.

Conhecendo do agravo, a Relação confirmou a inadmissibilidade do pedido reconvencional.

Quanto à apelação, a Relação negou-lhe provimento, firmando a convicção de que para a decisão bastava a aplicação do n.º 5 do art. 713º do CPC para confirmar a sentença recorrida, mas considerando, ainda, em síntese, que da banda do Réu não houve abuso do direito ao queixar-se criminalmente contra o Autor e uma sua constituinte.

Persistindo no seu inconformismo, recorre agora o Autor, de revista, para esta derradeira instância de recurso ordinário – cfr. fls. 540.

Também o Réu, inconformado com o acórdão recorrido, dele vem interpor recurso de revista – cfr. fls. 542.

Ambos os recursos foram admitidos na Relação como de revista e efeito devolutivo – cfr. fls. 545.

Já no Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido despacho, a admiti-los, pelo primitivo relator, por nada obstar quanto à respectiva tempestividade – cfr. fls. 612.

In casu, em sede de recursos é aplicável o Código de Processo Civil na redacção anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Começando pelo recurso interposto pelo Réu-recorrente, mostra-se o mesmo delimitado pelas conclusões de fls. 556-557, relacionadas com a admissibilidade do pedido reconvencional e quanto ao mérito do mesmo, que se passam a transcrever:

“1 – O Autor intenta a presente acção, pedindo a condenação do réu no pagamento de uma indemnização com o fundamento de este ter apresentado contra si e uma cliente já falecida uma queixa por denúncia caluniosa e difamação, sem fundamento, que ficou arquivada.
2 - O Réu defende-se por impugnação motivada, salientando que no processo crime resultante da queixa que apresentou contra o autor, não foram ouvidos nem o Queixoso, nem os Denunciados, nem as testemunhas indicadas, mas que, apesar dessa anomalia de difícil explicação, terem sido juntos
documentos (uma letra e o compromisso de pagar 400.000$00 mensais, enquanto essa letra não fosse paga – ver fls. 130 e 133) que provam que nem a cliente do Autor nem este podiam ignorar ser falsa a imputação ao Réu de este reter em seu poder 83.000.000$00 da cliente do Autor e de lhe vir pagando 400.000$00 mensais (naturalmente a título de juros), pelo que o Autor tinha perfeito conhecimento de que o Réu nada devia à sua cliente e não era merecedor da difamação gravíssima, inteiramente da sua lavra e desnecessária ao patrocínio da sua cliente, com que o brindou na queixa, descrevendo-o como um homem e advogado sem escrúpulos e um criminoso nato – ver, designadamente, arts. 44, 47, 49, 50 a 54, 56 a 58, 62, 63, 70, 71, 74, 75, 76, 82 a 84, 99 e 109 da contestação.
3 - Pelos danos resultantes dessa denúncia caluniosa e dessa difamação, o Réu pede a indemnização de € 50.000,00 (arts. 97 a 101 da contestação).
4 - Como factos indiciários da intenção – só plenamente explicável no domínio da patologia – de o Autor difamar o Réu, mesmo depois de receber da devedora os 83.000.000$00 (doc.º de fls. 130) que falsamente se dizia na queixa apresentada contra o Réu serem devidas por este, o Autor continua a difamá-lo nos arts. 28, 32 e 38 da petição, apodando-o de indivíduo sem consciência dos seus deveres cívicos e profissionais e insensato, o mesmo fazendo na oposição a um arresto e na contestação da respectiva acção, tão cego nos seus propósitos, que nem repara no absurdo das suas alegações (arts. 104 a 112 e 114 a 116 da contestação), pedindo o Réu como indemnização por tais danos, € 25.000,00 (arts. 117 a 119 da contestação).
5 - As indemnizações referidas nas duas conclusões antecedentes perfazem € 75.000,00, no pagamento dos quais o Réu, em reconvenção, pede a condenação do Autor.
6 – Porém, o, aliás, douto acórdão recorrido, confirmando o saneador proferido em primeira instância, julgou inadmissível a reconvenção, em síntese, com a fundamentação do pedido reconvencional nada ter a ver com os factos alegados pelo Réu na sua defesa, omitindo as razões invocadas para tanto, na minuta de agravo, sintetizadas nas suas conclusões 2ª, 3º; 4ª e 5ª.
7 – Assim, mais do que tendo violado o disposto no n.º 2 do art. 274º CPC, o, aliás, douto acórdão recorrido cometeu a
nulidade prevista nas disposições conjugadas nos arts. 668º, n.º 1, al. d) e 716º, n.º 1 do CPC, a qual deve ser conhecida por este Colendo Tribunal, nos termos do n.º 2 do art. 731 do mesmo diploma.
8 – Por outro lado, o, aliás, douto acórdão recorrido não admitiu, para a hipótese de se entender inadmissível a reconvenção, a eventual compensação alegada nos arts. 97 a 123 da contestação, e no art. 13º da réplica [parece lapso manifesto, devendo ser tréplica], dado que o Réu não reconheceu a existência do crédito do Autor, quando tal forma de alegar a compensação é admitida pelo art. 847º CC, que, por isso, foi violado, devendo, consequentemente, o, o, aliás, douto acórdão recorrido ser revogado e, se for caso disso, admitida a compensação invocada.
9 – Finalmente, no artigo 123 da contestação existe um lapso material manifesto, pois os artigos que aí se pretendiam referir são os 101 e 119.”

