SIMULAÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I. O negócio simulado é sempre nulo, nos termos do art. 240º, nº 2 do Cód. Civil, independentemente de se tratar de simulação absoluta ou relativa.

II. Havendo simulação relativa, os efeitos da nulidade do negócio simulado podem ser afastados por força da validade do negócio dissimulado, se este for formalmente válido, nos termos do art. 241º do mesmo código.
III. Incumbe aos interessados na validade do contrato dissimulado a alegação e a prova dos factos integradores do mesmo, por se tratar de excepção ao direito dos interessados na nulidade do negócio simulado, aqui peticionado, nos termos do art. 342º, nº 2 do Cód. Civil.
IV. Não tendo os réus alegado ou provado os factos integradores do negócio dissimulado e havendo os autores provado os factos que preenchem a simulação alegada, tem de proceder o pedido de declaração da nulidade por simulação.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA e BB intentaram, em 3-12-2003, no 5º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra CC e marido DD, EE e mulher FF e Banco E... S..., SA, pedindo, em suma, que se declarem nulos e de nenhum efeito (por simulados) os negócios infra referidos, que se declare que o prédio objecto desses negócios pertence ao acervo heriditário por óbito de GG, que tal bem seja devolvido à herança deste, que sejam cancelados os registos efectuados com base nos aludidos negócios e as hipotecas que sobre tal bem incidem ou (subsidiáriamente) que os 1º e 2ºs réus sejam condenados a pagar a quantia necessária à respectiva expurgação ou ainda que os 1ºs réus sejam condenados a pagar à dita herança a quantia de € 74.819,68 correspondente ao valor do prédio em causa.

Para tanto alegaram, em síntese, que são filhos de GG, falecido em 15-02-2003, sendo a ré CC filha de HH, irmão do aludido GG. Em 24-01-2002 foi celebrada entre o referido GG como vendedor e a ré CC, representada pelo pai HH, como compradora, a escritura pública de compra e venda referente a um prédio urbano identificado na petição inicial.

Em 17-02-2003 foi celebrada entre os réus CC e marido, representados pelo referido HH, escritura de compra e venda referente ao mesmo prédio em que os referidos réus declararam vender e os co-réus EE e mulher declararam comprar o citado imóvel, tendo ali sido consignada a hipoteca do mesmo a favor do réu Banco para garantir um mútuo ali acordado.

Porém, os referidos negócios não foram queridos pelos declarantes, não tendo havido entrega e recebimento dos montantes consignados como preço, antes tal resultou do acordo entre as partes e o referido HH no sentido de prejudicar os autores retirando do património do referido GG o imóvel, e consequentemente, do acervo hereditário daqueles autores por morte do aludido GG.

Os réus contestaram alegando, em resumo, a seriedade das suas declarações de compra ou de venda e a efectivação dos respectivos pagamentos e correspectivos recebimentos dos preços e do mútuo, concluindo no sentido da improcedência da acção.

Saneado o processo e realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto e proferida sentença que julgou procedentes os pedidos principais dos autores e condenou em multa os réus pessoas singulares como litigantes de má fé.

Assim, a sentença declarou o primeiro contrato de compra e venda nulo (por simulação absoluta), declarando que o prédio em causa pertencia à supra referida herança e os segundos réus condenados a devolverem-no à herança e determinou-se ainda o cancelamento dos registos de aquisição referidos e das hipotecas que sobre o mesmo incidiam.

Da sobredita decisão apelaram os réus EE e mulher FF e CC e marido DD, tendo a Relação do Porto julgado o recurso procedente, absolvendo os réus de todos os pedidos e da condenação como litigantes de má fé.

Desta vez, foram os autores quem inconformados vieram interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas e das quais se deduz que aqueles, para conhecer neste recurso, levantam as seguintes questões:

a) Não há qualquer negócio dissimulado sob a capa dos negócios simulados a considera neste processo ?
b) A haver negócio dissimulado por a simulação ser relativa, o tribunal poderia, em vez de ordenar a restituição pedida do prédio à herança indivisa, ordenar a restituição do respectivo valor ?
Os recorridos CC e marido e EE e mulher contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.

Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-lei nº 303/2007 de 24/08, aqui aplicável, atenta a data da instauração da presente acção e o disposto nos arts. 11º e 12º do mesmo decreto-lei, redacção essa a que se referirão todas as disposições a citar sem indicação de origem – o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Já vimos acima as concretas questões que os aqui recorrentes levantaram.

