SEGURO DE VIDA
SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
INSTITUTO DE SEGUROS DE PORTUGAL
BOA FÉ
CLÁUSULA NULA
Sumário


1ª – Seguro de grupo é aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum.
2ª – O regime das cláusulas contratuais gerais do DL 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95, de 31 de Outubro, que o republicou, e pelo DL 249/99, de 7 de Julho, é aplicável aos contratos de seguro.
3ª – O controlo prévio do clausulado nos seguros por banda do Instituto de Seguros de Portugal não subtrai o contrato de seguro ao regime das cláusulas contratuais gerais.
4ª – Ao avaliar-se o conteúdo proibido das cláusulas padronizadas de um contrato de seguro, não pode deixar de se ter em conta o princípio da boa fé, ainda que em articulação com o escopo que com o conteúdo das mesmas se pretende alcançar.
5ª – Estando aqui a boa fé em sentido objectivo, como parâmetro de conduta na relação contratual.
6ª – Importa ter em consideração na apreciação do desequilíbrio das prestações gravemente atentório da boa fé, todas as circunstâncias que envolvam o contrato, as quais devem ser apreciadas objectivamente, na perspectiva de um observador razoável e com referência, não ao momento da celebração do contrato, mas daquele em que é feita valer a nulidade da cláusula.
7ª – Num contrato de seguro, que cobre os riscos de morte e de invalidez permanente do segurado que contraiu um empréstimo bancário para adquirir um imóvel – efectuando tal seguro por imposição do mutuante – é desproporcional à caracterização do estado de invalidez permanente que o mesmo seguro visa prevenir, a exigência cumulativa de um grau de incapacidade permanente igual ou superior a 75% com a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa. Sendo este último segmento abusivo e, em consequência, nulo.

Texto Integral



ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


AAe mulher BB vieram intentar acção declarativa, com processo ordinário, contra COMPANHIA DE SEGUROS CC, pedindo a sua condenação a pagar ao banco credor ...., SA, o capital que se encontrar em dívida, previsto na apólice correspondente ao capital seguro, e juros, bem como a pagar-lhes a quantia de € 10 836,48, acrescida de juros vencidos, no montante de € 1 710 e vincendos, à taxa legal, contados desde 28/3/2006 e até integral pagamento, e ainda a quantia correspondente a todas as prestações vencidas e vincendas que os autores pagarem desde 28/3/2006 e até integral liquidação ao beneficiário do seguro do respectivo capital. Devendo, ainda, a ré pagar-lhes a quantia de € 5 000, a título de danos não patrimoniais.

Alegando, para tanto e em suma:
Celebraram com o Banco .... um contrato de mútuo com hipoteca, e, por exigência deste, um contrato de seguro com a ré, pelo valor do capital mutuado, sendo dele beneficiário o referido banco, cobrindo o mesmo o risco de morte e de invalidez permanente.
No dia 21/3/2002, o A. sofreu um acidente de viação, que também foi de trabalho, do qual lhe resultou uma IPP de 100% para a sua actividade profissional.
A ré recusa-se a assumir a sua responsabilidade, alegando que a incapacidade do A., nos termos das cláusulas contratuais, não é absoluta e definitiva.
Tais cláusulas são, porém, inválidas, já que não foram comunicadas aos autores.

Requerem a intervenção principal provocada do .....

Citada a ré, veio a mesma contestar, alegando, também em síntese:
O Tribunal é territorialmente incompetente.
O contrato de seguro é válido e a incapacidade do autor não se encontra por aquele coberta.

Citado o interveniente, nada disse.

Replicou o autor, mantendo a sua pretensão.

Declarada a incompetência territorial do Tribunal de Paredes, foram os autos remetidos para as Varas Cíveis de Lisboa.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 745 a 750 consta.

Foi proferida a sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a ré dos pedidos.

Inconformados, vieram os AA interpor, com êxito, recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, por acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, e na revogação da sentença recorrida, se condenou a ré a pagar ao .... o capital que se encontrar em dívida previsto na apólice, deduzido das prestações já suportadas pelos autores e a reembolsar estes pelos valores das prestações pagas ao banco mutuante, equivalente à quantia de e 10 836,46, acrescida de juros de mora, desde a citação, mais o correspondente às prestações pagas pelos AA, desde 28/3/2006 e até integral pagamento ao banco beneficiário.

Irresignada, veio, agora, a ré seguradora pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões, que se transcrevem:

