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ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Sumário
I - A responsabilidade, principal e agravada, do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte; a violação, pelo mesmo empregador, de preceitos legais ou regulamentares ou de directrizes sobre higiene e segurança no trabalho. II - A inexigibilidade de prova da culpa aquando da verificação do segundo dos fundamentos da responsabilidade agravada não constitui qualquer desvio às regras gerais sobre responsabilidade civil: por um lado, o regime em vigor passou a considerar que a falta de observância das regras de segurança constitui fundamento autónomo bastante para o agravamento da reparação; por outro, uma vez que a culpa (mera culpa) se traduz na omissão dos deveres de cuidado exigidos ao agente, a falta de cumprimento das assinaladas regras mais não consubstancia, afinal, do que a omissão concreta de um especial dever de cuidado imposto por lei. III - O que ambos os fundamentos da responsabilidade agravada exigem, a par, respectivamente, do comportamento culposo ou da violação normativa, é a necessária prova do nexo causal entre o acto ou a omissão – que os corporizam – e o acidente que veio a ocorrer. IV - O ónus da prova dos factos susceptíveis de agravar a responsabilidade do empregador recai sobre quem dela tirar proveito, sejam os beneficiários do direito reparatório, sejam as instituições seguradoras que pretendem ver desonerada a sua responsabilidade infortunística. V - A responsabilidade agravada do empregador – com fundamento na 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 18.º, da Lei 100/97, de 13 de Setembro – pressupõe a concorrência de dois requisitos: que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal; que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada. VI - Do disposto no artigo 563.º, do Código Civil, decorre que a adequação relevante não é aquela que se basta com o simples confronto entre o facto e o dano isoladamente considerados, mas, pelo contrário, aquela que atende a todo o processo causal que, na prática, conduziu efectivamente ao dano; daí que se exija que o efeito danoso tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo. VII - A afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes: a vertente naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, porque contido no âmbito restrito da matéria factual, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano; a vertente jurídica, já sindicável pelo Supremo, que consiste em apurar se esse facto concreto, pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido. VIII - As presunções judiciais, porque se inserem no julgamento da matéria de facto e constituem um meio probatório de livre apreciação do julgador, não são susceptíveis de avocação pelo Supremo, visto que a sua competência funcional, afora as situações de controlo da prova tabelada, se restringe à aplicação definitiva do regime jurídico, que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelas instâncias – artigos 87.º, do Código de Processo do Trabalho, e 721.º e 729.º, do Código de Processo Civil. IX - Ao Supremo apenas cabe – por ser uma questão de direito – aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os artigos 349.º e 351.º, do Código Civil, ou seja, se foram inferidos de factos desconhecidos – designadamente por não terem sido provados – ou irrelevantes para o efeito – designadamente porque o facto presumido exige um grau superior de segurança na prova – e, bem assim, se a ilação extraída conflitua com factualidade provada ou contraria outra que, submetida expressamente ao crivo probatório, tenha sido dada como não provada. X - A prova do nexo naturalístico – a chamada dinâmica do acidente – é essencial para a imputação da responsabilidade infortunística e para o consequente ónus reparador, daí que, não tendo as instâncias dada como provada a verificação desse nexo, não dispõe o Supremo de qualquer meio para o afirmar
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1 – RELATÓRIO
1-1
AA, por si e em representação de sua filha BB, intentou, no Tribunal o Trabalho de Viana do Castelo, a presente acção especial, emergente de acidente de trabalho, contra “CC – Granitos e Ornamentações, S.A” e “DD, S.A.”, de quem reclama da primeira a título principal e da segunda a título subsidiário, a reparação do acidente laboral que vitimou mortalmente EE, marido da Autora e pai da menor BB.
A título subsidiário – e para a eventualidade de se entender que a Ré empregadora não deve ser responsabilizada a título principal – mais peticiona a condenação da Ré Seguradora no pagamento das pensões e indemnizações que indica.
Ambas as demandadas contestaram:
- excepcionando a Seguradora a inobservância, pela “CC”, das normas de segurança no trabalho que, na espécie, se impunham, – a consequenciar, desde logo, a sua responsabilidade meramente subsidiária – sem embargo de sempre dever tal responsabilidade ficar circunscrita ao salário efectivamente transferido;
- sustentando a Ré patronal que o acidente se ficou a dever à atitude negligente da própria vítima. 1-2
Instruída e discutida a causa, veio a 1.ª instância a proferir sentença, em que decidiu:
a- absolver a Ré empregadora dos pedidos;
b- condenar a Ré Seguradora a pagar:
- à Autora AA, o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de €2.082,80, com início em 13/2/2004;
- à Autora BB, a pensão temporária de €1.388,54, com início em 13/2/2004 e as seguintes actualizações: em 2005 para € 1.420,47 e em 2006 para € 1.453,14;
- a ambas as Autoras, o montante de € 4.387,20 a título de subsídio por morte, a quantia de € 1.462,40 a titulo de despesas de funeral e a quantia de € 30,00 a título de despesas de transporte;
- os juros de mora sobre as quantias indicadas.
Sob apelação principal da Seguradora e subordinada da Autora, o Tribunal da Relação do Porto decidiu anular a sentença, com vista à ampliação da matéria de facto, sendo que a 1.ª instância, depois de cumprir o assim decidido, proferiu nova sentença nos precisos termos da anterior.
