ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
Sumário

1. Tendo o A. estruturado a acção em sede de enriquecimento sem causa, compete-lhe alegar e provar os respectivos pressupostos , enquanto factos constitutivos do seu direito à restituição, incluindo a ausência de causa justificativa para a deslocação patrimonial e consequente enriquecimento do R. – não bastando que não se prove a existência de uma causa de atribuição, mas sendo essencial o convencimento do tribunal da inexistência de causa.

2. Tal repartição do ónus da prova não é alterado pelo facto de o R. ter deduzido defesa por impugnação directa ou motivada, alegando uma causa diversa para a comprovada deslocação patrimonial que, no entanto, também não logrou provar.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA intentou contra BB – …, Lda acção declarativa, na forma ordinária, pedindo a declaração de nulidade, por vício de forma, do contrato de mútuo que teria celebrado com a R. e a condenação desta a restituir-lhe a quantia de €211.329,88 e respectivos juros ; como fundamento da pretensão que deduz alega que, por acordo verbal, com vista à aquisição de dois lotes de terreno , teria entregado à sociedade R. a referida quantia global, em numerário, cheques e pagamentos da sua conta, quantia pecuniária que a R. deveria ter restituído até 30/7/04.
A R. impugnou a existência de qualquer empréstimo por parte do A., alegando antes ter recebido parte daquela quantia pecuniária no âmbito de um contrato de parceria de investimento imobiliário, de que resultaria para o A. a recuperação do capital investido e respectiva remuneração apenas quando viesse a ser vendido o imóvel edificado, o que ainda não teria ocorrido.
Após saneamento e condensação do processo, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente por indemonstração do invocado mútuo nulo e por falta de prova pelo A. de factos que revelassem a falta de causa legítima para a deslocação patrimonial de que havia beneficiado a sociedade R.
Inconformado com tal decisão, apelou o A., tendo, porém, a Relação julgado improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

2. Novamente inconformado, interpôs a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1- O Recorrente alegou e não provou a celebração com a Recorrida de um contrato de empréstimo como fundamento, em consequência da nulidade do negócio em causa, da devolução das quantias entregues.
2- Por sua vez, a Recorrida, no mesmo processo e em contradição com o alegado pelo Recorrente, sustentou, também sem o provar, que as transferências financeiras de que foi beneficiária se teriam ficado a dever e teriam a sua justificação num contrato de parceria tendente à concretização de projectos
3- Os factos alegados e provados nos autos, impõem, no entanto, a condenação de restituição da Recorrida com base no Enriquecimento Sem Causa.
4- Conforme refere o Acórdão recorrido, " Em abstracio, apesar da sustentação de um pedido nas regras da responsabilidade contratual nada obsta a que se recorra ao instituto do enriquecimento sem causa, desde que a matéria de facto
apurada permita a integração de cada um dos pressupostos legais:
- Falta de integração noutro instituto; f" - Enriquecimento do R.;
- Empobrecimento do A;
- Nexo de causalidade entre um e outro e
- - Falta de justificação para o enriquecimento.11
5- Resultou provado que existiu uma deslocação patrimonial do Recorrente para
' a Recorrida (vide factos 1 a 11 da fundamentação de facto da sentença).

6 - Ficou provado que a Recorrida não só incorporou no seu património o produto dessas deslocações financeiras, como, ademais, o usou em seu proveito próprio e na prossecução da sua actividade social (vide facto n.° 16).