1ª - O Acórdão Recorrido elimina um segmento da cláusula 2.2 da Apólice dos autos - impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa" por considerar tratar-se de uma exigência para a qual não existe razão válida e que apenas se justifica pelo interesse da Ré em limitar o funcionamento do seguro.
2ª - Em consequência, entendem que tal segmento da cláusula é proibido, conforme art° 15 do DL 446/85 de 25/10, colocando o Recorrido na situação factual prevista na cláusula.
3ª - Tal censura ao objecto ou cobertura principal da Apólice, no âmbito da actividade autorizada de seguros da Recorrente, no uso da consagrada igualdade, liberdade económica e de empresa e tratando-se de UM SEGURO FACULTATIVO, conduz à inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, por violação dos arts 13°, 61º, 62°, 80°, 86°, 61º, 62° da Constituição da República Portuguesa.
4ª - Agora no plano da lei ordinária, por ofensa à liberdade contratual, ocorre violação aos arts 405°, arts 219°, 217°, 236° a 239° e 12°, todos do C.C, por ofensa ao princípio da consensualidade, ocorre violação do art. 209° do CC e por ofensa à força vinculativa dos contratos, ocorre violação ao 406° do CC.
5ª - De resto, a cláusula de invalidez absoluta e definitiva que consta do contrato é plenamente válida à luz do Artigo 425 e seguintes do Código Comercial, com destaque para o artigo 427°, e, ainda, Artigos 455 até art. 462°, também do Código Comercial, do Decreto-Lei n. ° 176/95, de 26 de Julho, que estabelece regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro.
6ª - E, veja-se, a cláusula colocada em crise não foi objecto de acção suspensiva pelo Instituto de Seguros de Portugal, entidade com competência para supervisionar a actividade da Recorrente, nos termos previstos no Decreto-Lei n. ° 289/2001, de 13 de Novembro - Estatuto do Instituto de Seguros de Portugal e respeita as estipulações da Norma Regulamentar do Instituto de Seguros de Portugal n. ° 6/2008-R, de 8 de Maio, que estabelece regras aplicáveis aos seguros de vida com coberturas de morte, invalidez ou desemprego associados a contratos de mútuo.
7.ª - Pois, a actividade exercida pela Recorrente, à data dos factos, era regulada pelo Decreto-Lei n. ° 94-B/98, de 17 de Abril, com as alterações introduzidas pelos DL 168/89, de 24/5 e 18/90, de 11/1, e exerce-a devidamente autorizada para o efeito.
8ª - Como a Recorrente é uma empresa do sector privado, a sua actuação pauta-se pela autonomia da actividade empresarial, liberdade e autonomia de empresa constitucionalmente consagradas nos arts 80º da CRP e Artigo 86º, ambos ignorados no Douto Acórdão em revista.
9ª - O Acórdão, no âmbito de um seguro facultativo, ao obrigar uma das partes - a Recorrente - à alteração dos contornos essenciais do contrato - apenas do lado da cobertura - sem o correspondente aumento do prémio, está a violar não só a igualdade perante a lei, bem como os princípios da liberdade económica e empresa e autonomia privada, já invocados.
10ª- Tal situação acarreta também violação da igualdade entre o Recorrido e os outros segurados da CC que, para terem direito ou beneficiarem de um seguro equivalente, tiveram de pagar mais prémios que o Recorrido.
11ª- Como a previsão da cobertura de invalidez dos autos está de acordo com os prémios pagos e com a provisão matemática que o Instituto de Seguros fixa, com vista a evitar a falta de fundos em caso de sinistro, não ocorre desproporção ou prejuízo de uma parte em detrimento da outra.
12ª- De acordo com a liberdade contratual, é lícito à Recorrente definir a invalidez absoluta e definitiva que consta da Apólice dos autos, bem como outras realidades, de acordo com os critérios comerciais e regras técnicas de actuariado e de seguros, aplicáveis aos seguros de vida, cuja supervisão, definição e fiscalização cabem ao Instituto de Seguros de Portugal.
13ª- De acordo com o preâmbulo da directiva em que se baseia a actual redacção das cláusulas Contratuais Gerais, a censura a uma cláusula, à luz do mesmo diploma, não deve incidir sobre cláusulas que descrevam o objecto principal do contrato ou a relação qualidade/preço do fornecimento da prestação, (...) o objecto principal do contrato e a relação qualidade/preço podem, todavia, ser considerados na apreciação do carácter abusivo de outras cláusulas.
14ª- No contrato dos autos como em TODOS os contratos de seguro, há uma dependência rigorosa entre o risco e o prémio, ambos elementos essenciais do Contrato de Seguro: se é certo que sem Risco não há Seguro, o mesmo se passa na ausência de pagamento de Prémio, ou seja, sem Prémio não há seguro. E, se um prémio está associado a um risco, não podemos considerar que o segurado tem direito a uma cobertura mais ampla do que a que pagou.
15ª- Invoca-se a este respeito o Acórdão do STJ de 18-03-2004, in http://jurisprudencia, no. sapo.pt.
16ª- Acresce que, para além da legislação especial de seguros invocada, por Doutos ensinamentos do Acórdão deste Venerando Tribunal, de 22-01-2009, in http://jurisprudencia.no.sapo.pt/, que trata de seguros de vida de grupo, como é o dos autos, não devia ter o mesmo sido considerado como contrato de adesão, não lhe sendo aplicáveis as normas do DL 446/85, mas o Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho, o que implica interpretação e aplicação errada do DL 466/85.
17ª- Por todo o exposto, é válida a cláusula contratual inserida no contrato de seguro vida que estabelece que se considera existir invalidez absoluta e definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos: possuir o segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igualou superior a 75% com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa; possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória."
18ª- E, não estando o Recorrido na situação prevista, deve o Acórdão ser revogado, e mantida, plenamente, a Douta Sentença de 1ª Instância, julgada em conformidade com a Constituição e a Lei.

Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

Vem dado como PROVADO:

1. No dia 20-03-2002, os AA celebraram um contrato de mútuo com hipoteca, formalizado por escritura pública (...), com o Banco .... SA, como entidade mutuante – alínea A) dos factos assentes.

2. O mútuo destinava-se à construção de um prédio no imóvel de sua propriedade (...) sito na freguesia de Gandra, concelho de Paredes, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 2662, registado a favor dos AA – al. B).

3. O valor do empréstimo foi de € 81.892,64, pelo prazo de trinta anos e ao abrigo do regime de crédito à habitação, crédito bonificado, na modalidade prestações constantes, com bonificações decrescentes – al. C).

4. Foi ainda outorgado um escrito à parte, em documento complementar à dita escritura, na qual ficaram mais precisamente especificados os termos do contrato – al. D).

5. Nos termos da cláusula quinta daquele documento complementar, os mutuários ficaram obrigados a "segurar o imóvel hipotecado contra o risco de incêndio (...), e bem assim, a constituir um seguro de vida, cobrindo o risco de morte e invalidez permanente, pelo valor do empréstimo e do seu prazo total, fazendo averbar nas respectivas Apólices o interesse do Banco enquanto credor hipotecário e beneficiário irrevogável" – al. E).

6. Os AA celebraram com a Ré um contrato de seguro de vida (cobrindo além da morte, a invalidez), pelo valor do capital mutuado pelo dito Banco, que foi de € 81.892,64 – al. F).

7 Contrato esse que foi titulado pela Apólice n° 00000000000/000000000, e nele figurando como beneficiário o Banco credor - o Banco .... SA - e foi outorgado antes da escritura pública acima mencionada – al. G).

8. Os demandantes sempre pagaram pontualmente os prémios de seguro devidos – al. H).

9. Em 01.04.2002, a Ré enviou ao A. marido a carta junta a fls. 39, em que lhe remetia o Certificado de Adesão ao contrato em referência, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, no qual se diz, alem do mais, que a garantia abrangia a morte e a invalidez absoluta e definitiva – al. I).

10. Participado o sinistro, a Ré CCinformou os AA que "o sinistro não foi aceite" e que "conforme a economia do contrato, Apólice de Crédito Hipotecário ­Condições Gerais - 2. Objecto do Contrato - 2.2. Coberturas Principais - alínea B) Invalidez Absoluta e Definitiva, " ... considera-se existir invalidez absoluta e definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos:
- Possuir o Segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa;
- Possuir o Segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer outra actividade remuneratória (doc. de fis. 92) – al. J).

11. Foi a Ré quem elaborou de antemão os impressos das propostas, limitando-se as pessoas que pretendam contratar a aceitar ou não as referidas cláusulas – al. K).

12. Os AA assinaram o boletim de adesão, junto aos autos a fls. 82/83, no dia 21.01.2002 – al. L).

13. Durante todo o processo de concessão do crédito, os AA deslocaram-se várias vezes ás instalações do Banco credor – al. M).

14. No boletim de adesão consta o seguinte:
"Tomo conhecimento das Condições Contratuais e que as coberturas desta apólice só terão efeito a partir do dia da escritura ou da data da transferência, na condição da proposta de seguro ter sido aceite pela CC, desde que não me encontre em estado de incapacidade nessa data e que qualquer omissão ou falsa declaração pode anular a minha adesão ao contrato. Autorizo os médicos ou qualquer entidade que me tenha tratado ou examinado, a fornecer à CC sempre que esta solicitar todas as informações relacionadas com o meu pedido de adesão ou com eventual sinistro." – al. N).

15. Também nesse boletim de adesão consta o seguinte trecho:
a) que são correctas e que se aplicam a nós as informações indicadas na declaração de saúde, no caso de não termos respondido ao questionário de saúde;
b) que respondemos com exactidão e sinceridade ao questionário de saúde, no caso de não nos enquadramos nas condições da declaração de saúde;
c) que recebemos a "informação à pessoa segura" disponibilizada através deste boletim de adesão” – al. O).

16. Os AA responderam às questões médicas, declararam o peso e altura e que a A. mulher sofreu um aborto – al. P).

17. Apenas em Fevereiro de 2004 foi participado à Ré o sinistro invocado pelos AA, ou seja, o acidente ocorrido em 21.03.2002, um dia após a data da adesão – al. Q).

18. Na sequência dessa participação, a Ré solicitou elementos para análise do processo de sinistro, o que fez através do Banco .... – al. R).

19. No relatório médico sobre a doença que foi causa de invalidez da pessoa segura (doc. nº 5, junto com a contestação, de 19-03-2004), preenchido e assinado pelo médico assistente do A. não consta a resposta à última pergunta, que é do seguinte teor:
"A pessoa segura está impossibilitada de subsistência funcional (actos normais da vida) sem o apoio permanente de 3ª pessoa?" – al. S).

20. Como a informação facultada à Ré era insuficiente para se concluir se a pessoa segura dependia ou não de 3ª pessoa (...), solicitou em 31.03.2004 novo relatório médico com esclarecimento sobre esta questão – al. T).