Mas antes de mais há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por provada e que é a seguinte:

1. Os AA. AA e BB são filhos de GG, de seu dissolvido casamento com II.

2. O referido GG faleceu em 15 de Fevereiro de 2003, na freguesia de Paranhos, Porto.

3. No dia 24.1.2002, em escritura pública, GG declarou que pelo preço de 32.421.86 cêntimos que ia recebera, vendia à CC, então representada por HH, a fracção autónoma designada pela letra ..., destinada exclusivamente a habitação, sito no lugar de D..., R..., C..., Pousada de Saramagos, Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória sob o n° --, art. --- da matriz fiscal, melhor descrita no documento de fls. 13 e ss., que aqui se dá por reproduzido, tendo aquele representante declarado que, para a sua representada aceitava essa venda.

4. Em 17.2.2003, foi outorgado contrato de compra e venda titulado por escritura pública lavrada a folhas -- e seguintes do Livro de Escrituras Diversas, n.° --- -B do Primeiro Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão1, pelo qual os 1°s RR. declararam vender aos 2°s RR. marido e estes declararam aceitar a venda do prédio urbano (fracção autónoma) identificada em 3.

5. Mais declararam vendedores e compradores que o preço de tal venda havia sido o de 7.500.032$00/37.410 euros (trinta e sete mil quatrocentos e dez euros).

6. Nesta mesma escritura os 2°s RR. confessaram-se devedores ao Banco E... SÁ de quantia de 6.750.028$00/ 33.669,00 euros que receberam por empréstimo e para garantia do bom pagamento da quantia mutuada constituem sobre a fracção autónoma identificada hipoteca a favor do mesmo Banco.

7. Ainda em 17 de Fevereiro de 2003 os mesmos 2°s RR., celebram com o Banco E... Santo S.A., um contrato de mútuo, por escritura pública, desta feita a folhas -- e seguintes do Livro n.o --- -B de Escrituras Diversas *do Primeiro Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão, pelo qual se confessam devedores ao referido Banco da quantia de 4000017$00/19.952 euros que vieram a receber do mesmo Banco a favor do qual constituíram hipoteca sobre o prédio (fracção autónoma) identificada em 3., invocando para o evento o facto de a fracção em causa estar em fase de beneficiação fixando-se o custo das obras em vinte e cinco mil euros.

8. A 1a R. esposa é filha de HH.

9. O HH é irmão do falecido GG.

10. 0 negócio referido em 3. não foi, de facto, realizado, e no negócio mencionado em 4. A 7. os vendedores não eram, de facto, os RR. CC e DD, que não receberam o preço entregue pêlos declarados compradores, nem foram concretizadas quaisquer obras de beneficiação nesse imóvel, nomeadamente as mencionadas no contrato referido infra em 31..

11. Na primeira semana de Janeiro de 2001. o pai da Ré CC (que actuou como procurador da mesma no contrato de compra e venda aludido) recebeu o seu irmão GG, que ficou viver com ele.

12.0 GG estava debilitado pela doença.

13. E logo diligenciou, o HH, para que fosse retirado do património do GG, até a sua (do GG) casa de habitação (o seu apartamento).

14. E logo se movimentou, o HH, nesse sentido, a ponto de conseguir outorgar a escritura dos autos, em 24 de Janeiro de 2002.

15. Com a colaboração do falecido GG, o seu irmão HH e a filha deste, a CC, arquitectaram um negócio para que aquele HH se apoderasse do prédio do GG (a sua casa de habitação).

16. Por isso, foi outorgada a escritura referida em 3. e de que, agora, só após o falecimento do GG é que os Autores vieram a ter conhecimento.

17. Sendo que o GG e a CC acordaram entre si fazer as declarações constantes da escritura de compra e venda.

18. Sem que tivessem o intuito de realizar qualquer contrato de compra e venda.

19. 0 falecido GG não vendeu, nem quis vender à R. esposa (representada por seu pai HH) o referido e identificado apartamento.

20. Como também a R. esposa (representada por seu pai, HH), não quis comprar, nem comprou ao GG o mesmo referido apartamento.

21. 0 GG não recebeu qualquer quantia a título de preço, nomeadamente não recebeu os 6.500.000$00/ 32.421,86 euros.

22. Assim como a R. esposa, CC (nem o seu procurador- seu pai HH) pagou qualquer quantia a título de preço, nomeadamente a referida de 6.500.000$00/ 32.421,86 euros.

