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CONTRATO DE FRANQUIA
CARÁCTER SINALAGMÁTICO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
FALTA DE PAGAMENTO
PREÇO
Sumário
I - O contrato de franquia é um contrato sinalagmático. II - Ao pagamento do preço por parte do franquiado corresponde, por parte do franquiador, a obrigação de lhe proporcionar o uso dos seus sinais distintivos, a prestação do know-how necessário, a assistência técnica. III - É à luz dos factos concretos que se provarem que se deve considerar se ocorre entre o incumprimento de alguma dessas obrigações (designadamente a prestação de know-how e de assistência técnica) e o não pagamento do preço uma relação de causalidade e de proporcionalidade. IV - Ora se apenas se provou que representantes do franquiador não foram enviados aos estabelecimentos da franquiada e que o franquiador não fornecia produtos ou assegurava o seu fornecimento ou a reposição por terceiro, mas provando-se igualmente que os estabelecimentos da franquiada continuaram a funcionar durante vários anos e que jamais tais omissões foram consideradas pelo franquiado causa de prejuízo ou de insucesso comercial, não havendo conhecimento de nenhuma reclamação por parte do franquiado, não se vislumbra relação de causalidade entre tais omissões – insuficientemente concretizadas – e o facto de o franquiado ter deixado de pagar qualquer quantia e de fornecer à franquiadora os elementos sobre o seu apuramento bruto necessário para o cálculo da quantia a pagar.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA-Sociedade P... de Franchising, S.A demandou BB-F... D... & Irmão Lda. pedindo a sua condenação no pagamento de 71.074,32€ acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor para as dívidas comerciais, contada sobre o capital em dívida desde a data da citação até integral e efectivo pagamento; a título subsidiário , e apenas na hipótese de o pedido principal não ser atendido, deverá então a ré ser condenada a pagar à autora uma indemnização fixada com base na equidade, sendo que também neste caso deverá a ré ser condenada no pagamento de juros de mora desde as datas dos incumprimentos dos pagamentos devidos.
2. A quantia reclamada respeita ao não pagamento do royalty mensal de 5% sobre a facturação bruta mensal dos estabelecimentos franquiados à ré, um deles, por contrato de 29 de Dezembro de 1999, o outro, por contrato de 23 de Abril de 2001.
3. O pagamento cessou relativamente ao estabelecimento instalado no “Norte Shopping” em Outubro de 2002, tendo cessado o contrato em 28 de Dezembro de 2005, reclamando a autora nestes autos as quantias devidas a partir de Janeiro de 2003 (inclusive); quanto ao estabelecimento instalado no “Algarve Shopping” a autora reclama o valor devido desde Junho de 2001 até Junho de 2005.
4. Há, assim, a considerar os seguintes valores:
- 41.405,26€ (36 meses x 1150,15€): contrato de 29-12-1999.
- 13. 759,20€ (48 meses x 286,65€): contrato de 23-4-2001.
Total: 55.164,46€ a que acrescem os juros vencidos de 15. 909,86 assim se perfazendo o valor pedido de 71.074,32€.
5. O pagamento da mensalidade incidia, como se disse, sobre a facturação bruta mensal; não tendo sido esta remetida pela ré a partir de certo momento, o valor mensal considerado resulta de um cálculo da autora, a submeter ao Tribunal tendo em vista a liquidação, que parte do valor médio mensal de royalties pagos.
6. A acção foi julgada procedente na 1ª instância que julgou improcedente o pedido reconvencional.
7. Na sua contestação a ré formulou as seguintes pretensões:
- Que seja declarada a nulidade dos dois contratos celebrados.
- Caso assim se não entenda, devem ser consideradas procedentes as excepções invocadas pela ré e, em consequência, ser a mesma absolvida dos pedidos formulados.
Mais requereu que seja julgado procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido e, em consequência, condenada a A. a restituir à ré a quantia de 41.405,26€, acrescida de 573,30€, correspondentes às quantias pagas, a título de royalties, referentes, respectivamente, aos estabelecimentos sitos no Norte Shopping e Algarve Shopping em consequência da invalidade dos contratos.
8. A apelação da ré foi julgada procedente - parcialmente, porque o Tribunal julgou procedente a excepção de prescrição quanto a 4 prestações de 286,65€ (total de 1.146,60€) de royalties respeitantes ao contrato do estabelecimento sito no Algarve, impondo-se, assim, reduzir este último valor ao montante de 13.759,20€, perfazendo-se, assim, o montante de 12.612,60€ que, adicionado aos 41.405,26€, totaliza 54.017,86 - condenando-se, assim, a ré no pagamento à A. tão somente do montante de 54.017,86€ com juros de mora às taxas comerciais , desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.
9. Deste acórdão foi interposto recurso pela ré que concluiu a sua minuta com as seguintes conclusões que ipsis verbis se transcrevem:
1- Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido nos autos supra e à margem referenciados por entender a recorrente ter o Tribunal a quo feito uma errada subsunção da matéria de facto ao direito vigente, determinante para o desacerto e injustiça da decisão ora em crise e, bem assim, para a necessidade da respectiva revogação e substituição por outra que declare a total improcedência da acção contra si proposta e, bem assim, a procedência do pedido reconvencional formulado.
2- Na contestação que deduziu à presente acção, a ré invocou o incumprimento contratual originário por parte das autora, a fim de ver reconhecido o direito a recusar o pagamento das quantias peticionadas com fundamento na excepção do não cumprimento do contrato, nos termos do disposto no artigo 428.º do Código Civil -vide artigos 73.º a 89.º da referida peça processual.
3- Apreciando a questão suscitada nos termos da conclusão precedente, teve o Tribunal da Relação do Porto por verificado o incumprimento das obrigações contratuais da autora, assim como a respectiva precedência em relação ao incumprimento contratual da ré, considerando , contudo, que a gravidade do incumprimento protagonizado por esta última teria excedido a importância de que se revestiu a conduta da autora - cuja omissão se teria ‘limitado’ ao facto de a mesma não ter assegurado à ré o fornecimento ou reposição por terceiro dos produtos a comercializar e de ter deixado de enviar representantes seus às lojas da ré - e recusando àquela, com tal fundamento, o reconhecimento da excepção invocada.
