I-A clausula de irrevogabilidade numa procuração tem que exprimir uma regulação de interesses que justifiquem tal vinculação, ou seja, tem de decorrer de uma relação jurídica causal e basilar, na qual o mandatário tem direito a uma prestação de que o mandante é devedor;
II-Sendo concedidos poderes a representante para vender a si próprio ou a terceiro, pelo preço e condições que entender a parte que lhe pertence dos lotes a constituir ou dos prédios rústicos devidamente identificados que constituirão um loteamento, tudo conforme for mais conveniente para o cumprimento do contrato de urbanização e contrato promessa anteriormente outorgado, não existe abuso de representação se ele adquire para si um dos prédios.
Acordam neste Supremo Tribunal de Justiça:
1-Relatório
AA e marido, BB, intentaram acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra:
1º) CC, 2º) Sociedade DD de Arquitectura,3ºs)EE, FF, GG, HH e esposa, II, JJ e marido, KK ,LL e esposa, MM, NN e marido, OO, PP e esposa, QQ;4º) RR do Minho;5º) SS,
Formulando em 29 items pedidos (fls.64 a 67 e 221/222),que se resumem, em síntese, no seguinte:
- Se condenem os 1º, 2º e 3ºs réus a distratar a escritura de compra e venda outorgada em 20/5/96 e que constitui fls 112 a 116 dos autos e a reconhecerem o seu direito de preferência, enquanto comproprietários de 3/64 do prédio descrito na CRP de Braga sob o nº0000000, na venda dos restantes 61/64 de que são titulares sua mãe e irmãos, agora 3ºs réus;
- Se condene o réu CC a indemnizá-los por montante equivalente ao preço dos lotes por ele vendidos a terceiros de boa fé, em valores actualizados, bem como em quantia idêntica ao valor do lote mais pequeno do loteamento, por danos morais e materiais sofridos pelos autores;
- Se condene ainda o mesmo réu CC a restituir-lhes todos os lotes do “Loteamento Dª TT”, à excepção dos que tiverem sido vendidos a terceiros de boa fé e se ordene o cancelamento do registo a favor do mesmo réu da aquisição daqueles lotes de terreno;
- Se declare ineficaz o contrato-promessa que constitui fls 81 a 85 dos autos;
- Se declare nula a doação feita em 26/5/99 pelo primeiro réu ao Município de Braga de uma parcela de terreno com 34.532m2 e a subsequente doação feita pela mesma autarquia a favor do RR do Minho e se condene este réu a “largar mão, em favor dos autores, do prédio descrito na CRP de Braga sob o nº00000, ordenando-se também o cancelamento do registo de tais doações.
Alegam para tal que o primeiro réu promoveu a execução de um loteamento e interveio nos actos cuja anulação e ineficácia agora reclamam, sem ter poderes para tal e à revelia do propósito subjacente ao contrato-promessa de 26/5/93 de fls 81 e segs, por todos acordado.
Em contestação o réu RR do Minho alegou que a doação do terreno foi uma contrapartida da aprovação do loteamento e, de qualquer modo, traduz o cumprimento da vontade do anterior dono, Dr. FF, falecido marido da ré NN e pai da autora e dos restantes terceiros réus.
No mais, impugna a existência de qualquer vício dos actos visados pelos autores e conclui pugnando pela improcedência da acção.
Na sua contestação a ré RR pediu a improcedência da acção, dizendo ser alheia a qualquer controvérsia sobre a propriedade do terreno que lhe foi doado pelo promotor do loteamento, tendo-se limitado a conferir os pressupostos formais e substanciais do seu licenciamento, emitindo o necessário alvará, após tal verificação.
Os 3ºs réus contestaram arguindo a ilegitimidade activa dos autores, por preterição de litisconsórcio necessário, bem como a caducidade do direito à pretendida anulação da escritura de 20 de Maio de 1996, por ter decorrido mais de um ano desde que os autores tiveram conhecimento de tal negócio.
E alegaram ainda que a escritura impugnada de 20/5/96 foi outorgada pelo réu CC, em representação dos autores por estes lhe terem conferido poderes para tal, através da procuração de fls 90 a 92, passada na mesma data em que foi feito o aditamento ao contrato-promessa de 26 de Maio de 1993 (fls 81 a 85) e após terem recebido a quantia de 7.800.000$00, prevista em tal aditamento e que posteriormente, em 5/6/98,os autores receberam o montante de 20.500.000$00, voltando a reafirmar que consideravam integralmente cumprido o contrato-promessa (e aditamento), o que significa que foram os próprios autores que atribuíram ao primeiro réu os necessários poderes para os actos em que ele interveio em sua representação, maxime, na escritura de 20 de Maio de 1996.
Alegaram ainda os 3ºs réus que o contrato-promessa de 1993 tem vindo a ser integralmente cumprido pelos outorgantes, apenas tendo sido alterados, com o acordo de todos, alguns procedimentos a fim de os ajustar às finalidades visadas pelas partes.
Houve réplica dos autores respondendo à matéria das excepções e ampliaram o pedido formulado na petição, pela forma constante de fls 396 a 398-2º volume.
Na tréplica (fls.417 e 428 e ss) apresentada, os réus sustentaram a incompetência absoluta do tribunal comum para conhecimento da matéria atinente à ampliação do pedido operada na réplica.
No despacho saneador (fls. 690 a 703-4º volume) decidiu-se da incompetência em razão da matéria para conhecer os pedidos formulados contra a ré RR, incluindo os da ampliação formulada na réplica, de várias outras questões processuais e decidiu-se também do mérito da acção julgando-se a mesma improcedente.
