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COMPETÊNCIA MATERIAL
FORO ADMINISTRATIVO
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS
AUTARQUIA
EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO
ESTACIONAMENTO
TAXA
Sumário
I - Sendo a autora concessionária de um serviço reconhecidamente de interesse público, actua, nessa qualidade, em “substituição” da autarquia com os poderes inerentes que lhe foram concessionados. II - Os contratos ou acordos tácitos que se concretizam sempre que os utentes utilizam para estacionamento os espaços públicos concessionados à autora, tanto esta como os referidos utentes estão submetidos às regras do Regulamento Municipal que disciplina aqueles estacionamentos, e só por isso tem a autora direito a cobrar as taxas de utilização fixadas no dito diploma. III - Contendo tal Regulamento normas de direito público, que estabelecem o regime substantivo de tais contratos ou acordos tácitos, a execução de tais contratos cai no âmbito do disposto no art. 4.º, al. f), do ETAF. IV - Sendo, por conseguinte, do foro administrativo a competência material para apreciar o litígio a que se refere os autos.
Texto Integral
No Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, AA – Sistema de dados e Comunicações, SA,
intentou a presente acção declarativa de condenação para cumprimento de obrigação pecuniária, com processo sumaríssimo, contra,
BB, pedindo que o A. seja condenado a pagar-lhe a quantia de 408,59, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos até efectivo pagamento.
Em síntese, alegou que é uma sociedade que se dedica à exploração de estacionamentos para automóveis em Ponta Delgada.
Tal exploração, gestão e manutenção dos estacionamentos na dita cidade foi-lhe concessionada pelo Município respectivo através de diversos contratos que com ele celebrou.
A referida exploração é efectuada em conformidade com o Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Ponta Delgada, aprovado pela Assembleia Municipal de Ponta Delgada de 27/12/2004.
No âmbito da referida exploração, a A. colocou, nos vários locais de estacionamento, máquinas de pagamento com a indicação dos preços e demais condições de utilização.
Assim, um condutor que estacione o veículo no local explorado pela A., fica vinculado ao pagamento de um montante que varia consoante o tempo de utilização, conforme regras afixadas nos locais de estacionamento. Caso o condutor não proceda ao pagamento do valor do estacionamento no parquímetro respectivo, a A. coloca na viatura um aviso de liquidação, referente ao incumprimento, cobrando, para o efeito, uma verba máxima no montante de 6,90€.
O R. é proprietário do veículo automóvel de matrícula 00-00-00 e, desde 1/1/2005 até 18/2/2008, vem estacionando aquele veículo nos vários parques de estacionamento que a A. explora, sem proceder ao pagamento do tempo de utilização.
O R. contestou.
Foi designado e efectuado o julgamento após o qual foi proferida sentença, que, em sede de saneamento do processo, entendeu que o presente litígio tem na sua génese a cobrança de uma taxa sancionatória máxima diária pelo estacionamento não pago, pelo que deve ser dirimido pelo tribunal administrativo.
Consequentemente, declarou o tribunal incompetente em razão da matéria para a tramitação dos autos, absolvendo o R. da instância, nos termos das disposições conjugadas dos Arts. 66, 101 a 103, 105, 288 n.º 1 a), 494 a) e 495 do C.P.C.Inconformada recorreu a A. para a Relação, mas sem êxito, visto que, conhecendo da apelação, foi confirmado o saneador-sentença proferido pela 1ª instância.
Novamente inconformada, volta a recorrer a A., agora de revista a para este S.T.J..
Apesar do insignificante valor da acção, a revista é admissível atento o disposto no Art. 678º n.º 2 a) do C.P.C. (redacção do D.L. 303/2007, aplicável aos processos instaurados após 1/1/08, como é o caso dos autos).ConclusãoOferecidas tempestivas alegações formulou a A/recorrente as seguintes conclusões:Conclusão da RevistaI. O Douto Acórdão recorrido entendeu negar provimento ao recurso com fundamento na procedência da excepção da incompetência absoluta do Tribunal judicial.
