COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
MATÉRIA DE DIREITO
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
PROVA
PRESUNÇÕES
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
FUNDAMENTAÇÃO
SENTENÇA
MATÉRIA DE FACTO
PROVA INDICIÁRIA
DIREITO AO SILÊNCIO
EQUIDADE
Sumário


I - Nos termos do art. 434.º do CPP, o STJ conhece dos vícios do art. 410.º, n.º 2, ainda referidos à matéria de facto, como questão necessariamente prioritária e precedente ao reexame da matéria de direito.
II - A verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.
III - A observação e verificação do homem médio constituem o modelo referencial.
IV -Na dimensão valorativa das “regras da experiência comum” situam-se as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidade ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência de vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.
V - Os vícios da matéria de facto que integram as categorias das als. a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, não obstante a diversidade de elementos, revertem todas as inconsistências no domínio da prova, ou mais precisamente, no processo lógico e racional de formação da convicção sobre a prova.
VI -O “erro notório na apreciação da prova” constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação do homem médio.
VII - A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas e apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum”.
VIII - O vício tem de resultar, como se salientou, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena), não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.
IX - Para avaliar da não arbitrariedade (ou impressionismo) e da racionalidade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
X - Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
XI - A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do art. 349.º do CC. Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido. As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência: o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto.
XII - Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar».
XIII - A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
XIV - A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre a base e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção.
XV -Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
XVI - A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outros.
XVII - A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
XVIII - O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta de certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada.
XIX - Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
XX - A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na al. c).
XXI - O tribunal não pode extrair consequências negativas para o acusado do exercício por este do direito ao silêncio. Porém, se do dito, ou do não dito, pelo arguido não podem ser directamente retirados elementos de convicção, o que disser, ou sobretudo o que não disser, não pode impedir que se retirem as inferências que as regras da experiência permitam ou imponham.
XXII - O direito ao silêncio e de não contribuir para a própria incriminação constituem normas internacionais geralmente reconhecidas e que estão no núcleo da noção de processo equitativo. O princípio nemo tenetur previne uma «coerção abusiva» sobre o acusado, impedindo que se retirem efeitos directos do silêncio, em aproximação a um qualquer tipo de ónus de prova formal, fundando uma condenação essencialmente no silêncio do acusado ou na recusa deste a responder a questões que o tribunal lhe coloque.
XXIII - Mas o princípio e seu conteúdo material não podem impedir o tribunal de tomar em consideração um silêncio parcial do interessado nos casos e situações demonstrados e evidentes e que exigiriam certamente, pelo seu próprio contexto e natureza, um explicação razoável para permitir a compreensão de outros factos suficientemente demonstrados imputados ao acusado (cf., v. g., acórdão do TEDH, de 08-02-96, caso John Murray v. United Kingdom, 46 e 47).
XXIV - Nos casos em que o tribunal pode e deve efectuar deduções de factos conhecidos (usar as regras das presunções naturais como instrumento de prova), o silêncio parcial do acusado, que poderia certamente acrescentar alguma explicação para enfraquecer uma presunção, não pode impedir a formulação do juízo probatório de acordo com as regras da experiência, deduzindo um facto desconhecido de uma série de factos conhecidos e efectivamente demonstrados.
XXV - A ausência de qualquer explicação razoável que elimine ou enfraqueça a presunção, revela nas circunstâncias as incongruências entre os factos provados e os não provados, ou, dito de outro modo, a coordenação entre os factos provados em concretos pontos da matéria de facto, os factos não provados e a fundamentação do tribunal revela descontinuidades que integram o vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, por afastamento das regras das presunções naturais.
XXVI - O vício tem como consequência o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art. 426.º, n.º 1, do CPP, relativamente à parte do objecto do processo a que se referem os pontos concretos da matéria de facto provada e os pontos concretos dos factos não provados assim afectados.

Texto Integral



Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em processo comum e com intervenção de Tribunal Colectivo (nº 936/08.0JAPRT), contra os arguidos:
- AA, divorciado, comerciante, filho de ... e de ..., nascido em 24-11-1964, natural de Salreu, Estarreja, residente na Rua ... (titular do BI nº ...), pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, nºs 1 e 2, alínea b); 23º, nºs 1 e 2; 73º, nº 1, alíneas a) e b); 131º e 132º, nºs 1 e 2, alíneas d), e), h), i) e j), todos do Código Penal; de um crime de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, agravado pelo resultado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 272º, nº 1, alínea b), e 285º, com referência ao artigo 144º, alínea a), todos do Código Penal; de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº 1, alíneas a), c) e d), e 90º, nºs 1 e 2, ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na sua redacção original) e de um crime de tráfico de armas, p. e p. pelos artigos 87º, nº 1, e 90º, nºs 1 e 2, com referência ao artigo 86º, nº 1, alíneas a), c) e d), todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na sua redacção original);
- BB, solteiro, serralheiro, filho de AA e de ..., nascido em 15-06-1987, natural de Salreu, Estarreja, residente na Rua ... (titular do Cartão de Cidadão nº ...), pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº 1, alíneas a), c) e d), e 90º, nºs 1 e 2, ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na sua redacção original);e
- CC, casado, serralheiro, filho de ... e de DD, nascido em 10-04-1974, natural de Salreu, Estarreja, residente na Rua ..., sem número, ... (titular do BI nº ...), pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 86º, nº 1, alíneas a), c) e d), e 90º, nºs 1 e 2, ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (na sua redacção original), e de um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo artigo 367º, nº 1, do Código Penal (fls. 1986 a 2008).

2. Na sequência do julgamento, o tribunal decidiu na parte criminal:
a) absolver o arguido AA dos crimes de homicídio qualificado, na forma tentada: de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, agravado pelo resultado, e de tráfico de armas, de que vem acusado;
b) condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelos artigos 86°, n° l, alíneas a), c) e d), e 90°, n°s l e 2, da Lei n° 5/2006, de 23-02 (na sua redacção original), na pena principal de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 6 (seis) anos:
c) condenar o arguido BB pela prática, em co-autoria material, de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelos artigos 86°, n° l, alíneas a), c) e d), e 90°, n°s l e 2, da Lei n° 5/2006, de 23-02 (na sua redacção original), na pena principal de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos (a contar do trânsito em julgado) e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 2 (dois) anos;
d) condenar o arguido CC pêlos crimes e nas penas seguintes:
- pela prática, em co-autoria material, de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelos artigos 86°, n° l, alíneas a), c) e d), e 90°, n°s l e 2, da Lei n° 5/2006, de 23-02 (na sua redacção original), na pena principal de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 2 (dois) anos;
- pela prática, em autoria material, de um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo artigo 367°, n° l, do C. Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão:
e) condenar o arguido CC, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos (a contar do trânsito em julgado) e na pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas pelo período de 2 (dois) anos.

3. Não se conformando, recorrem para o Supremo Tribunal, o Ministério Público e o arguido AA.
O magistrado do ministério Público termina a motivação que apresenta, com as seguintes conclusões:
1° O recurso é limitado à apreciação da matéria de direito, e à parte do acórdão recorrido que condenou o arguido AA pela prática de um único crime de detenção de armas proibidas, p e p pelos art.ºs 86.º, n.º1, al.s a), c) e d), e 90° nºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na sua redacção original) - quando, em nosso entender, e em face da factualidade provada, deveria ser condenado pela prática, em concurso real, de dois crimes de detenção de armas proibidas, pp. e pp. pelas mesmas disposições legais;
2° Aceita-se a absolvição do arguido pelo crime de tráfico de armas, p. e p. pelos artºs 87°, nº1, e 90°, nºs 1 e 2, com referência ao art.º 86.º, n.º1, als a),c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que lhe vinha imputado na acusação, em virtude de não se ter provado que o arguido destinasse à venda ou cedência a terceiros as armas, munições e demais objectos que lhe foram apreendidos.
3° Não obstante, entendemos que o arguido AA adoptou duas resoluções criminosas quanto à detenção das armas proibidas, munições e seus componentes, que lhe foram apreendidas, violando, assim, por duas vezes, a mesma norma legal que prevê e pune a conduta (art.º 86.º, n °1, als a), c) e d), da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na sua redacção original).
4° De facto, e quanto ao "arsenal" apreendido ao arguido AA, constava da acusação pública, para além do referido crime de trafico de armas, a imputação ao arguido da prática de um crime de detenção de arma proibida ( p. e p pelos art.s 86.º, n.º1, als a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na sua redacção original), cujos pressupostos se provaram, - pois resultou provado, além dom mais, que no dia 8 de Janeiro de 2009, o arguido AA tinha no seu automóvel, marca BMW, com a matricula ...-...-TF, estacionado junto do seu estabelecimento denominado "Petisqueira ...", em Pinheiro da Bemposta, Oliveira de Azeméis, os seguintes objectos
a) Uma espingarda de assalto, da marca "KALASHNIKOV", modelo "AK-47", de calibre 7,62X39mm (também designado de 7,62 Russo), com o n° de série 1951 HK0801, de funcionamento automático, também com capacidade para disparo em regime semi-automático (mediante selector), dotada de cano estriado com cerca de 415 mm de comprimento, sem a respectiva coronha, e medindo 640 mm de comprimento total (arma longa), dotada de carregador amovível - a qual se encontrava sobre o banco traseiro do veículo coberta por um blusão, usado pelo arguido; e estava municiada com uma munição introduzida na respectiva câmara de explosão e com o carregador totalmente cheio ( com 30 munições daquele calibre);
b) Um segundo carregador para a mesma arma, igualmente municiado até ao limite da sua capacidade, com 30 munições do mesmo calibre - o qual se encontrava no bolso do lado direito daquele mesmo blusão,
c) um bastão de madeira, medindo cerca de 758 mm de comprimento, com um diâmetro variável entre 23 mm e 43 mm - o qual se encontrava na parte lateral do banco do condutor;
d) Uma faca, da marca "Hllayl', com sistema de abertura automática por meio de mola, designada, em linguagem corrente, de "faca de ponta e mola", tendo cerca de 203 mm de comprimento total, quando aberta, e possuindo lâmina do tipo corto-perfurante de um só gume, com o comprimento de 88 mm.
5° Tais armas não se encontravam registadas, nem o arguido possuía qualquer licença ou autorização para as deter ou usar, mas quis detê-las naquelas circunstâncias, apesar de saber que eram proibidas e que não tinha licença para as deter ou usar - e admitiu na audiência de Julgamento que a referida espingarda "KALASHNIKOV" se destinava a ser usada por ele na "caça grossa" .
6° Por outro lado, é da experiência comum que a "faca de ponta e mola" e o "bastão de madeira", com aquelas características são normalmente usados, se necessário, pelo utilizador do automóvel onde se encontram - neste caso, o arguido AA.
7.° Mais se provou que este arguido não tinha qualquer licença ou autorização que o legitimasse a deter, usar ou transaccionar aqueles objectos, nem as armas em questão estavam registadas, bem sabendo que a detenção daquelas armas, munições e componentes, ou o seu uso ou cedência a qualquer título não lhe eram permitidos, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis; e tal como os outros arguidos, o arguido AA agiu "de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respectivas condutas" - cfr Factos provados 38), 39) e 44):
8° Verificam-se, assim, todos os pressupostos de crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos art°s 86°, nº1, als a), c) e d), e 90°, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na sua redacção original), que a acusação imputava ao arguido AA - quanto às referidas armas e carregador com munições que o mesmo trazia no interior do automóvel BMW de matrícula ...-...- TF, por ele também usado, e que lhe foram apreendidas no dia 8 de Janeiro de 2009.
9° Para além daquelas armas e munições, o arguido AA também detinha no interior da "Petisqueira ...", na sua oficina de serralharia, e em vários locais da sua residência, em Salreu, Estarreja, as várias armas, munições e demais objectos descritos nos pontos 20), 22), 23) dos "Factos provados" - entre os quais uma espingarda automática de marca HK (FMP), modelo "G-3", também com capacidade para disparo em regime semi-automático (mediante selector), de calibre 7,62x51 mm, dotada de carregador amovível, devidamente municiada, com bala introduzida na câmara e com carregador introduzido, contendo este 20 munições daquele calibre -que foram apreendidos no dia 8 de Janeiro de 2009, por Inspectores da Directoria do Porto da Polícia Judiciária, na sequência de Buscas devidamente autorizadas