21. Como não obteve resposta por parte do A., a Ré insistiu no pedido, por carta de 26.07.2004, (cf. doc. nº 7 junto com a contestação) – al. U).

22. Em resposta, o Advogado do Autor endereçou à Ré uma carta em 09.08.2004, que é o documento de fls. 89 cujo teor aqui se dá por reproduzido – al. V).

23. A recusa no enquadramento do sinistro foi comunicada ao tomador e ao mandatário do Segurado, por cartas de 06.09.2004 – al. W).

24. Na alínea b) do ponto 2.2. da Cláusula 23 das Condições Gerais da Apólice, consta que:
"Considera-se existir Invalidez Absoluta e Definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos:
Possuir o segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75%, com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa;
Possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para o exercer qualquer actividade remuneratória." – al. X).

25. Na nota de informação prévia junta como doc. nº 2, a fls 81, consta o seguinte: “O que é a invalidez absoluta e definitiva? Existe invalidez absoluta e definitiva quando se verificarem cumulativamente os seguintes factos: a) a pessoa segura possuir uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio de terceira pessoa. B) existir comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória” – al. Y).

26. Na “Informação à Pessoa Segura” junta a fls 81 consta o seguinte: “Como data de reconhecimento da invalidez, que origina o pagamento da respectiva indemnização, entende-se a data em que a Seguradora recepciona todos os documentos que considera necessários para a conclusão do processo e nunca a data de reconhecimento atribuída para a Segurança Social ou outro regime facultativo ou obrigatório que a substitua – al. Z).

27. A Ré apenas recebeu todos os documentos necessários a emitir uma decisão relativa ao sinistro dos autos em 09 de Agosto de 2004. – al. AA).

28. O Autor AA, sofreu um acidente de viação na cidade de Bilbau, Espanha, no dia 21 de Março de 2002, de que resultaram múltiplas lesões traumáticas, com maior evidência ao nível da bacia e membro inferior direito (resposta ao art. 1.º da base instrutória).

29. O Autor apresenta as seguintes sequelas:
a) Na face: cicatriz residual longitudinal do lado esquerdo do dorso nasal, com 6 cm de comprimento e deformidade nasal;
b) No abdómen: cicatriz cirúrgica na linha média desde umbigo até à sínfise púbica (12 cm);
c) No períneo: prótese uretral; disfunção e desnivelamento da sínfise púbica;
d) membro inferior direito: cicatriz cirúrgica com 32 cm de comprimento na face posterior da coxa com início na nádega; cicatriz na face externa da perna em forma de U fechado com 17 cm de comprimento; duas cicatrizes cirúrgicas, uma com 17 cm na face lateral interna da perna e tornozelo e outra com 18 cm de comprimento na face anterior da perna e tornozelo; cicatriz na face interna do pé com 12 cm de comprimento; limitação dos movimentos do tornozelo em 05%/0%/20°; rigidez articular da anca direita sinais de paralisia de C.P.E. à direita; atrofia muscular no membro inferior direito; parastesias na perna e encurtamento de 4 cm (resposta aos arts 2°, 3° e 4°).

30. O A. apresenta objectivamente uma claudicação (art.5°).

31. Ainda em consequência do acidente, o A. permaneceu 43 dias no Hospital de Bilbau, dos quais 8 dias na unidade de cuidados intensivos, em consequência das lesões sofridas e do traumatismo craneo-encefálico, e de fractura dos ossos próprios do nariz, tendo sido submetido a várias intervenções à face (reconstrução do nariz), à anca, à perna esquerda e bexiga (artigos 6° e 8°).

32. Ainda hoje o A. apresenta cefaleias, tonturas, dificuldade de concentração, estados de ansiedade, estados de grande impaciência e irritabilidade (art. 7°).

33. Permaneceu 43 dias no Hospital de Bilbau, 8 dos quais em estado comatoso, tendo sido submetido a várias intervenções cirúrgicas á face, anca, perna esquerda e bexiga (art. 8°).

4. Regressado a Portugal, foi o A. internado no Hospital da Arrábida, em V.N. Gaia, onde permaneceu cerca de dois meses, tendo sido intervencionado quatro vezes, ao nariz (reconstrução), anca, perna esquerda, bexiga e uretra (arts. 9° e 10°).

35. Foi ainda sujeito a sete intervenções cirúrgicas na Ordem do Terço, na cidade do Porto (art. 11°).

36. Foi-lhe colocada uma prótese rectal (art. 12°).

37. Frequentou tratamentos ambulatórios e conservadores (art. 13°).

38. Como consequência do acidente, o A. sofre de incontinência urinária e impotência sexual (art. 14°).

39. Do ponto de vista ortopédico, o A. sofreu as seguintes lesões:
- Fractura dos ossos ilíacos com rotura do anel pélvico com objectivação das dores, prejuízo da marcha e o grau de dificuldade no transporte de graves, interferindo gravemente com o desempenho do posto de trabalho;
- Fractura da tíbia e perónio, consolidada em posição viciosa com desvio em baioneta;
- Paralisia total do membro inferior-nervo ciático poplíteo externo;
- Hérnias parietais abdominais, não corrigidas cirurgicamente (linha branca, inguinais, curiais);
- Traumatismo craneo-encefálico e fractura dos ossos próprios do nariz (resposta ao art. 15°).

