DIUTURNIDADES
PROGRESSÃO NA CATEGORIA
REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA
Sumário


I - Nos termos do disposto no artigo 250.º, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho de 2003, as diuturnidades têm por fundamento a antiguidade do trabalhador.
II - O sistema de diuturnidades visa, na fórmula mais usual, compensar as dificuldades de progresso do trabalhador no seu estatuto socio-profissional, o que sucede nos casos de categorias sem acesso obrigatório ou de promoção condicionada (progressão não automática, por não directamente imposta pelo decurso do tempo), apresentando-se os acréscimos que representam as diuturnidades expressamente referidos a certa categoria de uma carreira profissional e calculados em função da correspondente remuneração, caso em que, nitidamente, se destinam «a ser consumidos pelo aumento de retribuição de posterior promoção», reportando-se, então, os acréscimos à «antiguidade na categoria»
III - Nos casos em que a regulamentação colectiva consigna acréscimos da remuneração reportados, não ao tempo de serviço numa categoria, nem à remuneração que lhe corresponde, mas ao tempo de serviço (sem mais), estabelecendo um valor fixo para cada diuturnidade, igual para todos os trabalhadores, e consigna, outrossim, que o acesso a categoria superior exige, para além da antiguidade noutra inferior, requisitos de mérito, assiduidade e habilitações, verifica-se que os critérios de atribuição de diuturnidades e de progressão na carreira não são coincidentes e, por conseguinte, a progressão não absorve o direito às diuturnidades previstas nas normas convencionais.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal do Trabalho de Coimbra, em acção com processo comum, intentada em 21 de Abril de 2005, AA demandou C... – Cooperativa de Ensino e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados, CRL, alegando, em resumo, que:

- Tendo sido admitida ao serviço da Ré em 1981, como servente de limpeza, e tendo passado a exercer, em 1990, as funções de monitora de centro de actividades ocupacionais, apenas lhe foi reconhecida e paga uma diuturnidade até ao final de 1994;
- Nos termos do CCT aplicável — o celebrado entre a Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular (AEEP) e a FENPROF —, tem direito a uma diuturnidade por cada 5 anos de serviço, até ao máximo de cinco, pelo que lhe é devida, a título de diuturnidades não pagas, a quantia global de € 11.530,76, além dos juros legais já vencidos (no valor de € 4.282,33) e dos vincendos:
- Além disso, desde Julho de 2001, tem vindo a realizar todos os meses um acréscimo de 12 horas de trabalho em relação ao seu horário obrigatório, trabalho suplementar esse que lhe não tem sido pago, o que a faz credora da Ré por mais um montante de € 11.700,48, a que acrescem juros moratórias vencidos no valor de € 833,83.

Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 23.231,24, acrescida de juros legais vencidos e vincendos.

Na contestação, a Ré, a pugnar pela improcedência da acção, alegou, em síntese, que:

- Sendo uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), o instrumento de regulamentação colectiva aplicável à relação de trabalho existente entre as partes é o Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social (UIPSS) e a FENPROF e outros;
- Ao ser contratada para exercer funções correspondentes a uma categoria profissional (monitora de CAO) que é de acesso obrigatório e automático, não tem a Autora direito ao recebimento de diuturnidades, pois a mudança do nível de remunerações se escalona já, dentro da categoria, de acordo com os anos de serviço nessas funções prestado, de 5 em 5 anos, até ao topo da carreira (monitora de 15 anos) que a Autora ainda não atingiu, não lhe sendo, por isso, devidas diuturnidades;
- Atendendo ao referido CCT, o horário obrigatório da Autora é de 38 horas por semana, embora a Ré lhe tenha vindo a exigir apenas 35 horas de trabalho, sendo as restantes 3 horas semanais de disponibilidade para a realização de reuniões e outros serviços meramente eventuais, que raramente ocorrem, por isso, não é devido o pagamento de qualquer trabalho suplementar.

Instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou, com a rectificação oportunamente efectuada, a Ré «a pagar à autora a quantia de 6.750,00 euros, acrescida dos juros legais – contados desde a data do vencimento das diuturnidades em dívida – até integral pagamento, do mais pedido se absolvendo a ré».