4- O incumprimento das obrigações assumidas pela autora nos contratos de franquia celebrados entre as partes não se cingiu, contudo, ao supra enunciado, tendo a conduta omissiva da autora tido um âmbito mais abrangente do que o salientado na decisão em crise, conforme dos autos resulta (nomeadamente dos factos dados como provados).
Senão vejamos:
a) Todo o material, máquinas e equipamentos que faziam parte dos referidos estabelecimentos era pertença da ré, a qual velava pela sua manutenção e funcionamento como entendia (cf. ponto 20.º dos factos provados por contraposição à obrigação de optimização dos equipamentos assumida na cláusula 25ª dos contratos).
b) Os trabalhadores do estabelecimento eram livremente recrutados pela ré (cf. ponto 21.º dos factos provados, por contraposição à obrigação de assessoria na área de recursos humanos assumida na cláusula 25ª dos contratos).
c) A autora não fornecia qualquer produto à ré, nem assegurava o fornecimento ou reposição por terceiro (cf. ponto 22.º dos factos provados por contraposição à obrigação de fornecimento ou indicação dos fornecedores exclusivos de produtos e componentes assumida na cláusula 19ª dos contratos).
d) Pelo menos após Outubro de 2002, a autora nunca mais enviou qualquer representante ao estabelecimento da ré, sito no Norte Shopping, o mesmo sucedendo relativamente ao estabelecimento sito no Algarve Shopping pelo menos a partir de Maio de 2001 (cf. ponto 23.º dos factos provados , por contraposição às obrigações de assessoria, apoio e acompanhamento permanente assumidas na cláusula 25.ª dos contratos).
e) A autora não era detentora de qualquer produto com a marca “B...C...” (cf. ponto 26.º dos factos provados, por contraposição ao previsto na cláusula 6.ª dos contratos).
f) Não havia fórmulas exclusivas ou métodos de preparação dos produtos “B...C...” ( cf. ponto 27.º dos factos provados, por contraposição ao previsto na cláusula 6.ª dos contratos).
5- A referida conduta omissiva da autora conduziu a uma total descaracterização dos contratos celebrados entre as partes - já que os desproveu claramente de conteúdo - tornando inexigível o integral cumprimento das obrigações retributivas que à ré incumbia promover.
6- Para aferir da gravidade do incumprimento das obrigações assumidas pelas partes, deveria o douto Tribunal da Relação do Porto, salvo o devido respeito, ter tomado em consideração a importância que as mesmas assumiam no âmbito dos acordos celebrados, designadamente, através da consideração da sua essencialidade no seio da colaboração contratada - reflexão que, salvo o devido respeito, não se acha na decisão em crise onde as considerações tecidas a este respeito se afiguram como meramente conclusivas.
7- A contratação de uma colaboração comercial do tipo da vertida nos ditos documentos tem óbvio assento das obrigações de assessoria ao nível do fornecimento/reposição de produtos comercializados e no acompanhamento permanente e presencial da actividade do franqueado tanto mais que in casu conforme ficou demonstrado nos autos (cf. alínea M da matéria de facto assente e ponto 13 dos factos provados) “ os representantes da ré nunca tinham tido experiência no ramo da restauração”
8- Tendo ficado provado que “ a autora não fornecia qualquer produto à ré nem assegurava o fornecimento ou reposição por terceiro (cf. ponto 22. dos factos provados) e que ‘ pelo menos, após Outubro de 2002, a autora nunca mais enviou qualquer representante seu ao estabelecimento da ré, sito no Norte Shopping, o mesmo sucedendo, relativamente ao estabelecimento sito no Algarve Shopping, pelo menos a partir de Maio de 2001 (cf. ponto 23.º dos factos provados) nunca poderia o incumprimento das concretas obrigações assumidas pela autora a este respeito ser classificado - como foi - “parcial e de cariz genérico”.
9- As obrigações de acompanhamento, assessoria e apoio permanente à actividade comercial da franqueada constituem, nos contratos dos autos, ( não meras obrigações acessórias, parciais ou genéricas, mas a verdadeira razão de ser do franchising contratado - o móbil da contratação - e, como tal, o real sinalagma da contraprestação do pagamento dos royalties aqui cobrados.
10- Tendo a autora incumprido ostensiva e reiteradamente as obrigações destacadas na conclusão que antecede (conforme ficou provado) é inexigível a liquidação do “ preço” correspectivo - mormente tendo presentes os princípios da proporcionalidade e do equilíbrio das prestações que deverão nortear toda a execução contratual.
11- A respeito da questão que ora se aprecia, refere João José Abrantes ( in a “Excepção do Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português -Conceito e Fundamento” editora Almedina, Coimbra, 1986, págs. 112, 200 e 202) que ‘ precisamente porque tais obrigações são ‘trocadas’ pelas partes por serem equivalentes ( no sentido explicitado) , tal equivalência deve ser mantida na própria fase da execução do contrato. Já vimos (7.1.3) as manifestações do sinalagma funcional, qualquer uma delas tendo o seu fundamento na ideia de justiça comutativa e de equilíbrio entre as obrigações reciprocamente nascidas do contrato. O contraente que não está em condições de dar ou fazer aquilo que prometera ao outro ( ainda que tal impossibilidade se deva a um acontecimento casual) não pode reclamar o que, correlativamente, lhe fora prometido”; por isso, o seu devedor pode, legitimamente, recusar cumprir enquanto subsistir esse estado de coisas. Pode até resolver o contrato, quando o cumprimento já não é possível. A mesma ideia de justiça comutativa leva inclusivamente a que o acontecimento casual, que exonera uma das partes do seu débito, priva-o ao mesmo tempo do seu crédito: o contraente que não está em condições de dar ou de fazer o que prometera não pode reclamar aquilo que, correlativamente, lhe foi prometido; o contrato sinalagmático deve ser expressão da justiça comutativa, o que supõe a interdependência das obrigações dele nascidas. Se, em caso de uma delas não ser cumprida, o devedor da outra pudesse mesmo assim ser compelido a executá-la o equilíbrio contratual ficaria desfeito e o contrato deixaria de ser um instrumento de justiça, antes se transformando em factor de iniquidade. A interdependência das obrigações fundamentais do contrato leva a que a sorte de uma dessas obrigações fique dependente da sorte da outra e a que uma delas não seja cumprida sem o ser também a outra”(sublinhado nosso).