Por sua vez, o Autor-recorrente, numa peça alegatória quase similar à da apelação, conclui:

“1. Era ao recorrente que competia a prova de todos os factos quesitados, o qual, em audiência de discussão e julgamento, logrou provar 8 dos 10 quesitos, conforme as respostas dadas pelo Exmo Senhor Juiz.
2. Os 2 quesitos dados por não provados, um na dependência do outro, não é nada fácil para ninguém, conseguir a sua prova, antes constituem um apelo aos conhecimentos e experiência, da vida e da profissão, do ilustre julgador.
3. No seu todo, com 21 factos provados, o recorrente mostrou ao Tribunal, suficientemente, quanto fundamento tinham o seu pedido e a causa de pedir.
4. Por isso é que, no entender do recorrente, o Exmo Senhor Juiz tinha presentes, nos autos, todas as condições, de facto e de direito, para condenar o recorrido no que lhe fora pedido.
5. Mas o Exmo Senhor Juiz não entendeu assim e, vai daí, deu a seguinte decisão “Em face do exposto julgo totalmente improcedente por
provada a presente acção e consequentemente absolvo o réu do pedido contra si formulado”.
6. Pela solução que trouxe ao caso, o Exmo Senhor Juiz até tornou a audiência de julgamento num exercício inútil, pois, decidindo, como decidiu, podia tê-lo feito logo no saneador.
7. Na sua longa fundamentação, o Exmo Senhor Juiz, com o devido respeito, nada trouxe que fosse capaz de contentar e de fazer crer, ao recorrente, de que a sua decisão fora justa.
8. Pelo contrário, o Exmo Senhor Juiz viu a questão que fora submetida à sua apreciação à luz da habitual interacção de cidadãos comuns, nas suas relações tensas, mais ou menos graves, com ou sem fundamento, típicas do dia a dia de qualquer sociedade, desvalorizando, completamente, a particular posição do recorrente.
9. Ora, o recorrente, como decorre da petição e dos factos provados, não pertence (como outros profissionais), àquele mundo onírico de que o Exmo Senhor Juiz fez eco, de facilidades, onde tudo é permitido e perdoado.
10. O mundo do recorrente (como de outros profissionais), é difícil, de rigor, de esforço, de trabalho, de empenho, de preocupação, de entrega, de risco, de respeito, de constante provação e de muita responsabilidade.
11. Que todos têm de cumprir, escrupulosamente, com base nos seus estatutos e nas leis, sob pena de serem severamente punidos, profissional e civilmente.
12. Está provado, nos autos, que o recorrente esteve a trabalhar, como Advogado mandatado, em patrocínio da sua constituinte, absolutamente e equidistante desta Senhora e do recorrido; estes sim, os verdadeiros antagonistas.
13. Pelo que é de todo impossível assistir ao recorrido o direito de queixa-crime, contra o recorrente, sob pena de o advogado e exercício da sua profissão se tornar, como é bom de ver, palco de indignidade e alvo de coação e de ameaças.
14. É um mais eficiente modo de ver o problema posto, que o recorrente pretende, com este recurso, em ordem a obter a condenação do recorrido, de acordo com a sua conduta e os danos que causou.
15. Ficou assente, pelo tribunal, a atitude e o percurso do recorrido, que tratou o recorrente como criminoso, fazendo-o pagar pela ousadia de defender a sua constituinte.
16. E não restam dúvidas de que o recorrido ofendeu, com muita gravidade, os direitos de personalidade do recorrente, legal e constitucionalmente garantidos, como (cfr. artigos 26 nº 1, 27 nº 1 e 58 nº 1 da Constituição; 72, 79 nº 1 e 80 do Código Civil):