Aquelas duas partes voltaram a reagir necessariamente de modo similar àquele de que se haviam socorrido anteriormente, mas debalde o fizeram, pois o Tribunal da Relação confirmou na íntegra, desta feita, a sentença apelada. 1-3
Mantendo-se irresignadas, a Seguradora e a Autora vêm agora pedir revista a este Supremo Tribunal – fazendo-o a Autora, também aqui, de forma subordinada – avocando os seguintes núcleos conclusivos:
REVISTA DA RÉ À SEGURADORA
1 - ao contrário do que se refere na decisão em crise, a primeira e a segunda decisão da 1.ª instância são absolutamente iguais, não passando a segunda de uma reprodução, “ipsis verbis”, da primeira;
2 – existindo muito mais matéria de facto, na sequência da enorme ampliação da B.I. ordenada pelo acórdão da Relação do Porto, não se vislumbra como é que uma sentença de teor literalmente igual possa ter apreciado tal acrescida matéria de facto;
3 – assim sendo, quer a 2.ª decisão da 1.ª instância quer o Acórdão em crise violaram grosseiramente o estatuído no n.º 3 do art. 659.º do C.P.C., devendo ser substituídas por decisão que opere tal apreciação;
4 – reconhecendo-se que não se estará perante qualquer das situações a que se refere o n.º 2 do art. 722.º do C.P.C., não pode deixar de se censurar a decisão proferida quanto à requerida alteração da decisão da matéria de facto, como que prenunciadora de igualmente errada decisão de direito;
5 – de facto, é flagrante que mesmo com a matéria dada como provada, ou seja, definitivamente fixada pelas instâncias, ocorreu grave erro de julgamento, devendo a decisão final ser sempre a proposta pela Recorrente;
6 – para imputar o acidente à R. Patronal, dando-o como decorrente das grosseiras violações das mais elementares regras de segurança, relevam os seguintes factos:
- no dia 12/2/04, cerca das 17h15, no lugar de ... quando o sinistrado se encontrava numa pedreira, no exercício das suas funções para a R. CC ocorreu uma derrocada de pedras de grandes dimensões proveniente da parte frontal da pedreira - c);
- essas pedras caíram sobre a máquina, provocando o esmagamento parcial do lado esquerdo desta, onde se localizava a cabine de comando e onde se encontrava o sinistrado, provocando de imediato a sua morte – d);
- o desabamento foi constituído por pedras soltas – 12.ª;
- a R. CC procedia à exploração da pedreira sem ter qualquer planificação dos trabalhos de exploração, sem ter um plano de segurança e saúde que contemplasse os trabalhos de decapagem e desmonte que prevenisse o risco de derrocadas e ainda que prevenisse a queda de trabalhos de faqueio (corte de pedra) a altura e largura das bancadas, cargas de fogo, delimitação das horas de trabalho e desvinculação de trabalhadores; não existia ainda plano de pedreira que definisse os objectivos, os processos, medidas e acções de monitorização da exploração da pedreira – 2.º, 3.º, 4.º e 14.º;
- a R. CC não tinha qualquer estudo geológico do terreno e não sabia a composição, disposição e estabilidade dos inertes que se encontravam em plano superior – 8.º e 17.º;
- a R. CC não procedeu a inspecções regulares das frentes de desmonte e paredes junto das quais se executavam os trabalhos – 10.º; - a frente de desmonte apresentava-se fissurada e, no momento do acidente, com cobertura vegetal rasteira – 11.º (resposta da Relação);
- não havia sinalização que indicasse as zonas com eventual risco de desabamento ou áreas de acesso condicionado; ninguém sabia quais os períodos em que deveriam ser vistoriadas as frentes de trabalho e há quanto tempo o haviam sido – 15.º;
- na pedreira em questão usavam-se furos superiores a 6mm, bem como máquinas pesadas, como era a que manobrava o sinistrado – 18.º;
7 – estas condições de trabalho consubstanciam grosseiras violações das normas de segurança do trabalho aplicáveis, maxime os arts. 31.º e 32.º da Portaria 198/96, de 4 de Junho, os quais estabelecem as prescrições mínimas para as indústrias extractivas a céu aberto, como era a pedreira dos autos, entre as quais avultam, nomeadamente, a obrigação da existência de um plano de segurança que preveja as medidas adequadas para proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores, seja em circunstâncias normais ou críticas, que “os trabalhos sejam planificados tendo em conta os riscos de desabamento ou deslizamento dos terrenos”, que “o plano de Segurança deve indicar as soluções adequadas a prevenir os riscos referidos no n.º 1 (desabamento ou deslizamento)”, que “As partes de decapagem e de desmonte acima dos postos de trabalho ... devem ser inspeccionadas e saneadas antes de se iniciarem os trabalhos a fim de se garantir a ausência de massas ou rochas não consolidadas”, assim como do estatuído nos arts. 3.º n.º 1, 2, 3, 5 e 7, 4.º n.º 1 al. a) e i), n.º 2 a), c), d), n.º 3 e n.º 4 do D.L. n.º 324/95, de 29/11, e os arts. 11.º, 41.º, 44.º e 46.º do D.L. n.º 270/2001, de 6/10, o que esteve na origem do acidente, assim como violações de legislação mais genérica, como o estatuído nos arts. 272.º, n.º 1, 2, 3 a), b e c), 273.º n.º 1, 2 a), b), c), d), f), e), m), n.º 3 e n.º 5, todos do Código do Trabalho, o que constitui a causa adequada (se não mesmo exclusiva) do acidente;
8 – face ao exposto, ao acidente dos autos é inteiramente aplicável o estatuído nos arts. 18.º n.º 1 e 37.º n.º 2 da Lei n.º 100/97, devendo a R. Patronal ser condenada no pagamento das prestações agravadas devidas aos beneficiários do malogrado sinistrado, aqui AA., e a Recorrente condenada apenas a título subsidiário pelas prestações normais previstas na lei;