12- Conforme resulta demonstrado nos autos, a ré não só suspendeu o envio da facturação à autora ( na sequência do grosseiro incumprimento das obrigações assumidas por esta última) como procedeu à resolução contratual assim que tal incumprimento determinou a insustentabilidade da relação comercial firmada entre as partes - sem alguma vez (e ainda) ter sido compensada pela dita inexecução por banda da autora -, o que legitima a retenção do pagamento do “ preço” contratual.
13- Inversamente ao que se acha sugerido no douto acórdão em crise, é manifesta a implicação negativa do(s) incumprimento(s) da autora no exercício da actividade da ré - que, fruto das demonstradas omissões da autora, teve de encontrar, dentro dos seu parcos conhecimentos, formas alternativas de garantir a prossecução do seu comércio, contratualizando, a expensas suas, os fornecimentos necessários e gerindo o estabelecimento como melhor sabia.
14- A matéria de facto provada deixa clara a ocorrência dos incumprimentos protagonizados pela autora, bem como a sua precedência em relação à interrupção do envio da facturação pela ré, tendo esta última sido inequívoca na atribuição do seu comportamento à conduta inadimplente daquela ( vide artigos 73.º a 89.º da contestação apresentada) e nunca tendo tal alegação sido expressamente contestada ou adiantada qualquer outra causa que pudesse justificar a interrupção do cumprimento das suas obrigações contratuais.
15- Demonstrada a pertinência das obrigações incumpridas pela autora, bem como a precedência do respectivo incumprimento em relação à conduta omissiva da ré - conforme reconheceu o Tribunal de 2ª Instância -, deverá ser julgada procedente a excepção de não cumprimento invocada pela ora recorrente na contestação dos autos e, em consequência, ser a ré absolvida do pedido formulado - o que expressamente se requer.
16- Ao decidir em sentido oposto ao ora explicitado, o Tribunal recorrido violou, salvo melhor entendimento, o disposto nos artigos 406.º,n.º1, 428.º e 762.º do Código Civil e no artigo 659.º,n.º3 do C.P.C.
Sem prescindir
17- No recurso por si interposto da decisão de 1ª instância, a ré salientou a necessidade de ser declarada a invalidade dos contratos que se encontram na origem do crédito cobrado nos autos, tendo, para o efeito, reiterado tudo o alegado a este respeito em sede de contestação e destacado a absoluta ausência de elementos que compunham o teor contratual - designadamente, a inexistência da marca identificada nos mesmos documentos, de produtos com tal marca, de firmas exclusivas ou métodos uniformes de actuação a respeitar pela franqueada ou de um qualquer sistema de gestão próprio reconhecido à autora.
18- Toda a matéria de facto que suporta o reconhecimento de tal invalidade foi expressa e detalhadamente alegada pela ré em sede própria e em momento oportuno - cf. designadamente artigos 56.º a 61.º da contestação dos autos - tendo-se a mesma abstido, contudo, de adiantar as normas legais a aplicar a tais factos, entendendo caber ao prudente arbítrio do julgador a adequada aplicação do Direito.
19- Na sequência da pronúncia do Tribunal de 1ª instância quanto a esta matéria - cuja fundamentação foi colocada em causa no recurso interposto da respectiva decisão - cumpria à 2º instância - salvo o devido respeito - analisar e decidir a questão colocada à luz dos termos requeridos nas alegações apresentadas pela ré recorrente, não sendo lícito afastar tal apreciação - como foi feito - com refúgio ao enquadramento jurídico à mesma oferecido (tão só) na douta sentença de 1º instância proferida nos autos.
20- Os contratos de franquia celebrados padecem da invalidade invocada pela ré ( vício na formação da vontade, na modalidade de erro sobre as circunstância que constituem a base do negócio - artigo 252.º , n.º2 do Código Civil) já que - conforme sobressai da factualidade tida por demonstrada nos autos - toda a engenharia hermenêutica que integra o respectivo teor não passa de letra morta, sem qualquer correspondência com a realidade que veio a ser constatada pela franqueada.
21- A recorrente não era detentora de quaisquer produtos com marca “B...C...” , não era detentora de fórmulas exclusivas ou métodos de preparação de produtos dos “ B...C...” nem tão pouco concedeu à franqueada um sistema próprio ( com um know-how) específico) de comercialização de produtos e/ou serviços identificados sob a insígnia “ B...C...” tudo conforme havia sido contratualmente estipulado.
22- Conforme doutrina de Inocêncio Galvão Teles (inManual dos Contratos em Geral, págs. 98 e 99)” a base do negócio, enquanto objecto de erro, conduz à deficiente formação do contrato
...Aqui o errante tem uma falsa representação da decisão de contratar”; constituem base do negócio as circunstâncias determinantes da decisão do declarante que, pela sua importância, justificam , segundo os princípios da boa fé, a invalidade do negócio em caso de erro do declarante, independentemente de o declaratário conhecer, ou dever conhecer, a essencialidade para o declarante, dessas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade de os dois se mostrarem de acordo sobre a existência dessa essencialidade; o princípio da boa fé justifica a invalidade do negócio, independentemente de quaisquer condicionalismos quanto ao conhecimento pelo declaratário da essencialidade, e para o declarante, da circunstância sobre que caiu o erro”
23- Quando contrataram, os representantes da recorrente fizeram-no com base na existência de uma realidade, uma marca, a “B...C...”, distinta, com um conceito próprio, que veio a constatar-se não existir; por sua vez, a par da concessão da suposta marca, a recorrida contratualmente assumiu obrigações que, por força da inexistência do conceito respectivo, não puderam ser cumpridas.
24- O vício supra apontado gera a invalidade do negócio celebrado, nos termos do artigo 247.º ex vi artigo 252.º,n.º2 do Código Civil - que a recorrente pretende ver declarada.
25- Ao não decidir em conformidade com o exposto , violou o Meritíssimo Juiz de 1ª instância - e, na sua sequência, o Tribunal da Relação do Porto - o disposto nos artigos 247. ex vi 252.º,n.º2 do Código Civil.