23. Tendo os intervenientes GG e CC (e HH), acordado fazer este contrato de compra e venda, para esconderem o acto de retirarem aos AA. o direito que lhes assiste à herança paterna, enganando os AA.

24. Esse apartamento valia, pelo menos 11500 contos (o preço que os 2°s RR. pagaram a HH pelo imóvel adquirido).

25. Os 1°s Réus visaram, além de mais, com a escritura de compra e venda de 17.2.2003, tornar mais difícil a posição dos Autores quanto pretendem ver o prédio (fracção autónoma 000--/------ -...-Pousada de Saramagos) trazido ao acervo hereditário por óbito de seu pai GG.

26. Efectivamente, os 1°s RR. não agiram como vendedores nessa escritura.

27. Os 1°s RR. (representados pelo pai da 1a. R. esposa), não venderam, nem quiseram vender aos 2°s RR. o referido apartamento.

28. Os 2° RR. entregaram as quantias, destinadas ao pagamento do preço, ao referido HH.

29. Os 1°s Réus e o seu declarado representante, acordaram em fazer essa escritura de compra com o objectivo referido em 25..

30. Os RR. CC e DD e o seu declarado representante, pai daquela, se empenharam na feitura das mencionadas escrituras, com o intuito de prejudicar os Autores, retirando da herança por óbito de GG, pai dos Autores, a habitação identificada.

31. 0 Banco réu, no âmbito da sua actividade comercial, foi contactado pêlos 2°s Réus, que lhe solicitaram empréstimo para aquisição de habitação própria, permanente, tendo formalizado também um contrato de empréstimo declarado para obras de beneficiação da referida fracção.

32. 0 valor declarado para cada um desses mútuos foi de, respectivamente, 33669 euros e 19952 euros, à taxa e nas condições vertidas nos documentos de fls. 16 a 32, que aqui se dão por reproduzidos.

33. Essas quantias foram emprestadas aos 2°s Réus nos termos referidos em 32..

34. Vieram a ser realizadas as escrituras de compra e venda e mútuos com hipoteca em 17.2.2003, concretizando-se dessa forma a concessão do crédito solicitado.

35. Aquando da realização das referidas escrituras foi emitido o cheque bancário do Banco E... Santo, S.A., sociedade aberta, n° -------.-, no montante de 50000 euros, datado de 17.2.2003 à ordem de CC .

36. Os Réus EE e FF tomaram conhecimento da venda de tal imóvel a partir de uma publicação no Jornal C... H... .

37. Sendo certo que tal era anunciado para venda por uma imobiliária denominada Porta Formosa com sede em Joane, Vila Nova de Famalicão.

38.Após contactar a referida agência imobiliária, os Réus visitaram a fracção, negociaram o respectivo preço e compraram.

39. A fracção em causa constitui hoje a casa de morada da família destes Réus e do seu agregado familiar.

40. Pois a partir da compra passaram a habitá-la diariamente, nela pernoitando, fazendo aí as respectivas refeições, recebendo os amigos, etc.

41.0 falecido GG tinha, na altura da escritura de Janeiro de 2002, pelo menos algumas centenas de euros depositadas em instituição Bancária.

42. Não obstante a doença, o falecido vivia então com algum desafogo financeiro.

43. Em 11.09.95 foi registada a favor de GG, a compra do imóvel descrito em 3.. Em 28.01.2002, foi registada a aquisição a favor de .CC, casada com DD, a compra do mesmo imóvel. Em 07.02.2003, foi registada a aquisição»' do mesmo imóvel a favor do Réu EE, casado com FF. Em 7.2.2003, foram registadas duas Hipotecas voluntárias a favor do BES, sobre esse imóvel.

Vejamos agora as concretas questões levantadas como objecto deste recurso.

a) Nesta primeira questão defendem os recorrentes que não há qualquer negócio dissimulado sob a capa dos negócios simulados a considerar nos autos.

Pensamos que os recorrentes têm razão por vários fundamentos, nesta pretensão, tendo o acórdão recorrido incorrido em erro de julgamento.

Com efeito, os autores alegaram a nulidade decorrente da simulação de dois contratos de compra e venda sucessivos incidentes sobre o mesmo imóvel e pediram a referida declaração de nulidade e o subsequente cancelamento do registos dos negócios em causa e da hipoteca registada com base no segundo daqueles negócios.

Os réus na contestação impugnaram a referida simulação reafirmando terem celebrado os negócios com vontade correspondente ao declarado, impugnando também, o acordo simulatório alegado pelos autores e demais requisitos da simulação.