- O direito à honra;
- O direito ao bom nome;
- O direito à reputação;
- O direito à imagem social;
- O direito à intimidade;
- O direito à liberdade individual (reserva da vida privada);
- O direito ao trabalho.

17. Actos ilícitos, praticados pelo recorrido, por sua culpa exclusiva, que fazem impender, sobre ele, o dever de indemnizar o recorrente (cfr. artigos 70 e 483 nº 1 do Código Civil.
18. Foram considerados presentes os pressupostos do dever de indemnizar: os factos, a ilicitude, a imputação dos factos ao agente (culpa), os danos e o nexo de causalidade entre os factos e os danos (cfr. artigos 483, 562, 563 e 564 do Código Civil).
19. Ficaram evidentes, em audiência de julgamento, os danos materiais e morais sofridos pelo recorrente.
20. No mínimo e a título de danos morais, o recorrente imputa todas as despesas, com expressão pecuniária, que teve até agora e que vai continuar a ter, por causa e com esta acção judicial, quantia a liquidar em execução de sentença.
21. Os danos morais sofridos e a sofrer pelo recorrente, estimam-se, a título de compensação, em quantia não inferior a € 50.000,00, que o próprio recorrido acha ajustado, uma vez que, por nada, pediu € 75.000,00.
22. O Exmo Senhor Juiz, com todos os pressupostos, de facto e de direito, tinha a obrigação de condenar o recorrido, tal qual lhe fora pedido, pelo que o recorrente entende que lhe foi negada Justiça.
23. Ou, dito de outra maneira, o Exmo Senhor Juiz violou, no entender do recorrente ostensivamente, todos os preceitos legais de natureza substantiva aplicáveis ao caso dos autos.
24. O acórdão recorrido enferma dos mesmos erros da sentença, louvando-se nela e para ela remetendo: se assim não tivesse sido, seria outra, está-se certo, a solução dada ao litígio, a esperada pelo recorrente.
25. Compete ao Supremo Tribunal sindicar se houve inexacta qualificação jurídica e falsa determinação das consequências jurídicas pertinentes do caso posto nos autos (Artigos 721 nºs 1 e
2, 722 nº 2 e 729 nº 1 do C.P.C. – na redacção anterior ao Dec.Lei nº 303/2007, de 24.08).
(…)”

Apenas o Réu-recorrido respondeu, a fls. 596-598, pugnando pelo não provimento do recurso da parte contrária.


II – Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido

Embora o Tribunal da Relação tenha remetido para o factualismo que vinha da 1.ª instância, por o mesmo não ter sido impugnado, iremos recuperá-lo, para melhor nos enquadrarmos no processo.