9 – ao contrário do que refere a decisão em crise, salvo o devido respeito, em nada releva apurar as razões concretas que determinaram a ocorrência da derrocada que vitimou o trabalhador;
10 – este é um facto ou evento naturalístico que, por si só, e ao contrário do que parece entender o tribunal a quo não integra o conceito de acidente de trabalho. Trata-se apenas de um dos factores ou elementos que integram o evento complexo que é o acidente de trabalho dos autos;
11 – bem elucidativo de que assim o é o Acórdão do S.T.J. no qual se diz que “para responsabilizar a entidade empregadora por violação de regras sobre a segurança no trabalho basta que essa violação se apresente como causa adequada do evento, não sendo necessário que, só por si, com a colaboração de outros factos, o tenha produzido, o que significa que aquela responsabilidade não é afastada na hipótese de concorrência de causas” – Ac. de 23/9/2009 in www.dgsi.pt, Proc. n.º 107/09.8TTLRP.C1;
12 – assim, tal aludido evento ou facto naturalístico pode ter decorrido de um sem número de razões, como um sismo imperceptível, o trepidar da própria máquina parada que o sinistrado operava ou outra qualquer que não cuidava à R. Seguradora apurar, sob pena de se lhe exigir a prova diabólica ou impossível;
13 – o que cabia à Recorrente demonstrar, e isso fê-lo, era o nexo de causalidade entre as apontadas violações de regras de segurança e a ocorrência do acidente dos autos;
14 – nexo de causalidade este que nem do ponto de vista abstracto ou filosófico nem do ponto de vista da solução adoptada pelo ordenamento jurídico português – art. 653.º C.C. – poderia alguma vez ser interpretado com a latitude que lhe dá a decisão em crise;
15 – na verdade, a exigência que se faz na decisão em crise de que a Recorrente deveria ter demonstrado qual a razão pela qual se deu a derrocada, para além de infundada, pois que, como vimos, tal evento naturalístico é apenas uma concausa do acidente, extravasando em absoluto o que, segundo a teoria da causalidade adequada adoptada no nosso ordenamento jurídico, é razoável exigir seja a quem for, é ainda uma exigência inadmissível, por traduzir-se pura e simplesmente na exigência da prova impossível ou diabólica;
16 – Caso a R. Patronal tivesse cumprido as suas obrigações legais, efectuando planos de exploração e planos de segurança que identificassem as zonas de risco de derrocadas e contemplassem, por isso, a delimitação de zonas de trabalho e de circulação, se tivesse feito estudos geológicos e inspecções regulares e periódicas às frentes de trabalho, conheceria a sua composição, assim como a localização e estabilidade dos inertes situados a nível superior;
17 – ao actuar como actuou, preferindo ignorar a realidade geológica da pedreira e confiando, à boa maneira nacional, que nenhuma tragédia iria acontecer, a R. Patronal permitiu que o sinistrado e outros trabalhadores se colocassem na frente dos trabalhos, sob pedras de enormes dimensões que até se encontravam soltas, não definindo tal zona como zona de risco, o que determinou que, dando-se a derrocada, como poderia dar a qualquer momento, a mesma se traduzisse num gravíssimo acidente de trabalho;
18 – quando, tendo cumprido as injunções legais de segurança que lhe cabia garantir, ainda que se desse a derrocada, a mesma não teria quaisquer consequências, jamais se traduzindo num acidente de trabalho, pois que tendo vistoriado a frente da pedreira, e tornando-se conhecedora da sua realidade, “maxime” da existência de pedras soltas de grande dimensão, não permitiria que se trabalhasse sob as mesmas, criando zonas de segurança;
19 – a derrocada, como simples evento naturalístico, sempre poderia ocorrer. O que não ocorreria era o acidente de trabalho dos autos, pois que ninguém no seu perfeito juízo colocaria ou permitiria que se colocasse um trabalhador em tal zona definida como de risco de derrocada sob tais pedras;
20 – a identificação e delimitação das zonas de derrocada é, precisamente por razões de segurança, uma das obrigações essenciais de quem explora uma pedreira a céu aberto – cfr. arts. 31.º e 32.º da Portaria n.º 198/96, de 4 de Junho;
21 – por fim, cabe ainda dizer o seguinte: a actividade de exploração de uma pedreira a céu aberto é, como é consabido e unanimemente aceite, uma actividade perigosa. Tal facto, por ser do conhecimento geral, – a própria lei qualifica tal actividade como perigosa (cfr. preâmbulo do D.L. n.º 324/95, de 29 de Novembro) – não carece sequer de alegação e de prova;
22 – aplica-se, por isso, ao caso dos autos o decidido no Ac. do S.T.J. de 26/11/2003 (Proc. 0254178 in dgsi.pt): “tratando-se de danos no exercício de uma actividade que pela natureza dos meio utilizados é perigosa, constitui-se a entidade patronal na obrigação de reparar tais danos, excepto se provar que empregou todas as providências que as circunstâncias exigiam com o fim de evitar as mesmas (art. 493.º n.º 2 do C.C.)”. E, como se decidiu em tal Acórdão, sempre assim seria mesmo que não se provasse o nexo de causalidade entre as violações das normas de segurança e a ocorrência do acidente (e, in casu, crê-se que tal nexo está por demais demonstrado) nos termos do art. 4.º do D.L. n.º 441/91, de 14 de Novembro – diploma que contém os princípios que visam promover a segurança, higiene e saúde no trabalho – (hoje, nos termos dos arts. 272.º e 273.º do Cod. Trabalho) – pois todos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e protecção na saúde; e, de acordo com o art. 8.º n.º 1 e n.º 2 al. a) do mesmo diploma legal (hoje al. a) do n.º 2 daquele art. 273.º), o empregador é obrigado a proceder, na concepção das instalações dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos possíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção;