2. Interposto pela Ré recurso de apelação, foi o mesmo julgado totalmente improcedente pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

Do acórdão que assim decidiu, veio a Ré pedir revista, tendo extraído da respectiva alegação as seguintes conclusões:

«a)- Aplicou, o douto acórdão, incorrectamente, o art. 250, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho.

b)- Porquanto considerou ser cumulável diuturnidades e progressão dentro da própria carreira.

c)- Quando, tendo considerado que existiu progressão na carreira, atendendo à antiguidade.

d)- Não deveria ter considerado que havia lugar a liquidação de diuturnidades.

e)- Uma vez que as diuturnidades só são devidas em situações para “compensação pelas dificuldades de progresso na carreira do trabalhador ou da sua inserção numa categoria superior”.

f)- Existindo progressão na carreira, e consequente progressão salarial motivada par essa progressão, não são devidas diuturnidades.»

Não houve contra-alegação da Autora.

No douto parecer que exarou nos autos — a que as partes não responderam —, a Exma. Magistrada do Ministério Público neste Supremo Tribunal pronunciou-se no sentido de ser negada a revista.

A única questão a resolver, face ao teor das conclusões do recurso, é a de saber se a Autora tem direito ao pagamento de diuturnidades, como decidiram as instâncias, ou, como defende a Ré, tal direito não lhe assiste, em virtude de ter progredido na carreira em função da antiguidade.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Nas instâncias, os factos materiais da causa, que relevam para a apreciação do objecto do recurso, foram, sem impugnação das partes, fixados nos seguintes termos:

«1. A ré detém a qualidade de Cooperativa, dedicando-se ao ensino e reabilitação de cidadãos inadaptados.

2. Foi emitida, em 12 de Outubro de 1988, pelo Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Leiria, uma declaração em que se exarou que “a Cooperativa de Educação de Crianças Inadaptadas – C... – considerada de utilidade pública, de acordo com o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 515/G2/79, é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, nos termos do artigo 94.º, n.º 1, do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro” (documento não impugnado, junto a folha 57, com a contestação).

3. Por despacho de 24/08/2000, a ré voltou a ser reconhecida como Cooperativa de Solidariedade Social que prossegue os objectivos previstos no artigo 1.º do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, sendo equiparada a estas Instituições, aplicando-se os mesmos direitos, deveres e benefícios” (documento não impugnado, junto a folha 58, com a contestação).

4. Em Setembro de 1981, autora e ré celebraram entre si um contrato de trabalho a prazo, pelo qual aquela foi admitida ao serviço desta para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer a actividade profissional de servente de limpeza.

5. Este contrato, com previsão do seu termo para 31 de Agosto de 1982, foi tornado “definitivo” por acordo entre autora e ré, em 1 de Fevereiro de 1982.

6. Em 9 de Novembro de 1990, autora e ré celebraram contrato, reportando os seus efeitos a 1 de Novembro, através do qual ambas as partes acordaram a mudança de categoria profissional daquela, de servente de limpeza para monitora de Centro de Actividades Ocupacionais.

7. Desde essa data – 1 de Novembro de 1990 – até hoje, que a autora exerce as funções inerentes à categoria referida: Monitora de Centro de Actividades Ocupacionais.

8. Mais, ficou acordado que a autora prestaria o seu trabalho pelo período de 40 horas semanais e a retribuição seria de 50.000$00, acrescida de uma diuturnidade.

9. Em 1986, a autora completou 5 anos de trabalho ao serviço da ré, sendo referido, no acordo escrito de 1/11/1990, que o vencimento seria “de 50.000$00 mensais, acrescido de 1 diuturnidade”.

10. Em 1 de Setembro de 1991, a autora perfez 10 anos de trabalho ao serviço da ré.

11. No entanto, a ré apenas procedia ao pagamento da primeira diuturnidade.

12. Instada para proceder ao seu pagamento, a ré respondeu que “a 2.ª diuturnidade só se vence após permanência de 5 anos na mesma categoria”.

13. O pagamento da 1.ª diuturnidade, no valor de 2.304$00, foi efectuado à autora até Outubro de 1990, enquanto empregada de limpeza, em Novembro de 1990, com o primeiro vencimento como monitora de CAO.