Assim, temos como factos fixados pelas instâncias, os seguintes:

“1º) – O autor é advogado e faz da advocacia a sua exclusiva profissão;
2º) – O Réu é advogado e, pelo menos em algumas ocasiões, exerceu a advocacia;
3º) – O Réu prestou serviços, na qualidade de advogado, à Sra. D. CC, que residia na cidade do Porto;
4º) – Desde meados do ano de 2003, até à data do seu falecimento, em …, o Autor prestou serviços de advocacia àquela Senhora;
5º) – Entre os diversos e vários serviços que o Autor prestou à Sra. D. CC, estão, para além de contactos telefónicos e por escrito com o réu, também uma notificação judicial avulsa e, depois, uma queixa crime a ele dirigidas;
6º) – O Réu, em 26-08-2004, deduziu contra a Sra. D. CC uma queixa crime, que, no D.I.A.P. – Porto, teve o nº 5429/04.2TDPRT, 3ª secção, imputando-lhe a prática de dois crimes de denúncia caluniosa e dois crimes de difamação;
7º) – A Sra. D. CC não foi punida, nem sequer acusada, por o Ministério Público ter determinado o arquivamento dos autos de inquérito;
8º) – O Réu dirigiu também a denúncia contra o autor, afirmando que este e a sua constituinte urdiram uma torpe e tosca maquinação contra ele, imputando-lhe assim a prática de um crime de denúncia caluniosa e de um crime de difamação;
9º) – O autor, tal como a sua constituinte, viu arquivada a queixa que o réu deduziu contra si;
10º) – Por requerimento apresentado em 10.01.2006, no processo de inquérito, solicitou a abertura de instrução, concluindo pela necessidade de pronúncia do autor;
11º) – Houve debate instrutório, no processo de instrução nº 23/2006, do 1º Juízo, do tribunal de Instrução criminal do Porto, cuja decisão, dada em 15.03.2006, foi a do arquivamento dos autos;
12º) – O Réu recorreu da decisão instrutória para o Tribunal da Relação do Porto;
13º) – Recurso a que coube o processo nº 351/06, da 6ª Secção, e que por acórdão de 11/10/2006 negou provimento ao mesmo, absolvendo ainda da instância os arguidos dos alegados crimes de difamação;
14º) – A D. CC apresentou nos Serviços do Ministério Público desta cidade a participação criminal junta aos autos a fls. 106 e seguintes cujo teor se dá por reproduzida para todos os efeitos legais;
15º) – Tal participação foi subscrita na qualidade de mandatário pelo aqui Autor;

Da base instrutória

16º) – Do certificado do registo criminal do autor à data de 2007/11/28 nada consta;
17º) – O autor passou a constar dos ficheiros das entidades judiciária e jurisdicionais;
18º) – Meios familiares, sociais e profissionais onde se movimenta o autor, tomaram conhecimento do processo crime com que o autor foi confrontado e referido em 6º e 13º;
19º) – O autor tem vivido angustiado;
20º) – E sempre com receio de repercussões que sofrerá a sua carreira pessoal e profissional;
21º) – O autor é uma pessoa de bom nível social e cultural;
22º) – Profissional liberal há mais de 25 anos;
23º) – Do sistema informático da Ordem dos advogados à data de 23 de Novembro de 2007 não consta, qualquer pena disciplinar aplicada ao autor.”


III – Aplicação definitiva do regime jurídico que o Supremo julga adequado


As questões a conhecer e decidir podem sintetizar-se no seguinte:

Da banda do Réu:

- Nulidade do acórdão recorrido, ao abrigo do art. 668º, n.º 1, alínea d) e 716º, n.º 1 do CPC;

- Eventual compensação alegada nos arts. 97 a 123 da contestação e 13 da tréplica.