Dessa decisão foi interposto recurso para a Relação onde se confirmou a sentença de 1ª instância, tendo vindo a ser interposto recurso para este Supremo Tribunal, que decidiu anular esta decisão e ordenado a selecção da matéria de facto a fim de os autos prosseguirem seus termos.
Após instrução dos autos e julgamento veio a ser proferida sentença, vindo a acção a ser julgada improcedente e os réus absolvidos dos pedidos.
Inconformados com o decidido, apelaram os autores (sendo na Relação apreciados também os agravos pendentes ) vindo na Relação a ser confirmada a sentença proferida em 1ª instância.
Deste acórdão vieram os autores interpor recurso admitido como de revista para este Supremo Tribunal, onde formulam as seguintes conclusões que delimitam o objecto do recurso:
A- Impugna-se a decisão proferida nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães;
B- No texto e na alínea VI da síntese final do acórdão da Relação, a única frase de 24 linhas em que constam os poderes da procuração foi amputada da parte final em que constam as instruções da representada;
C- O uso dos poderes gerais para vender imóveis ficou subordinado ao cumprimento do contrato de 26/05/1993;
D- Assim sendo, os poderes da procuração têm que ser enquadrados no âmbito desse contrato de 26/05/1993;
E- O procurador apenas recebeu poderes gerais para vender porque a procuração, como nela consta, só podia ser usada com uma finalidade: o cumprimento do contrato de 26/05/1993;
F- Não obstante, o procurador usou esses poderes para uma finalidade oposta às instruções da mandante: impedir o cumprimento do contrato de 26/05/1993; pelo que abusou dos poderes;
G- Tal abuso foi praticado conscientemente e com conhecimento dos restantes Réus;
H- O procurador violou uma primeira condição suspensiva que tinha sido estabelecida na Cláusula Oitava do contrato de 26/05/1993 quando praticou actos de disposição de bens antes da emissão do alvará de loteamento em nome dos Autores e dos 3ª a 10° Réus; I- O procurador violou outra condição suspensiva estipulada, também, na Cláusula Oitava quando procedeu à cessão da posição contratual da S.... DD para ele próprio, antes da emissão do referido alvará e sem o consentimento dos Autores, que foram os contraentes-cedidos;
J- E, ao transferir para a sua própria esfera jurídica o loteamento violou outra condição suspensiva porque ele é um terceiro na qualidade de pessoa singular.
K - Com efeito, quer ao aceitar o contrato de mandato acordado com os Autores quer ao assinar o contrato de 26/05/1993, o Réu CC age na qualidade de representante orgânico da S.... DD.
L- Ao interpretar o texto da procuração e do aditamento a Relação violou o nº 2 do artigo 236 do Código Civil pois não teve em conta, na decisão proferida, que o mandatário conhecia a vontade real da mandante, claramente expressa na parte final do Aditamento e da Procuração que consistia em conferir poderes genéricos para vender desde que essas disposições de bens fossem feitas SE e QUANDO o contrato de 26/05/1993 as autorizasse.
M- Ao interpretar o disposto no artigo 258 do Código Civil no sentido de que basta averiguar a natureza dos poderes formais para se decidir pelo abuso, ou não, dos poderes representativos, a Relação violou esta disposição legal, pois não teve em conta, na decisão que a expressão, nela contida, de 'limites dos poderes' integra as noções de poderes formais e de instruções decorrentes do contrato de mandato subjacente.
N- Participam-se ao Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça os indícios de fraude fiscal pois o procurador ao proceder àquilo a que ele apelida de "alterações ao contrato inicial' , e ao adquirir um terreno rústico, quando o pagamento das obras devia ser em lotes que seriam transferidos, quando o contrato de 26/05/1993 o permitisse, para a SOC. DD evitou o pagamento, ao Estado Português de cerca de um milhão de Euros só em imposto de S.I.S.A.;
0- As obras de renovação da Quinta foram feitas sem a necessária autorização dos Autores que são também comproprietários dela;
P- Ao usar os poderes conferidos pelo artigo 712 do C.P.C., a Relação não teve em conta os efeitos que a modificação da decisão de facto produziu na restante matéria de facto e na própria decisão;
Q- Não existe, e nunca existiu má-fé por parte dos Autores, sendo evidente, para quem lê as alegações de apelação, que eles não se conformaram com a indemnização e a multa até porque pediram a revogação de toda a decisão da Primeira Instância;
R- A Relação de Guimarães não procedeu à qualificação jurídica do contrato de 26/05/1993; ora tal não podia ser dispensado sob pena de ser proferida uma decisão injusta e ilegal,como de facto sucedeu.
S- Foram violadas as normas dos artigos 236º,nº 2; 258º,269º, 274º 281º;282º,406º,nº1,892,1161º-a),1405º; 1408º; 1409º e 1410º, todos do Código Civil..
TERMOS EM QUE,Revogando o acórdão da Relação de Guimarães e aplicando o regime jurídico adequado à situação que foi exposta ao Tribunal,deve considerar-se procedente o presente recurso de revista,fazendo Vossas Excelências,desse jeito,como sempre,a esperada Justiça.
Nas suas contra-alegações os recorridos defendem a manutenção do decidido no acórdão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir então do mérito da revista apresentada pela autora.