40. Do ponto de vista urológico, o A. sofreu as seguintes lesões:
- Alteração significativa da capacidade vesical por espasticidade ou retracção vesical, necessitando de aparelho colector ou de correcção cirúrgica;
- Sequelas de lesões maiores que alteram a permeabilidade da uretra corrigíveis cirurgicamente;
- Ausência total de erecção (disfunção eréctil neurológica ou vascular pós traumática) - resposta ao art. 16°.

41. As lesões referidas e respectivas sequelas, determinaram para o A. uma IPP de 100% para o exercício da sua actividade profissional, tendo ficado afectado de uma incapacidade permanente geral de 70%, a que acresce, a título de dano futuro, mais 10% (resposta aos arts. 17° e 19°).

42. À data do sinistro o A. exercia a actividade profissional de motorista de longo curso, trabalhando por conta de Transportes Irmãos Barbosa, Lda (art. 18°).

43. Desde a data da alta definitiva, o A. jamais logrou desempenhar a sua actividade, tendo abandonado, por completo, o exercício dessa profissão (art. 20°).

44. A actividade profissional que exercia impunha grandes esforços físicos, designadamente levantar pesos e força para efectuar esforços e movimentos com os membros superiores e inferiores, que agora não consegue efectuar, bem como a necessidade de estar longos períodos sentado, o que já não consegue fazer (resposta aos arts. 21 ° e 22°).

45. As sequelas resultantes da doença impedem o A. de desempenhar qualquer outra actividade lucrativa (art. 23°).

46. O A. sempre desempenhou a profissão de motorista, única para a qual se sente vocacionado, tem capacidades e conhecimentos para exercer (art. 24°).

47. O A. não dispõe de nenhuma habilitação técnica ou profissional (art. 25°).

48. Aquando da celebração do contrato de seguro, foi comunicado aos AA que a garantia desse seguro é concedida aos seus beneficiários em caso de morte ou de invalidez permanente, caso em que a seguradora liquidaria ao banco o capital seguro que estivesse em dívida (resposta aos arts. 27°, 28°, e 31°).

49. Desde a data do sinistro até 28 de Março de 2006, os AA pagaram ao Banco .... SA, 12 prestações de juros, durante o período de utilização de tranches, 36 prestações de amortização do capital e pagamento dos juros, tudo na importância de 10.836,48€, sendo 5.380,03€ referentes a amortização de capital e 5.456,45€ de pagamento de juros (art. 33°).

50. Os AA preencheram o boletim de adesão referido supra em 14) - art. 37°.

51. O A. marido não tem necessidade de apoio permanente de terceira pessoa (resposta ao art. 38°).

52. No momento em que os segurados preencheram o boletim de adesão, os Autores, por intermédio do tomador .... SA, receberam as condições gerais do contrato, bem como o documento intitulado "Informação à Pessoa Segura", anexo às condições gerais (resposta ao art. 39°).

53. A Ré, por intermédio do Banco .... SA, a quem deu instruções nesse sentido, informou e explicou aos AA as garantias incluídas no contrato (resposta aos arts. 42° e 43°).

54. Os AA nunca solicitaram à Ré quaisquer esclarecimentos em relação ao contrato dos autos, nem invocaram falta de comunicação e informação, no momento da participação, nem da correspondência trocada e que consta de fls. 89 a 93 (resposta ao art.44°).

55. As exclusões do contrato não eram passíveis de negociação, mas foram aceites pelos segurados (resposta ao art. 46°).
São, como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.
Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

Sendo a questão essencial a de saber se o acórdão recorrido poderia ter eliminado o segmento da apólice dos autos que impunha também, para a ocorrência da invalidez absoluta e definitiva, “a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa”.

Sustentando a recorrente que tal não é possível, pois que, e desde logo, essa censura ao objecto ou cobertura principal da apólice do seguro de grupo em causa, que é facultativo, no âmbito da sua actividade, no uso da igualdade, liberdade económica e de empresa, é inconstitucional, por violação dos arts 13.º, 61.º, 62.º, 80.º e 86.º da CRP.
Sendo, ainda, ofensiva da liberdade contratual, assim violando os arts 12.º, 217.º, 219.º, 236.º a 239.º e 405.º do CC, da consensualidade (art. 209.º do CC) e da força vinculativa dos contratos (art. 406.º do CC).
Sendo tal cláusula inteiramente válida, à luz dos arts 425.º, 427.º e 455.º a 462.º do CC mercial. Bem como do DL 176/95, de 26 de Julho.
Não tendo o segurado direito a uma cobertura mais ampla da que pagou.

Vejamos, então:

Como é bem sabido, este Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista que é, aplica definitivamente aos factos o regime jurídico que julgue adequado – art. 729.º, nº 1 do CPC.

E, fixada irreversivelmente a factualidade provada pela Relação, salvo excepções que aqui não importam, é vedado ao Supremo Tribunal de Justiça censurar tal julgamento – nº 2 do mesmo preceito legal.