Da banda do Autor:

- Provimento do recurso por ofensa de direitos de personalidade do Autor/recorrente, derivados de infundada queixa-crime contra si apresentada pelo Réu, que motivaram danos patrimoniais e não patrimoniais susceptíveis de indemnização.


1. Quanto à nulidade do acórdão recorrido

O Réu vem arguir a nulidade do acórdão recorrido por ter omitido pronúncia sobre as conclusões 2.ª a 5.ª da sua alegação, invocando a violação da alínea d) do n.º 2 do art. 668º, n.º 1 do art. 716º, e n.º 2 do art. 731º, todos do CPC

Prolatada na 1.ª instância a sentença que julgou totalmente improcedente a acção, apenas o Autor veio da mesma interpor recurso.

É certo que, na 1.ª instância, o Réu havia agravado, e alegado em conformidade, do despacho de fls. 264-270, que julgou a reconvenção por si deduzida processualmente inadmissível, a qual, por ter sido considerada na respectiva fase processual uma excepção dilatória, conduziu à absolvição do Autor da instância em relação ao referido pedido reconvencional.

Sobre tal recurso incidiu a primeira parte do acórdão recorrido no que concerne a “saber se a reconvenção deduzida pelo agravante na sua contestação de fls. 80 a 101 é legalmente admissível ou, não sendo admissível, os factos a ela atinentes enfermam a excepção peremptória da compensação”.

O acórdão recorrido, relativamente ao objecto do recurso de agravo, pronunciou-se sobre todas as questões pertinentes e não sobre todos os argumentos alegados pelo recorrente, o que, com pacificidade reconhecida, é suficiente para afastar qualquer eventual nulidade relacionada com omissão de pronúncia sobre questões que o tribunal devesse apreciar.

Na verdade, e concretamente sobre a figura jurídica da compensação na reconvenção, abarcada pela alínea b) do n.º 2 do art. 274º do CPC, o Tribunal a quo, discorreu o seguinte:

“Por último, também diremos que a falada reconvenção não se adequa ao preceituado na al. b) do n.º 2 do já apontado normativo.
Na verdade, e para além dos motivos e razões que estão expostos no despacho recorrido, que, aliás, tem o nosso assentimento dada a sua inegável correcção, há que ter em conta o seguinte:

Segundo deriva do artigo 847º do Código Civil a compensação constitui uma das causas de extinção das obrigações, para além do cumprimento, e tem como pressuposto essencial a existência de um crédito por banda do credor e de um contra-crédito por banda do devedor.
Ou seja, (…) ‘a compensação é o meio de o devedor se livrar das obrigações, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha o seu credor’, sendo que ’tornam-se necessárias a sua existência e validade, sem o qual faltará a reciprocidade de créditos e dívidas’ (…).
Como é fácil de intuir, nada disso sucede no caso em apreço, pois que o Réu, aqui agravante, jamais alegou qualquer facto ou circunstância de facto por via da qual tenha admitido ou se possa concluir que, por ele, admitiu a existência do crédito alegado pelo Autor’.
Bem pelo contrário, pois que ao longo da sua contestação sempre negou e pôs em causa a existência ou a possibilidade de existência do direito invocado pelo autor!
Por isso, e à luz de todo este conjunto de considerações, só nos resta dizer que bem andou o Sr. Juiz ao decidir como decidiu, pois que, como vimos, a reconvenção deduzida pelo Réu, aqui agravante, não se amolda ou ajusta a qualquer uma das situações a que alude o artigo 274º do C. P. Civil”.

Resumindo e concluindo, o acórdão recorrido pronunciou-se abrangentemente sobre a (in)admissibilidade da reconvenção “quanto ao laço substantivo que deve existir entre o pedido principal e o pedido reconvencional”, na feliz expressão de ANTUNES VARELA[1], que a lei distingue taxativamente nos três tipos ou categorias de situações previstas no n.º 2 do art. 274º do CPC, afastando-os, mas não omitindo tal questão, pelo que não praticou a nulidade arguida.