2- Fundamentação
a)- Dos fundamentos de facto:
As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:
1)-o inventário a que se procedeu por óbito de FF foi adjudicada à autora AA e aos 3º a 10° RR, a propriedade indivisa, da Quinta de ........, sita em Fraião.
2)-Encontra-se registada a favor do primeiro réu a aquisição, por compra aos 3° a 10° RR, do prédio n°000000 denominado D......., situado na freguesia de Fraião, Braga, com reserva para os vendedores do direito de exploração exclusiva das águas desse prédio e de utilização das que nele passam, sendo vedado ao comprador e futuros adquirentes a realização de furos ou outras acções tendentes ao aproveitamento das águas.
3)-Em 26 de Maio de 1993 os AA., os 3° a 10º RR e o primeiro réu, este enquanto sócio gerente da ré DD, outorgaram acordo escrito, por todos assinado, que denominaram “ urbanização contrato promessa”, onde, designadamente, os AA e os 3°a 10° RR se declaram proprietários dos prédios rústicos denominados C.........C........ e D........B......., sitos no Monte do Sameiro, Fraião, Braga, em relação aos quais a ré NN requereu um projecto de loteamento urbano, nos termos da planta anexa, compreendendo 46 lotes, assumindo a sociedade DD o encargo da realização do empreendimento, executando todas as obras em duas fases e, nomeadamente, declararam que pertencem aos primeiros outorgantes os lotes n°17, 19, 21, 24, 27, 28 e 34, cuja propriedade reservam para si, bem como a propriedade da faixa de terreno junto aos últimos lotes da segunda fase da urbanização, e as árvores, conforme clausula 5ª.
4)-Em 26.11.93 os AA e o primeiro réu outorgaram e assinaram um aditamento ao contrato de urbanização de 26 de Maio de 1993, nos termos do qual os primeiros declararam que a sociedade DD entregará aos signatários do presente documento, em cumprimento e em substituição da parte do preço dos lotes identificados no art. 5° que seriam atribuídos aos primeiros outorgantes, o montante de 23.500.000$00, mais declarando que com a assinatura do presente aditamento e do referido contrato de urbanização nada mais ter a exigir da segunda outorgante ou dos demais outorgantes, pelo que nesta data é outorgada procuração irrevogável que mandata o representante da sociedade DD para representar os promitentes vendedores em todos os actos e contratos necessários ao cumprimento do referido contrato.
5)-No seguimento do referido aditamento, em 26 de Novembro de 1993, outorgaram procuração declarando constituir seu procurador o primeiro R, com a faculdade de substabelecer, concedendo poderes para vender a si próprio ou a terceiros, pelo preço e condições que entender, a parte que lhe pertence nos prédios rústicos denominados C.........C........ e D........B....... que constituirão o loteamento urbano designado por D. TT, constituído por 46 lotes de terreno para construção urbana, podendo outorgar escrituras de compra e venda dos lotes a constituir ou dos terrenos rústicos, ou prometer vender, tudo conforme for mais conveniente para o cumprimento do contrato de urbanização e contrato promessa outorgado pela mandante e marido e outros a favor da Sociedade DD- em 26 de Maio do ano corrente;
6)-Em 19.1.2000 os serviços técnicos da Câmara Municipal emitiram informação relativa à interpretação do art. 103 do Regulamento do PDM, concluindo que a caducidade operada no parecer CCRN implica a obtenção de novo parecer e a prática de um novo acto de licenciamento, por isso a requerente deverá instruir um novo processo de loteamento mas agora com uma nova condição: a adequação do empreendimento às regras urbanísticas impostas pelo PDM de Braga, o que, no caso em estudo, implica uma reformulação dos arruamentos e passeios;
7)-Em 9.7.98 a ré NN requereu à Repartição de Finanças de Braga a alteração da área do seu prédio inscrito na matriz rústica de Fraião sob o artº73, de modo a que passe a constar 111.702 m2 e a alteração da área do seu prédio inscrito na matriz rústica de Fraião sob o artº70 de modo a que passe a constar 19.455 m2;
8)-Em 19 de Fevereiro de 1996 foi outorgado instrumento de procuração e substabelecimento, nos termos do qual os RR FF, GG, HH e mulher II, JJ e marido KK, LL e mulher Maria Celina, NN e marido OO e PP declaram constituir procuradora sua mãe e sogra, NN, a quem conferem os mais amplos poderes para, com referência aos prédios rústicos C.........C........ e D........B......., requerer a passagem de alvará, promover as operações de loteamento, fazer promessas de venda, vender, permutar ou por qualquer forma alienar pelos preços e condições que tiver por convenientes quaisquer lotes ou terrenos dos identificados prédios, requerer quaisquer actos de registo predial e a fazer as declarações complementares relativas à identificação dos prédios que se tomem necessárias;
9)-Em 20 de Maio de 1996 foi outorgada escritura pública de compra e venda nos termos da qual os RR NN, FF, GG, HH e mulher II, JJ e marido KK, LL e mulher MM, NN e marido OO, PP e mulher QQ, declararam vender ao réu CC, outorgando por si e como procurador da autora AA, que declarou aceitar, o campo denominado “D........B.......”, com reserva para os vendedores do direito de exclusiva exploração de águas;