7 - Ficou demonstrado que as transferências monetárias efectuadas da esfera jurídica do Recorrente para a da Recorrida não foram feitas nem ao abrigo de um contrato,de mútuo alegado pela Recorrente nem de um contrato de parceria imobiliária alegado pela Recorrida e com a qual pretendeu justificar a sua razão se existirem.
8- A Recorrida nunca devolveu ao Recorrente o valor que incorporou na sua
9- Entendeu o Tribunal recorrido que pelo facto de o recorrente não ter alegado o facto negativo - ausência de causa justificativa do enriquecimento - não consegue obter o preenchimento completo dos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.
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10- Deve-se discordar deste entendimento, pois, tendo ambas as partes, de boa-fé, alegado causas diferentes para a justificação das transferências monetárias, deixou por uma questão lógica de haver necessidade de alegar aquele requisito negativo da ausência de causa justificativa, pois, segundo o alegado pelas próprias partes, a causa das transferências ou seria uma ou outra.
11- Na falta de demonstração de qualquer delas, torna-se impossível encontrar ou admitir a existência de uma outra causa justificativa.
12- Tendo havido uma actividade probatória activa de ambas as partes no sentido de demonstrarem a causa que cada uma alegou e ao não conseguirem essa demonstração, não restará outra hipótese ao julgador considerar demonstrada a inexistência lógica da causa justificativa do enriquecimento, pelo que mesmo não tendo sido expressamente alegada, tem o Tribunal elementos suficientemente fortes, neste caso, fornecidos por ambas as partes, para ficar convencido da falta de causa e assim concretizar a solução mais Justa.
13- Segundo o art° 342°, n° 1 do Código Civil, " àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado".
14- No entanto, não deve nem pode ser feita uma interpretação meramente literal deste último preceito (cfr. art° 9º do Cód. Civil), uma vez que se deve ponderar adequadamente a situação e, verificar caso a caso, se não será necessário, sem desvirtuar o sentido último do preceito, aplicar a regra em apreço mediante a introdução de um qualquer desvio, adaptação, restrição ou distinção que permita ao julgador concretizar a solução mais conforme à justiça material.
15- Conforme sustenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Outubro de 2006 (in www.dgsi.pt, sob a descrição "enriquecimento sem causa") "(...] não é justo nem razoável colocar-se o empobrecido, sobre quem recai o ónus da prova do facto negativo apontado, na posição de, praticamente, ter que eliminar toda e qualquer causa justificativa da transmissão patrimonial operada teoricamente pensável para poder ver acolhida a sua pretensão; sem nunca perder de vista, para não a desvirtuar, a razão de ser dos dois institutos jurídicos em presença, há que circunscrever e delimitar minimamente o ónus probatório do autor da acção de enriquecimento; e quando esta se funde, como ^ aqui sucede, na circunstância de ter sido recebida determinada importância em vista de um efeito que não se verificou, a delimitação deverá traduzir-se no seguinte: o autor (empobrecido) precisa de demonstrar, não que não existe
- qualquer causa, seja ela qual for, para a prestação, mas sim que aquela ou aquelas que foram alegadas pelo réu (enriquecido) - alegadas, note-se, e não necessariamente provadas - não existem. Sendo o facto negativo, no caso em " exame, um facto negativo indefinido - vaie por dizer, um facto a que corresponde, como antítese, uma série indefinida de factos positivos - a prova que impende sobre o autor tomar-se-á, mais do que diabólica, pura e simplesmente impossível se esta precisão interpretativa não for introduzida na aplicação do art.° 342°, n° l; é uma precisão, de resto, que confere ao instituto do enriquecimento sem causa espaço para "respirar", obstando a que a natureza subsidiária da obrigação de restituir, legalmente reconhecida no art.° 474º, se transforme em letra morta, inutilizando a norma contida neste preceito.
16- Resulta, pois, manifesto, à luz do que acima se disse e da douta jurisprudência do Magno Tribunal, que, o enriquecimento carece de causa porque segundo as partes, agentes activos (e interactivos) na descoberta da verdade, aqui Recorrente e Recorrida; não há nem pode (logicamente) haver qualquer (outra) causa justificativa para a deslocação patrimonial do A. para a R..
17- Resulta assim dos factos que foram deslocados para o património da Recorrida montantes de dinheiro equivalentes a EUR 211.329,88, deslocação essa que imediatamente tem a sua causa na diminuição do património do Recorrente em igual montante, sem qualquer causa justificativa.

18 - Em razão do exposto, estamos convencidos, que no caso sub judice estamos perante uma situação de enriquecimento sem causa, pelo que deverá ser a Recorrida condenada na devolução do montante com que indevidamente se ' locupletou à custa do Autor, nos termos do estabelecido no artigo 479.° do Código Civil.