II. No âmbito da sua actividade, a RECORRENTE celebrou vários Contratos de Concessão com a Câmara Municipal de Ponta Delgada, para fornecimento, instalação e exploração de parquímetros colectivos, em zonas de estacionamento de duração limitada, pelo que, mediante tais contratos, a RECORRENTE passou a deter a exploração, gestão e manutenção dos estacionamentos da dita cidade.
III. O RECORRIDO é proprietário do veículo com a matrícula 00-00-00 e desde 01.01.2005, que o RECORRIDO vem estacionando o seu referido veículo automóvel, nos vários parques de estacionamento que a RECORRENTE explora na cidade de Ponta Delgada, sem se dignar proceder ao pagamento do tempo de utilização, conforme regras devidamente publicitadas no local.
IV. Sucede porém que, o Tribunal "a quo" considerou que, a RECORRENTE, na relação jurídica que estabelece com o RECORRIDO, surge investida de prorrogativas próprias de um sujeito público, revestido de jus imperii, podendo cobrar-lhe uma taxa pelo estacionamento nas zonas concessionadas e aplicar-lhe as sanções especificamente previstas no Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada e que consistem na aplicação de coimas.
V. Assim, no entender do Tribunal "a quo", o Tribunal Administrativo e Fiscal, é o Tribunal competente para julgar os presentes Autos, uma vez que, nos termos do disposto no art. 4o, nr. 1, f)do ETAF, em virtude de o contrato de locação de estabelecimento celebrado entre o RECORRIDO e a RECORRENTE, é um contrato de direito público, e não de direito privado, em que a concessionária surge na relação como particular investida de prerrogativas próprias de um sujeito de direito pública - Câmara Municipal - revestido de "ius imperium".
VI. Sucede porém que, mal andou o Tribunal "a quo" ao julgar procedente a referida excepção.
VII. Com efeito, a Câmara Municipal de Ponta Delgada celebrou com a RECORRENTE um contrato de fornecimento, instalação e exploração de parquímetros na Cidade de Ponta Delgada, nos termos do qual a RECORRENTE, fica responsável pela conservação e manutenção dos parquímetros de forma a garantir as condições de operacionalidade de acordo com as especificações técnicas e características indicadas na proposta, e deve igualmente respeitar as taxas que o município vier a fixar.
VIII. Todavia, o contrato celebrado entre a RECORRENTE e o RECORRIDO, não se confunde com os contratos de natureza pública, celebrados entre uma entidade privada, e uma entidade pública, munida de "jus imperii”, uma vez que, a RECORRENTE não se encontra munida de "jus imperii".
IX. Com efeito, a RECORRENTE ao actuar perante terceiros, neste caso o RECORRIDO, não se encontra munida de poderes de uma entidade pública, e sim com poderes de uma entidade privada, pelo que, e contrariamente ao entendimento do Tribunal "a quo", o contrato estabelecido entre RECORRENTE e RECORRIDO, relativo à utilização dos parqueamentos explorados pela RECORRENTE, é de direito privado, cuja violação é susceptível de fazer o utilizador incorrer em responsabilidade contratual por incumprimento do contrato.
X. Aliás, a doutrina qualifica este tipo de contrato, como uma relação contratual de facto, em virtude de não nascer de negócio jurídico, assente em puras actuações de facto, em que se verifica uma subordinação de situação criada pelo seu comportamento ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações.
XI. Ora, o estacionamento remunerado, apresenta-se como uma afloração clara da relevância das relações contratuais de facto e a relação entre o concessionário e o utente resulta de um comportamento típico de confiança, pelo que não envolve nenhuma declaração de vontade expressa, e sim uma proposta tácita temporária de um espaço de estacionamento mediante retribuição.
XII. Assim, estabelecendo a RECORRENTE e o RECORRIDO uma relação contratual de facto, o Tribunal competente é o Tribunal Judicial e não o Tribunal Administrativo e Fiscal.
XIII. A relação contratual de facto estabelecida entre a RECORRENTE e o RECORRIDO não possui natureza pública, até porque, sendo a RECORRENTE uma entidade privada, apesar de ter sido autorizada a fim de proceder à exploração de parques de estacionamento na cidade de Ponta Delgada, não actua perante terceiros, com "jus imperii'.