10.º Além disso, o arguido AA também detinha na sua residência, escondidos no interior de uma parede falsa situada por baixo da parapeito de uma das janelas da cozinha, as várias armas, munições, e demais objectos descritos no ponto 25) dos "Factos provados" os quais não foram encontrados pelos Inspectores da Polícia Judiciária na Busca que ali realizaram em 8 de Janeiro de 2009.
11.º No dia 10 de Janeiro de 2009, o arguido AA pôs o seu filho e arguido BB ao corrente da existência destas armas, munições e demais objectos, bem como do local onde as tinha escondidas, e ordenou-lhe que as retirasse da residência e que as ocultasse noutro local, que com ele não pudesse ser relacionado.
12.º O arguido CC aceitou tal incumbência, e para execução da mesma foi pedir auxilio ao arguido CC, amigo daquele e do arguido AA, transmitindo-lhe a existência daquelas armas, munições e demais objectos na sua casa e a ordem dada pelo seu pai, e o CC logo aceitou ajudar o arguido BB a esconder aqueles objectos e combinaram, para tal efeito, encontrar-se no dia seguinte, pelas 07 horas da manhã, junto à casa da mãe do CC - local onde o mesmo disse existir uma adega onde poderiam ocultar aquele material.
13.º Assim, no dia 11 de Janeiro de 2009, à hora marcada, o arguido BB, fazendo uso do veículo automóvel da sua namorada, levou até junto da referida adega anexa à casa da DD aqueles objectos, ali os entregando ao arguido CC, que os recebeu, levou para o interior da adega e ali escondeu - e onde vieram a ser apreendidos pela Polícia Judiciária Militar.
14ª Ora, embora não se tenha provado que o arguido AA destinasse as referidas armas, munições e seus componentes à venda a terceiros - assim falecendo um dos elementos essenciais do crime de "tráfico de armas" que a acusação lhe imputava - o certo é que o mesmo detinha ilicitamente tais armas, munições e seus componentes em seu poder e na sua disponibilidade,
15ª E apesar de saber que não tinha qualquer licença ou autorização para as poder usar ou deter, mesmo assim tomou a resolução de as guardar - a maior parte delas escondidas na sua residência, em Salréu, designadamente “num roupeiro existente junto às escadas de acesso ao piso superior, por detrás de uma parede lateral falsa”, e “no interior de uma parede falsa situada por baixo do parapeito de um das janelas da cozinha”.
16ª Assim, também quanto à detenção deste segundo lote de armas, munições e demais objectos apreendidos ao arguido AA resultaram provados todos os pressupostos - elementos objectivos e subjectivo - do crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelos art.ºs 86.º, n.º 1, als a), c) e d), e 90.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, pelo que, em nosso entender, e salvo o devido respeito pela tese do acórdão recorrido, deveria o arguido ter sido autonomamente condenado pela prática deste crime .
17.º A tal não obstaria o facto de, quanto a essas armas, munições e objectos, o arguido ter sido acusado pelo crime de "tráfico dessas armas", p. e p. pelo art.º 87.º, n.º 1, da citada lei, pois este representa "um mais" em relação ao crime de detenção de armas proibidas (do art.º 86.º, n.º1), cujos elementos resultaram provados - sendo legítima a convolação para este crime, pois estamos perante uma alteração não substancial dos factos dos factos descritos na acusação, prevista no art.º 358.° do C.P.P .
18.° Acresce que nem sequer era necessária a comunicação de tal alteração (não substancial) ao arguido, nos termos e para efeitos do disposto no n° 1 do art.º 358,°, pois, os factos constitutivos do crime de detenção de armas proibidas ( em vez do crime de tráfico dessas armas) foram admitidos pelo arguido AA na audiência de julgamento - onde foi respeitado o contraditório também quanto a esses factos - pelo que se aplica a excepção prevista no n.º2 daquele art.º 358º.
19.º Por isso, é legítima a convolação do crime de "tráfico de armas" que a acusação imputava ao arguido, para o crime de detenção dessas armas proibidas - que foi provado em julgamento, com garantia do contraditório
20.º Mas ainda que assim não seja entendido - e sem prescindir - sempre se deverá entender que o arguido AA, no dia 8 de Janeiro de 2009, renovou a sua resolução criminosa em relação à detenção das armas, munições e seus componentes que ocultou no esconderijo existente no interior da parede falsa situada por baixo do parapeito de um das janelas da cozinha da sua residência, em Salréu - resolução essa diversa da que Já havia tomado em relação às demais armas, munições e outros objectos que detinha ilicitamente e que lhe foram apreendidos nesse dia pelos Inspectores da Policia Judiciária do Porto, no âmbito da Busca realizada à residência do arguido.
21.º Com efeito, o arguido AA esteve presente nessa diligência e deliberadamente ocultou aos referidos Inspectores da Polícia Judiciária a existência das armas, munições e outros objectos que tinha escondidos no interior da tal parede falsa situada por baixo do parapeito de um das janelas da cozinha - concretamente, as armas munições e outros objectos descritos no ponto 25) dos Factos provados - que ali permaneceram, com conhecimento e aquiescência do arguido, até ao dia 11 de Janeiro de 2009 ; isto é, por mais 3 dias depois da apreensão anteriormente efectuada.
22.º Assim, naquela data, o arguido AA decidiu e quis continuar a ocultar e deter ilicitamente essas armas, munições e outros objectos, apesar de saber que não tinha licença ou autorização para o efeito, e que a respectiva detenção era proibida - até porque já tinha sido alertado disso pelos Inspectores da Polícia Judiciária aquando da apreensão das outras armas, efectuada no mesmo dia.
23° Além disso, no dia 10 de Janeiro de 2009, já depois de ter sido detido, o arguido AA pôs o seu filho e arguido BB ao corrente da existência daquelas armas, munições e demais objectos, bem como do local onde estavam escondidos, "ordenando-lhe que os retirasse da residência e que os ocultasse noutro local, que com ele não pudesse ser relacionado" - Facto provado 28); e o arguido BB "aceitou tal incumbência e, para execução da mesma, foi pedir auxílio ao arguido CC, amigo daquele, acabando por transportar e esconder aqueles objectos na adega da mãe daquele CC - onde vieram a ser apreendidos pela PJ Militar, no dia 11 de Janeiro de 2009.
24.º Assim, vistos os factos nesta perspectiva, o arguido AA ainda reforçou a sua nova resolução criminosa, ao ordenar ao filho que transportasse e escondesse aquelas armas e objectos noutro local, e foi o verdadeiro instigador do arguido BB no que respeita à transferência daquelas armas, munições e demais objectos que estavam no esconderijo da sua residência - no interior da tal parede falsa situada por baixo do parapeito de um das janelas da cozinha - para a adega da mãe do arguido CC, no Lugar do Crasto, em Salréu, Estarreja - onde ficaram depositadas e depois foram apreendidas pela PJ Militar.
25.º Pelo exposto, e também quanto a estes factos deverá o arguido AA ser condenado como autor do crime de detenção de armas proibidas, nos termos dos art.s 26.º do C. Penal e 86°, nº1, als a), c) e d), e 90°, nºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 - valendo aqui as considerações supra aduzidas em B) sobre a legalidade da convolação do crime de "tráfico de armas" que a acusação imputava ao arguido, para este crime de detenção de armas proibidas, atento o preceituado no art.º 358°, n.ºs1 e 2 do C.P.P.
26° Ao decidir que o arguido AA praticou um só crime de detenção de detenção de armas proibidas, o douto acórdão recorrido fez errada qualificação jurídica dos factos provados, e violou, por erro de interpretação o disposto nos art.ºs art.º 358.°, n.ºs 1 e 2 do C.P.P., e 30.°, n.º1, do C.P.P.
27° Quanto à medida das penas, tendo em conta a moldura penal aplicável aos crimes de detenção de armas proibidas (2 a 8 anos de prisão), e tendo em conta a culpa do arguido AA e as exigências de prevenção de futuros crimes, bem como todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele - como manda o art° 71 ° do Código Penal - e atendendo ainda que o arguido já tem duas condenações criminais - uma delas em 2007/10/01, pelo crime de uso ilegítimo de armas, ocorrido em 2005/01/07; - agiu com dolo directo e é muito intenso o grau de ilicitude dos factos que praticou - atenta a grande quantidade e diversidade de armas que detinha, várias delas da "classe A", e mesmo classificadas como armas de guerra, além de outras das "classes C e D" , todas operacionais e várias carregadas com as respectivas munições, prontas a ser usadas, se necessário - sendo também de ponderar a forma como as detinha escondidas - parte delas num roupeiro, por detrás de uma parede falsa; e outras no interior de uma parede falsa situada por baixo do parapeito de uma das janelas da cozinha - o que levou a que estas últimas não fossem encontradas pelos Inspectores da Polícia Judiciária aquando da Busca realizada no dia 8 de Janeiro de 2009 - e tendo ainda em conta as fortíssimas necessidades de prevenção, de ordem geral e especial que se fazem sentir nos crimes relacionados com armas, atenta a sua elevada frequência e o alarme social que provocam,
28.° Entendemos ser de aplicar ao arguido AA, a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão pela autoria material do primeiro crime de detenção ilegal de armas que praticou, p. e . p. pelos art.ºs 86.°, n.º 1, al.s a), c) e d), e 90.°, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na versão original) - relacionado com a detenção ilegal das armas que tinha no seu automóvel BMW ,de matricula ...-...-TF, no dia 8 de Janeiro de 2009;
29.° E a pena de 6 (seis) anos de prisão, pela prática do segundo crime da mesma natureza (p. e p. pelas mesmas disposições legais) - em relação às demais armas, munições e seus componentes que também detinha em situação ilegal e que foram apreendidos nestes autos.
30.º Operando o cúmulo jurídico nos termos do art.º 77.° do C. Penal, e tendo em conta a moldura abstracta de 6 anos a 10 anos e 6 meses de prisão, e a personalidade do arguido AA e os factos graves que praticou, somos de parecer que lhe deverá ser aplicada, como justa e adequada, a pena única de 9 (nove) anos de prisão - acrescida da pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas, pelo período de 6 (seis) anos), nos termos do art.º 90.°, n.ºs 1 e 2 da citada Lei n.º 5/2005.
Termina, pedindo que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente, o arguido AA condenado como autor material, em concurso real de dois crimes de detenção de armas proibidas, pp. e pp. pelos art.ºs 86.°, n.º1, al.s a), c) e d), e 90.°, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 5/2006, de 23/02 (na versão original), na pena única de 9 (nove) anos de prisão - acrescida da pena acessória de interdição de detenção, uso e porte de armas, pelo período de 6 (seis) anos), nos termos do art.? 90.°, n.ºs 1 e 2 da mesma Lei.
Por seu lado, o arguido AA formula as seguintes conclusões na síntese da fundamentação do seu recurso:
1ª- O Tribunal “a quo” ao fixar o quantum que entendeu concretamente adequado de 7 anos e 6 meses de prisão fixou-o demasiado próximo do limite máximo previsto, e, por isso, excedeu as exigências de prevenção (quer geral quer especial) e a culpa do arguido, violando assim o disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal.
2ª- E se as necessidades de prevenção geral, no caso concreto, são elevadas, podendo os factos em causa provocar uma reacção de insegurança na comunidade, atendendo ao elevado número de armas e munições apreendidas, o certo é que essas necessidades não são de tal grau que exijam uma pena de prisão tão longa ou até mesmo o cumprimento efectivo dessa prisão de prisão.
3ª- No que diz respeito, às exigências de prevenção especial, estas assumem uma menor intensidade atendendo sobretudo ao facto do arguido ter sido sempre durante toda a sua vida um homem trabalhador, inserido social e familiarmente, e, apesar de ter um carácter impulsivo e conflituoso, não é mal referenciado e é uma pessoa inteligente capaz de chegar a conclusões razoáveis.
4ª- Privar uma pessoa de um dos seus direitos fundamentais, importa, segundo o princípio da necessidade, concluir que é o meio indispensável e adequado (principio da adequação) para alcançar as finalidades que a lei penal visa com a sua cominação e dever fixada em "quantum" suficiente para a obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade).
5ª- Quanto à culpa do arguido AA, esta também aparece mitigada por diversos elementos que devem ser tidos em conta, desde logo, o modo como as armas e respectivas munições foram parar à sua posse; a não utilização dessas armas para o cometimento de outros crimes; a inexistência de outras consequências para além da respectiva detenção; e ainda a formulação de um único desígnio criminoso subjacente a toda a factualidade dada como provada.
6ª- E é em função da culpa do arguido, que entendemos que a pena concreta a aplicar-lhe dever-se-ia situar sempre acima do limite médio da moldura abstracta, mas não tão próximo do limite máximo, pois deste modo deixa-se um espaço curto, de apenas de 6 meses, para integrar outras situações onde a culpa seja mais grave.
7ª- Quanto à decisão de suspender ou não a pena, podemos e devemos concluir não estarmos perante um delinquente sobre o qual possamos concluir definitivamente que as penas não detentivas, designadamente uma pena de prisão suspensa na sua execução, não o dissuadem da criminalidade.
8ª- Ou seja, se por um lado as expectativas da comunidade apontam para a necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão, por outro lado não se pode afirmar categoricamente que, se a mesma for suspensa, tais expectativas se encontram irremediavelmente postas em causa.
9ª- Há que atribuir prevalência às exigências de prevenção especial por serem sobretudo elas que justificam que se aplique uma pena de prisão efectiva quando seja absolutamente indispensável.
10ª- E, devendo ser decretada a suspensão da execução da pena quando, face à personalidade do agente, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, for de concluir que a simples censura do tacto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição -artigo 50º, º 1 do C. Penal, dever-se-ia ter optado pela suspensão da execução da pena de prisão.
11ª – E cremos seriamente que o arguido, face à personalidade que possui, já interiorizou o desvalor da sua conduta, que o manteve ininterruptamente preso desde 08/01/2009, há quase 16 longos meses.
12ª- O arguido tem necessidade de trabalhar para prover ao sustento do seu filho mais novo e da sua mãe, era ele a única fonte de rendimento do agregado familiar e, ao não provar-se a incapacidade de regeneração do arguido em liberdade, dever-se-ia suspender a pena por um período de tempo longo, realizando assim de forma adequada e suficiente as finalidades da punição
14ª- Pelo que o douto Acórdão recorrido, ao condenar o arguido AA numa pena de sete anos e meio de prisão efectiva, aplicou uma pena de prisão excessiva, violando o disposto nos artigos. 50º, 70º e 71º, todos do Código Penal.
Pede, a terminar, a «reformulação do acórdão» no sentido de ser «aplicada uma pena de prisão não superior a cinco anos, que deverá ser suspensa na sua execução».