10)-Os AA. requereram a notificação judicial avulsa do primeiro réu, para concluir as obras que leva a efeito na Quinta de C.........C........, emitir novo alvará em nome dos requerentes, fazer declarar nula e de nenhum efeito qualquer cedência a favor da Câmara Municipal ou do RR do Minho, nula e sem qualquer efeito qualquer escritura violadora do contrato de 26 de Maio de 1993, notificar os outorgantes desse contrato, excepto os requerentes que já o mandataram para tal do dia, hora e local das escritura, reserve a propriedade dos lotes a propriedade dos lotes da segunda fase a favor dos requerentes e outros primeiros outorgantes, anular as alterações que promoveu no loteamento, demarcar os lotes de terreno, atribuindo a cada um deles a área prevista na planta de síntese que serviu de base ao contrato de 26 de Maio de 1993, entregar aos requerentes e outros primeiros outorgantes as árvores que se encontram no loteamento e o preço recebido pelas que vendeu, reduzir para 800 m2 a área do lote 1, derrubando se necessário a piscina, o muro e a casota do lado norte, sob pena de se considerar não cumprido o contrato referido no art. 1°;
11)-Em 20 de Maio de 1996 o primeiro R, por si e em representação da ré DD e ainda na qualidade de procurador dos AA, e os 3º a 10º réus outorgaram acordo escrito que denominaram contrato promessa de compra e venda e empreitada, clausulando que em cumprimento do contrato de urbanização de 26 de Maio de 1993, por ser essa, nos termos da clausula 8°, a forma jurídica que mais convém à sociedade DD, foi celebrada hoje escritura pública onde o primeiro outorgante comprou à segunda e sua família o prédio denominado D........B......., que em cumprimento do referido contrato o primeiro outorgante promete vender à segunda ou a quem esta indicar os lotes 17, 19, 21, 24, 27, 28 e 34, ficando a venda de um dos lotes dependente do cumprimento ou não por parte do primeiro outorgante do contrato celebrado com os AA em 26 de Novembro de 1993, não sendo obrigatória a venda do lote se o primeiro outorgante for autorizado pela segunda a pagar a importância acordada com esse casal;
12)-Em 22 de Maio de 1996 os RR CC e NN na qualidade de anterior e actual proprietários do terreno objecto do loteamento sito no lugar de C.........C........, Santiago de Fraião, Braga, requereram a emissão de alvará de loteamento à CM em nome do novo titular;
13)-A CM de Braga emitiu o alvará de loteamento n°55/96;
14)-No dia 26 de Maio de 1999 foi outorgada escritura pública de doação, nos termos da qual o primeiro réu declara doar à CM uma parcela de terreno sita no lugar de D........B....... ou C.........C........, Fraião, com a área de 34.532m2;
15)-No dia 26 de Maio de 1999 foi outorgada escritura pública de doação, nos termos da qual a CM de Braga declara doar ao RR do Minho, uma parcela de terreno sita no lugar de D........B....... ou C.........C........, Fraião, com a área de 34.532m2;
16)-Em 29 de Junho de 1998 a autora enviou ao Presidente da Câmara Municipal uma carta informando que não consente na cedência do aludido terreno; em 15.10.98 os AA enviam uma carta ao RR do Minho, referindo que se opõem a qualquer negócio que venha a ser feito com a Câmara Municipal e/ou outra, com referência ao terreno sito em Fraião de que são comproprietários, e em 19.1.2000 o réu CC dirigiu uma carta ao Director Executivo o RR do Minho, fazendo menção à doação, alegando que os terrenos estão inscritos a favor do sócio por simples conveniência em termos de processo de loteamento, que quem devia intervir na escritura de doação era a família do Dr. FF, que assumiu o compromisso de fazer a entrega do terreno ao clube, alegando estar obrigado contratualmente e moralmente a colher a aprovação da D. NN para a realização da escritura, e que desde o princípio do mês de Dezembro aguarda a marcação de uma entrevista com o Senhor Presidente da Câmara Municipal para acertar a doação à Câmara Municipal;
17)-As aquisições referidas em 14) e 15) encontram-se registadas a favor das donatárias;
18)-Em 31 de Julho de 1988 foi outorgado contrato promessa nos termos do qual o Dr. FF e mulher NN declaravam prometer doar ao RR do Minho, que declarou prometer aceitar, uma parcela de terreno do prédio denominado “D........B.......”;
19)-Em 28.4.98 o Dr. FF enviou ao Director Geral do Turismo o documento de fls. 232 e 233 cujo teor se reproduz.
20)-Nos embargos deduzidos à execução intentada pelos ora AA contra a “DD” foi realizada transacção, homologada por sentença, nos termos da qual a executada DD se comprometeu a entregar aos exequentes – agora autores – a quantia de 20.500.000$00, tendo os últimos declarado considerar-se pagos do preço dos lotes referidos no título executivo, conforme documentos de fls. 272 a 279, cujo teor se reproduz.
21)-Relativamente ao loteamento “D. TT”, C.........C........, Fraião, Braga, sendo requerente NN, foi elaborada memória descritiva e justificativa, aditamento 2, conforme documento de fls. 400 e 401;
22)-NN solicitou à RR o licenciamento da operação de loteamento e das obras de urbanização e a respectiva emissão do alvará de loteamento para a execução da totalidade das obras de urbanização, conforme documento de fls. 402, cujo teor se reproduz.
23)-Em 20 de Maio de 1996 o réu CC subscreveu declaração em complemento do art. 11 do contrato promessa de compra e venda celebrado em 20 de Maio de 1996, entre si e a ré NN, comprometendo-se a ceder aos comproprietários do terreno vendido na escritura pública, na proporção das suas quotas partes, o direito que lhe vier a ser conferida pela RR, conforme documento de fls. 405 cujo teor se reproduz.