23 – no caso dos autos, é inegável, mesmo face à matéria dada como provada, que a entidade patronal não actuou com uma fracção sequer de diligência que era exigível nas circunstâncias;
24 – pelo contrário, o que está provado é que não só explorava uma pedreira ilegal, como não tomou qualquer precaução tendente a evitar o acidente, sendo-lhe por isso o mesmo imputável a título de culpa (teve mesmo o despudor de imputar o acidente a conduta culposa do infeliz sinistrado);
25 – na verdade, atenta a factualidade apurada, a qual consubstancia grosseiras violações de toda e qualquer regra de bom senso, de segurança aplicável ao trabalho em pedreiras e mesmo de moral e bons costumes, é evidente que a R. Patronal é a única e exclusiva culpada do acidente, tendo-se constituído, por isso, na obrigação de reparar os danos do mesmo decorrentes, pois que não provou que empregou todas as providências que as circunstâncias impunham com o fim de evitar os mesmos (art. 493.º n.º 2 do C.C.);
26 – como se decidia no Acórdão supra citado, estabelece-se aqui uma inversão do ónus da prova, presumindo-se a culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa, presunção essa que não se mostra ilidida;
27 – face à matéria fáctica que se entende apurada, é inequívoco que o acidente resultou exclusivamente da violação das normas de segurança do trabalho aplicáveis, maxime as referidas no ponto 7 destas conclusões;
28 – assim sendo, como é, ao acidente dos autos é aplicável o estatuído nos arts. 18.º n.º 1 e 37.º n.º 2 da Lei n.º 100/97, devendo a R. Patronal ser condenada no pagamento aos beneficiários do sinistrado, aqui AA., das prestações agravadas previstas na lei, sendo a Recorrente absolvida de tal pedido e apenas condenada a título subsidiário pelas prestações normais previstas na lei.
REVISTA DA AUTORA
1 – face à matéria de facto dada como provada, impunha-se que tivesse sido decidido que o acidente sub judice se ficou única e exclusivamente a dever à inobservância de preceitos legais e regulamentares relativos à higiene e segurança do trabalho por parte da Ré patronal;
2 – essa Ré ordenou ao trabalhador sinistrado que laborasse numa pedreira para a qual não tinha licença de exploração (resposta ao quesito 9.º) e para a qual não tinha qualquer planificação dos trabalhos de exploração ou qualquer plano de segurança que prevenisse os riscos de derrocada, queda em altura de trabalhos de faqueio ( corte de pedra) e que estabelecesse as zonas de trabalho e de circulação dos trabalhadores (resposta aos quesitos 2.º, 3.º e 4.º); nessa pedreira a inclinação e a orientação dos taludes apresentava-se de forma irregular (resposta ao quesito 6.º) e não existia qualquer estudo geológico do terreno;
3 – este comportamento da Ré Patronal foi violador das normas de segurança, higiene e saúde no trabalho, em vigor para o sector, nomeadamente do disposto nos arts. 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 324/95, de 19/11, e dos arts. 41.º n.º 1, als. a) e b) do D.L. n.º 270/01, de 6/10, bem como dos arts. 31.º e 32.º da Portaria n.º 198/96, de 4/6;
4 – Só devido a este comportamento da Ré patronal é que o acidente se tornou possível;
5 – essa Ré não se preocupa minimamente com as condições em que laboravam os seus trabalhadores não cuidando de planificar os trabalhos de exploração e de ter um plano de segurança que prevenisse os riscos de derrocada, e a queda em altura de trabalhos de faqueio, como aquela que se veio a verificar e que vitimou o trabalhador sinistrado;
6 – se a Ré patronal tivesse esse plano de exploração e segurança, que estabelecesse as zonas de trabalho e de circulação, onde os trabalhadores pudessem laborar, e se tivesse inspeccionado as frentes de desmonte, libertando-a de materiais ou rochas não consolidadas ou soltas, ou, pelo menos, impedisse que os seus trabalhadores laborassem sob as mesmas, o acidente não teria ocorrido;
7 – existe, pois, um claro nexo de causalidade entre a actuação culposa e ilícita daquela Ré e o acidente dos autos;
8 – pelo que houve um manifesto erro de julgamento do tribunal “a quo”, o qual devia ter dado como provado que o acidente dos autos se ficou unicamente a dever à inobservância por parte da Ré patronal dos preceitos legais e regulamentares relativos à higiene e segurança para o trabalho;
9 – nessa medida, a Ré Patronal deveria ser condenada a pagar à A. as prestações agravadas a que aludem os arts. 18.º n.º 1 al. b) e 37.º n.º 2 da Lei n.º 100/97, de 13/9;
10 – pelo que deve ser dado provimento ao recurso interposto pela Companhia de Seguros “F...........”, bem como ao recurso subordinado ora interposto e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida, proferindo-se, outra que, em sua substituição, condene a Ré “CC” ao pagamento à A. e à sua representada legal das prestações agravadas acima referidas, condenando-se a Ré Seguradora a título subsidiário, nos termos do art. 37.º n.º 2 daquela Lei n.º 100/97.