Ora, vem dado como provado, na al. E) dos factos assentes, que os AA celebraram com a ré um contrato de seguro de Vida, cobrindo a morte e a invalidez, pelo valor do capital que pelo Banco lhe foi mutuado. Contrato esse que foi titulado pela apólice nº00000000/000000 (al. G).
Tendo ficado também provado que os AA aderiram ao mencionado contrato (al. I), cujos impressos foram antecipadamente elaborados pela ré, cujas cláusulas aqueles se limitaram a aceitar ou não (al. K).
Havendo um boletim de adesão (als N) e O), que os AA preencheram, tendo os mesmos, por intermédio do tomador, que era o banco, recebido as “Condições gerais do contrato” e o documento a estas anexo, “Informação à pessoa segura” (resposta ao quesito 39.º).

Cremos, assim, não obstante também se dizer que os AA celebraram com a ré o contrato, tratar-se de um seguro de grupo, celebrado entre o .... e a ré, ao qual os autores aderiram.

Podendo definir-se o seguro de grupo como aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum (1).. Que, in casu, seria a obtenção de crédito hipotecário no tomador .....

Tendo o contrato em apreço, de qualquer modo, sido celebrado com recurso a cláusulas padronizadas, previamente elaboradas pela seguradora, que os segurados se limitaram a aceitar.

Ou seja, às chamadas cláusulas contratuais gerais cujo regime a elas aplicável do DL 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95, de 31 de Outubro, que o republicou, e pelo DL 249/99, de 7 de Julho, é aplicável aos contratos de seguro (2)

Aplicando-se o mesmo, naturalmente, também aos seguros de grupo(3)

Dúvidas não restando que o contrato em apreço, seguro facultativo, constitui um contrato de adesão, sujeito, genericamente, ao regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

Sendo certo que o controlo prévio do clausulado nos seguros por banda do Instituto de Seguros de Portugal não subtrai o contrato de seguro ao referido regime das cláusulas contratuais gerais (4)..

Sem que se possa dizer que a eventual censura ao objecto ou cobertura principal da apólice, por via deste narrado entendimento, ofenda o princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405.º do CC, já que a liberdade de celebração dos contratos e a liberdade da fixação do seu conteúdo, no mesmo ínsita, tem de se mover dentro dos limites da lei, encarada na sua letra e no seu espírito.

E, se é certo que a regulamentação legal do contrato de seguro assentou, de início, no princípio da liberdade contratual, vinculando, assim, as disposições não proibidas por lei, as partes, logo nos começos do século passado surgiram novas leis com amplas disposições imperativas destinadas à protecção do tomador do seguro e do segurado. Tendo, desde logo, no seguimento da evolução legislativa estrangeira (lei alemã sobre as cláusulas contratuais gerais de 9/12/76 e lei francesa sobre a protecção dos consumidores de produtos e serviços, de 10/1/78, surgido em Portugal o referido DL 446/85, amplamente inspirado na lei alemã. E, tempos depois, visando harmonização comunitária, surge-nos a Directiva 93/13/CEE, de 5 de Abril, respeitante ás cláusulas abusivas nos contratos concluídos com consumidores, que impôs algumas alterações à lei portuguesa. (5)

Não se vendo, também, com o entendimento que sufragamos, qualquer violação dos citados arts 217.º e 219.º, relativos â modalidade da declaração e à sua forma, respectivamente.

Nem da violação das normas da interpretação e da integração dos contratos (arts 236.º a 239.º), já que a cláusula em causa é bem clara, curando-se apenas de saber se a mesma será válida ou nula.

Nem tão pouco do também invocado art. 12.º, princípio geral sobre a aplicação das leis no tempo, que aqui não se questiona.

Não se vislumbrando qual o alcance da menção, por banda da recorrente, do art. 209.º do CC, que diz também ter sido violado, já que o mesmo se refere expressamente às coisas civis.

Mas prossigamos na análise do vasto elenco de violações legais que a recorrente sustenta terem também sido violadas pela decisão recorrida:

Ora, violado não foi o art. 425.º do CComercial, então em vigor, que se refere à natureza mercantil dos seguros. Nada tendo esta, em si mesma, a ver com a eventual censura ao clausulado.

Nem violados foram os preceitos seguintes, que regulavam a forma e as menções da apólice (art. 426.º) e o regime do contrato de seguro (art. 427.º), regulando-se este, desde logo, pelas estipulações da apólice não proibidas por lei (o sublinhado é nosso).

Nem se vendo, sem mais, qualquer violação do DL 176/95, de 26 de Julho, que estabelece regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro.

Nem se vislumbrando, por seu turno, qualquer violação ao princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP.
Princípio este que, projectando-se também sobre as pessoas colectivas (não obstante a norma falar apenas em cidadãos), proclama a igualdade de todos, com a mesma dignidade social, perante a lei. Abrangendo a mesma quaisquer direitos e deveres existentes na ordem jurídica portuguesa (6).
Desconhecendo-se, desde logo, se há segurados com coberturas diferentes, relativamente ao mesmo objecto do seguro, por elas pagando prémios diferentes. Trata-se de matéria não alegada, nem provada, que este Tribunal, nem qualquer outro, não tem de oficiosamente conhecer.