24)-A RR e o réu CC elaboraram declaração complementar à escritura de doação, declarando que em cumprimento da cláusula 8ª do contrato, o doador assume a obrigação de doar à família do Dr. FF, na proporção que cabia a cada um dos comproprietários o prédio que lhes vier a caber em virtude de eventual reversão do prédio a seu favor, conforme documento de fls. 406, cujo teor se que se reproduz.
25)-Em 22 de Novembro de 1999, foi emitida informação do técnico que apreciou o projecto sobre as instalações telefónicas, conforme documento de fls. 407.
26)-A Câmara Municipal emitiu alvará de recepção provisória conforme documento de fls. 408.
27)-Encontra-se registada a aquisição do prédio a favor do réu CC, com reserva para os vendedores do direito de exploração das águas que nasçam no prédio vendido e de utilização exclusiva das que nele passam, sendo vedado ao comprador e futuros adquirentes a execução de furos ou outras acções tendentes ao aproveitamento das águas;
28)-Os AA receberam o preço acordado (resposta o artº 2º da Base instrutória).
Em função da apreciação do recurso de apelação quanto à decisão da matéria de facto foram mantidas as decisões sobre os artºs da Base Instrutória 1º ,2º,3º,4º e 5º e alteradas as dos artºs 6º,7º,8º ,não se respondendo ao 9º,ou seja:
Artº 1º-Não provado- (Perguntava-se neste artigo o seguinte: Através do aditamento de 26.11.93 ao contrato de urbanização e da citada procuração irrevogável apenas se quiseram reportar ao preço que lhes cabia receber em substituição dos lotes identificados no artº 5º do contrato de urbanização de 26.05.93?)
Artº 2º-Provado apenas que os A.A. receberam o preço acordado- (matéria esta que já constituía o facto 28 atrás transcrito).Este artigo tinha na BI a seguinte formulação: Só quiseram permitir que a DD os substituísse no direito de 3/64 que lhes cabia nos sete lotes seguintes:17,19,21,24,27,28 e 34,tendo recebido em 1998 o respectivo preço acordado,acrescido de juros?)
Artº 3º-Provado apenas o que consta dos documentos aludidos no quesito: contrato-promessa, aditamento ao contrato de urbanização de fls. 88,a procuração de fls. 106 a 110 e no termo de transacção de fls. 277 a 279.
Este artigo da BI tinha a seguinte formulação: Os dizeres utilizados no aditamento,na procuração e no termo de transacção lavrado no processo de embargos querem significar que os A.A. nada mais têm a exigir,nesse âmbito,mas sempre com ressalva do cumprimento do contrato de urbanização de 26-05-93?
Artº 4º-Não Provado-(Perguntava-se na BI neste artigo o seguinte:Os A.A. só cederam à DD o direito que lhes cabia nos sete lotes do contrato de 26.05.93 e não abdicaram nem da posição contratual nem da sua quota de 3/64 na restante área sobrante dos prédios rústicos?)
Artº 5º-Provado apenas o que consta do teor dos documentos aludidos nos factos assentes e na base instrutória (Perguntava-se neste artigo na BI o seguinte:A DD continuava obrigada a cumprir o contrato de 26-05-93,embora ficasse autorizada,ela própria, a alienar o direito de 3/64 que cabia aos A.A. naqueles lotes?)
A Relação alterou as respostas aos artigos 6, 7º e 8º da Base instrutória pela forma seguinte:
Artº6º - Provado que o projecto de loteamento que serviu de base ao contrato promessa de 26/5/93 foi alterado pelo réu CC nos anos subsequentes ( A formulação deste artigo na BI era a seguinte: O contrato de loteamento de 26-05-93 extinguiu-se e foi alterado pelos RR?)
Artº7º - Provado (a formulação da BI era a seguinte:Tal loteamento,com 46 lotes,abrangia apenas a área de 77.170 m2,sendo os A.A. comproprietários da área sobrante, que lhe ficava adjacente?)
Artº8º - Provado apenas que o novo loteamento, aprovado pelo alvará nº55/96, foi aumentado à custa dos terrenos pertencentes aos prédios rústicos correspondentes às descrições nº49, 12070 e 13992 ( a formulação deste artigo na BI era a seguinte: O novo loteamento aprovado pelo alvará 55/96 foi aumentado para a área de 114.669 m2 à custa dos terrenos rústicos adjacentes, de que os A.A. são comproprietários e que foram retirados, sem seu consentimento, das descrições prediais nºs 49,12070 e 13992?).
Artº9º - Não se respondeu na Relação a este número da BI (na 1ª instância respondera-se não provado) por se considerar este artigo de natureza conclusiva (a formulação deste artigo era a seguinte: Existe incompatibilidade entre o contrato inicial e o novo negócio, tendo havido abuso de representação nos actos praticados pelo réu CC, em colaboração com os demais réus?).
b)Dos fundamentos de direito
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões formuladas, impondo-se salientar desde já que, em sede desta revista, não pode existir agora a análise das questões que tenham a ver com um eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artº 722º-2 do CPC).
Deste modo, não se considerarão as conclusões sobre matéria de facto, apenas se tomando em consideração a factualidade provada acima transcrita, com todas as alterações que foram introduzidas no Acórdão da Relação.
Uma outra situação que importa definir é a abordada pelos recorrentes quanto à matéria da condenação em má fé na 1ª instância, da qual os A.A. recorreram para a Relação, não se tendo aqui apreciado a mesma, por não ter sido levada às respectivas conclusões.