1-4
A Ré “CC” contra-alegou, sustentando a improcedência dos recursos. 1-5
No mesmo sentido – e sem qualquer reacção das partes – se pronunciou a Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta. 1-6
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2 - FACTOS
A 1.ª instância, com o aval expresso da Relação, deu como provada a seguinte factualidade:
1 – a A. AA casou com EE em 7/8/99 e desse casamento nasceu, em 6/9/2000, a A. BB;
2 – em finais de Agosto de 2003, o sinistrado EE foi admitido ao serviço da Ré “CC” para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar a actividade de manobrador de máquinas, auferindo a retribuição anual de € 6.942,68;
3 – no dia 12/2/2004, cerca das 17h15, no lugar de ......, Merufe, Monção, quando o sinistrado se encontrava numa pedreira, no exercício das suas funções para a Ré “CC”, ocorreu uma derrocada de pedras de grande dimensão provenientes da parte frontal da pedreira;
4 – essas pedras caíram sobre a máquina, provocando o esmagamento parcial do lado esquerdo desta, onde se localizava a cabine de comando, e onde se encontrava o sinistrado, provocando de imediato a sua morte;
5 – o desabamento foi constituído por pedras soltas;
6 – a Ré “CC” procedia à exploração da pedreira sem ter qualquer planificação dos trabalhos de exploração, sem ter um plano de segurança e saúde que contemplasse os trabalhos de decapagem e desmonte que prevenisse o risco de derrocadas, e ainda que prevenisse a queda em altura de trabalhos de faqueio (corte de pedra), a altura e largura das bancadas, cargas de fogo, delimitação das zonas de trabalho e de circulação de trabalhadores; não existia ainda plano de pedreira que definisse os objectivos, processos, medidas e acções de monotorização da exploração da pedreira;
7 – a inclinação e orientação dos taludes apresentava-se de forma irregular;
8 – a Ré “CC” não tinha qualquer estudo geológico do terreno e não sabia a composição, disposição e estabilidades dos inertes que se encontrassem em plano superior;
9 – a Ré “CC” não tinha licença de exploração concedida pelo Ministério da Economia nem tinha apresentado, para aprovação, à Direcção-Geral de Geologia e Minas qualquer tipo de trabalhos;
10 – a Ré CC” não procedeu a inspecções regulares das frentes de desmonte e paredes junto das quais se encontravam trabalhos;
11 – a frente de desmonte apresentava-se fissurada e, no momento do acidente, com cobertura vegetal rasteira;
12 – não havia sinalização que indicasse as áreas com eventual risco de desabamento ou áreas de acesso condicionado; ninguém sabia quais os períodos em que deveriam ser vistoriadas as frentes de trabalho e há quanto tempo haviam sido;
13 – na pedreira em questão explorava-se a extracção de granito amarelo, a qual tem menor coesão que o granito escuro, por ser mais arenoso e, por isso, mais sujeito a fragmentação:
14 – na pedreira em questão usavam-se furos superiores a 6 mm, bem como máquinas pesadas, como era a que manobrava o sinistrado;
15 – a A. AA teve despesas com deslocações ao Tribunal;
16 – a Ré “CC” havia transferido a sua responsabilidade civil resultante do acidente de trabalho ocorrido com o sinistrado para a Ré Seguradora, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 2751129, pela retribuição anual de € 6.942,68.
São estes os factos. 3 – DIREITO 3-1
Decorre da súmula levada à rubrica “Relatório” que as instâncias condenaram a Ré Seguradora – e apenas esta – a reparar o sinistro dos autos.
Para alcançar tal solução, convergiram no entendimento de que não concorriam, no caso, os pressupostos da responsabilização, a título principal e agravado, da Ré empregadora: é que, muito embora fosse indiscutível o incumprimento das regras de segurança que àquela entidade competia, na espécie, implementar, não se provara o necessário nexo causal entre esse incumprimento e o acidente produzido.
Da sentença apenas recorreram a Ré Seguradora e a Autora que, restringindo, naturalmente, a sua censura à matéria que as desfavorecia, só questionaram, na parte ora útil, o segmento decisório que considerou improvada a existência do sobredito nexo.
Como, em contrapartida, a entidade patronal não reagiu contra a referida decisão – podendo fazê-lo, nos termos do artigo 684.º-A, do Código de Processo Civil – torna-se seguro que transitou em julgado o segmento decisório da sentença que afirmara a apontada violação de normas de segurança por banda da empregadora. Daí, que a sequente apelação – afora as questões relativas a nulidades decisórias e à impugnação da matéria de facto, que não vêm agora à liça – tivesse tido por objecto exclusivo a problemática do indicado nexo causal. E, como a Relação veio a acolher na integra a tese da 1.ª instância, compreende-se – e as conclusões recursórias confirmam-no – que a presente revista tenha igualmente um objecto absolutamente idêntico. 3-2-1
Atenta a data do acidente – 12 de Fevereiro de 2004 – é aplicável ao discutido sinistro o regime da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (“Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais”), que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril (“Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho”), na redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 382-A/99, de 22 de Setembro.