26- A declaração de invalidade dos contratos dos autos nos termos peticionados pela recorrente importaria , como consequência, a procedência do pedido reconvencional formulado com base na disposição constante do artigo 289.º do Código Civil - nos termos exarados, designadamente, nos artigos 100.º a 109.º da contestação/reconvenção apresentada, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27- Declarada a invalidade, deverá a autora ser condenada a restituir às rés as quantias por esta liquidadas a título de royalties - num total de 41.978,56€ ( quarenta e um mil novecentos e setenta e oito euros e cinquenta e seis cêntimos) conforme discriminação constante dos artigos 108.º e 109.º da contestação/reconvenção dos autos.
10. Factos provados:
l. Em 29/12/1999, a Autora, na qualidade de “FRANQUEADORA”, e a Ré, na qualidade de “FRANQUEADA”, celebraram o contrato junto de fls. 15 a 33 dos autos, denominado de CONTRATO DE FRANCHISING -, mediante o qual, entre outras coisas, acordaram que:
1ª- Pelo presente contrato, e enquanto este vigorar, a Franqueadora concede ao Franqueado, a título exclusivo numa área territorial delimitada, designadamente no Centro Comercial Norte Shopping, sito na cidade de Matosinhos, a licença para esta utilizar, em estabelecimento a criar, o nome e a marca da sua cadeia B...C..., e para promover e comercializar os correspondentes produtos e serviços, actuais e futuros.
2ª - Para além do nome e marca supra referidos o Franqueado utilizará ainda, nos termos estipulados na cláusula anterior, a insígnia, as marcas de serviços e produtos, logótipos, publicidade, e restantes sinais distintos do comércio dos estabelecimentos B...C..., bem como outros elementos caracterizadores da técnica e organização empresariais da Franqueadora; (...)
3ª - Caso a Franqueadora não participe no capital social do Franqueado, este pagará àquela, em contrapartida da licença ou franquia prevista nos artigos anteriores, um royalties mensal no valor de 5% sobre a facturação bruta mensal do estabelecimento franqueado; (...)
14ª - Mensal e ininterruptamente, durante todo o período contratual, deverá o Franqueado entregar à Franqueadora um relatório contendo os mapas de facturação bruta, entendida esta como o total das vendas do estabelecimento: (...);
15ª- O Franqueado reconhece a propriedade e a primazia dos direitos exclusivos da Franqueadora sobre as marcas, denominações comerciais, logótipos, grafismo, etc., afectados por este contrato, assim como dos produtos, sistemas, métodos, dispositivos, técnicas, aditivos e know-how amparados pelo mesmo; (...)
22ª - A Franqueadora fornecerá à Franqueada um Manual de Operações Comerciais e de Gestão, adiante designado por “Manual do Franqueado” e um “Manual de Serviço”, que incluirão as regras de conduta e actuação dos funcionários do estabelecimento próprias da filosofia e da imagem comercial da cadeia B...C..., as instruções relativas à utilização do equipamento de cozinha e cafetaria assim como ao fabrico e confecção dos produtos finais a servir no estabelecimento;
23ª - A Franqueadora encarregar-se-á da selecção, preparação e treino iniciais do pessoal a contratar para o estabelecimento, obrigando-se por sua vez o Franqueado a continuar uma política de contratação e de gestão de recursos que garanta um nível adequado ao atendimento do público consumidor alvo, definido no supra referido manual, assegurando para tanto a presença dos seus gestores e funcionários nos treinos e seminários que sejam organizados e promovidos pela Franqueadora, de acordo com a programação fornecida por esta; (...);
26ª - Independentemente do acompanhamento técnico e comercial da Franqueadora ao Franqueado referido na cláusula anterior, a primeira obriga-se a assegurar à segunda, e a custear na totalidade, os serviços de assessoria jurídica, de contabilidade e de publicidade e marketing de que carece o Franqueado, não obstando essa centralização às normais e directas relações de trabalho entre Franqueado e os referidos prestadores de serviços, obrigando-se por sua vez o Franqueado a contribuir para as despesas previstas na presente cláusula; (..)
29ª - Em caso de evidente e persistente insucesso do estabelecimento franqueado, a Franqueadora reconhece ao Franqueado a capacidade de rescindir unilateralmente o presente contrato; (…)
40ª -1- Em caso de denúncia do contrato celebrado entre a SDBC e a 1ª contraente, e nos termos do aí contratualmente estabelecido, a posição contratual que o referido contrato resulta para a 1ª contraente será automaticamente transmitida para a SDBC que deste modo passará a assumir directamente os direitos e obrigações resultados do contrato ora celebrado.
40ª - 2- O 2º contraente desde já declara aceitar e consentir na referida cessão de posição contratual; (...) ( alínea A) da matéria de facto assente).
2 - Em 23/04/2001, a Autora, na qualidade de “FRANQUEADORA” e a Ré, na qualidade de “FRANQUEADA”, celebraram o contrato junto de fls. 34 a 52 dos autos, denominado de “CONTRATO DE FRANCHISING”, mediante o qual, entre outras coisas, acordaram que:
1ª - Pelo presente contrato e enquanto este vigorar, a Franqueadora concede ao Franqueado, a título exclusivo numa área territorial delimitada, designadamente no Centro Comercial Algarve Shopping, sito na Guia, a licença para esta utilizar, em estabelecimento a criar, o nome e a marca da sua cadeia B...C..., e para promover e comercializar os correspondentes produtos e serviços, actuais e futuros.
2ª - Para além do nome e marca supra referidos, o Franqueado utilizará ainda, nos termos estipulados na cláusula anterior, a insígnia, as marcas de serviços e produtos, logótipos, publicidade, e restantes sinais distintos do comércio dos estabelecimentos B...C..., bem como outros elementos caracterizadores da técnica e organização empresariais da Franqueadora: (…);
4ª - Caso a Franqueadora não participe no capital social do Franqueado, esta pagará àquela, em contrapartida da licença ou franquia prevista nos artigos anteriores, um royalties mensal no valor de 5% sobre a facturação bruta mensal do estabelecimento franqueado; (...)
14ª - Mensal e ininterruptamente durante todo o período contratual, deverá o Franqueado entregar à Franqueadora um relatório contendo os mapas de facturação bruta, entendida esta como o total das vendas do estabelecimento; (...)