Também em sede desta revista essa questão não pode ser apreciada porquanto da decisão que condene por litigância por má fé só há recurso em um grau (artº 456º-3 do CPC) e esse já foi utilizado pelos Autores, que acabaram por não submeter a questão a apreciação da Relação em sede de conclusões .
Finalmente em termos de ordenamento das questões a apreciar impõe-se dizer, muito sinteticamente, que os recursos se destinam a impugnar decisões judiciais que se debruçaram sobre o objecto do litígio instaurado em tribunal (artº 467º a 472º,659º e 676º do CPC).
Vem isto a propósito da formulação das alegações e respectivas conclusões que terão de inserir-se dentro destes objectivos, sob pena de passar a discutirem-se questões novas (como é o caso da conclusão O) e que,como tal, não podem ser objecto de apreciação no recurso.
Assim, é claro que nesta acção, a questão central gira à volta da interpretação a dar ao teor do aditamento que foi efectuado em 26.11.1993 ao contrato designado de urbanização -contrato promessa, celebrado em 26-05-1993 e ao significado da procuração irrevogável de 26-11-93 (emitida no mesmo dia da celebração do referido aditamento),a fim de surpreender o abuso de representação subjacente à escritura de 20 de Maio de 1996, no tocante à disposição do direito da mandante AA,por parte do mandatário 1º réu, com as inerentes consequências sobre os actos praticados a coberto da venda titulada por tal escritura.
Na verdade, tal como resulta evidente, no mencionado acto da escritura de 20-05-1996 (fls-112 a 116-1º volume) , o 1º réu vendeu a si próprio o direito da autora AA, relativo ao prédio rústico denominado D........B......., descrito sob o nº......... tratando-se, assim, de auto-contrato que coloca a questão de analisar a sua eficácia, à luz do disposto no artigo 258º do Código Civil -(1).
,uma vez que para que a representação seja eficaz se torna necessário que o representante actue nos limites dos poderes que lhe competem.
Na sequência do Acórdão deste Supremo de 20-04-2004 (fls. 1601/1615-7ºVolume), seguiu-se a elaboração da Base instrutória (fls. 1643) que formulou as questões que estavam controvertidas nesta acção e se destinaram a apurar a causa de pedir, tal como delineada pelos A.A.
Alegaram para tal os A.A , que o primeiro réu promoveu a execução de um loteamento e interveio nos actos cuja anulação e ineficácia agora reclamam, sem ter poderes para tal e à revelia do propósito subjacente ao contrato-promessa de 26/5/93 de fls 81 e segs, por todos acordado.
A matéria de facto provada encontra-se agora definitivamente assente e revela-nos, como acima transcrita, que os autores não provaram o sentido do que haviam alegado nos seus articulados e continuam a sustentar em sede das conclusões desta revista, restando-nos tão só a documentação vertida nos autos à luz do que foi possível apurar.
Os autores defendem (conclusões C a M) que o uso dos poderes gerais conferidos ao 1º réu para vender imóveis ficou subordinado ao cumprimento do contrato de 26/05/1993 e desse modo os poderes da procuração têm que ser enquadrados no âmbito desse contrato.
Ora os factos provados não evidenciam isso e revelam-nos outros elementos, ou seja, que no âmbito do aditamento ao contrato inicial, tal como consta de fls 88, outorgado em 26/11/93, os autores receberam parte da contrapartida monetária inerente a esse contrato e na mesma data outorgaram procuração (fls. 90 a 92) declarando a autora mulher:
“… constituir seu procurador o primeiro réu, com a faculdade de substabelecer, concedendo poderes para vender a si próprio ou a terceiros, pelo preço e condições que entender, a parte que lhe pertence nos prédios rústicos denominados C.........C........ e D........B....... que constituirão o loteamento urbano designado por D.TT, constituído por 46 lotes de terreno para construção urbano,podendo outorgar escrituras de compra e venda dos lotes a constituir ou dos terrenos rústicos, ou prometer vender,tudo conforme for mais conveniente para o cumprimento do contrato de urbanização e contrato promessa outorgado pela mandante e marido e outros a favor da sociedade DD-Atelier de Arquitectura Limitada ,com data de 26 de Maio se reporta apenas à sua quota-parte nos lotes especificados no artigo 5ºdo contrato-promessa celebrado em 26 de Maio do ano corrente,podendo em seu nome requerer registos prediais,inscrições na Repartição de Finanças competentes e de um modo geral representá-la perante quaisquer repartições públicas,em tudo o que se torne necessário para o cumprimento do referido contrato de urbanização e contrato-promessa.E pelo outorgante marido foi dito que autoriza a sua referida mulher a praticar os actos contidos nesta procuração dando expressamente o seu consentimento à execução deste mandato.Este mandato é conferido também no interesse do mandatário,sendo por isso irrevogável nos termos da lei”.
E posteriormente (facto provado nº 20-fls-272 a 279),em 21 de Abril de 1998 (fls. 277) ,no âmbito de acção judicial os próprios autores pretenderam executar aquele aditamento ao contrato (aludem no artº 11º da respectivo requerimento a um seu direito sobre terrenos-fls.273-2º volume), vindo nos embargos a essa execução a ser efectuada uma transacção, na qual declararam receber 20.500.000$00 respeitantes ao cumprimento integral desse contrato de aditamento(fls.277 a 279) .