XIV. De facto, não estando em causa a natureza pública do contrato celebrado entre a Câmara Municipal de Ponta Delgada e a RECORRENTE, não pode, no entanto, este primeiro contrato ser equiparado aos posteriores contratos tacitamente celebrados entre a RECORRENTE e os utentes, pois tais contratos têm natureza privada, não só pela forma como os seus intervenientes actuam, como também pelas normas que regulam as relações jurídicas em causa.
XV. Tal como estabelece Pedro Gonçalves, no Manual "A Concessão de Serviços Públicos", o instrumento que dá vida à relação é um contrato de direito privado, pelo que, em si mesma, a relação de prestação que se estabelece entre o concessionário e os utentes é uma relação contratual de direito privado.
XVI. Tanto assim é, que a natureza jurídica da quantia paga pelos utentes em contrapartida da prestação do serviço público é a de um preço e não de um encargo ou contrapartida com natureza fiscal ou tributária.
XVII. Mais uma vez, vem Pedro Gonçalves sustentar que, sendo de direito privado as relações de prestação constituídas entre o concessionário e o utente, não faz sentido, sustentar a natureza fiscal da contrapartida, que é justamente um dos elementos essenciais da relação contratual.
XVIII. Assim, sendo a RECORRENTE uma sociedade anónima, dotada de um estatuto de direito privado, que reclama o pagamento do tempo de utilização pelo estacionamento de veículos nos parques de estacionamento explorados, o acto que emerge da invocada responsabilidade não é praticado por um órgão, funcionário, agente ou servidor público.
XIX. A RECORRENTE, ao intentar acções contra o proprietário do veículo automóvel, que não procedeu ao pagamento dos montantes devidos, estas não se inserem nas prorrogativas de uma autoridade pública, e sim no âmbito da gestão que lhe compete fazer enquanto entidade privada.
XX. Com efeito, e contrariamente ao entendimento do Tribunal "a quo", a RECORRENTE jamais é uma funcionária ou agente de um órgão de poder político, ou seja, da Câmara Municipal de Ponta Delgada.
XXI. Acresce ainda que, a relação controvertida estabelecida entre RECORRENTE e RECORRIDO não configura uma relação jurídica regulada pelo direito administrativo ou fiscal.
XXII. Aliás, tal como já foi referido anteriormente, a relação estabelecida entre a RECORRENTE e o RECORRIDO configura uma relação contratual de facto, em virtude de não nascer de negócio jurídico, assente em puras actuações de facto, em que se verifica uma subordinação de situação criada pelo seu comportamento ao regime jurídico das relações contratuais, com a eventual necessidade de algumas adaptações.
XXIII. Perante o exposto, mal andou o Tribunal "a quo" ao declarar-se incompetente em razão da matéria, pois nos termos do disposto nos arts. 8º e 7º do DL 269/98, de 01.09, com referência ao art. 1º do Diploma preambular, na redacção dada pelo DL 303/2007, de 24.08, o Tribunal recorrido é o competente.
XXIV. Assim, o Tribunal "a quo", aplicou erradamente o disposto no art. 4º, nrº. 1, alínea f) do ETAF.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e revogado o acórdão recorrido e consequentemente ser o tribunal judicial declarado competente, conforme é do direito e da justiça!Nas contra-alegações defende o recorrido a confirmação do acórdão sob censura. Fundamentação.
Como se vê dos autos a única questão a resolver é a da competência/incompetência absoluta do tribunal (em razão da matéria).
Ao caso dos autos aplica-se o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) aprovado pela Lei 13/2002 de 19/2, que entrou em vigor em 1/1/2004.Sendo a questão simples, já que se concorda inteiramente com as decisões das instâncias, cujos argumentos aqui se dão por reproduzidos.Como se sabe, o novo ETAF ampliou a jurisdição administrativa não só em matéria de responsabilidade extracontratual (Art. 4 n.º 1 g) h) e i)), como também em matéria de contratos, o que, porém, como salienta José Carlos Vieira de Andrade (A Justiça Administrativa – Lições – 7ª ed.) tem “um alcance processual: não significa que essas questões passem a ser inteiramente reguladas pelo direito administrativo, mas, sim que os tribunais administrativos passarão a aplicar, a título principal, normas de direito privado”Ao caso, além do mais, interessa o disposto no Art. 4 f) do ETAF, que confere à jurisdição administrativa a competência material para conhecer de “Questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objecto passível de acto administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspectos específicos do respectivo regime substantivo, ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que actue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público”.