Já agora e a talho de foice, sempre acrescentaremos que no nosso sistema processual a reconvenção não é obrigatória mas facultativa, pelo que a sua omissão não preclude o direito de acção autónoma do réu.

Por outro lado, conforme se discorreu no acórdão do STJ de 18 de Dezembro de 2003, Proc. n.º 03A3141[2], com objecto algo similar ao dos presentes autos, “na acção em que o autor pede a condenação do réu no pagamento de indemnização, por danos não patrimoniais, por ofensas ao nome e reputação, que este lhe causou em artigos que publicou num periódico, não é admissível reconvenção em que o réu pede que o autor lhe pague indemnização, por danos não patrimoniais, que lhe foram causados pela propositura da acção”.

In casu, entre outra, está em discussão a conexão prevista na alínea a) do n.º 2 do art. 274º, que permite a reconvenção quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à sua defesa.

Ora o pedido reconvencional em apreço não se funda, sequer parcialmente, na mesma causa de pedir do pedido do Autor, tendo-o fundamentado no facto de o A. ter proposto a acção contra ele, com as consequências daí derivadas que alegou.

Pelo que, como bem decidiram as instâncias, a reconvenção é infundada, no que concerne à alínea a) do n.º 2 do art. 274º, pelo que não pode ser admitida.

2. Quanto à eventual compensação alegada nos arts. 97 a 123 da contestação e 13 da tréplica

A compensação alegada só pode emergir do segundo dos três tipos ou categorias que a lei prevê para a admissibilidade do pedido reconvencional, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 274º do CPC.

Na verdade, o Réu foi vencedor quanto ao mérito da causa, já que a acção improcedeu na primeira instância, com confirmação na Relação, pelo que nessa parte não pode recorrer, a não ser enquadrando o objecto do seu recurso no improvimento do agravo.

Ora, independentemente do que em seguida se irá discorrer sobre o mérito do recurso do Autor, desde já remetemos para o que sobre a alínea b) do n.º 2 do art. 274º do CPC decidiram as instâncias.

Assim, segundo o citado normativo, a reconvenção também é admissível quando o réu se propõe obter a compensação.

Esta figura jurídica, enquanto causa de extinção das obrigações para além do cumprimento, vem prevista no n.º 1 do art. 487º do Código Civil, possibilitando que quando duas pessoas sejam simultaneamente credor e devedor, qualquer delas possa livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificando-se os seguintes requisitos: (a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; (b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

Acrescenta o n.º 2 que se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente e o n.º 3 que a liquidez da dívida não impede a compensação.

Por conseguinte, quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e tornar essa compensação efectiva através de uma declaração deste último.

Ora, o recurso à compensação, enquanto excepção dilatória, postula, como sucede no direito substantivo, o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra-crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo.

É o que acontece in casu, já que o Réu, ora recorrente, sempre impugnou o direito do Autor a qualquer crédito.

Em face do expendido, não pode merecer provimento o recurso do Réu, no que concerne à admissibilidade do seu pedido reconvencional, por não poder obter a compensação exigida pela alínea b) do n.º 2 do art. 274º do CPC.

3. Quanto ao recurso do Autor por ofensa de direitos de personalidade derivados de queixa-crime infundada contra si apresentada, motivadora de danos patrimoniais e não patrimoniais susceptíveis de indemnização.


Consagra o art. 1º da Constituição da República Portuguesa, que Portugal é uma República soberana, baseada, além do mais, na dignidade da pessoa humana[3].

Por sua vez, consagra o n.º 1 do art. 25º que a integridade moral das pessoas é inviolável, reconhecendo a todos, de acordo com o artigo seguinte, os direitos ao bom nome e reputação.