4. No Supremo tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjnta teve intervnção nos termos do artigo 416º do CPP.
Após vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir.

5. O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
1) O arguido AA e EE andam desavindos desde 1995, altura em que este emprestou àquele uma quantia equivalente a cerca de 6.000,00€ (1.200 contos) e o arguido AA lhe entregou, para pagamento parcial de tal dívida, um cheque que veio a revelar-se não ter provisão.
2) Por causa disso, o EE apresentou contra o arguido AA uma queixa-crime e intentou depois uma acção cível destinada a cobrar tal dívida, com posterior acção executiva, vindo a obter o pagamento do devido apenas por volta do ano de 2005, por parte da mulher do arguido AA.
3) Antes, porém, que tal dívida ficasse integralmente saldada, em inícios do ano de 2005, o arguido AA dirigiu-se ao EE, dizendo-lhe que “lhe tirava a folha”, o que este interpretou como ameaça de morte e o levou a apresentar queixa contra aquele (dando origem ao processo nº 49/05.7TAETR).
4) No âmbito de tal processo, foi realizada busca no domicílio do arguido AA, durante a qual lhe vieram a ser apreendidas várias armas, seus componentes e munições de detenção ilícita, o que determinou que o mesmo, não obstante a desistência de queixa por parte do aí ofendido EE, viesse a ser condenado por crime de detenção ilegal de arma, sendo-lhe aplicada pena de multa no valor global de 440,00€ e condenado ao pagamento das custas do processo.
5) Porque o arguido AA não cumpriu tal pena de multa, nem pagou aquela dívida de custas, a Guarda Nacional Republicana desenvolveu, a solicitação do Tribunal, em meados de Dezembro de 2008, diligências para indagar da existência de bens penhoráveis no património do arguido AA, ficando este sabedor de tais diligências.