14. Este pagamento foi efectuado ininterruptamente até Dezembro de 1994.

15. A ré cessou o pagamento das diuturnidades em Janeiro de 1995.

16. A autora interpelou por diversas vezes a ré para proceder ao pagamento destes direitos, primeiro pessoalmente e mais tarde por escrito.»

Uma vez que não ocorre fundamento legal para censurar a decisão sobre a matéria facto, ao quadro factual definido pelas instâncias se irá atender para apreciação do objecto do recurso.

2. Tal como entenderam as instâncias, sem impugnação das partes, à relação laboral em juízo é aplicável regulamentação colectiva específica contida, numa primeira fase da vigência do contrato, nas Portarias de Regulamentação do Trabalho (PRT's) de 9 de Agosto de 1985 [Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª Série, n.º 31, de 22 de Agosto de 1985] e de 12 de Abril de 1996 (BTE, 1.ª Série, n.º 15, de 22 de Abril de 1996) e, posteriomente, no Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a UIPSS – União das Instituições Particulares de Solidariedade Social e a FNE – Federação Nacional de Educação — certamente por lapso referiu-se, como outorgante, a FENPROF — e outros (BTE, 1.ª Série, n.º 2/99, de 15 de Janeiro de 1999), no CCT celebrado entre a UIPSS – União das Instituições Particulares de Solidariedade Social e a FENPROF – Federação Nacional dos Professores e outros (BTE, 1.ª Série, n.º 6/2001, de 15 de Fevereiro de 2001), com Portaria de Extensão (BTE, 1.ª Série, n.º 6/2002, de 15 de Fevereiro de 2002) e alterações (BTE, 1.ª Série, n.º 8/2002, de 28 de Fevereiro de 2002).

A sentença da 1.ª instância, após examinar os pertinentes textos dos instrumentos de regulamentação colectiva, sem olvidar o disposto no artigo 250.º, alínea b) do Código do Trabalho de 2003, concluiu ter a Autora ter direito a diuturnidades calculadas em função do tempo de antiguidade contado desde a sua admissão ao serviço, a tal não obstando o facto de ter progredido na carreira e mudado de categoria.

O acórdão da Relação corroborou o entendimento do tribunal da 1.ª instância, discorrendo como segue:

«Segundo o n.º 1 da Base XLIX da citada PRT [de 9 de Agosto de 1985] os trabalhadores que estejam a prestar serviço com carácter de permanência e em regime de tempo completo têm direito a uma diuturnidade de valor de 1.100$00 por cada cinco anos de serviço até ao limite de cinco diuturnidades”, montante que, depois, foi alterado para o valor de 2.700$00 pelo n.º 1.º do art.º 21.º da PRT de 12/04/1996, publicada no BTE n.º 15/96.

E segundo o art.º 59.º do CCT referido [reporta-se ao CCT UIPPS/FENPROF, no BTE n.º 6/2001]os trabalhadores que prestem serviço em regime de tempo completo têm direito a uma diuturnidade de valor de 3.100$00 por cada cinco anos de serviço, até ao limite de cinco diuturnidades”, valor que passou as ser de € 16,46, com a alteração publicada no BTE n.º 8/2002.

Por seu turno no anexo II do CCT aplicável (condições específicas dos trabalhadores de reabilitação e emprego protegido) lê-se: “A carreira do trabalhador com a profissão de monitor desenvolve-se pelas categorias de 2.ª, 1.ª e principal. Constitui requisito da promoção a monitor de 1.ª a prestação de três anos de bom e efectivo serviço. Constituem requisitos da promoção a monitor principal a prestação de cinco anos de bom e efectivo serviço e a titularidade de curso profissional específico [*] na área que lecciona”.

Dos normativos citados resulta:

- que as diuturnidades têm por fundamento a antiguidade do trabalhador, não contendo a alínea b) do n.º 1 do art.º 250.º mais do que uma simples definição;

- que a regulamentação colectiva aplicável prevê expressamente a atribuição de diuturnidades, sem distinguir os trabalhadores com ou sem progressão salarial dentro da sua categoria;

- que o critério da antiguidade não é único critério determinativo para a progressão na carreira e correspectivo aumento salarial.