Ainda na mesma Lei Fundamental, o n.º 2 do art. 16º, impõe que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual, no art. 12º, estabelece que ninguém sofrerá ataques à sua honra e reputação.

A CEDH – a que Portugal está vinculado – não tutela especificamente, no plano geral, o direito à honra, mas não o ignora, ao consignar, no n.º 2 do art. 10º, restrições à liberdade de expressão.

No plano do direito interno ordinário, o Código Penal, na Parte Especial, Título I, destina a esta matéria o capitulo VI do Código Penal, que intitula “Dos Crimes Contra a Honra”, nele consignando vários crimes correspondentes à violação desse direito, v. g., a difamação (art. 180º); a injúria, art. 181; com agravação se houver publicidade ou calúnia (art. 183º).

Por sua vez, o art. 70º do Código Civil, sob a epígrafe de “Tutela geral da personalidade”, refere a protecção dos indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça à sua personalidade física ou moral, estatuindo o artigo 484.º, sob a epígrafe “Ofensa do crédito ou do bom nome”, que, quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, responde pelos danos causados.

Para além destes, muitos outros preceitos existem, que se reportam a vertentes em que o direito à honra, ou melhor, a sua violação, se enquadra em domínios específicos da actividade social, como a imprensa.

Doutrinadores como FARIA E COSTA[4] , MENEZES CORDEIRO[5] e OLIVEIRA MENDES[6] ensinam que a honra abrange a honra interna e a honra externa, correspondendo a primeira à consideração por si próprio, à auto-estima, e a segunda à ideia que os outros têm de nós e consequente projecção no ego de cada um.

“Quer uma, quer outra, correspondem a direitos de personalidade, derivando da existência da pessoa. Mesmo a impossibilidade de ter consciência de si próprio e, consequentemente, de avaliar a auto-consideração não contradiz esta afirmação, mantendo-se o direito à honra, com os contornos adequados à situação concreta do seu titular.

Esta realidade base não é contudo, por via de regra, suficiente para o julgamento. Muitas vezes a ela acrescentam-se realidades que levam ao ampliar do conteúdo original do direito à honra. Assim, o direito de alguém – inerente a ele enquanto pessoa – pode ser acrescentado ou intensificado pelo desempenho de certos cargos, pelo exercício de profissões (cfr. o art. 184º do Código Penal), por deficiências físicas ou psíquicas, devido a outras situações de especial vulnerabilidade, etc. E pode a situação objectiva até afastar a relevância normal de certas expressões, à partida, ofensivas (p. ex. uma obscenidade dirigida a alguém numa caserna de soldados pode não merecer censura jurídica).

Por outro lado, a actuação que deve ser apreciada no sentido de se saber se atinge ilicitamente o direito à honra, pode ter sido levada a cabo de
modos muito variados. À distinção da lei penal entre actuação para com a pessoa visada e actuação para com terceiro (pouco importante, aliás, quanto ao que aqui nos importa), há que acrescentar a actuação através da comunicação social, em denúncia às autoridades e outras.

Estes vários modos de actuação trazem inerentes outros valores – de tutela constitucional também – que conduzem a um ponderar específico sobre a linha demarcante entre a licitude e a ilicitude.

Daqui decorre que existe um ponto abaixo do qual a linha demarcadora entre a licitude e a ilicitude duma ofensa à honra não pode baixar.

Tem ela de passar acima do mínimo de dignidade do ser humano enquanto tal. Mas mais decorre que, acima de tal ponto, essa linha passa a ser indeterminada, havendo que atender a múltiplos factores, mormente ao conflito com outros direitos de consagração legal ao mesmo nível hierárquico. O que determina um necessário esforço jurisprudencial. A distância entre a lei e o caso concreto passa a ser particularmente grande, havendo todo um caminho a percorrer pelo julgador em ordem a, naquele caso, aferir da licitude ou da ilicitude.”[7].