B
6) Em ocasião não apurada (mas anterior a 27-12-2008), indivíduo cuja identidade não se apurou, retirou a uma rebarbadora o motor da mesma (indutor e induzido) e, no espaço assim deixado disponível, colocou uma carga explosiva composta por uma porção de pólvora cloratada, bem como dispôs os fios eléctricos daquela máquina em condições de, uma vez ligada a mesma à corrente eléctrica, e pelo simples accionar do respectivo interruptor, aquela carga explodir.
7) Na noite de 26 para 27 de Dezembro de 2008, a hora não concretamente apurada, indivíduo não identificado foi colocar aquela rebarbadora, alterada e armadilhada, no interior do logradouro da casa de habitação do EE, situada na Rua ..., deixando-a junto do portão de entrada, da parte de dentro, no interior de um saco plástico.
8) No dia 27 de Dezembro de 2008, logo de manhã, FF, filho do referido EE, ao chegar àquele local, viu aquela rebarbadora e, pensando que era do pai e que este a tivesse emprestado a alguém, que assim a tivesse devolvido, recolheu-a e levou-a para o interior da casa.
9) O EE, ao saber da existência daquela rebarbadora no local, associou tal aparelho a um amigo a quem tinha pedido uma motosserra emprestada, pensando que o mesmo tivesse entendido mal o seu pedido e ali tivesse deixado uma rebarbadora por engano, pelo que de nada desconfiou e a manteve na sua casa.
10) Por seu turno, o agora assistente, GG, depois de ter andado a ajudar o EE, seu sogro, e o FF, seu cunhado, a cortar lenha, dirigiu-se com estes para casa do primeiro, propondo-se então afiar a lâmina de um machado que para ali tinha levado.
11) Sabedor da existência daquela rebarbadora em casa do seu sogro, porque este lhe havia relatado o sucedido, o GG foi buscar tal aparelho para afiar aquele machado, dirigiu-se para a garagem da casa com tais ferramentas e ligou a referida rebarbadora a uma das tomadas eléctricas ali existentes.
12) Quanto o GG premiu o interruptor daquela rebarbadora para executar a tarefa a que se propunha, a mesma explodiu, em consequência das alterações que lhe haviam sido feitas pelo tal indivíduo e da carga explosiva que nela fora colocada.
13) Por força de tal explosão, aquele aparelho estilhaçou-se em vários pedaços, que foram projectados a alta velocidade em várias direcções e atingiram o GG em várias partes do corpo, nomeadamente na face, cabeça, tronco e membros superiores.
14) Em resultado de tal explosão, com a subsequente projecção de estilhaços e de gases de combustão, sofreu o GG intensas dores físicas, bem como múltiplas lesões em várias partes do corpo, nomeadamente as seguintes:
- Traumatismo da face, com queimadura de 1º e 2º grau e perda de substância adjacente à comissura labial direita;
- Traumatismo ocular, com queimadura dos cílios, duas feridas na pálpebra superior do olho direito, uma outra junto ao canto medial do olho esquerdo, edema bilateral da retina, hemorragias em toalha no olho direito e presença, na tomografia axial computorizada, de hiperdensidades punctiformes anteriores, em relação ao globo ocular esquerdo e na região supra orbitária direita, resultantes da incrustação de fragmentos;
- Traumatismo torácico, com múltiplas feridas contuso-perfurantes, com perda de substância e esfacelo (interessando pele e tecidos celular subcutâneo), que expunham em alguns casos as costelas e os músculos intercostais, e num caso a cavidade pleural à direita, com incrustação na mesma parede torácica fragmentos metálicos; fractura de múltiplos arcos intercostais, hemopneumotorax e rotura diafragmática homolateral, e contusão pulmonar bilateral, determinantes de insuficiência respiratória;
- Traumatismo abdominal, com múltiplas feridas, com perda de substância (interessando pele e tecidos celular subcutâneo) e incrustações de fragmentos metálicos na parede abdominal, no grande recto do abdómen e nos segmentos hepáticos III e VI, lacerações hepáticas nos segmentos IV, V, VI, VII, VIII, derrame peritoneal e fístula bilio-pleural;
- Traumatismo do rim esquerdo com contusão;
- Traumatismo peniano, com fractura da uretra, fractura dos corpos cavernosos, incrustação de fragmentos, e hematoma e laceração do pénis;
- Traumatismo do membro superior direito, com amputação traumática da mão pelo punho e fractura do cúbito e
- Traumatismo do membro superior esquerdo, com esfacelo da mão e amputação traumática do 1°, 2° e 3° dedos da mesma mão.
15) Tais lesões, que não se encontram ainda estabilizadas e curadas, determinaram ao ofendido GG um período de doença, com total incapacidade para o trabalho, que se conta já, nesta data (a da acusação), em 215 dias.
16) Como consequência permanente já fixável, para além do mais, ficou o ofendido GG privado da mão direita, amputada pelo punho, e privado do uso da mão esquerda, que ficou esfacelada e com os 1°, 2° e 3° dedos amputados.
17) Tais lesões eram adequadas a causar a morte do ofendido GG, resultado esse que não ocorreu apenas porque o mesmo foi prontamente socorrido e sujeito a imediato tratamento médico e hospitalar, necessitando de ser submetido a ventilação mecânica, tratamento transfusional, coma induzido durante 30 dias e múltiplas cirurgias reparadoras.
18) Tal explosão causou ainda a destruição parcial da parede na qual se encontra fixada a porta de acesso à oficina (ombreira e laterais) e múltiplos danos nas viaturas ali estacionadas, de propriedade do EE.
C
19) Já no âmbito dos presentes autos, no dia 08 de Janeiro de 2009, após autorização da competente Autoridade Judiciária, foram realizadas buscas na residência do arguido AA, situada na Rua de Campinos, nº 5, em Salreu, Estarreja; no estabelecimento denominado “Petisqueira ...”, por ele explorado, situado em Pinheiro da Bemposta, Oliveira de Azeméis, e na oficina de serralharia, propriedade do mesmo, situada na Rua ..., em Salreu, Estarreja, bem como nos veículos automóveis por ele utilizados.
20) Nessa data, pelas 09 horas e 30 minutos, tinha o arguido AA guardados, no interior da “Petisqueira ...l”, os seguintes objectos:
a) 3 (três) sacos plásticos, contendo um total de 72 (setenta e duas) munições de calibre 7,62x39mm (também denominado de 7,62 Russo), sendo 42 (quarenta e duas) delas com balas do tipo “Full Metal Jacket” (FMJ) e as restantes 30 (trinta) com balas do tipo tracejante;
b) 1 (um) saco plástico, contendo 31 (trinta e uma) munições de calibre 7,62x51mm (também denominado de .308 Winchester), todas com balas do tipo FMJ;
c) 1 (um) saco, contendo 36 (trinta e seis) munições de calibre 7,62x51mm (também denominado de .308 Winchester), modelo de salva;
d) 3 (três) munições de salva, de calibre 7,62x51mm (também denominado de .308 Winchester);
e) 1 (um) cinturão tipo “cartucheira”, contendo catorze (14) cartuchos de caça de calibre 12 Gauge (munições) de diversos tipos e marcas;
f) uma caixa, contendo 25 (vinte e cinco) munições de calibre .32 Harrington & Richardson Magnum (equivalente a 8x27R mm no sistema métrico) e
g) duas caixas fechadas contendo cada uma delas 50 (cinquenta) munições de percussão anelar de calibre .22 Short.
21) Na mesma ocasião, no interior do veículo automóvel de marca “BMW”, com a matrícula ...-...-TF, usado pelo arguido AA, e que se encontrava estacionado junto àquele estabelecimento, tinha aquele guardados os seguintes objectos:
a) uma espingarda de assalto, da marca “KALASHNIKOV”, modelo “AK-47”, de calibre 7,62X39mm (também designado de 7,62 Russo), com o nº de série 1951HK0801, de funcionamento automático, também com capacidade para disparo em regime semi-automático (mediante selector), dotada de cano estriado com cerca de 415 mm de comprimento, sem a respectiva coronha, e medindo 640 mm de comprimento total (arma longa), dotada de carregador amovível - a qual se encontrava sobre o banco traseiro do veículo, coberta por um blusão, usado pelo buscado, e estava municiada com uma munição introduzida na respectiva câmara de explosão e com o carregador totalmente cheio (com 30 munições daquele calibre);
b) um segundo carregador para a mesma arma, igualmente municiado até ao limite da sua capacidade, com 30 munições do mesmo calibre - o qual se encontrava no bolso do lado direito daquele mesmo blusão;
c) um bastão de madeira, medindo cerca de 758 mm de comprimento, com um diâmetro variável entre 23 mm e 43 mm - o qual se encontrava na parte lateral do banco do condutor;
d) Uma faca, da marca “Huayl”, com sistema de abertura automática por meio de mola, designada, em linguagem corrente, de “faca de ponta e mola”, tendo cerca de 203 mm de comprimento total, quando aberta, e possuindo lâmina do tipo corto-perfurante de um só gume, com o comprimento de 88 mm, e
e) uma munição de percussão anelar, de calibre .22 Long Rifle.
22) Naquele mesmo dia 08 de Janeiro de 2009, tinha o arguido AA guardados na sua oficina de serralharia, os seguintes objectos:
a) 25 (vinte e cinco) cartuchos de caça de calibre 12, com chumbo nº 5;
b) um cartucho de caça, tipo bala, de calibre 12, e
c) cento e cinquenta e nove escorvas fulminantes (componentes de recarga próprios para o carregamento de cartuchos de caça).
23) Nessa mesma data, tinha o arguido AA guardados em vários locais da sua referida residência, em Salreu, os seguintes objectos:
- No quarto de dormir do arguido:
a) 1 (uma) faca de mato, da marca “ALCE”, com o comprimento total de 338 mm, dotada de uma lâmina de um só gume, com costa serrilhadas, do tipo corto-perfurante, com o comprimento de 220 mm (correspondente à extensão perfurante) e uma superfície cortante (gume), que se estende ao longo de cerca de 220 mm, acompanhada da respectiva bainha, em tecido tipo lona, estando esta inserida num cinturão tipo M/74 - que se encontravam na cama e debaixo da travesseira;
b) 1 (uma) faca de mato, de construção artesanal, com o comprimento total de 363 mm, dotada de lâmina de um só gume, com costas serrilhadas e do tipo corto-perfurante, com o comprimento de 220 mm (correspondente à extensão perfurante) e igual superfície cortante (gume), acompanhada da respectiva bainha, em couro - as quais se encontravam num roupeiro e numa gaveta;
c) 1 (um) cano próprio para arma de fogo (pistola) de calibre 7,65x17mm (calibre .32 Auto), com alma estriada, com um comprimento total de 101 mm - o qual se encontrava na mesa de cabeceira, e
d) um estojo com escovilhão de limpeza próprio para armas de fogo de alma lisa;
- Num roupeiro existente junto às escadas de acesso ao piso superior, por detrás de uma parede lateral falsa:
e) uma espingarda automática de marca HK (FMP), modelo “G-3”, com o número de série 250668, também com capacidade para disparo em regime semi-automático (mediante selector), de calibre 7,62x51mm (também designado de .308 Winchester), dotada de cano estriado com cerca de 450 mm de comprimento, medindo 1025 mm de comprimento total (arma longa), e dotada de carregador amovível - estando devidamente municiada, com bala introduzida na câmara e com carregador introduzido, contendo este 20 (vinte) munições daquele calibre;
f) uma espingarda caçadeira da marca “Pietro Beretta”, modelo “A300”, com número de série rasurado e ilegível, de calibre 12/76 (12 Gauge), semi-automática, de percussão central, com um só cano, de alma lisa, medindo 705 mm de comprimento, e com um comprimento total de 1250 mm (arma longa), possuindo sistema de municionamento por depósito tubular com capacidade para três cartuchos - a qual se encontrava municiada com uma munição introduzida na respectiva câmara e três outras no seu depósito sob o cano;
g) um revólver da marca “Smith & Wesson”, modelo não identificado, com o nº de série C67203, de calibre .38 Smith & Wesson Special (equivalente no sistema métrico a 9x29R mm), com tambor dotado de seis (6) câmaras, com cano estriado medindo cerca de 5 cm de comprimento, com dimensões de cerca de 195x120x35 mm (arma curta), dotado de disparo por sistema de percussão central directa por meio de cão externo e por acção mista (simples ou dupla), classificada como arma de tiro a tiro - o qual se encontrava totalmente municiado, com 6 (seis) munições do mesmo calibre introduzidas nas câmaras do seu tambor;
h) uma espingarda caçadeira, da marca “Zabala Hermanos” e modelo não identificado, de origem espanhola, de calibre 12 Gauge, de dois canos paralelos de alma lisa, com o número de série rasurado e ilegível, com modo de funcionamento tiro a tiro, apresentando os canos e a coronha serrados, tendo os canos 310 mm de comprimento e a arma o comprimento total de 530 mm;
i) 2 (dois) carregadores, próprios para pistolas da marca “Walther”, modelo “P-38”, de calibre 9x19mm;
j) um carregador próprio para Espingarda Automática G-3, municiado com vinte (20) munições de calibre 7,62x51mm (também denominado de .308 Winchester), e 76 (setenta e seis) munições do mesmo calibre, que se encontravam nos bolsos de um blusão;
k) 1 (um) cinturão tipo “cartucheira”, contendo quarenta (40) munições de diversos tipos e marcas de calibre .38 Smith & Wesson Special (equivalente no sistema métrico a 9x29R mm);
l) 163 (cento e sessenta e três) cartuchos de caça (munições), de várias marcas e tipos, todos de calibre 12 (12 Gauge);
m) 120 (cento e vinte) munições de calibre 7,62X51mm (também denominado de .308 Winchester), com projéctil do tipo FMJ;
n) 1 (uma) munição de calibre .44 Remington Magnum;
o) 2 (duas) munições de calibre calibre .38 Smith & Wesson Special (equivalente no sistema métrico a 9x29R mm);
p) 50 (cinquenta) munições de calibre 9x19mm (também designado de 9mm Parabellum), com bala do tipo FMJ;
q) 99 (noventa e nove) munições de calibre .32 Smith & Wesson Special;
r) um estojo com escovilhão de limpeza, próprio para armas de alma lisa, e
s) dois escovilhões, próprios para limpeza de armas curtas.
- Na sala, no interior de um móvel:
t) um dispositivo de iluminação eléctrica, tipo lanterna, próprio para acoplar em espingardas ou carabinas, composto por um projector de luz;
u) uma bateria portátil e
v) um cabo de ligação com interruptor para colocar no fuste da arma.