Ainda na contestação dos réus CC e marido, após negar veementemente a referida ausência de vontade de comprar ou de vender, o não pagamento ou o não recebimento do respectivo preço e acordo simulatório, referem que a verificar-se o alegado pelos autores, sempre haveria uma intenção do referido GG de beneficiar a sobrinha CC, pelo que o negócio querido seria de doação e não de venda e como tal haveria um negócio dissimulado válido.

Por seu turno, os réus EE e mulher, na sua contestação, alegando desconhecer o que se passou com o primeiro negócio de alienação em que não foram partes, acabaram por referir que pela alegação dos autores, haveria um negócio dissimulado de doação do referido GG a favor da ré CC, que seria válido, nos termos do art. 241º do Cód. Civil, pedindo que a não improceder a acção, devia ser considerada válida a transmissão da propriedade do imóvel a favor daqueles réus.

Na douta sentença de 1ª instância foram analisados profundamente os contornos do litígio em causa e foi considerado que a 1ª transmissão era nula por simulada e, por isso, se declarou a nulidade do mesmo negócio e subsequentemente a nulidade dos demais: compra e venda a favor dos réus EE e mulher e de hipoteca a favor do réu Banco, por consequência da nulidade do primeiro em que se fundamentou os demais.

Nessa sentença foi também examinada a problemática da verificação do aludido contrato dissimulado, onde se concluiu que se não alegaram factos bastantes para integrar a verificação do qualquer negócio dissimulado. Aí se referiu que se provou a inexistência de qualquer vontade da ré CC de negociar e que em relação ao HH inexistiam factos que possam levar a qualificar positivamente o negócio realizado, se é que houve algum.

No acórdão recorrido, por seu turno, foi considerado que havia factos provados para se concluir “que sob o negócio celebrado existiu, efectivamente, um outro que as partes quiseram realizar consubstanciado numa liberalidade feita, em vida, pelo tio da primeira ré ao desfazer-se gratuitamente do seu apartamento nos moldes acima descritos”.

E daqui retirou o referido acórdão a consequência de se estar no âmbito da simulação relativa o que, sendo pedida a nulidade com base na simulação absoluta, faz improceder os pedidos dos autores.

Ora, antes de mais, há que considerar que nos termos do art. 240º do Cód. Civil, o negócio simulado é nulo.

Isto quer dizer que haja simulação absoluta ou relativa, o negócio simulado é sempre nulo.

No caso de se tratar de simulação relativa, os efeitos práticos da nulidade são afastados por força da validade do negócio dissimulado, se válido formalmente.

Daqui resulta que incumbe aos interessados na validade do contrato dissimulado a alegação e prova dos factos integradores do mesmo, por se tratar de excepção ao direito do interessado na nulidade da simulação, os termos do art. 342º, nº 2 do Cód. Civil.

Tal entendimento foi já adoptado pelo acórdão deste STJ de 4-05-2000, no recurso nº 134/2000 e, ainda, no acórdão de 6-12-2006, no recurso nº 3733/06-2, onde se reproduziu a citação de Meneses Cordeiro, no Tratado de Direito Civil, I vol. pág. 846 da 3ª ed. :” Os interessados no negócio dissimulado devem invocá-lo e prová-lo. Não pode o tribunal, pedida uma declaração de simulação absoluta, passar à relativa”.

Ora nenhum dos réus alegou os contornos do negócio dissimulado, antes os réus CC e marido impugnaram mesmo expressamente a sua existência ao afirmarem a sua vontade de comprar, a vontade do vendedor em vender e a efectivação do pagamento do respectivo preço e o correspectivo recebimento pelo vendedor.

O que alegaram foi que da alegação dos autores resultaria um contrato de doação, o que é incompatível com a anterior alegação e, por isso, se não pode aceitar como alegação válida de um facto.

De igual defeito incorre a alegação dos co-réus EE e mulher que também não alegam a verificação dos referidos factos, antes referem apenas que da alegação dos autores resulta aquela doação.

Mas também não se vê em que factos provados alicerça o acórdão a verificação do contrato dissimulado e nem sequer este acórdão qualifica o negócio, com vista a avaliar da sua validade formal, como exige o nº 2 do art. 241º.

Analisando a matéria de facto, podemos concluir como fez a 1ª instância que a ré CC não teve qualquer vontade de contratar.