Com efeito – e cremos ser este o argumento decisivo –, conforme decorre das palavras utilizadas e acima sublinhadas, na progressão na categoria é de considerar não só a antiguidade do trabalhador como também o seu mérito, assiduidade e habilitações literárias (exigidas estas na passagem de monitora de 1.ª para monitora principal).

Ou seja, os critérios de atribuição das diuturnidades e de progressão não são coincidentes e, por isso, não se alcança que por efeito da antiguidade a autora esteja a receber duplamente.

E ainda que assim não fosse, não se vê onde a lei ou a regulamentação colectiva proíba ter a autora direito simultaneamente às diuturnidades e ao valor correspondente à progressão na categoria de monitora. A recorrente não o diz e, como se disse, a norma pretensamente violada – art.º 250.º, n.º 1, alínea b) do Cód. do Trabalho - apenas contém uma simples definição.

Por tudo isto, ressalvado o respeito por melhor entendimento, tendo ainda em conta o argumento referido na sentença revidenda que se extrai do aditamento de um n.º 5 à cláusula 59.ª do CCT aplicável, somos do entendimento de que a aquela sentença não merece censura por bem ter ajuizado.»

A recorrente, para discordar deste entendimento, imputa ao acórdão incorrecta aplicação do artigo 250.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho de 2003, sustentando, como fizera no recurso de apelação, que as diuturnidades só são devidas em situações de dificuldades de progressão na carreira e para compensar tais dificuldades.

Não procede esta argumentação.

É certo que, como refere António Monteiro Fernandes — Manual de Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 225/226 —, «na fórmula mais usual, o sistema de diuturnidades visa compensar as dificuldades de progresso do trabalhador no seu estatuto socio-profissional», o que sucede nos casos de categorias sem acesso obrigatório ou de promoção condicionada (progressão não automática, por não directamente imposta pelo decurso do tempo), apresentando-se os acréscimos que representam as diuturnidades expressamente referidos a certa categoria de uma carreira profissional e calculados em função da correspondente remuneração, caso em que, nitidamente, se destinam «a ser consumidos pelo aumento de retribuição de posterior promoção», reportando-se, então, os acréscimos à «antiguidade na categoria».

Todavia, o mesmo não pode dizer-se quando a regulamentação colectiva consigna tais acréscimos reportados, não ao tempo de serviço numa categoria, nem à remuneração que lhe corresponde, mas ao tempo de serviço (sem mais) — na versão do CCT UIPPS/FENPROF, no BTE n.º 8/2002, levando-se «em conta o tempo de serviço prestado anteriormente a outras instituições particulares de solidariedade social» (n.º 5 da cláusula 59.ª) —, estabelecendo um valor fixo para cada diuturnidade, igual para todos os trabalhadores, e consigna, outrossim, que o acesso a categoria superior exige, para além da antiguidade noutra inferior, requisitos de mérito, assiduidade e habilitações, o que denota, como observou o acórdão recorrido, que os critérios de atribuição de diuturnidades e de progressão na carreira não são coincidentes e, por conseguinte, como sublinha a Exma. Magistrada do Ministério Público, no seu douto parecer, a progressão não absorve o direito às diuturnidades previstas nas normas convencionais.

É esta última situação que, no caso, se depara, em resultado da análise das cláusulas da regulamentação colectiva que versam a matéria, a qual não contende com qualquer disposição legal imperativa, designadamente com o referido preceito do Código do Trabalho, no qual se define diuturnidade como «a prestação pecuniária, de natureza retributiva e com vencimento periódico, devida ao trabalhador, nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, com fundamento na antiguidade».

Deste modo, anuindo-se à fundamentação que suportou o juízo das instâncias, conclui-se pelo direito da Autora a receber diuturnidades em função da antiguidade contada desde a sua admissão ao serviço da Ré, cujo cálculo, efectuado na sentença, não vem impugnado.

III

Em face do exposto, decide-se negar a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 29 de Setembro de 2010.

Vasques Dinis (Relator)
Mário Pereira

Sousa Peixoto