15ª - O Franqueado reconhece a propriedade e a primazia dos direitos exclusivos da Franqueadora sobre as marcas, denominações comerciais, logótipos, grafismo, etc., afectados por este contrato, assim como dos produtos, sistemas, métodos, dispositivos, técnicas, aditivos e know-how amparados pelo mesmo: (..)
22ª - A Franqueadora fornecerá à Franqueada um Manual de Operações Comerciais e de Gestão, adiante designado por “Manual do Franqueado” e um “Manual de Serviço” que incluirão as regras de conduta e actuação dos funcionários do estabelecimento próprias da filosofia e da imagem comercial da cadeia B...C..., as instruções relativas à utilização do equipamento de cozinha e cafetaria, assim como ao fabrico e confecção dos produtos finais a servir no estabelecimento;
23ª - A Franqueadora encarregar-se-á da selecção, preparação e treino iniciais do pessoal a contratar para o estabelecimento, obrigando-se por sua vez o Franqueado a continuar uma política de contratação e de gestão de recursos que garanta um nível adequado ao atendimento do público consumidor alvo, definido no supra referido manual, assegurando para tanto a presença dos seus gestores e funcionários nos treinos e seminários que sejam organizados e promovidos pela Franqueadora, de acordo com a programação fornecida por esta; (…)
26ª -1 - Independentemente do acompanhamento técnico e comercial da Franqueadora ao Franqueado referido na cláusula anterior, a primeira obriga-se a assegurar à segunda, e a custear na totalidade, os serviços de assessoria jurídica, de contabilidade e de publicidade e marketing de que carece o Franqueado, não obstando essa centralização às normais e directas relações de trabalho entre Franqueado e os referidos prestadores de serviços, obrigando-se por sua vez o Franqueado a contribuir para as despesas previstas na presente cláusula: (...);
29ª - Em caso de evidente e persistente insucesso do estabelecimento franqueado, a Franqueadora reconhece ao Franqueado a capacidade de rescindir unilateralmente o presente contrato, (...)
40ª - 1 - Em caso de denúncia do contrato celebrado entre a SDBC e a 1ª contraente, e nos termos do aí contratualmente estabelecido, a posição contratual que o referido contrato resulta para a 1ª contraente será automaticamente transmitida para a SDBC que deste modo passará a assumir directamente os direitos e obrigações resultados do contrato ora celebrado.
40ª - 2 - O 2º contraente desde já declara aceitar e consentir na referida cessão de posição contratual (...) (alínea B) da matéria de facto assente).
3 - No que concerne ao contrato mencionado em 1) a partir de Janeiro de 2003 (inclusive) a ré deixou de fornecer à autora os dados relativos à sua facturação bruta mensal, impossibilitando, assim, esta última de proceder ao cálculo dos royalties previstos no contrato e, consequentemente, de emitir as correspondentes facturas ( alínea C) da matéria de facto assente).
4 - Entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2005, a ré continuou com o estabelecimento comercial franqueado aberto, mantendo a denominação de “B...C...”, mas sem, todavia, proceder ao pagamento de qualquer quantia em contrapartida disso (alínea D) da matéria de facto assente).
5 - No que concerne ao contrato mencionado em 1) entre Janeiro de 2000 (inclusive) e Dezembro de 2002 (inclusive), foi facturada, a título de royalties, à Ré a quantia global de 41.405.26€ ( alínea E) da matéria de facto assente).
6 - No que concerne ao contrato mencionado em 2 ) a ré só nos dois primeiros meses de vigência do contrato (Abril e Maio de 2001) disponibilizou à autora os dados relativos à facturação que estava obrigada a entregar-lhe (alínea E) da matéria de facto assente).
7 - Nos meses indicados em 6 ) os royalties ascenderam a 213,44€ (42.794$00) e a 359,86€ (72.150$00), respectivamente ( alínea G) da matéria de facto assente).
8 - Entre Junho de 2001 e Junho de 2005, a ré manteve aberto o estabelecimento referido no contrato mencionado em 2 ) sem divulgar à autora qual a facturação mensal bruta do mesmo, impossibilitando assim esta última de proceder ao cálculo dos royalties previstos no contrato ( alínea H) da matéria de facto assente ).
9 - A ré enviou à autora a carta junta a fls. 91 dos autos, datada de 05/07/2005, na qual comunica que “...face ao reiterado insucesso comercial a que o nosso estabelecimento de café, sito no Algarve Shopping, esteve votado desde a sua abertura, viu-se esta empresa obrigada a proceder à entrega do espaço onde o mesmo se integrava à sociedade gestora daqueles espaços comerciais. Perante tal, e face à inexistência de solução alternativa adequada, a aqui signatária pela presente via e ao abrigo do disposto na cláusula 29ª do Contrato de Franchising celebrado com V. EXªs em 23 de Abril de 2005, procede à sua rescisão, com efeitos a partir da presente data (...)“ (alínea J) da matéria de facto assente).
10 - O conjunto de palavras “OS B...C...” encontra-se registado no INPI como NOME DE ESTABELECIMENTO N° 43 150, com inscrição de titularidade a favor de “SDBC - Representações e Comércio, Lda.”, desde 26/05/1999 (alínea J) da matéria de facto assente).
11 – A ré teve conhecimento da existência de um estabelecimento de Café no “Centro Comercial Norte Shopping”, cujos titulares estavam interessados em transferir a sua utilização, por intermédio do Sr. CC, por sinal sócio da DD- S...-Representação e Comércio, Lda.” ( alínea K) da matéria de facto assente).
12 - Na qualidade de intermediário do negócio, o identificado CC impôs aos representantes da ré, como condição para a concretização da transferência da utilização da referida loja ou estabelecimento, a outorga de um contrato de franchising com a autora e de um contrato de fornecimento com a EE-“S... Z... (Portugal) — Comercialização e Distribuição de Café, S.A.” (alínea L) da matéria de facto assente).
13 - Os representantes da ré nunca tinham tido experiência no ramo da restauração, tendo, nessa altura, sido orientados pelo referido intermediário, em quem confiaram (alínea M) da matéria de facto assente).
14 - Nessa sequência, em 3 de Dezembro de 1999, foi celebrado um contrato de cessão da posição contratual entre os anteriores utilizadores do referido estabelecimento e a ré, junto de fls. 125 a 127 dos autos ( alínea N) da matéria de facto assente).