Ora de todos os factos que haviam sido alegados pelos A.A. apenas ficaram provados os documentados com o seu conteúdo no contexto acima transcrito, evidenciando que em 26 de Novembro do mesmo ano de 1993 em que foi celebrado o contrato de urbanização-contrato-promessa (fls. 81 a 85),os autores em aditamento àquele contrato declararam ter recebido ((7.800.000$00-fls.88) em cumprimento e em substituição da parte do preço dos lotes referidos na clausula 5ª e ainda mandatar o 1º réu para os representar (conforme a procuração irrevogável acima transcrita-artº 265º-3 do CC) em quaisquer actos ou contratos para cumprimento integral do contrato, vindo posteriormente (em 21-04-1998-fls.277 a 279) a considerar na referida acção de execução, perante o 1º réu, que o aditamento ao contrato de urbanização estava cumprido (fls. 279 do 2º volume), não demonstrando os autores nesta acção quaisquer outros factos susceptíveis de invalidar as suas declarações de vontade nos negócios ou qualquer circunstância que encerre uma condição inserida na procuração irrevogável que obste à sua eficácia.
Perante esta factualidade provada e não tendo os autores demonstrado outros factos (dos alegados) que lhes competia provar (artº 342º-1 do CC), coloca-se efectivamente aqui tão só a questão da interpretação das declarações efectuadas, ou seja, mais concretamente, saber se pode concluir-se por uma abusiva representação do 1º réu, quando celebrou a referida escritura de 20/05/1996 que se pretende ver anulada por esse facto.
Repare-se que tal escritura acontece em 1996, sendo que quase dois anos depois, os autores celebraram normalmente com o mesmo réu a aludida transacção e aí consideraram cumprido o aditamento ao contrato de urbanização que deve ter-se por contextualizado com a procuração irrevogável passada na mesma data do aditamento em relação à qual não invocaram existir da parte do 1º réu abuso da representação.
Mas o que importa agora aqui considerar é se os factos efectivamente permitem concluir pelo entendimento decidido no acórdão recorrido:
Na verdade, apurando-se que houve abuso de representação por parte do réu CC dos poderes conferidos na procuração de 26/11/93 (fls 90), inquinada fica a compra e venda realizada entre os réus em 20/5/96, bem como os actos subsequentes com ela conexionados.
Concluindo-se pela não verificação de tal vício e pela consequente validade da venda do direito dos autores realizada a coberto daquela procuração, fica prejudicada a apreciação das vicissitudes atinentes ao processo de loteamento que se seguiu.
Tudo passa, pois, por analisar o significado, à luz do contexto factual provado do aditamento e procuração datados de 26/11/93 (fls 88 a 92) e na sua articulação com o conteúdo de urbanização-contrato-promessa de 26/5/93 que lhe serve de base.
Nesse aditamento de fls.88-1º volume os autores declararam expressa e objectivamente que “Com a assinatura do presente aditamento e do contrato de urbanização, os primeiros outorgantes (ou seja, os AA) nada mais têm a exigir da segunda outorgante (ré DD) ou dos demais outorgantes do referido contrato, pelo que nesta data é outorgada uma procuração irrevogável que mandata o representante da sociedade DD para representar os promitentes vendedores em todos os actos e contratos necessários ao cumprimento do referido contrato”.
Como é salientado no acórdão recorrido as proposições transcritas são compatíveis com a versão dos AA sobre o alcance da sua declaração, salvo no tocante à expressão sublinhada, pois não se alcança por que, num aditamento ajustado com a sociedade DD, os autores declaram nada mais ter a exigir dos demais outorgantes daquele contrato promessa (onde, sublinha-se, os mesmos outorgantes nenhuma obrigação haviam assumido relativamente aos AA).
Na mesma data e tal como previsto no aditamento, foi passada a favor do réu CC uma procuração irrevogável a conceder-lhe poderes “para vender a si próprio ou a terceiros, pelo preço e condições que entender a parte que lhe pertence nos prédios rústicos denominados C.........C........ e D........B....... (…), podendo em nome da mandante outorgar as escrituras de compra e venda dos lotes a constituir ou dos referidos prédios rústicos (...), tudo conforme for mais conveniente para o cumprimento do contrato de urbanização e contrato promessa (…)”. -(2)
Ou seja, como também é salientado no acórdão,” a assinalada expressão constante do aditamento (“ou dos demais outorgantes do referido contrato”), apesar de anómala pela razão mencionada, comportava ainda o entendimento de que os aqui AA estivessem a renunciar ao seu direito relativamente aos sete lotes que iriam ser entregues aos demais comproprietários dos prédios onde o loteamento ia ser implantado”.
Na mesma procuração realça-se ainda que com os poderes concedidos, o procurador ficava habilitado a outorgar as escrituras de venda quer dos lotes quer dos próprios prédios rústicos, conforme fosse mais conveniente para o cumprimento do contrato promessa.
Neste contexto e interpretando (nos termos do sentido objectivo da impressão do destinatário -Cfr. Mota Pinto-Obra citada,pág.625. consagrado no artº 236º do CC) a declaração emitida pelos autores vertida no aditamento e na procuração que o complementa, um declaratário normal e razoável colocado na posição do réu CC, não poderia deixar de atribuir às declarações dos AA o sentido de que queriam ceder o seu direito sobre os próprios prédios em que o loteamento iria ser implantado e não apenas sobre os lotes.
Com efeito, se fosse propósito dos declarantes alienar apenas o seu direito atinente aos lotes, não careciam de emitir a declaração constante do último parágrafo do aditamento a proclamar que “nada mais têm a exigir da segunda declarante, ou dos demais outorgantes do referido contrato”, bastando os dizeres que precedem tal declaração.