Por tudo o que fica exposto de facto e de Direito, deverão V. Exas., Venerandos Desembargadores, revogar o Acórdão recorrido, determinando a devolução por parte da Recorrente ao Recorrido da quantia de EUR 211.329,88, por via do disposto nos artigos 473.° n.°s 1 e 2 e 479.°, todos do Código Civil. Só assim materializarão V. Exas. no presente processo aquela que é a Justiça para o caso concreto.

3. As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:

1.AR. dedica-se de forma regular à actividade de compra e venda de prédios e construção para venda de prédios urbanos - M);
2.No exercício da sua actividade, em 20-5-00, a R. celebrou com CC um contrato-promessa de compra e venda, onde se obrigou a adquirir um lote de terreno identificado como lote n° …, registado na CRP de Mafra sob o n° …. e inscrito na matriz predial sob o art. n° 734 da mesma freguesia - N);
3.No dia 22-9-00 foi outorgada no Cartório Notarial de Oeiras a escritura pública de aquisição do lote de terreno referido em 2. - O);
4.Em 21-9-2000, o A. emitiu sobre conta n° … do B..., de que é titular, um cheque à ordem da R. no montante de 3.000.000$00 (€14 963,94) -E);
5.Em 22-9-2000, o A. emitiu um cheque à ordem da R., sacado sobre o B..., no montante de 17.000.000$00 (€ 84.795,64) - F);
6.Em 12-3-2001, o A. emitiu sobre a conta n° … do Banco …, de que é titular, um cheque à ordem da R. no montante de 10.000.000$00 (€ 49.879,79) - A);
7.Em 30-3-2001, o A. emitiu sobre a conta n° … do B..., de que é titular, um cheque à ordem do Tesoureiro da Câmara Municipal de Mafra no montante de 558.600$00 (€ 2.786,29) - al. D);
8.Em 1-7-2001, o A. entregou à R. em numerário a quantia de 359.840$00 (€ 1.794,87) - G);
9.Em 10-9-2001, o A. emitiu sobre a conta n° … do B..., de que é titular, um cheque à ordem da R. no montante de 8.125.000$00 (€ 40.527,33)-B);
10.Em 20-9-2001, o A. emitiu sobre a conta n° ….do B..., de que é titular, um cheque à ordem da R. no montante de 10.000$00 (€ 49,88) - C);
11.Em 5-5-2003, o A. transferiu da conta n° …, de que é titular no Banco …, o montante de € 3.977,00 para a conta da R. n° … da N… - H);
12.Em 11-6-2003, o A. transferiu da conta n° …, de que é titu¬lar no B..., o montante de € 3.775,14 para a conta da R. n° … da N... -1);
13.Em 26-8-2003, o A. transferiu da conta n° …, de que é titular no B..., o montante de € 3.980,00 para a conta da R. n° … da N... - J); .
14.Em 15-12-2003, o A. transferiu da conta n° …, de que é titular no B..., o montante de € 4.800,00 para a conta da R. n° … da N... - L);
15.Em 24-8-01 foi celebrado entre a R. e o Banco de I…, S.A., um contrato de mútuo hipotecário, a fim da R. dispor de capacidade financeira para fazer frente ao investimento de cons¬trução no referido lote de terreno - P);
16.As importâncias mencionadas de 4. a 14. destinaram-se à efectivação pela R. da compra, pelo menos, do prédio referido em 3., realização dos registos, obtenção de licença de construção e posterior edificação de moradias no mesmo – 1º;
17.Desde as datas em que, por cheque, numerário ou transferência bancária, cada uma das referidas entregas em dinheiro foi efectuada à R., esta não entregou ou restituiu qualquer quantia ao A. - 3 o;
18. Nao foi lavrado qualquer escrito – 7º.