No caso concreto sabemos que a A. é a concessionária de um serviço público, por via dos contratos de concessão que celebrou com o Município.
Assim, o direito da A. a cobrar determinado montante pela utilização dos parques de estacionamento de que é concessionária, advém-lhe de um contrato claramente administrativo que versa sobre questão do interesse público que o Município de Ponta Delgada deliberou concessionar-lhe.
Essa importância corresponde a uma taxa fixada em Regulamento da Câmara Municipal e pode até ter carácter sancionatório, como salientam as instâncias.
No fundo, a A. exerce determinadas funções de carácter e interesse público que pertencem às funções do Município, mas que este deliberou concessionar à A.
Consequentemente, a cobrança do crédito em causa nesta acção só é possível porque a recorrente está investida em poderes de autoridade, que se impõem aos particulares.
De contrário, jamais a A. podia cobrar, de quem quer que fosse, uma taxa pela ocupação temporária de um espaço público.
Portanto, embora a relação estabelecida entre a A. e os particulares que usam o espaço de estacionamento concessionado seja diferente do que existe entre a A. e o Município de Ponta Delgada, o certo é que, como se refere no acórdão recorrido “... os actos praticados pela recorrente não revestem a natureza de actos privados, susceptíveis de serem desenvolvidos por um qualquer particular, mas, ao invés, revestem-se de natureza pública, na medida em que são praticados no exercício de um poder público, isto é, na realização de funções públicas no domínio de actos de gestão pública”, por isso que, “na relação jurídica que estabelece com o recorrido, surge investida de prorrogativas próprias de um sujeito público, revestido de jus imperii, podendo cobrar-lhe uma taxa pelo estacionamento nas zonas concessionadas ...”.Ora o recorrido ao utilizar os parques de estacionamento sabe que está a utilizar um espaço público concessionado à A. e aceita as condições em que pode fazê-lo, ao menos tacitamente.
Mas, como se disse, essas condições são as que constam do Regulamento das Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Ponta Delgada, que é um Regulamento Municipal devidamente aprovado e publicitado, contendo, como é evidente, normas de direito público, que obrigam, quer a concessionária, quer os utentes dos parques de estacionamento concessionados.
Portanto o R., ao contratar com a A. a utilização dos espaços de estacionamento que a esta foram concessionados sabe que esse contrato ou acordo tácito está submetido a um regime substantivo de direito público. (E, não vemos que a situação seja diferente, mesmo que se entenda, como quer a recorrente, estamos perante “relações contratuais de facto”).
Daí que, para além do que acima se referiu quanto aos poderes exercidos pela A., na qualidade de concessionária de um serviço de natureza pública, o dito acordo ou contrato cabe perfeitamente no âmbito do disposto no Art. 4 f) do ETAF.Tanto basta para concluir, como as instâncias, que o litígio que opõe as partes nesta acção deve ser dirimido pelo Tribunal Administrativo, que é o competente em razão da matéria.Conclusão:
- Sendo a A. concessionária de um serviço reconhecidamente de interesse público, actua, nessa qualidade em “substituição” da autarquia com os poderes inerentes que lhe foram concessionados nos contratos ou acordos tácitos que se concretizam sempre que os utentes utilizam para estacionamento os espaços públicos concessionados à A, tanto esta como os referidos utentes estão submetidos às regras do Regulamento Municipal que disciplina aqueles estacionamentos e só por isso tem a A. direito a cobrar as taxas de utilização fixadas no dito diploma.
- Contendo tal Regulamento normas de direito público, que estabelecem o regime substantivo de tais contratos ou acordos tácitos, a execução de tais contratos cai no âmbito do disposto no Art. 4 f) do ETAF.
- Sendo, por conseguinte do foro administrativo a competência material para apreciar o litígio a que se refere os autos.Decisão
Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, mantendo o acórdão recorrido.Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Outubro de 2010
Moreira Alves (Relator)
Alves Velho
Moreira Camilo