Por outro lado a outorga de procuração irrevogável na mesma data do aditamento a favor do representante da sociedade DD “para os representar em todos os actos e contratos necessários ao cumprimento do referido contrato de urbanização e contrato promessa”, só pode ter o sentido referido, pois se os autores efectivamente quisessem dar-lhe um sentido diferente (e não o provaram) não deixariam de confinar a representação aos actos e contratos que tivessem por objecto os próprios lotes mencionados no artigo 5º do contrato-promessa, deixando de aludir na procuração expressamente aos poderes para venda da parte que lhes pertence nos prédios rústicos denominados C.........C........ e D........B........
A clausula de irrevogabilidade numa procuração tem que exprimir uma regulação de interesses que justifiquem tal vinculação, ou seja, tem de decorrer de uma relação jurídica causal e basilar, na qual o mandatário tem direito a uma prestação de que de que o mandante é devedor (cfr. Ac. STJ de 3-06-1997-BMJ,nº 468,pág.361).
De realçar, pois, que foi no mesmo dia e na sequência da celebração de um novo contrato (o de aditamento) entre os autores e a ré sociedade DD representada pelo 1º réu que aqueles outorgaram a procuração com os poderes que dela constam acima já transcritos.
Nada vem alegado que permita concluir que o declaratário CC, pese embora a formulação abrangente dos poderes concedidos, sabia que a vontade real da declarante era apenas a de lhe autorizar a venda do seu direito relativo aos lotes destinados aos donos do terreno e assim reconduzir a actividade interpretativa à previsão do nº2 do artigo 236º do Código Civil -(4).
Nestas condições entende-se correcta a decisão do acórdão da Relação ao concluir que , nenhum declaratário normal que tivesse acordado com os autores os termos do aditamento de 26/11/93 - onde declaram nada mais ter a receber da sociedade DD ou dos demais comproprietários dos prédios - e recebesse deles uma procuração irrevogável para vender “pelo preço e condições que entender a parte que lhe pertence nos prédios rústicos C.........C........ e Devesa de Basta (que constituíriam o loteamento..) podendo outorgar as escrituras de compra e venda dos lotes a constituir ou dos referidos prédios rústicos”, entenderia que lhe estavam a ser concedidos poderes para vender apenas a parte dos lotes.
Não se demonstra, pois, ter existido qualquer abuso de representação -(5) quando o réu vendeu a si próprio a quota-parte da autora sobre um desses prédios rústicos- “ D........B.......”, na escritura de 20-05-1996.
Sendo válida a transmissão do prédio em causa a favor do réu, operada pela escritura de 20 de Maio de 1996, fica efectivamente prejudicado o conhecimento das questões quanto aos apontados vícios dos demais actos subsequentes operados com o processo de loteamento.
Não foram, pois, violadas as invocadas normas dos artigos 236º,nº 2; 258º,269º, 274º 281º;282º,406º,nº1,892,1161º-a),1405º; 1408º; 1409º e 1410º, todos do Código Civil..
Assim, improcedem as conclusões da alegação do recurso.
Concluindo:
I-A clausula de irrevogabilidade numa procuração tem que exprimir uma regulação de interesses que justifiquem tal vinculação, ou seja, tem de decorrer de uma relação jurídica causal e basilar, na qual o mandatário tem direito a uma prestação de que o mandante é devedor;
II-Sendo concedidos poderes a representante para vender a si próprio ou a terceiro, pelo preço e condições que entender a parte que lhe pertence dos lotes a constituir ou dos prédios rústicos devidamente identificados que constituirão um loteamento, tudo conforme for mais conveniente para o cumprimento do contrato de urbanização e contrato promessa anteriormente outorgado, não existe abuso de representação se ele adquire para si um dos prédios.
3- DECISÃO
Assim, nos termos expostos, acorda-se em:
-negar a revista;
-confirmar ,conequentemente, o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Dê-se conhecimento ao Ministério Público, do teor da Conclusão N das alegações dos recorrentes (fls.3359-13º Volume),para requerer, o que tiver por conveniente.
Lisboa, 30 de Setembro de 2010
Gonçalo Silvano (Relator)
Ferreira de Sousa
Pires da Rosa
________________________
(1)-Cfr.Menezes Cordeiro-A Representação no Código Civil-In Comemorações dos 35 anos do Código Civil-Volume II,pág.393 a 422;Mota Pinto-Teoria Geral da Relação Jurídica-Lições no ano lectivo de 1972-1973 na FDUC-Pág.611 a 621;Luís carvalho Fernandes-Teoria Geral do Direito Civil-Volume II,2ª ed.pág.168 a 182.
(2)- Cfr.Manuel Januário da Costa Gomes-Em Tema de Revogação do Mandato Civil-Almedina- 1989,pág.237 e ss
(3) -Cfr. Mota Pinto-Obra citada,pág.625
(4) - Cfr. Francisco Pereira Coelho- Causa objectiva e motivos individuais no negócio Jurídico-in Comemorações dos 35 anos do Código Civil-Volume II,pág.423 a 457.
(5) - Sobre o Conceito de abuso de representação previsto no artº269º do CC,veja-se a obra de Helena Mota-Do abuso da Representação-Coimbra Editora 2001,pág.35 e ss com todas as referências doutrinais aí referenciadas,cfr ainda Ac. STJ de 14-10-2004-CJ/STJ-ano 2004-Tomo 3º,pág.52 e Ac. STJ de 9-10-2003-Proc.03B2201-www.Dgsi-Itij;.