O que se provou foi que a compra e venda em causa se fundamentou na intenção do HH, pai da ré CC, de retirar do património do irmão GG a casa de habitação deste e nesse sentido conseguiu a realização da escritura em causa, em 24-01-2002, arquitectando com o referido GG e com a ré CC um negócio para que o referido HH se apoderasse do mesmo prédio, tendo os celebrantes daquela – o GG e a CC - emitido as declarações ali constantes sem que tivessem o intuito de realizar qualquer contrato de compra e venda, não querendo o primeiro vender e não querendo a ré CC comprar o referido imóvel.

Também se provou que não foi pago ou recebido qualquer importância a título de preço.

E provou-se, ainda, que a emissão das referidas declarações contratuais se deveu ao acordo entre os celebrantes e o referido HH no sentido de retirar aos autores – filhos do GG – o direito ao mesmo prédio na herança paterna.

Provou-se ainda que na segunda compra e venda os ali vendedores – os réus CC e marido -, não quiseram vender, tendo sido o referido HH quem recebeu as quantias entregues pelos réus EE e mulher.

Ora desta factualidade fica-se sem se saber qual o concreto negócio que quiseram as partes - o GG e a ré CC - ao fazerem as declarações prestadas no primeiro contrato.

Com efeito, refere o acórdão recorrido que houve uma liberalidade, mas esta é compatível com vários tipos de contratos típicos ou atípicos cuja determinação era necessária, nomeadamente, com vista a aferir da sua validade formal exigida no nº 2 do art. 241º citado.

Tal como decidiu o citado acórdão deste Supremo de 6-12-2006, a ausência de pagamento do preço num contrato formalmente oneroso pode traduzir uma realidade mais profunda, para além da de uma vulgar doação.

E tal como refere a douta sentença de 1ª instância, os factos provados permitem a consideração de poder ter existido uma variedade de negócios dissimulados, cuja determinação se tem de fazer para aferir da sua validade formal, como dissemos já.

Como a parte interessada na validade daquele negócio dissimulado – os réus – não alegaram e nem provaram os seus elementos integradores, não pode aqui ser considerado ter havido um negócio dissimulado.

De qualquer modo, sempre acrescentaríamos que a considerar como doação, a liberalidade que o acórdão recorrido descortinou na factualidade provada, sempre a mesma seria a favor do HH e não da ré CC, conforme resulta inequivocamente dos factos dados por provados sob os números 15, 24 e 28 acima transcritos, e não tendo aquele HH intervindo por si, no contrato em causa, a alegada doação seria nula por vício de forma, pois então tal negócio tinha de ser realizado por escritura pública – art. 947º, nº 1 do Cód. Civil, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 116/2008, de 4/7, em vigor na data da realização do contrato em causa, e art. 220º do mesmo diploma.

É que a doação constitui um negócio bilateral ou contrato, integrado por duas declarações de vontade: do doador no sentido de disposição gratuita de uma coisa ou direito ou de assunção de uma obrigação em favor da outra, e do donatário no sentido da aceitação da mesma referida liberalidade.

Na escritura realizada consta uma declaração de alienação de um imóvel por parte do GG, mas não consta da mesma qualquer declaração do HH no sentido da aceitação, pois este, por si, nem sequer interveio na mesma, antes apenas interveio na qualidade de procurador da ré CC.

Por isso, mesmo que aceitássemos que estava integrado na factualidade apurada a existência de uma doação do GG a favor do HH dissimulada na compra e venda, este negócio seria nulo por vício de forma e, por isso, manter-se-ia os efeitos da nulidade da compra e venda simulada.

Desta forma, procede esta pretensão dos recorrentes, pelo que tem de ser revogado o acórdão recorrido, para se manter a sentença da 1ª instância.

Com a procedência desta questão fica prejudicado o conhecimento da segunda questão objecto deste recurso que fora formulada para a hipótese de improceder aquela.

Pelo exposto, concede-se a revista pedida e, por isso, se revoga o acórdão recorrido, para ficar a valer a douta sentença de 1ª instância.

Porém, manter-se-á a decisão absolutória da condenação dos réus como litigantes de má fé decretada no acórdão recorrido, por não haver sido impugnada tal parte do mesmo acórdão.

Nos termos do art. 446º, as custas na 1ª instância ficam a cargo de todos os réus por todos terem decaído.

As custas nas apelações ficam a cargo dos respectivos apelantes.

As custas na revista ficam a cargo dos recorridos CC e marido e EE e mulher.

Supremo Tribunal de Justiça

Lisboa, 2010-09-14.

João Camilo ( Relator )*

Fonseca Ramos

Cardoso de Albuquerque.

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* Sumário e descritores elaborados pelo Relator