15 - Tal cessão foi autorizada pela entidade responsável pela gestão do referido Centro Comercial, através do contrato junto de fls. 128 a 131 dos autos (alínea O) da matéria de facto assente).
16 - Em 31/12/1999, a ré celebrou com a sociedade DD- "S... Z... (Portugal) - Comercialização Distribuição de Café, SA” e com a sociedade FF- “D... J..., Lda.” o contrato junto de fls. 132 a 134 dos autos, denominado ADITAMENTO AO CONTRATO DE FORNECIMENTO N° 99/NA/116059” (alínea P) da matéria de facto assente).
17 - No que concerne ao estabelecimento do contrato mencionado em 2 ) a ré iniciou a sua exploração de raiz, tendo, para tal fim, celebrado com a autora, em 12/02/2000, o contrato-promessa junto de fls. 135 a 139 e, em 04/04/2001, o contrato “DE CHAVE NA MÃO”, junto de fls. 140 a 145 ( alínea Q) da matéria de tacto assente).
18 - Pela montagem do referido estabelecimento, pagou a ré à autora a quantia de 100.086,29€ (alínea R) da matéria de facto assente).
19 - Após a celebração dos contratos mencionados em 1) e 2) a autora deu formação inicial à ré no âmbito da restauração, disponibilizando pessoal para ensinar esta a tirar café e a cozer bolos (alínea S) da matéria de facto assente).
20 - Todo o material, máquinas e equipamentos que faziam parte dos referidos estabelecimentos era pertença da ré, a qual velava pela sua manutenção e funcionamento como entendia (alínea T) da matéria de facto assente).
21 - Os trabalhadores do estabelecimento eram livremente recrutados pela ré (alínea U) da matéria de facto assente).
22 - A autora não fornecia qualquer produto à ré, nem assegurava o fornecimento ou reposição por terceiro ( alínea V) da matéria de facto assente).
23 - Pelo menos após Outubro de 2002, a autora nunca mais enviou qualquer representante seu ao estabelecimento da ré, sito no “Norte Shopping”, o mesmo sucedendo, relativamente ao estabelecimento sito no ‘Algarve Shopping”, pelo menos a partir de Maio de 2001 (alínea X) da matéria de facto assente).
24 - Entre Janeiro de 2003 e Dezembro de 2005, a ré teve, no estabelecimento mencionado em 1 ) uma facturação mensal bruta similar àquela que teve entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2002 ( resposta ao facto controvertido nº 2).
25 - Entre Julho de 2001 e Junho de 2005, a ré teve, no estabelecimento mencionado em 2 ) uma facturação mensal bruta similar àquela que teve em Abril e Maio de 2001 (resposta ao facto controvertido nº 3).
26 - A autora não era detentora de qualquer produto com a marca ‘B...C...” (resposta ao facto controvertido nº 5).
27 - Não havia fórmulas exclusivas ou métodos de preparação dos produtos dos “B...C...” (resposta ao facto controvertido nº 10).
28 - A sociedade DD- “S... - Representações e Comércio, Ldª ” cedeu à autora o direito de esta última celebrar com terceiros contratos de exploração da marca “B...C...” (resposta ao facto controvertido nº 26).
29 - O que sempre foi do perfeito conhecimento da ré (resposta ao facto controvertido nº 27).
30 - A “B...C... é uma marca com imagem própria e que foi sendo implantada no mercado nacional a partir de finais dos anos noventa, sucessivamente nos Centros Comerciais “Via Catarina”, “Gaia Shopping”, “Maia Shopping”, ‘Vasco da Gama” e “Algarve Shopping”, e ainda nas áreas comerciais dos supermercados Modelo” de Fânzeres, Gondomar e Rebordosa, ganhando por isso uma indiscutível notoriedade (resposta ao facto controvertido nº 28).
Apreciando:
11. As questões a resolver nos autos são as seguintes:
- Saber se houve incumprimento por parte da A. de obrigações derivadas dos contratos de franquia celebrados que, sendo sinalagmáticas da obrigação de pagamento do preço, justificam o não pagamento deste, procedendo, assim, a excepção de não cumprimento do contrato.
- Saber se foi invocada a excepção de anulação do contrato com base em erro que atingiu os motivos determinantes da vontade da ré referente ao objecto do negócio, impondo-se, por conseguinte, o seu conhecimento por parte do Tribunal da Relação.
12. A autora e a ré celebraram dois contratos de franquia, um em 29 de Dezembro de 1999 e o outro em 23 de Abril de 2001, visando a exploração, respectivamente, em cada um dos Centros Comerciais, Norte Shopping na cidade de Matosinhos e Algarve Shopping, na Guia, de um estabelecimento comercial, consignando-se, no aludido contrato, que a autora é detentora do nome comercial “B...C...” “estando as marcas, licenças, patentes, sistemas, produtos, serviços e Know-how identificados com o nome comercial, sendo dele indissociável, e estando sujeitos ao seu esquema conjunto de distribuição, comercialização e promoção”; mais se estipulou que, na sua qualidade de detentora do nome comercial “ B...C...” a franquiadora está “ legitimada a autorizar a sua utilização nos países para os quais lhe foi conferido o uso da marca”.
13. Os contratos foram celebrados pelo período de 6 anos, renovável tacitamente por igual prazo, podendo a parte interessada obstar à prorrogação tácita comunicando “essa intenção à contraparte com um prazo mínimo de pré-aviso de sessenta dias antes do seu término” (cláusula 39.ª); de acordo com a alegação da autora, o contrato respeitante ao estabelecimento de Matosinhos findou decorridos seis anos; quanto ao contrato respeitante ao estabelecimento da Guia (Algarve) findou com a rescisão unilateral levada a cabo pela ré conforme carta de fls. 91 (cf. alínea J).