Com efeito, a Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho de 2003 – com início de vigência reportado a 1 de Dezembro de 2003 – veio postergar para o momento da respectiva regulamentação, que nunca se produziu, a entrada em vigor das normas vertidas naquele compêndio sobre “Acidentes de Trabalho” – artigos 281.º a 312.º – ressalvando, por isso, a subsistência da mencionada Lei n.º 100/97.
Prescreve o artigo 18.º desta Lei, sob a epígrafe “casos especiais de reparação”:
“N.º 1 – Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante ou resultar da falta de observação das regras sobre segurança, regime e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
(...).
Essas regras elegem critérios, nelas descritos, que beneficiam o sinistrado e agravam a responsabilidade da entidade que responde pela reparação, identificada, como segue, no seguinte artigo 37.º n.º 2:
“verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei”.
Como se vê, no contexto do regime atendível, a responsabilidade, principal e agravada, do empregador pode ter dois fundamentos autónomos:
- um comportamento culposo da sua parte;
- a violação, pelo mesmo empregador, de preceitos legais ou regulamentares ou de directrizes sobre higiene e segurança no trabalho.
A única diferença entre ambos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo.
Mas esta desnecessidade não constitui qualquer desvio às regras gerais sobre responsabilidade civil, onde a verificação da culpa – real ou presumida – do agente constitui, por regra, elemento essencial.
Na verdade:
- por um lado, o regime em vigor passou a considerar que a falta de observância das normas de segurança constitui fundamento autónomo bastante para o agravamento da reparação;
- por outro, uma vez que a culpa (mera culpa) se traduz na omissão dos deveres de cuidado exigidos ao agente, a falta de cumprimento das assinaladas regras mais não consubstancia, afinal, do que a omissão concreta de um especial dever de cuidado imposto por lei (cfr. Acórdão desta Secção de 11/6/2005, na Revista n.º 780/05).
Em contrapartida, ambos os fundamentos exigem, a par, respectivamente, do comportamento culposo ou da violação normativa, a necessária prova do nexo causal entre o acto ou a omissão – que os corporizam – e o acidente que veio a ocorrer.
É pacífico que o ónus da prova dos factos susceptíveis de agravar a responsabilidade do empregador recai sobre quem dela tirar proveito, sejam os beneficiários do direito reparatório, sejam as instituições seguradoras que pretendam ver desonerada a sua responsabilidade infortunística. 3-2-2
Cingindo-nos, como importa, ao fundamento questionado (2.ª parte do transcrito artigo 18.º n.º 1), logo se conclui que a sua verificação pressupõe a concorrência de dois requisitos:
- que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal,
- que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada. È sobre este segundo requisito que importa agora reflectir.
A tal propósito, a sentença da 1.ª instância exarou o seguinte:
“É certo que resultou provado que a Ré CC, na exploração da pedreira, violava todo um conjunto vasto de regras de segurança: não tinha qualquer planificação dos trabalhos, não tinha plano de segurança que contemplasse o risco decorrente daquela actividade específica e não possuía qualquer estudo geológico do terreno. Acresce que não procedia a inspecções regulares das frentes de desmonte e das paredes junto das quais se executavam as tarefas. Simplesmente, não foi possível apurar as razões concretas que determinaram a derrocada que vitimou o trabalhador. Ora, não basta que a entidade patronal, no exercício da sua actividade, não cumpra regras de higiene e segurança: é necessário que o acidente tenha tido origem nesse incumprimento, ou dito de outra forma, é indispensável a existência de um nexo de causalidade entre a violação das normas e o evento. No nosso caso, não é possível afirmar, de forma segura, que se aquelas normas tivessem sido cabalmente respeitadas não viesse na mesma a ocorrer a derrocada que provocou o decesso do sinistrado” (FIM DE TRANSCRIÇÃO - sublinhado nosso).
Por sua vez, o Acórdão sob escrutínio discorreu como segue:
“Para que o acidente dos autos possa ser imputado à entidade patronal, não basta provar o desrespeito pelas regras de segurança. É necessário alegar e provar o nexo de causalidade entre o acidente e a inobservância das regras de segurança.
No caso dos autos, não está em discussão a violação de determinadas normas de segurança por parte da entidade patronal, na medida em que a sentença, nesse particular, não foi posta em causa pelas pares. O que de facto se discute é se no caso se provou o referido nexo de causalidade. Ora, no caso concreto, e tendo em conta a resposta negativa ao quesito 20.º, não logrou a Ré Seguradora provar, como lhe competia, o nexo de causalidade entre a violação das normas de segurança e o acidente.
Mas será que a matéria dada como assente, e independentemente da resposta ao quesito 20.º permite mesmo assim concluir (presumir) pela existência do referido nexo de causalidade? Pensamos que não.
Expliquemos.
As presunções naturais, judiciais ou de facto fundam-se nas regras da experiência e estão previstas no art. 349.º e seguintes do C. Civil. Assim, o julgador, partindo de certo facto conhecido, e recorrendo às regras da experiência e a juízos de probabilidade, conclui que aquele facto conduz necessariamente a outro facto desconhecido. Todavia, a presunção judicial não apaga o ónus da prova e pode ser afastada por meio de contra prova – art. 350.º n.º 2 do C. Civil “a contrario”. Como já referimos, era à Ré Seguradora que competia provar a existência do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e o acidente. Tal prova não logrou fazer, pelo que não pode este tribunal recorrer às presunções judiciais para preencher a falta de prova com que a apelante estava onerada.