Nem ofensa ao livre exercício da iniciativa económica privada, que a Constituição também consagra (art. 61.º), mas sempre nos limites da lei.
Sendo certo que se a cláusula questionada for abusiva, tal resulta da aplicação dos próprios princípios legais, a que a ré seguradora, gozando de livre iniciativa económica, não está imune.

Não se alcançando qual a ofensa que a posição pela Relação tomada pode ter feito ao princípio constitucional da garantia ao princípio da propriedade privada (art. 62.º).

Como sucede com a alegada violação, também por banda do Tribunal recorrido, dos princípios fundamentais da organização económica (80.º) e do incentivo do Estado à actividade empresarial, especialmente em vista das pequenas e médias empresas, desde que a mesma não adopte práticas lesivas do interesse geral (86.º). Competindo igualmente ao Estado, nos termos constitucionalmente consagrados, a fiscalização do cumprimento, por parte das empresas, das respectivas obrigações legais, em especial daquelas que prossigam actividades de interesse económico geral (7).

Sabendo-se que a censura às cláusulas estipuladas pela ora recorrente, no âmbito da sua actividade comercial, feitas ao abrigo da Lei das Cláusulas Gerais, é legítima (e desejável), vejamos, então agora se a mesma in casu deve ocorrer.

Ora, estamos perante um contrato de seguro que garante o risco de morte e invalidez absoluta e definitiva dos segurados, aqui autores e recorridos.

Considerando-se, nos termos do clausulado – cláusula 2.2. alínea b) - existir tal invalidez quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos:
- possuir o segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa;
- possuir o segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remuneratória.

A Relação entendeu que a exigência da impossibilidade, para alem da incapacidade funcional, da subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa, não parece justificada, tratando-se de um requisito desnecessário à caracterização do estado de invalidez em causa, não respeitando, assim, a proporcionalidade, adequação e necessidade, devendo, pois, considerar-se, já que afronta a boa fé, como abusiva (art. 15.º do DL 446/85.

Insurge-se a recorrente contra esta limitação imposta ao clausulado, que respeita todas as estipulações legais respeitantes aos contratos de seguros.

Vejamos, pois, o que dizer, sabendo-se que já concluímos dever-se aplicar ao caso, e desde logo, o preceituado na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

Pois, como antes dissemos, se as cláusulas padronizadas inseridas num contrato de seguro, nomeadamente as de exclusão de certos riscos ou da sua limitação, são, em princípio, válidas, há, no entanto, que considerar, na sua apreciação e controlo, o regime das cláusulas contratuais gerais.

O art. 15.º do referido DL 446/85 (8) preceitua que “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé”.

Acrescentando o art. 16.º seguinte, na concretização este princípio geral, que:
“Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, respectivamente:
a) a confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) o objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.

Encontrando-se o critério de apreciação da natureza abusiva de uma cláusula no art. 3º, nº 1 da atrás mencionada Directiva 93/13/CEE, que assim reza:” Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência da boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”.

E a Lei nº 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), para evitar os abusos dos contratos pré-elaborados, dispõe que o fornecedor de bens e o prestador de serviços estão obrigados “à não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor” (art. 9.º, nº 2, al. b), ficando a inobservância desta disposição sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais (nº 3 do mesmo preceito).

E, assim, ao avaliar-se o conteúdo proibido das cláusulas, não pode deixar de se ter em conta o princípio da boa fé, ainda que em articulação com o escopo que com o conteúdo das mesmas se pretende alcançar.

Escrevendo, a propósito, Almeno de Sá (9):
“A consecução de um adequado equilíbrio contratual de interesses aparece como o objectivo último desse controlo, objectivo que seguramente não será atingido se o utilizador procurar garantir, de antemão, os seus exclusivos propósitos negociais, sem atender, de forma minimamente adequada, aos interesse da parte contrária. O imperativo do respeito pelo interesse do outro flui directamente da própria intencionalidade que atravessa o princípio da boa fé, pelo que somos assim levados á necessidade de uma ponderação de interesses.
(…) Nesta ponderação, haverá de concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder “à medida” do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador.
(…)
Torna-se manifesto que, nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos.”

Estando aqui em apreço a boa fé no seu sentido objectivo, como parâmetro de conduta na relação contratual (10).

Devendo o controlo da natureza abusiva de uma cláusula ser feito em concreto, considerando-se quaisquer elementos atendíveis, que incluem as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato.

Importando ter em consideração, na apreciação do desequilíbrio das prestações gravemente atentório da boa fé, todas as circunstâncias que envolvem o contrato, que devem ser apreciadas objectivamente, na perspectiva de um observador razoável e com referência, não ao momento da celebração do contrato, mas daquele em que é feita valer a nulidade da cláusula.

Sendo, ainda, certo que, na apreciação da natureza abusiva de um cláusula, se deve ponderar a finalidade do contrato, e, assim, quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa fé contar, tais cláusulas devem considerar-se nulas (11).