14. Os contratos celebrados são contratos de franquia. O contrato de franquia, de acordo com a noção dada por Engrácia Antunes, pode ser definido como o “contrato pelo qual um empresário - o franquiador - concede a outro empresário - o franquiado - o direito de exploração e fruição da sua imagem empresarial e respectivos bens imateriais de suporte ( mormente, a marca) no âmbito da rede de distribuição integrada do primeiro de forma estável e a troco de uma retribuição” (Direito dos Contratos Comerciais, 2009, Almedina, pág. 451). Referindo-se a este contrato, o mencionado autor caracteriza-o como atípico, inominado, consensual, intuitus personae, assumindo a natureza de contrato-quadro; elementos distintivos do tipo social da franquia são (a) a fruição da imagem social do franquiador, (b) a transmissão do know-how e assistência técnica, (c) o controlo de fiscalização do franquiado e a (d) onerosidade”. No que respeita ao conteúdo essencial do contrato de franquia, Maria de Fátima Ribeiro, in “ O Contrato de Franquia”, Almedina, 2001, considera integrar o conteúdo essencial do contrato de franquia, traduzindo obrigações principais do franquiador, “ a cedência do uso de uma marca implantada no mercado; a comunicação do saber-fazer; e o fornecimento de assistência técnica” (pág. 157 e segs); quanto ao franquiado, são suas obrigações essenciais “ a utilização da imagem de marca do franquiador na execução do contrato; o pagamento de uma contrapartida; e a obrigação de suportar o controlo do franquiador” (pág. 181 e segs). Também Oliveira Ascensão (Direito Comercial, Vol II, Direito Industrial, Lisboa, Lições de 1987/1988, edição de 1994), considerando que, “ dentro do conceito para que nos inclinamos, centrado na participação por uma empresa independente de uma ideia empresarial alheia, o conteúdo da franquia pode variar em muitas vastas proporções”, indica como deveres essenciais: (1) O dever do licenciador de suportar - pati - o uso por terceiro de um elemento caracterizador da sua estrutura empresarial; (2) a obrigação de dar a conhecer esse elemento e tornar possível a sua utilização; (3) o dever do licenciado de agir utilizando esse elemento, como elo da mesma cadeia empresarial; (4) a obrigação do licenciado de pagar uma contrapartida ao licenciador (loc.cit, pág. 320).
15. Ora todos estes elementos estão presentes nos contratos celebrados entre as partes - vejam-se as alíneas A) e B) - salientando-se que a eventual nulidade do contrato por falta de objecto, a considerar-se que este contrato não pode deixar de incidir sobre uma marca, o que não parece dever aceitar-se, não está agora questionada.
16. Desde logo porque afinal, face à prova produzida, “B...C...” não é apenas nome de estabelecimento registado (cf. alínea J) mas também uma marca livre gozando de notoriedade (resposta aos quesitos 26, 27 e 28); e, embora não incidindo sobre nenhum produto da autora ( resposta ao quesito 5), esta está, no entanto, autorizada a explorá-la com base em autorização dada pela sociedade que a detém. Não descaracteriza nenhum dos contratos de franquia celebrados a circunstância de, no âmbito do acordo estabelecido, não ser utilizado, tanto quanto nos parece resultar dos factos provados, o produto café com a assinalada marca nos estabelecimentos da ré ( ver alínea P). Se, na franquia própria, o franquiado está obrigado a abastecer-se exclusivamente junto do franquiador, ou seja, apenas pode utilizar produtos por ele fornecidos, na franquia imprópria “ o franquiado pode abastecer-se junto de outros fornecedores (além do franquiador e daqueles por este indicados ou autorizados)” (Maria de Fátima Ribeiro, loc. cit., pág. 239) em qualquer dos casos estamos ainda face a um contrato de franquia verificados que sejam os elementos essenciais caracterizadores do contrato.. No caso vertente, a franquia é própria pois consta da cláusula 5ª que ao franquiado “ é vedada a utilização e comercialização, no estabelecimento franqueado, de qualquer outro produto, serviço , nome ou marca, que não os da franqueadora ou os por ela indicados, ainda que da mesma espécie e género”.
[A título de nota, diga-se que se respeitou, na transcrição de cláusulas e peças dos autos, os dizeres utilizados pelas partes, mas ressalva-se que preferimos, e em conformidade redigimos o presente texto, exceptuadas as transcrições, seguindo a opção linguística de Menezes Cordeiro, considerando as expressões “ contrato de franquia”, “ franquiador” e “franquiado” para “ exprimir, em vernáculo, as locuções inglesas franchise ou franchising, franchisor e franchisee, as francesas franchisage, franchiseur e franchisé, ou as alemãs Franchise-Vertrag, Franchise-Geber e Franchise-Nehmer, respectivamente: ver “Do Contrato de Franquia (‘Franchising’: Autonomia Privada Versus Tipicidade Negocial”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 48, 1988, páginas 62/83 e, designadamente, pág. 67].
17. Por outro lado, não obsta à existência do contrato de franquia que não haja licença de utilização de marca: basta pensar, aproveitando o exemplo dado por Oliveira Ascensão (loc. cit, pág. 317) no caso de uma cadeia internacional de joelheiros, pois aí o que “estará em causa é a utilização do nome comercial, e não a da marca. Assim as lojas funcionarão em todo o mundo sob o mesmo nome e com a mesma apresentação, como se fosse uma entidade só”, assentando a franquia na “ licença de utilização de um sinal distintivo do comércio”. É, aliás, o que se passa numa das modalidades de franquia - a franquia de serviços - se o franquiado prestar um serviço sob a insígnia ou nome comercial do franquiador ( e não também sob a sua marca) modalidade que é particularmente representativa na área da restauração.
18. Quando analisamos as vicissitudes que podem ocorrer durante a execução de um contrato de franquia, sabendo-se que neste contrato o franquiado age por conta própria, auferindo lucros e perdas decorrentes do risco da actividade comercial, não podemos abstrair das condições concretas de exercício da actividade para ponderarmos o grau de exigibilidade no cumprimento dos plúrimos deveres a que as partes se obrigaram. O grau de know-how e de acompanhamento num estabelecimento de fast food em que os produtos comercializados têm de apresentar determinadas características (pense-se numa franquia da cadeia M... D...) é naturalmente diverso, por mais intenso, daquele que se justificará num estabelecimento em que a actividade comercial se limite, por exemplo, à cafeteria e pastelaria. Como salienta Menezes Cordeiro (loc. cit, pág. 81/82) o dever de boa fé concretiza-se em duas vertentes: “ a da tutela da confiança e a da primazia da materialidade subjacente. Pela tutela da confiança, devem as partes cumprir todos os deveres de lealdade e de informação que ao caso caibam, de modo a evitar criar situações de crença ou de aparência das quais possam emergir danos. Pela primazia da materialidade subjacente cabe às partes prosseguir , em termos efectivos, os objectivos do contrato: não será lícito, assim, alcançar uma pura conformidade formal com os objectivos do contrato. A franquia não é uma pura troca , mas antes um contrato que põe duas entidades em permanente contacto; por isso, há que valorizar as exigências de boa fé, dada a entrega confiante que as partes podem ser levadas a realizar mutuamente”.