Mas, mesmo que assim não seja entendido, também não seria possível no caso concreto o recurso às referidas presunções. Com efeito, sabemos que ocorreu uma derrocada de pedras de grande dimensão provenientes da parte frontal da pedreira, desabamento constituído por pedras soltas. Ora a derrocada tanto poderia ocorrer por falta de cumprimento das regras de segurança como poderia ocorrer mesmo que no caso se tivesse tomado todas as medidas de segurança que no caso eram exigíveis (note-se que não está provado que a zona onde o sinistrado trabalhava era uma zona de risco de desabamento independentemente das cautelas que fossem tomadas). E se assim é, então, torna-se impossível no caso, mesmo recorrendo às regras de experiência, concluir pela existência do referido nexo de causalidade”. (FIM DE TRANSCRIÇÃO- sublinhados nossos).
Em contraponto do exposto, entende a Ré Seguradora – com o aval da Autora – que “... em nada releva apurar quais as razões concretas que determinaram a ocorrência da derrocada que vitimou o trabalhador”, pois que “... esta é um facto ou evento naturalístico que, por si só, e ao contrário do que parece entender o Tribunal a quo, não integra o conceito de acidente de trabalho... e que não cuidava à R. Seguradora apurar, sob pena de lhe exigir a prova diabólica ou impossível”; “...o que cabia à recorrente demonstrar, e isso fê-lo, era o nexo de causalidade entre as apontadas violações de regras de segurança e a ocorrência do acidente de trabalho dos autos”. 3-2-3
A produção de um dano resulta, necessariamente de um processo causal, onde podem, concorrer circunstâncias da mais variada natureza.
Sendo assim, e porque a obrigação de indemnizar só tem cabimento quando existir um nexo de causalidade entre o acto ilícito do agente e o dano produzido, a questão que se coloca reside em saber quando é que o resultado lesivo se há-de ter como efeito daquele sobredito comportamento.
Debruçando-se sobre esta temática, Pessoa Jorge começa por aludir à “teoria da equivalência das condições”, para a qual “... cada condição sine qua non seria causa de todo o efeito, porque, sem ela, as outras condições não teriam actuado” (in “Ensaio Sobre os Pressupostos Da Responsabilidade Civil” – “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, Lisboa, 1 a 72, reedição, página 389).
Sendo notório, porém, que uma tal teoria jamais poderia ser transposta, na sua genuinidade, para o domínio da responsabilidade civil – por ser patentemente injusto responsabilizar alguém por prejuízos que nada tiveram a ver em concreto, com a sua conduta – haverá que eleger então, de entre as várias condições do dano, aquelas que legitimam a imposição, ao respectivo agente, da obrigação de indemnizar.
O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Como a transcrita previsão legal logo sugere, a adequação relevante não é aquela que se basta com o simples confronto entre o facto e o dano isoladamente considerados mas, pelo contrário, aquela que atende a todo o processo causal que, na prática, conduziu efectivamente ao dano.
E, nessa medida, exige-se “... que o efeito danoso tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo”, como salienta o mesmo professor que, logo a seguir, explicita:
“Pode, na verdade, suceder que o comportamento do agente seja adequado (por si e em abstracto) a provocar o dano, mas este se produza segundo um processo diferente daquele que leva a considerar tal comportamento como causa adequada desse dano”, o que leva a excluir da reparabilidade “... não só os prejuízos que este normalmente não produziria, como também aqueles que normalmente produziria, mas por processo diferente do que realmente se deu “ (obra citada, páginas 395 e 396 – sublinhados nossos).
Conforme se vê, a lei exige, para fundamentar a reparação, que o comportamento do agente seja abstracta e concretamente adequado a produzir e efeito lesivo.
Por isso se diz que a afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes:
- a vertente naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, porque contido no âmbito restrito da matéria factual, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano;
- a vertente jurídica, já sindicável pelo Supremo, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido.
Estas duas vertentes são cumulativas e, portanto, indissociáveis na tarefa de indagação do processo causal para efeitos da reparabilidade de um sinistro. 3.2.4
O primeiro Acórdão da Relação decidiu anular a sentença da 1.ª instância, com vista à ampliação da matéria de facto, “...quer em conformidade com o que se expôs no ponto III.3.3, deste acórdão, quer quanto ao nexo de causalidade entre esta factualidade e a demais referente à alegada violação de normas de segurança, já constante da base instrutória, e o acidente em apreço nos autos...”.
O referido ponto III.3.3 convoca factualidade atinente a violações de normas de segurança por parte da empregadora, também inseridas na contestação da Ré Seguradora e que, na óptica da Relação, relevaram igualmente para a decisão da causa.
Trata-se da matéria que, após o crivo probatório, veio a integrar, na 2.ª sentença, os pontos ns.º 6 (última parte), (última parte), 12, 13 e 14 da matéria de facto.
Relativamente ao nexo de causalidade – cujos pontos factuais a Relação não concretizou – o Exm.º Juíz formulou o quesito 20.º, com a seguinte redacção:
“O evento referido em c) e d) ocorreu em consequência dos factos descritos em 2) a 19)?”
Este quesito foi dado como “Não Provado”.
Tal resposta dispensa-nos de aplicar oficiosamente o comando do artigo 646.º n.º 4 do Cód. Proc. Civil: é que a pergunta, nos exactos termos em se acha formulada, assume cariz notoriamente conclusivo, face ao “thema decidendum”, pelo que uma eventual resposta de sinal contrário teria de ser considerada como não escrita.
No entanto, também é bem certo que as instâncias não estavam impedidas de individualizar uma qualquer omissão da Ré Patronal no sentido de a considerar causal – ou concorrencial – do evento produzido.