4. Na específica situação dos autos, fundou o A. a ilegitimidade da deslocação patrimonial de que a sociedade R. beneficiou na celebração de um contrato de mútuo, formalmente inválido, não logrando, todavia, provar a matéria de facto que, nessa sede, alegou. Por seu lado, a R. não se limitou a defender-se por mera negação, tendo indicado outro motivo ou causa para a deslocação patrimonial verificada a seu favor: a celebração de um contrato de parceria de investimento imobiliário, que apenas concederia ao A. a recuperação e remuneração do capital investido se e quando viesse a ser vendido o imóvel edificado no âmbito de tal relação contratual – sendo identicamente tida por não provada toda a matéria de facto que pretendia consubstanciar tal causa, deduzida em impugnação motivada.
É manifesto, desde logo, que – neste concreto circunstancialismo e como, aliás, dá nota o acórdão recorrido – carece totalmente de fundamento a invocação da orientação jurisprudencial subjacente ao ac. do STJ de 17/10706 (P. 06ª2741)que expressamente pressupõe que - tendo o A. na acção de enriquecimento sem causa demonstrado que o R. fez sua a quantia entregue, - este se tiver limitado a impugnar a causa da entrega alegada, sem, todavia, indicar nenhuma outra.
Como se afirma neste acórdão – marcando claramente a radical diferença entre a situação ali controvertida e a debatida no caso dos autos:

Na situação ajuizada aconteceu, relativamente à autora, que ela não conseguiu provar a causa justificativa do enriquecimento verificado – o contrato inominado alegadamente celebrado com os réus, ao abrigo do qual lhes fez a entrega da quantia que pretende reaver. Os réus, por seu turno, não negando a recepção (pela ré) do dinheiro titulado pelo cheque que a autora emitiu, limitaram-se a impugnar a causa invocada pela parte contrária sem, todavia, indicar nenhuma outra; “muito comodamente”, - observa-se no acórdão recorrido - disseram apenas que o alegado pela autora nos art.ºs 10º a 17º da petição inicial era falso – “nem por brincadeira se aceita”, afirmaram, sugestivamente, no art.º 6º da contestação.
Ora, num caso que assim se apresente não é justo nem razoável colocar-se o empo­brecido, sobre quem recai o ónus da prova do facto negativo apontado, na posição de, praticamente, ter que eliminar toda e qualquer causa justificativa da transmissão patrimonial operada teoricamente pensável para poder ver acolhida a sua pretensão; sem nunca perder de vista, para não a desvirtuar, a razão de ser dos dois institutos jurídicos em presença, há que circunscrever e delimitar minimamente o ónus probatório do autor da acção de enriquecimento; e quando esta se funde, como aqui sucede, na circunstância de ter sido recebida determinada importância em vista de um efeito que não se verificou, a delimitação deverá traduzir-se no seguinte: o autor (empobrecido) precisa de demonstrar, não que não existe qualquer causa, seja ela qual for, para a prestação, mas sim que aquela ou aquelas que foram alegadas pelo réu (enriquecido) – alegadas, note-se, e não necessariamente provadas – não existem. Sendo o facto negativo, no caso em exame, um facto negativo indefinido vale por dizer, um facto a que corresponde, como antítese, uma série indefinida de factos positivos a prova que impende sobre o autor tornar-se-á, mais do que diabólica, pura e simplesmente impossível se esta precisão interpretativa não for introduzida na aplicação do art.º 342º, nº 1; é uma precisão, de resto, que confere ao instituto do enriquecimento sem causa espaço para “respirar”, obstando a que a natureza subsidiária da obrigação de restituir, legalmente reconhecida no art.º 474º, se transforme em letra morta, inutilizando a norma contida neste preceito.
Em face do exposto, temos que manifestar a nossa inteira concordância com o parecer junto aos autos quando aí se diz que “quem é colocado perante um pedido de restituição, fundado na ausência de causa da deslocação patrimonial aduzirá, (embora não tenha que provar) segundo os ditames da boa fé as razões que, a seu ver, justificam que a deslocação patrimonial se tenha efectuado e não deva ser desfeita. É insólito que se limite a reconhecer a existência de tal deslocação, sem apresentar qualquer razão justificativa da mesma, pelo menos no seu local e momento próprios, que é a contestação. Tendo sido dado como provado que a autora pretendia efectivamente um lugar num lar de acolhimento para a terceira idade e que a ré manifestara a intenção de construir um, não deve o silêncio da ré onerar a autora com o ónus verdadeiramente impossível de demonstrar a absoluta inexistência de qualquer causa justificativa da entrega da prestação. Seria um pouco como ter que provar que nunca se esteve no local X: essa prova só é verdadeiramente possível se o objecto sobre que incide for concretizado e se o agente tiver que provar apenas que não esteve no local X, no momento Y”.