Ora, daqui decorre, também, que a tutela da honra terá de ceder perante o exercício do direito, ou mesmo, em certos casos, do cumprimento do dever de denunciar criminalmente.

Para garantir a estabilidade, a segurança, a paz social no Estado de Direito, há que assegurar ao cidadão a possibilidade, quase irrestrita, de denunciar factos que entende serem criminosos.

Sinalizamos “quase irrestrita” por a limitação maior consistir em a denúncia não ser feita dolosamente (com consciência da sua falsidade) e do teor dos seus termos.

Estes devem limitar-se à narração dos factos, sem emissão de quaisquer juízos de valor ou lançamento de epítetos sobre o denunciado.

Se tais juízos de valor ou epítetos integrarem “a se” uma ofensa à honra, então a denúncia pode, mas só por essa razão, ser ilícita cedendo o respectivo direito perante a honra (desnecessária e gratuitamente lesada) do denunciado[8] .

3.1. Retomando o caso com que nos confrontamos, e limitando-nos ao factualismo fixado, o Réu/Advogado apresentou uma queixa crime no DIAP-Porto, contra o Autor/Advogado e uma sua cliente imputando-lhes crimes de difamação e denúncia caluniosa, cujo inquérito foi arquivado, com confirmação após instrução e mesmo, depois, em sede de recurso na Relação.

A referida cliente do aqui Autor e ora recorrente, também apresentara anteriormente queixa crime contra o Réu.

Ora, sendo certo que é irrelevante o desfecho do processo crime em apreço, nada mais consta do factualismo fixado quanto ao contexto subjectivo em que se motivou a queixa crime apresentada pelo Réu contra o Autor e sua cliente.

Acresce que nada nos autos aponta para a ocorrência de, ao menos, negligência grosseira, que, aliás, nem sequer foi alegada pelo recorrente.

Ao contrário do que alega o Autor/recorrente, não basta provar que o seu nome ficou a constar dos ficheiros das entidades policiais; que familiares e profissionais próximos tomaram conhecimento do processo crime contra ele instaurado; que passou a viver angustiado; e sempre com receio de repercussões que sofrerá a sua carreira pessoal e profissional; bem como nada consta, disciplinarmente, na Ordem dos Advogados, contra a sua pessoa.

Decisivo para o direito à indemnizado pelos danos sofridos seria, in casu, a prova de que a queixa crime foi feita com dolo ou, ao menos, com negligência grosseira. E nada disso, como se viu, ficou provado nas instâncias.

A assim não se entender ficariam os conhecedores de ilícitos penais fortemente coarctados no exercício de direito de denúncia, por poderem correr o risco de a não prova da sua comunicação os vir a penalizar civilmente.

Tal traduzir-se-ia numa intolerável limitação ao exercício de um direito constitucionalmente consagrado, intimidando o cidadão que
pretendesse comunicar às autoridades judiciárias a eventual prática de um crime.

Nos termos expostos, nega-se provimento aos recursos interpostos por Autor e Réu, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas em partes iguais, nos termos do n.º 3 do art. 446º do CPC.


Lisboa, 9 de Setembro de 2010

Barreto Nunes (Relator)
Sousa Leite
Salreta Pereira

________________________
1)- Acompanhado por J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 327.
2)- Cfr., Relatado pelo Conselheiro Afonso de Melo, sob o descritor “reconvenção”, na base de dados do ITIJ/STJ.
3)- Nesta parte, dada a similitude de situações, seguiremos de muito perto, por vezes textualmente, o Acórdão do STJ de 18-11-2008, Proc. n.º 08B3227, relatado pelo Conselheiro João Bernardo.
4)- Comentário Conimbricense do Código Penal, I, p. 603.
5)- Tratado de Direito Civil, III, p. 143
6)- O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal, p. 206
7)- Cfr. acórdão do STJ supra referido.
8)- CFr., neste sentido, o Acórdão do STJ de 18-11-2008, Proc. n.º 08B3227.