24) Todas estas armas, componentes de armas, munições e demais objectos foram naquela data apreendidos ao arguido AA pelos elementos da Polícia Judiciária que executaram as sobreditas buscas.
25) Porém, além de tais objectos, possuía ainda o arguido AA na sua residência, escondidos no interior de uma parede falsa situada por baixo do parapeito de uma das janelas da cozinha, os seguintes objectos:
a) uma espingarda automática, da marca “SIG”, modelo “STGW 57 (SIG 510)”, com o número de série A499788, com regime de disparo automático, mas com capacidade para disparo também em regime semiautomático (mediante selector), de calibre 7,5x55mm Swiss (também designado de 7,5x55 GP-11), dotada de cano estriado com cerca de 583 mm de comprimento e de carregador amovível com capacidade para 24 munições, medindo 1105 mm de comprimento total (arma longa);
b) um (1) segundo carregador próprio para a espingarda automática da marca “SIG”, modelo “STGW 57 (SIG 510)”, acima referida;
c) uma (1) espingarda de assalto de marca “Kalashnicov”, fabricada na antiga Jugoslávia pela “Zastava-Kragujevac”, modelo “M.70 B1”, de 1983, com o número de série 195573, tratando-se de uma arma de fogo automática, com capacidade para disparo também em regime semiautomático (mediante selector), de calibre 7,62x39mm (também designado de 7,62 Russo), dotada de cano estriado com cerca de 415 mm de comprimento e de carregador amovível, com capacidade para 30 munições, possuindo coronha fixa e medindo cerca de 912 mm de comprimento total (arma longa) - a qual apresenta um sistema de pontaria próprio para usar a arma como lança granadas;
d) uma (1) pistola-metralhadora, marca “Sterling”, modelo “MK-III”, com o número de série KR4028, tratando-se de uma arma de fogo automática, também com capacidade para disparo em regime semiautomático (mediante selector), de calibre 9x19mm (também designado de 9mm Parabellum), dotada de cano estriado com cerca de 196 mm de comprimento, possuindo coronha rebatível e medindo cerca de 686 mm de comprimento total (arma longa) - estando dotada de carregador amovível (que se encontrava separado e não corresponde ao original);
e) uma (1) espingarda de canos de alma lisa, da marca “F. Pedretti”, de modelo não identificado, com o número de série 225489 – tratando-se de uma arma de tiro a tiro, de percussão central, de calibre 12 Gauge, com dois canos, de alma lisa, sobrepostos, com 700 mm de comprimento, tendo o comprimento total de 1103 mm (arma longa), com coronha e fuste de madeira, e possuindo sistema de municionamento manual, com abertura dos canos por meio de báscula;
f) um (1) “sabre-baioneta”, próprio para a espingarda automática “G-3” e clones desta, com um comprimento total de 309 mm, ao qual corresponde uma lâmina do tipo corto-perfurante, com uma extensão perfurante de 169 mm - estando dotada de cabo em plástico de cor verde, com os normais sistemas de encaixe e fixação para a sua colocação na espingarda automática “G-3”, e da respectiva bainha e sistema de fixação ao cinturão;
g) um (1) “sabre-baioneta”, com o número de série 490656, próprio para “Kalashnicov AK-47” ou clones desta, com um comprimento total de 270 mm, ao qual corresponde uma lâmina do tipo corto-perfurante com uma extensão perfurante de 146 mm – estando dotada de cabo em baquelite e aço, com os normais sistemas de encaixe e fixação para a sua colocação nas espingardas de assalto do tipo “Kalashnicov”, e da respectiva bainha, tendo esta o número de série 168897;
h) uma (1) mira (alça) telescópica, da marca “BSA”, modelo “Catseye 3-10x44 IR” – tratando-se de um dispositivo de pontaria próprio para acoplar em arma longas, dispondo de um retículo iluminado para permitir tiro em condições de baixa luminosidade, e tendo uma potência de aumento até 10 vezes, sendo compatível com o uso na espingarda automática da marca “SIG”, modelo “STGW 57 (SIG 510)”, acima referida;
i) setenta e três (73) munições de calibre 7,5x55mm Swiss (também designado de 7,5x55 GP-11), todas com balas do tipo FMJ (Full Metal Jacket) - compatíveis com o uso na espingarda automática “SIG STGW 57 (SIG 510)” acima referida;
j) setenta e uma (71) munições de calibre 7,62x39mm (também denominado de 7,62 Russo), todas com balas do tipo FMJ – compatíveis com o uso na espingarda de assalto de marca “Kalashnikov” acima referida;
k) Cento e quarenta (140) munições de calibre 7,62x39mm (também denominado de 7,62 Russo), todas com balas do tipo SP (Soft Point), todas da marca “Sellier & Bellot” – compatíveis com o uso na espingarda de assalto de marca “Kalashnikov” acima referida;
l) cento e trinta e uma (131) munições de calibre 7,62x39mm (também denominado de 7,62 Russo), todas com balas do tipo tracejante – compatíveis com o uso na espingarda de assalto de marca “Kalashnikov” acima referida;
m) seiscentas e cinquenta (650) munições de calibre 9x19mm (também designado de 9mm Parabellum), tratando-se de munições do tipo FMJ – compatíveis com o uso na pistola-metralhadora “Sterling MK-III” acima referida;
n) quarenta e um (41) cartuchos de caça (munições), de várias marcas e tipos, mas todos de calibre 12 (12 Gauge);
o) quatrocentas e trinta e duas (432) munições de calibre 7,62x51mm (também denominado de .308 Winchester), todas com balas do tipo FMJ;
p) cento e sessenta e oito (168) munições de calibre .38 Smith & Wesson Special (equivalente no sistema métrico a 9x29R mm), de vários tipos e de diversos fabricantes;
q) quatro (4) munições de calibre .32 Smith & Wesson Long;
r) cinquenta (50) munições, de calibre .32 Harrington & Richardson Magnum (equivalente a 8x27R mm no sistema métrico), com balas do tipo SJHP (Semi-Jacketed Hollow Point);
s) seis (6) munições, de calibre .22 Long Rifle;
t) quarenta e oito (48) munições, de calibre .22 Magnum (também denominado de 5,6mm Winchester Magnum Rimfire), do tipo “Maxi-Mag + V”, da marca “CCI”;
u) uma (1) munição, de calibre 7,92x57 Mauser (também denominado de 8x57 Mauser), do tipo FMJ;
v) uma (1) munição, de calibre 5,56x45mm (também denominado de 223 Remington), do tipo FMJ;
w) uma (1) munição, de calibre .444 Marlin (também denominado de 10,7x56R Marlin), do tipo SJHP;
x) uma (1) munição, de calibre .416 Rigby Magnum Nitro-Express (equivalente no sistema métrico a 10,4x73mm), com bala do tipo SP;
y) uma (1) munição, de calibre .460 Weatherby Magnum (equivalente no sistema métrico a 11,6x74mm), com bala do tipo monolítica, e
z) uma porção de pólvora cloratada, com cerca de 200 gramas, que se encontrava acondicionada dentro de um tudo de vedante de marca “Pecol”.
26) Dado o modo como o arguido AA havia ocultado tais objectos, não foram os mesmos encontrados aquando da referida busca realizada na sua residência, pelo que não foram então apreendidos, ali permanecendo quando aquele foi sujeito à medida de prisão preventiva, no dia 09 de Janeiro de 2009.
D
27) No dia seguinte, o arguido BB, que é filho do arguido AA, visitou o mesmo no Estabelecimento Prisional.
28) Nessa ocasião, o arguido AA pôs o arguido BB ao corrente da existência daquelas armas, munições e demais objectos, bem como do local onde estavam escondidos, ordenando-lhe que os retirasse da residência e que os ocultasse noutro local, que com ele não pudesse ser relacionado.
29) O arguido BB aceitou tal incumbência e, para execução da mesma, foi pedir auxílio ao arguido CC, amigo daquele e do arguido AA, transmitindo-lhe a existência daquelas armas, munições e demais objectos na sua casa e a ordem dada pelo seu pai.
30) O arguido CC aceitou ajudar o arguido BB a esconder aqueles objectos e logo combinaram, para tal efeito, encontrar-se no dia seguinte, pelas 07 horas da manhã, junto à casa da mãe do primeiro, local onde o mesmo disse existir uma adega onde poderiam ocultar aquele material.
31) Assim, no dia 11 de Janeiro de 2009, à hora marcada, o arguido BB, fazendo uso do veículo automóvel da sua namorada, levou até junto da casa da mãe do arguido CC, DD, situada no Lugar do Crasto, em Salreu, Estarreja, aquelas armas, munições e demais objectos referidos.
32) Depois, o arguido BB levou até junto da adega anexa à casa da DD aqueles objectos, ali os entregando ao arguido CC, que os recebeu.
33) Por seu turno, o arguido CC levou aqueles objectos para o interior da adega, escondendo a espingarda automática “SIG STGW 57 (SIG 510)”, o segundo carregador da mesma, a espingarda de assalto “Kalashnikov”, a pistola-metralhadora “Sterling” e a espingarda “F. Pedretti”, no interior de um lagar, e colocando as munições e demais objectos dentro de um caixote de madeira, tapando tudo com materiais ali existentes.
34) De seguida, os arguidos BB e CC abandonaram o local, deixando ali escondidos e guardados aqueles objectos.
35) Pouco depois, a DD, vendo que a porta da sua adega não estava bem fechada e desconfiando de que alguém ali tivesse entrado sem a sua autorização, foi verificar o interior e descobriu aqueles objectos no local.
36) Assim, nessa mesma data, aquela chamou a Guarda Nacional Republicana ao local, tendo os agentes policiais, perante aquele achado, solicitado a comparência na Polícia Judiciária Militar, que apreendeu aquelas armas, munições e demais objectos.
E
37) O arguido AA detinha e guardava aquelas armas, munições e seus componentes, que destinava, pelo menos, ao seu próprio uso.
38) E trazia consigo a espingarda de assalto, da marca “KALASHNIKOV”, modelo “AK-47”, com o nº de série 1951HK0801, na sua viatura, com o intuito de eventualmente a usar.
39) O mesmo não tinha qualquer licença ou autorização que o legitimasse a deter, usar ou transaccionar aqueles objectos, nem as armas em questão estavam registadas em seu nome, bem sabendo que a detenção daquelas armas, munições e componentes, o seu uso ou cedência a qualquer título não lhe eram permitidos, mas não se absteve de agir do modo descrito, o que quis.
40) Agindo do modo descrito, sabiam os arguidos BB e CC que transportavam e guardavam armas de detenção ilícita, bem como seus componentes e munições às mesmas destinadas, o que quiseram.
41) Os arguidos BB e CC não tinham qualquer licença ou autorização que o legitimasse a deter, manusear, transportar ou guardar aqueles objectos, bem sabendo que a detenção, manuseamento, transporte e guarda daquelas armas, munições e componentes não lhes eram permitidos, mas não se abstiveram de agir do modo descrito, o que quiseram.
42) O arguido CC sabia que aquelas armas, munições, componentes e demais objectos pertenciam ao arguido AA e provinham da casa de habitação do mesmo, mais sabendo que este era investigado pelos factos objecto destes autos e que havia já sido alvo de buscas que culminaram com a apreensão de outros objectos de idêntica natureza.
43) Ao proceder nos termos descritos, sabia o arguido CC que ocultava objectos que poderiam vir a ser usados como meio de prova nos presentes autos e que assim iludia e dificultava a actividade de recolha e de produção de prova no processo, o que quis e fez com o intuito de evitar que tais meios probatórios fossem encontrados e relacionados com o arguido AA e, assim, evitar que este fosse identificado como autor dos factos descritos e sujeito a pena, designadamente pela detenção dessas armas, munições e componentes.
44) Os arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das respectivas condutas.
F
45) Após o impacto da explosão, o assistente e demandante GG, já em estado crítico e em esforço sobre humano, teve consciência de que algo de muito grave lhe tinha acontecido.
46) Na verdade, tentou, inclusivamente, pedir socorro ao seu sogro e cunhado, que sabia estarem do lado de fora da garagem.
47) Para tal, arrastou-se para perto da porta da mesma, tentando inspirar o máximo de ar possível.
48) Sentia as mãos e o peito muito quentes, dores fortíssimas no abdómen e limitou-se a inspirar o máximo de ar que conseguia, já que sentia que expirar lhe era impossível.
49) Momentos depois, surgem o EE, seu sogro, e o FF, seu cunhado, que ligam para o Instituto Nacional de Emergência Médica.
50) Dando cumprimento a instruções recebidas, via telefone, o sogro do assistente e demandante GG começou a abanar-lhe o braço para o manter acordado, altura em que este, consciente que estava, lhe pede para não continuar, pois já não conseguia suportar mais as dores.
51) Por se encontrar consciente, foi o próprio assistente e demandante GG, apesar do sofrimento, que já na ambulância fornece os nomes dos pais, bem como os respectivos dados, tendo depois, após muito resistir, desmaiado.
52) Sofreu, assim, dores insuportáveis, que o levaram ao ponto de desmaiar.
53) Sendo que, enquanto tal não aconteceu, temeu pela própria vida. Sentiu horror e pânico, lembrou-se dos seus pais e irmãs e pensou na sua noiva, com quem já vivia em união de facto, estando o casamento marcado para Maio de 2009.
54) Casamento que não pode ser concretizado nessa data, devido à explosão e ao internamento do assistente GG no hospital.
55) Logo após a explosão, o assistente e demandante GG foi, de imediato, socorrido por uma ambulância e conduzido para o hospital de Aveiro.
56) Sendo-lhe detectadas, a olho nu, logo a falta da mão direita, a mão esquerda toda desfeita e a zona do abdómen com bastantes cortes e buracos de grandes dimensões.
57) Depois dos primeiros socorros prestados pelos serviços do Hospital de Aveiro, foi o assistente e demandante GG transportado para o Hospital de Coimbra, onde permaneceu em coma induzido durante 30 dias, tendo sido submetido a ventilação mecânica, tratamento transfusional e sofrendo múltiplas cirurgias reparadoras.
58) Todas as lesões sofridas pelo assistente e demandante foram causadas, directa e necessariamente, pela referida explosão da rebarbadora e originaram diversos custos hospitalares, farmacêuticos, em centros de saúde, em fisioterapeutas, em gasolina e outros.