Não o fizeram, certamente porque não adquiriram tal convicção, como claramente ilustra o Acórdão em crise, ao dizer que “...a derrocada tanto poderia ocorrer por falta de cumprimento das regras de segurança, como poderia ocorrer mesmo que no caso se tivesse tomado todas as medidas de segurança que no caso eram exigíveis...”.
E, mesmo que não tivessem uma resposta concreta onde se ancorar para o efeito, sempre dispunham ainda do mecanismo probatório das presunções judiciais.
Com efeito, a adequação concreta – nexo naturalístico – entre o comportamento do agente e o efeito lesivo tanto pode ser firmada através da prova que tenha sido directamente alcançada sobre a matéria, como pode ser indirectamente obtida por meio das sobreditas presunções. Em qualquer dos casos, estamos sempre num domínio que é da soberania exclusiva das instâncias.
Na verdade:
Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, sendo que “as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal” - artigos 349.º e 351.º, respectivamente, do Código Civil.
Ora, porque as presunções judiciais se inserem no julgamento da matéria de facto e constituem um meio probatório, da livre apreciação do julgador, está de todo vedado ao Supremo proceder à sua avocação, visto que a sua competência funcional, afora as situações de controlo da prova tabelada, se restringe à aplicação definitiva do regime jurídico, que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelas instâncias – artigos 87.º do C.P.T. e 721.º e 729.º do C.P.C.. Pela mesmíssima razão, não pode o Supremo sindicar o uso, ou não uso, pela Relação, desse meio probatório.
Apenas o poderá fazer – por ser uma questão de direito – para aferir se as presunções extraídas pelas instâncias violam os transcritos artigos 349.º e 351.º, ou seja, se foram inferidos os factos desconhecidos – designadamente por não terem sido provados – ou irrelevantes para o efeito – designadamente porque o facto presumido exige um grau superior de segurança na prova – e, bem assim, se a ilação extraída conflitua com factualidade provada ou contraria outra que, submetida expressamente ao crivo probatório, tenha sido dada como não provada.
O que fica exposto já indica o nosso entendimento:
- a prova do nexo naturalístico – a chamada dinâmica do acidente – é essencial para a imputação da responsabilidade infortunística e para o consequente ónus reparador.
E, como as instâncias não deram como provada a verificação desse nexo, não dispõe este Supremo de qualquer meio para o afirmar.
Aqui reside, pois, a divergência nuclear entre o nosso entendimento e a tese dos Recorrentes:
- segundo cremos, todo o raciocínio desenvolvido nessa tese tem como exclusiva resposta a adequação abstracta – nexo jurídico – da conduta omissiva do empregador para desembocar no acidente dos autos e não – como julgamos que também se impõe – a relação de causa-efeito entre essa conduta e o resultado verificado, em que se traduz a adequação concreta – nexo naturalístico.
Esta vem sendo, aliás, a posição pacificamente assumida pelo Supremo nos últimos anos.
E, já que a Recorrente Seguradora convoca, em suposto sentido contrário, o Acórdão deste Tribunal de 23/9/2009 – conclusão 11.ª – sempre se dirá que não se alcança qualquer divergência entre ele e o entendimento ora sufragado.
O que esse Aresto pretende significar é apenas que a conduta omissiva do empregador não tem que constituir a única causa do evento – ao contrário, recordamos nós, do que sucede com a descaracterização do acidente por facto imputável ao trabalhador – podendo assumir-se, daí, como uma concausa do sinistro; porém, em passo algum do Acórdão se vislumbra qualquer referência de onde seja lícito concluir que a mencionada afirmação se reporta às causas abstractas do dano e não foi pensada para as suas causas concretas.
Improcede, deste modo, a tese das Recorrentes. 3-2-5
Deixamos, a finalizar, uma nota breve sobre o teor das conclusões 1.ª a 3.ª da revista implementada pela Ré Seguradora.
Aí se diz que a sentença da 1.ª instância se limitou a reproduzir aquela que a precedera – e que fora anulada pela Relação – não cuidando de analisar “... a enorme ampliação da B.I. ordenada pelo 1.º Acórdão da Relação do Porto”.
Mais se refere que o Aresto ora em crise deu cobertura a tal omissão, pelo que ambas as decisões “... violaram grosseiramente o estatuído no n.º 3 do art. 659.º do CPC”.
Como se sabe – artigo 511.º n.º 1 desse Código – a Base Instrutória deve seleccionar a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Desse postulado decorre – implícita mas meridianamente – que o Tribunal não está obrigado a avocar na decisão de mérito, toda a factualidade fixada mas, tão-somente, aquela que achar relevante para o enquadramento jurídico que haja sufragado.
A censura da Recorrente só faria algum sentido se se mostrasse individualizada a matéria de facto pretensamente omitida e se, cumulativamente, se documentasse a sua relevância para a própria solução jurídica que veio a ser eleita.
Não foi o caso.
Mas, ainda que assim tivesse acontecido, sempre estaríamos perante um mero erro de julgamento, a merecer pronúncia na sede correspondente, pois nenhum outro vício – designadamente de natureza adjectiva – poderíamos lobrigar em tal situação.
Daí que não tenhamos individualizado a temática em análise no elenco das questões submetidas a veredicto.4 – DECISÃO
Em face do exposto, decide-se negar as revistas e confirmar o Acórdão impugnado.Custas das revistas a cargo das respectivas recorrentes.Lisboa, 22 de Setembro de 2010