Ora, como é óbvio, no presente litígio, não se limitou a R. a negar por pura impugnação a existência a causa alegada pelo A., deduzindo antes impugnação motivada, adiantando qual a concreta relação contratual entre as partes que, na sua óptica, legitimaria a deslocação patrimonial questionada – não podendo, naturalmente, ser prejudicada pela circunstância de tal relação contratual não ter sido provada, uma vez que recaía inteiramente sobre o A. o ónus probatório da ausência de causa justificativa para a deslocação patrimonial operada, enquanto facto constitutivo do seu direito.
Implica isto que a situação dos autos tenha analogia, não com o decidido no aresto invocado pela recorrente, mas antes, por exemplo, com a situação sobre que incidiu o Ac. de 16/9/08 ( P. 08B1644), que nos permitimos transcrever:

Preceituando a respeito o art. 473º deste mesmo diploma legal:
“1. Aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.
2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”

Sendo, assim, pressupostos do enriquecimento sem causa:
a) a existência de um enriquecimento;
b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;
c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento – A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 467 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol.I, p. 381 e ss, entre outros.

Não bastando, assim, que uma pessoa tenha obtido vantagem económica à custa de outra, sendo ainda necessária a ausência de causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial (sendo apenas esta e não qualquer outra situação de enriquecimento que aqui poderá estar em causa).
Sendo, pois, necessária, repete-se – e considerando-se o modo como o autor estruturou a acção, alegando a entrega de dinheiro à ré, não poderemos deixar de estar perante a modalidade do enriquecimento por prestação – a ausência de causa jurídica para a recepção da prestação que foi realizada.
Estando em causa, no âmbito do dito enriquecimento por prestação, um incremento consciente e finalisticamente orientado do património alheio, sendo a não realização do fim visado com esse incremento que determina a restituição.
Estando a não realização desse fim tipificada no citado art. 473º, nº 2, por referência a uma relação obrigacional, cuja execução se visou, mas que por qualquer razão não existe, podendo essa inexistência respeitar ao próprio momento da realização da prestação, ou vir a obrigação a desaparecer posteriormente ou não se verificar futuramente – Menezes Leitão, ob. cit., p. 429..

Cabendo ao autor que pede a restituição com base no enriquecimento da ré à sua custa sem causa justificativa, por força do preceituado no art. 342º, nº 1 do CC, o ónus de alegação e prova dos referidos pressupostos.
Designadamente, o ónus da prova da ausência de causa da sua prestação pecuniária – Acs do STJ de 5/12/06 (João Camilo), Pº 06A3902, de 29/5/07 (Azevedo Ramos), Pº 07A1302 e de 4/10/07 (Santos Bernardino), Pº 07B2772, in www.dgsi.pt.
Sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição.
Onerando, assim, o autor, que invocou o direito em referência, com a sua prova (citado art. 342º, nº 1).

Tendo, pois, a falta de causa de ser não só alegada, como também provada, por quem pede a restituição.
Não bastando, segundo as regras do onus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição, sendo preciso convencer o tribunal da falta de causa – P. Lima e A. Varela, CCAnotado vol. I., p. 456.

Tudo isto, não obstante a ré não ter logrado provar a matéria que concretamente alegou a respeito da justificação das entregas em dinheiro (através de cheques) que pelo autor lhe foram efectuadas – a de que se tratou de uma doação.
Constituindo tal alegação, como atrás dito, defesa por impugnação, por negação indirecta ou motivada e não defesa por excepção.
Não necessitando a ré de demonstrar a inexactidão ou inexistência dos factos alegados pelo autor, constitutivos do seu invocado direito.
Sucedendo antes, e ao invés, que se este não fizer a prova de tais factos, a causa será julgada contra ele

– Vaz Serra, Provas – Direito probatório material, p. 65.
Como in casu – e acertadamente – sucedeu


É a esta orientação jurisprudencial que inteiramente se adere, o que conduz à inteira confirmação do decidido no acórdão recorrido.

4. Nestes termos e pelos fundamentos expostos, nega-se provimento à revista.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de Outubro de 2010

Lopes do Rego (Relator)
Barreto Nunes
Orlando Afonso