59) Na presente data, o assistente GG não se encontra estabilizado e curado, encontrando-se, ainda, em processo de tratamento de medicina interna para a eventuais operações cirúrgicas de remoção de um estilhaço que, ainda, tem no fígado, da retirada de um ferro de um braço e, ainda, de urologia. ortopedia, fisioterapia, oftalmologia e cirurgia plástica, especialidade das quais ainda não teve alta médica.
60) Não se sabendo, ainda, se vai voltar a ser operado ao pénis, à uretra e aos olhos e quantas operações de cirurgia plástica poderá vir a fazer para remover as cicatrizes, designadamente do peito e abdómen, bem como ainda não se encontra definido se lhe vai ser aplicada uma prótese mecânica ou mioeléctrica no braço direito.
61) O assistente GG vai continuar em tratamento e ser submetido a diversas intervenções cirúrgicas (pelo que ainda não se sabe quando se poderá definir a totalidade da incapacidade temporária absoluta para o trabalho e a posterior incapacidade permanente absoluta ou incapacidade permanente parcial), desconhecendo-se, neste momento, se poderá voltar a desempenhar a sua antiga profissão de motorista ou qualquer outra.
62) O mesmo já pagou, em consequência dos factos referidos, a título de despesas com tratamentos, a quantia de 64,90€, relativamente a despesas de Hospital; de 119,49€, relativamente a despesas de Farmácia; de 15,40€, relativamente a despesas de Centro de Saúde, e de 559,00€, relativamente a despesas de fisioterapia.
63) Foram efectuados gastos para a companheira, de manhã, e os pais, à tarde, o irem visitar, todos os dias, ao Hospital de Coimbra, enquanto esteve internado.
64) O assistente GG é motorista de veículos pesados de profissão, na empresa “... & Filhos, SA”, com sede em Monte de Cima, Apartado 4, Pardilhó, Estarreja, profissão que exerce desde Julho de 2006.
65) Para estar perfeitamente apto ao exercício da sua profissão, o assistente GG, para além da carta de motorista, tirou o curso de tacógrafo digital, bem como o curso de formação profissional de animais em transporte de longa duração - Aves e Coelhos.
66) Estando, desde o inicio da sua vida, com 27 anos à data da ocorrência, bem preparado para o desenvolvimento da profissão que escolheu e que tanto gosta.
67) Com o exercício da sua profissão, o assistente GG auferia de ordenado base 600,00€, em média mensalmente; 600,00€ de gratificações; 80,00€ de horas extras e 200,00€ de horas nocturnas, perfazendo um global líquido de cerca de 1.300,00€ por mês.
68) Após a ocorrência destes factos, o assistente GG recebe da Segurança Social 682,80€, de Subsidio de doença.
69) No dia dos factos o assistente GG usava umas calças, uma t-shrit, uma camisa, umas cuecas e umas meias, tendo ficado com todo o seu vestuário destruído.
70) O assistente GG passou os referidos 30 dias em coma induzido para conseguir suportar as dores e entubado por forma a conseguir respirar, passando todo este tempo sem conseguir falar e quando estava acordado tinha plena consciência de que não estava bem.
71) Os médicos reduziam a dose do coma induzido ao assistente GG para que a família o visitasse, altura em que este não tirava os olhos do tecto e se recusava a olhar para si próprio, tendo, inclusivamente, tido uma paragem cardíaca na primeira vez que viu o seu pai.
72) Quando estava acordado tinha ataques constantes de choro e mordia várias vezes o tubo que estava introduzido na sua boca para que pudesse respirar, fruto da raiva que sentia derivada da situação em que se encontrava.
73) O estado de nervosismo era de tal ordem grave que, apesar de não conseguir falar e de estar sobre medicação fortíssima, o assistente GG, mesmo estando nos cuidados intensivos, queria levantar-se e vir-se embora, ao ponto de ter que ser amarrado à cama.
74) Tinha imensa dificuldade em respirar, tossindo muitas vezes por dia, tendo que ser aspirado internamente a nível pulmonar várias vezes, para que os seus pulmões pudessem acalmar.
75) Ainda nesta altura em que estava em coma induzido e não conseguia falar, nos cuidados intensivos, emitia sons a demonstrar que queria saber como estava mas não queria ver.
76) Até que passadas algumas tentativas, a sua irmã C... percebeu que uma das suas preocupações e sofrimento era saber qual era o estado do seu pénis, porque ele sentia ardor.
77) Altura em que ela lhe descreveu as lesões do mesmo e o tentou tranquilizar, explicando-lhe que tinha sido operado e sujeito a uma reconstituição.
78) Viveu ainda uma situação de medo quanto ao estado da sua cara, pois sentia ardor e não via de um olho, tendo sido submetido a um transplante da córnea posteriormente.
79) “Forçou”, inclusivamente, a sua noiva Sílvia a tirar-lhe uma foto com o telemóvel, para que ele pudesse comprovar qual o seu aspecto e se acalmar.
80) O assistente GG era dextro, utilizando a mão direita para escrever.
81) Sentiu o trauma e sofrimento de ter ficado privado da mão direita e, consequentemente, da sua profissão (motorista) e ficou ainda inquieto e transtornado porque ficou privado de poder escrever.
82) Sofreu também múltiplas operações, nomeadamente duas operações ao pénis, uma no dia da ocorrência e uma plástica reconstrutiva ao mesmo, mais tarde, não se sabendo quantas mais ainda terá de realizar, designadamente, para remoção de estilhaços e de cicatrizes.
83) Na presente data ainda não se determina, com certeza médica, se a capacidade de procriar do assistente GG está comprometida, o que o tem feito sentir humilhado e em sofrimento.
84) Devido à lesão no pénis, o seu desempenho sexual foi até agora afectado e só muito recentemente conseguiu reiniciar a sua vida sexual, não se sabendo, ainda, se poderá manter uma actividade como anteriormente, o que só saberá com a evolução do tratamento.
85) Tendo o casamento marcado para Maio de 2009, não foi possível realizá-lo devido a estes factos, sendo que a noiva desconfiava, à data da ocorrência, estar grávida, em pleno período de gestação.
86) Pelo que realizou um exame de gravidez, no dia da explosão, no Hospital de Aveiro, e uma ecografia endovaginal, que realizou na clínica “..., Ldª”.
87) Devido a tudo o supra descrito, o assistente GG tem pesadelos constantemente e, se antes tinha um sono pesado e tranquilo, hoje acorda por tudo e por nada.
88) Vive, constantemente, assustado, com medo que alguma coisa de mal lhe aconteça ou à sua família, encontra-se num estado de stress profundo, difícil de ultrapassar.
89) E sente-se envergonhado, desfigurado e afectado, como homem, em todos os sentidos, designadamente profissional, auto-estima pessoal, sexual e de, eventualmente, não poder a vir a ser pai, isto mesmo em relação à sua noiva (agora mulher), que em muito o tem ajudado.
90) Tudo isso envergonha e faz sofrer o assistente GG, que perdeu a vontade de viver e se sente inferiorizado do ponto de vista estético, social e profissional.
G
91) No dia 27 de Dezembro de 2008, o assistente GG foi assistido no Serviço de Urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra, tendo ficado internado no Serviço de Cirurgia I, sendo depois transferido para o Serviço de Medicina-Intensiva e depois de novo para o Serviço de Cirurgia I, onde permaneceu até ao dia 21 de mês Fevereiro de 2909.
92) Voltou, ainda, a receber assistência, em regime de Consulta Externa, até ao dia 16 de Julho de 2009, continuando ainda em tratamento.
93) A assistência que, então, lhe foi prestada, foi originada pelos ferimentos apresentados pelo assistente GG, em consequência da explosão da máquina rebarbadora, ocorrida no mencionado dia 27 de Dezembro de 2008, referida em B supra.
94) Os encargos com a assistência que foi prestada ao GG importam na quantia de 31.590,23€ (trinta e um mil quinhentos e noventa euros e vinte e três cêntimos), ainda em débito.
H
95) O assistente GG é beneficiário do Centro Distrital de Aveiro da Segurança Social, como n.° 11167185207.
96) Em consequência das lesões sofridas, resultantes da dita explosão ocorrida em 27 de Dezembro de 2008, esse beneficiário esteve com baixa médica subsidiada de 27 de Dezembro de 2008 a 08 de Maio de 2009.
97) Por tal facto, a Segurança Social pagou-lhe, a título de subsídio de doença, a quantia de 7.659,98€ (sete mil seiscentos e cinquenta e nove euros e noventa e oito cêntimos), uma vez que compete ao Instituto da Segurança Social assegurar a concessão provisória do aludido subsídio.
I
98) O arguido AA explorava, na altura, um estabelecimento comercial (“Petisqueira ...”), que havia adquirido por trespasse cerca de três anos antes. Tinha aí duas empregadas e obtinha o rendimento de cerca de 1.500,00€ mensais.
99) Encontra-se divorciado há cerca de oito anos, tendo três filhos, dois deles na altura a seu cargo, o BB (ora também arguido) e o AA Fernando, este com 14 anos de idade, estando a filha, I...O..., de 23 anos de idade, já autónoma.
100) É o único filho, de um casal de média condição social e económica.
101) Vivia, na altura, com essses dois filhos e a sua mãe (tendo o pai já falecido), na casa desta, mantendo-se agora aí o BB e vivendo o AA Fernando com a irmã I....
102) Concluiu o 6º ano de escolaridade, por volta dos 13/14 anos de idade, tendo logo iniciado a actividade laboral de serralheiro civil, inicialmente na serralharia do próprio pai, revelando-se, desde jovem, como um indivíduo trabalhador.
103) No Estabelecimento Prisional mantém um comportamento isento de reparos em termos institucionais, trabalhando há alguns meses na lavandaria e beneficiando de visitas regulares dos familiares.
104) Em termos de personalidade, o arguido AA é caracterizado como um indivíduo algo autoritário, impulsivo e conflituoso, manifestando, por vezes, sentimentos de raiva relativamente às pessoas e ao quotidiano em geral, que refectem alguma negatividade no sentido da autoridade, sendo que dispõe de capacidade adaptativa para pensar lógica e coerentemente.
105) O arguido BB trabalha numa oficina, como serralheiro, no que aufere o salário de cerca de 500,00€ mensais.
E o tribunal considerou não provados os seguintes factos:
a) Que o arguido AA pagou a dívida referida em 1) supra ao EE com dois cheques que vieram a revelar-se não terem provisão (apenas se provou a entrega de um);
b) Que na altura referida em 3) supra, o arguido AA disse ao CC es que lhe “dava um tiro” e que essa situação ocorreu por diversas vezes;
c) Que o arguido AA, em 10 de Dezembro de 2009, foi alvo de uma penhora no estabelecimento por si explorado, bem como ficou a saber, em meados desse mesmo mês, que a Guarda Nacional Republicana desenvolveu várias diligências para indagar da existência de bens penhoráveis no seu património (é manifesto o erro na menção ao ano de “2009”, mas também não está comprovada a penhora noutra data);
d) Que, sabedor de tais diligências, o arguido AA, que ao longo do tempo vinha alimentando em si a ideia de que o EE era a causa de todos os seus problemas, decidiu matá-lo e que o faria por meio de uma explosão àquele dirigida;
e) Que o arguido AA mais decidiu que, para tal efeito, armadilharia uma ferramenta eléctrica, por forma a que a mesma explodisse quando fosse accionado o seu interruptor, e que a faria chegar ao EE em condições tais que este de nada desconfiasse e se dispusesse a utilizá-la, fazendo-a explodir quando a manuseasse;
f) Que, em função disso, durante vários dias, fazendo uso de pequenas ferramentas eléctricas (berbequins e rebarbadoras) que possuía na sua oficina, o arguido AA estudou os mecanismos de fornecimento de energia de tais equipamentos, o sistema de iniciação (arranque eléctrico) dos mesmos, o local onde poderia acondicionar uma carga explosiva e a forma de activar esta por iniciação do circuito eléctrico daquelas máquinas;
g) Que, depois, o arguido AA retirou a uma das rebarbadoras que ali possuía o motor da mesma (indutor e induzido) e, no espaço assim deixado disponível, colocou uma carga explosiva composta por uma porção de pólvora cloratada (que retirou de um lote que possuía em casa), bem como dispôs os fios eléctricos daquela máquina em condições de, uma vez ligada a mesma à corrente eléctrica e pelo simples accionar do respectivo interruptor, aquela carga explodir;
h) Que, foi o arguido AA que, na noite de 26 para 27 de Dezembro de 2008, a hora não concretamente apurada, colocou aquela rebarbadora, por si alterada e armadilhada, no interior do logradouro da casa de habitação do EE, situada na Rua ..., em Salreu, Estarreja, deixando-a junto do portão de entrada, da parte de dentro, no interior de um saco plástico;
i) Que foi o arguido AA que praticou os factos descritos em 6), 7) e 12) supra (no que respeita ao armadilhar e colocar a rebarbadora junto do portão da casa do EE);
j) Que o arguido AA quis matar o EE, bem sabendo que usava de meio adequado a fazê-lo;
1) Que o arguido AA determinou-se por motivos gravemente distanciados do que seria uma determinação pêlos valores socialmente vigentes, manifestando sentimentos fortemente rejeitados pela sociedade;
m) Que o arguido AA sabia que, em virtude da sua conduta, quaJquer outra pessoa que frequentasse a casa do EE poderia vir a usar a referida rebarbadora e sofrer a explosão planeada e, assim, que poderia ferir e matar tal pessoa, aceitando que tais resultados se produzissem;
n) Que o arguido AA sabia ainda que, com tal conduta, causava explosão e que, em virtude da mesma, havia sério risco de ocorrer a danificação e destruição da casa de habitação do EE ou seus anexos, bem como dos demais bens de propriedade deste que ali se encontravam, aceitando que tal ocorresse;
o) Que a porção de pólvora com que foi fabricado o engenho explosivo acima descrito, que vitimou o assistente GG, foi retirada da porção mencionada em 25) – z) supra;
p) Que o arguido AA destinava as referidas armas, munições e seus componentes a serem por si vendidas a terceiras pessoas;
q) Que o arguido AA trazia consigo a espingarda da marca “KALASHNIKOV”, referida em 38) supra, desde após os factos do dia 27 de Dezembro de 2008, acima descritos, com o intuito de a usar contra quem viesse pedir-lhe justificações por tais factos ou confrontá-lo com os mesmos, nomeadamente contra agentes de força policial;
r) […];
s) […].