Ora, o contrato de seguro em apreço, condição da obtenção de crédito por banda dos segurados, a conceder pelo tomador, tinha por finalidade a prevenção de um risco de ocorrência, na pessoa daqueles, de um acontecimento – morte ou invalidez permanente – que não lhe permitisse ou dificultasse o pagamento das prestações em dívida.

Tudo isto visto, também aqui se entende, na esteira do a respeito decidido no acórdão recorrido, que a exigência concomitante do grau de incapacidade permanente igual ou superior a 75% com a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa não é justificada, sendo desproporcionado à caracterização do estado de invalidez permanente que o seguro firmado visou prevenir.

Bastando para este, como um observador razoável aceitará, que o seu portador esteja irrecuperavelmente, pelo estado em que ficou, impossibilitado de exercer qualquer actividade remunerada, assim ficando em situação idêntica, no fundo, quanto a tal valia, à que da morte lhe resultaria.

Sendo tal impossibilidade bastante para consubstanciar a invalidez permanente que o seguro visava proteger.

Bem pode tal incapacidade não obrigar ao permanente apoio de terceira pessoa.

Pelo que, o segmento da cláusula que tal apoio permanente impõe para que o seguro possa ser accionado, é abusiva, por desproporcionalmente violadora dos interesses visados, sendo, consequentemente, nula(12).

Ficando a cobertura do contrato de seguro, por via dela, aquém daquilo que o autor podia de boa fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do acordo firmado.

Bem decidiu, pois, a Relação.

Concluindo:
1ª – Seguro de grupo é aquele que é celebrado relativamente a um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum.
2ª – O regime das cláusulas contratuais gerais do DL 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL 220/95, de 31 de Outubro, que o republicou, e pelo DL 249/99, de 7 de Julho, é aplicável aos contratos de seguro.
3ª – O controlo prévio do clausulado nos seguros por banda do Instituto de Seguros de Portugal não subtrai o contrato de seguro ao regime das cláusulas contratuais gerais.
4ª – Ao avaliar-se o conteúdo proibido das cláusulas padronizadas de um contrato de seguro, não pode deixar de se ter em conta o princípio da boa fé, ainda que em articulação com o escopo que com o conteúdo das mesmas se pretende alcançar.
5ª – Estando aqui a boa fé em sentido objectivo, como parâmetro de conduta na relação contratual.
6ª – Importa ter em consideração na apreciação do desequilíbrio das prestações gravemente atentório da boa fé, todas as circunstâncias que envolvam o contrato, as quais devem ser apreciadas objectivamente, na perspectiva de um observador razoável e com referência, não ao momento da celebração do contrato, mas daquele em que é feita valer a nulidade da cláusula.
7ª – Num contrato de seguro, que cobre os riscos de morte e de invalidez permanente do segurado que contraiu um empréstimo bancário para adquirir um imóvel – efectuando tal seguro por imposição do mutuante – é desproporcional à caracterização do estado de invalidez permanente que o mesmo seguro visa prevenir, a exigência cumulativa de um grau de incapacidade permanente igual ou superior a 75% com a impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de terceira pessoa. Sendo este último segmento abusivo e, em consequência, nulo.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 07 de Outubro de 2010

Serra Baptista (Relator)
Álvaro Rodrigues
Batencourt de Faria
______________________
(1) José Vasques, Contrato de Seguro, p. 48 e definição de “Seguro de Grupo” aposta nas condições gerais (fls 79).
(2) Art. 3.º do citado DL 220/95, Pedro Romano Martinez, Direito dos Seguros, p. 77 e Menezes Cordeiro, Manual do Direito das Sociedades, vol. I, sobre a evolução da polémica que existiu, antes de 1995, acerca da questão de saber, se o regime das cláusulas contratuais gerais se aplicava às condições gerais das apólices de seguros.
(3)Contrariamente ao que sustenta a recorrente, o Ac. deste STJ de 22/1/2009 (Custódio Montes), P. 08B4049, in www.dgsi.pt não defende a inaplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais aos seguros de grupo, mas apenas que estes têm um regime específico quanto ao ónus do dever de informar as cláusulas do contrato (art. 4.º do DL 176/95, de 26 de Julho), sem necessidade de recurso àquele outro regime para definir a quem cabe tal dever.
(4) Ac. do STJ de 8/3/2001, (Oliveira Barros),CJ S, Ano IX, T. 1, p. 154 e Pedro R. Martinez, ob. cit., p. 78.
(5) Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro (Estudos), p. 77 que, defende., nesta mesma obra, que as cláusulas do contrato de seguro que definem o risco (de modo positivo e através de exclusões) e limitam a garantia, devem ser objecto de um controlo liberal da sua natureza abusiva.
(6) Jorge Miranda-Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, T. 1, p. 120
(7) Jorge Miranda-Rui Medeiros, ob. cit., t. II, p. 104.
(8) Com as alterações atrás mencionadas.
(9)Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, p. 261.
(10) Moitinho de Almeida, ob. cit., p. 90 e 91.
(11)Moitinho de Almeida, ob. cit., pags 91, 97 e 99.
(12) Neste mesmo sentido, ac. do STJ de 27/5/2010 (Oliveira Vasconcelos), Pº 976/064TBOAZ.P1.S1, que os ora relator e 1.º Adjunto também subscreveram.