6. Relativamente `prova dos factos descritos nos pontos 19 a 29 e 37 a 44 , o tribunal valoru «desde logo, as declarações do arguido AA, que confessou a posse e propriedade dessas armas, componentes e munições, mencionando os locais onde as detinha e consciência da ilicitude de tal conduta (embora dizendo que não tinha ali colocado o tubo com a pólvora, desconhecendo se lá existia), além de terem sido valorados os depoimentos das testemunhas A...F...B.... M...H...O... e V...M...T... (todos inspectores da PJ), que confirmaram as apreensões levadas a cabo, em que cada um participou, e locais onde as armas, munições e componentes estavam, bem como a forma como se encontravam, tudo isso constante dos respectivos autos de busca e apreensão, com as fotos juntas, além dos relatórios, que confirmam tal realidade, incluindo os locais onde se encontravam as armas, seus componentes e munições e também a existência da embalagem com a pólvora (fls. 184 a 190, 192 e 194 a 202, 204 a 245, 246 a 250, 396 a 410, 847 a 865). Mais foram considerados os autos de exame dessas armas, componentes, munições e produtos (fls. 259 a 267, 466 a 477, 481, 868, 1078 a 1089, 1257 a 1262, 1278 a 1290), bem como a informação da PJM quanto à origem e posterior desaparecimento da Espingarda G-3 (fls. 932)»;
Na fundamentação da matéria de facto, foram também valoradas quanto aos factos descritos nos pontos 27 a 36 e 37 a 44, «as declarações do arguido AA que referiu as indicações que deu ao seu filho BB, para retirar essas armas e escondê-las noutro local, pan para não serem encontradas peia Polícia, bem como as declarações do arguido CC, que confessou tais factos integralmente, de forma livre e espontânea, dizendo que os praticou juntamente com o arguido BB, a pedido deste, tudo descrevendo, dizendo ter consciência de ilicitude de tais actos […].»

7. Nos termos do artigo 434º do CPP, o Supremo Tribunal conhece dos vícios do artigo 410º, nº 2, ainda referidos à matéria de facto, como questão necessariamente prioritária e precedente ao reexame da matéria de direito.
A verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade processual não é mais, nem pode ser diversa, da reconstituição possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos e princípios e regras estabelecidos.
Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos.
Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras de experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.
A observação e verificação do homem médio constituem o modelo referencial.
Na dimensão valorativa das “regras da experiência comum” situam-se as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.
Os vícios da matéria de facto que integram as categorias das alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 410º do CPP, não obstante a diversidade de elementos, revertem todos a inconsistências no domínio da prova, ou mais precisamente, no processo lógico e racional de formação da convicção sobre a prova.
O “erro notório na apreciação da prova” constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas e apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da “experiência comum”.
Em síntese de definição, estes são os elementos que hão-de conformar a apreciação, em cada caso, sobre a ocorrência do mencionado vício (cfr., v. g., acórdãos deste Supremo Tribunal, no BMJ n°s. 476, pág. 82; 477, pág, 338; 478, pág. 113; 479, pág. 439,494, pág. 207 e 496, pág. 169).
O vício tem de resultar, como se salientou, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena), não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.
Para avaliar da não arbitrariedade (ou impressionismo) e da racionalidade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um tacto desconhecido».
Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência». (cfr, v. g., Vaz Serra, “Direito Probatório Material”, BMJ, nº 112 pág, 190).
Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar» (cfr. Carlos Maluf, “As Presunções na Teoria da Prova”, in “Revista da Faculdade de Direito”, Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207).
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre a base e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cfr. Vaz Serra, ibidem).
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
O julgamento sobre os factos, devendo ser um julgamento para além de toda a dúvida razoável, não pode, no limite, aspirar à dimensão absoluta da certeza da demonstração acabada das coisas próprias das leis da natureza ou da certificação cientificamente cunhada.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c). – cfr., v. g., o acórdão deste STJ, de 7 de Janeiro de 2004, proc. nº 3213/03.
A prova de determinados factos que não são directamente apreensíveis in natura, no plano da observação imediata, física e sensorial, só pode ser obtida por aproximações empíricas, permitidas pelas deduções decorrentes de factos ou comportamentos individuais, aceitáveis ou pressupostos pela normalidade de consequências que está suposta pelas regras da experiência e do fluir normal dos acontecimentos e relações.
Estes elementos de construção e apreciação permitirão o estabelecimento de um facto não directamente apreensível (mas apenas deduzido de referências comportamentais concretas), como resultado de uma conclusão sustentada, e por isso afastando uma apreciação dominada pelas impressões.
Nesta perspectiva metodológica, as regras da experiência são a base e o limite do resultado, positivo ou negativo, de uma presunção natural, como critério, ou no rigor, regra normativa de prova.
Com uma de duas possíveis consequências.
Pode verificar-se um afastamento entre a base da presunção (o facto conhecido, preciso e determinado) e o facto desconhecido (objecto de prova), de tal modo que a relação se situa apenas no simples domínio das possibilidades físicas e materiais, sem proximidade que caiba nos limites razoáveis do id quod; neste caso, o facto desconhecido não poderá considerar-se como assente. Mas, ao invés, as regras da experiência podem determinar que, segundo a normalidade das coisas, dos comportamentos e da apreciação externa comum e referencial sobre a causalidade e a sequência, um facto ou uma série de factos conhecidos não se compreende, nem por si tem relevante significado autónomo e não apresenta qualquer sentido, razão ou explicação, se não for pelas consequências normais e típicas que a experiência das coisas e da vida lhe associa; neste caso, a presunção deve ser estabelecida: os factos serão precisos e concordantes.
A afectação, desfasamento ou afastamento das regras da experiência em qualquer destas dimensões constitui um desvio à aplicação do princípio probatório das presunções naturais, a integrar na categoria de «erro notório na apreciação da prova».
No caso, os factos conhecidos são claros e precisos: a detenção e guarda na esfera de disponibilidade do arguido AA de um elevado número de armas, especialmente de armas de guerra, em estado de funcionamento, e especialmente a detenção de carregadores e correspondentes munições em quantidade operacional.
Em tais circunstâncias, as regras da experiência comum apontam para que, salvo anormalidade de comportamento, ninguém dispõe de um semelhante arsenal em condições de funcionamento, correndo o risco sério inerente à simples detenção (a prática e um crime de perigo), sem uma finalidade exterior ou sequencial; a aquisição de uma tal quantidade e natureza de armamento, segundo a normalidade das coisas apenas se compreenderá se estiver associada uma finalidade que lhe dê sentido mínimo, como seja a circulação através de alguma forma de comércio ou cedência, ou a cedência, a qualquer título com a intenção de transmitir a detenção, a posse ou a propriedade de alguma ou algumas das armes e respectivas munições.
Neste aspecto, a fundamentação da decisão recorrida baseou-se, como expressamente refere, «nas declarações do arguido AA, que confessou a posse e propriedade dessas armas, componentes e munições, mencionando os locais onde as detinha e consciência da ilicitude de tal conduta», isto é, na confissão e reconhecimento dos (de alguns) factos pelo arguido.
Mas certamente – a fundamentação é omissa a este respeito, não deixando traço sobre se foi expressamente perguntado, uma vez que decidiu prestar declarações e não usar a seu direito ao silêncio – o arguido não adiantou qualquer explicação ou razão ou motivo para a aquisição e posse das armas.
O tribunal não pode, é certo, extraír consequências negativas para o acusado do exercício por este do direito ao silêncio.
Porém, se do dito, ou do não dito pelo arguido não podem ser directamente retirados elementos de convicção, o que disser, ou sobretudo o que não disser, não pode impedir que se retirem as inferências que as regras da experiência permitam ou imponham.
O direito ao silêncio e de não contribuir para a própia incriminação constituem normas internacionais geralmente reconhecidas e que estão no núcleo da noção de processo equitativo.
O pricípio nemo tenetur previne uma «coerção abusiva» sobre o acusado, impedindo que se retirem efeitos directos do silêncio, em aproximação a um qualquer tipo de ónus de prova formal, fundando uma condenação essencialmente no silêncio do acusado ou na recusa deste a responder a questões que o tribunal lhe coloque.
Mas o princípio e seu conteúdo material não podem impedir o tribunal de tomar em consideração um silêncio parcial do interessado nos casos e situações demonstrados e evidentes e que exigiriam certamente, pelo seu próprio contexto e natureza, um explicação razoável para permitir a compreensão de outros factos suficientemente demonstrados imputados ao acusado (cf., v. g., acórdão do TEDH, de 8 de Fevereido de 1996, caso John Murray v. United Kingdom. Par. 46 e 47).
Nos casos em que o tribunal pode e deve efectuar deduções de factos conhecidos (usar as regras das presunções naturais como instrumento de prova), o silêncio parcial do acusado, que poderia certamente acrescentar alguma explicação para enfraquecer uma presunção, não pode impedir a formulação do juízo probatório de acordo com as regras da experiência, deduzindo um facto desconhecido de uma série de factos conhecidos e efectivamente demonstrados.
A ausência de qualquer explicação razoável que elimine ou enfraqueça a presunção, revela nas circunstâncias as incongruências entre os factos provados e os não provados (provou-se «apenas que destinava as armas, pelo menos, a uso próprio» e «trazia consigo a espingarda de assalto, da marca “KALASHNIKOV”, modelo “AK-47”, com o nº de série 1951HK0801, na sua viatura, com o intuito de eventualmente a usar» -pontos 37 e 38 da matéria de facto), ou, dito de outro modo, a coordenação entre os factos provados nos pontos 19 a 26 e 37 e 38 da matéria de facto, os factos não provados p) e q) e a fundamentação do tribunal revela descontinuidades que integram o vício p. no artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPP, por afastamento das regras das presunções naturais.
O vício tem como consequência o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do artigo 426º, nº 1 do CPP, relativamente à parte do objecto do processo a que se referem os pontos 19 a 26 e 37 e 38 da matéria de facto provada e pontos p) e q) dos factos não provados.

8. Fica, assim, prejudicado o conhecimento dos recursos do Ministério Público e do arguido AA.

9. Termos em que, por se verificar o vício do artigo 410º, nº 2, alínea c) do CPP, se determina o reenvio do processo para o tribunal competente definido no artigo 426º-A do CPP, para novo julgamento relativamente aos pontos 19 a 26 e 37 e 38 da matéria de facto provada e pontos p) e q) dos factos não provados.

Supremo Tribunal de Justiça, 6 de Outubro de 2010

Henriques Gaspar (relator)
Armindo Monteiro