19. O contrato de franquia é , “por natureza, um contrato sinalagmático e oneroso” (Oliveira Ascensão, loc. cit., pág. 320 e também “ O Contrato de Franquia (Franchising)” por Isabel Alexandre inO Direito, 1991, Ano 123.º,II e III (Abril/Setembro) que, a este propósito, refere: “ o contrato de franquia é um contrato sinalagmático, porque dele resultam obrigações recíprocas para as partes: o franquiador obriga-se a permitir o uso dos seus sinais distintivos, a comunicar as suas técnicas e a prestar assistência técnica; em contrapartida, o franquiado paga um preço e respeita determinadas regras que lhe são impostas” (loc. cit pág. 373).
20. A ré alegou um conjunto de factos visando provar que o contrato de franquia não foi afinal cumprido, não existindo qualquer convergência entre o que foi estipulado e o que foi executado, não dispondo sequer a autora de nenhuma imagem de marca ou de quaisquer técnicas particulares, tudo não passando de uma ilusão pois o que se contratara não correspondia a nenhuma realidade. Por isso, o contrato devia ser considerado nulo por falta de objecto com a consequente declaração de nulidade e reposição das coisas no statu quo ante conforme resulta do artigo 289.º do Código Civil. Certo é, porém, que os factos alegados pela ré nesse sentido que constam dos quesitos 4, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23. 24 e 25 não se provaram.
21. Ficaram provados, portanto, apenas os factos resultantes de acordo das partes que são os mencionados nas alíneas T, U, V e X (supra 20 a 24).
22. Quanto a tais factos, o Tribunal da Relação considerou que o incumprimento da autora se traduzia em duas omissões:
- a de não assegurar o fornecimento ou reposição por terceiro de produtos à ré;
- a de ter deixado de enviar representantes seus às lojas a partir de certa data (Outubro de 2002 na loja do Norte Shopping e Maio de 2001 na loja do Algarve).
23. A questão circunscreve-se pois, assentes estes pontos de facto, a saber se a ré pode invocar com sucesso a excepção de não cumprimento do contrato.
24. Ora tem sido considerado que,” para que a exceptio não seja julgada contrária à boa fé, deverá haver uma tripla relação entre o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do excipiente: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra” (José João Abrantes A Excepção de Não cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, 1986, Almedina, pág. 124). Isto postula que a noção de boa fé não pode deixar de ser concretizada caso a caso e é em função dos elementos probatórios concretos que o Tribunal decidirá se efectivamente se verificam tais condições justificativas da excepção.
25. Ora, no caso vertente, verifica-se que a ré prosseguiu a sua actividade comercial, explorando os estabelecimentos até 28 de Dezembro de 2005 (termo do contrato) no que respeita à loja 1 e até Julho de 2005 (data da rescisão por parte da ré) no que respeita à loja 2.
26. Quer isto dizer que apesar de a autora ter deixado de enviar representantes a partir de Maio 2001 (loja 2) e Outubro de 2002 (loja 1) tal incumprimento não obstou a que a ré prosseguisse a sua actividade sem qualquer problema durante vários anos, não reclamando junto da autora quaisquer dificuldades derivadas do abastecimento ou da ausência de apoio técnico.
27. Não há, assim, nenhum nexo de causalidade entre os referidos incumprimentos e a cessação de pagamentos por parte da ré a partir de Outubro de 2002 (loja do Norte Shopping) e Junho de 2001 (loja do Algarve) não existindo, aliás, justificação alguma para que a ré deixasse de observar a obrigação que se lhe impunha de enviar, como resulta do estipulado (cláusula 14ª) os mapas de facturação bruta, entendida esta como o total das vendas do estabelecimento.
28. Se a ré prosseguiu a exploração de ambos os estabelecimentos sem invocar junto da autora dificuldades na execução do contrato de franquia resultantes de falta de colaboração da autora, o que nem fez no momento da rescisão do estabelecimento do Algarve pois nem aí mencionou que a falta de colaboração da autora fora causa do seu insucesso comercial, é bom de ver o incumprimento da ré resultou de culpa própria exclusiva, traduzindo-se a invocação da excepção num mero pretexto que não pode merecer - e não mereceu - o acolhimento do Tribunal.
29. O Tribunal da Relação salientou a inexistência de nexo de causalidade e também um grau de gravidade superior de incumprimento da ré face ao incumprimento da autora. Mais do que uma questão de gravidade ou, independentemente dessa gravidade, afigura-se-nos que o incumprimento da autora não está concretizado de modo a poder considerar-se um efectivo sinalagma, pois importaria sempre saber os termos em que, por não assegurar a ré o fornecimento ou reposição por terceiro nem enviar representantes seus aos estabelecimentos da ré, ficava inviabilizado ou, pelo menos, dificultado ou prejudicado o exercício da sua actividade comercial. Afinal essa não concretização obstaria sempre à fixação do nexo de causalidade.
30. Por último, se a excepção de não cumprimento do contrato tem por escopo levar a outra parte ao cumprimento das suas obrigações, o alcance da excepção a partir do momento em que o contrato findou por rescisão ( contrato relativo ao estabelecimento sito no Algarve) ou pelo decurso do seu prazo sem que houvesse renovação ( contrato do estabelecimento sito no Norte Shopping) poderia ser encarado no plano da invocabilidade de uma condição resolutiva tácita. É que estamos face a uma excepção material dilatória que constitui um meio de defesa estritamente temporário e, por isso, a ré poderia lograr, se para tal houvesse fundamento, obter o reconhecimento do direito a uma redução do preço convencionado, ou mesmo a um não pagamento total, no caso de se considerar que, face ao incumprimento de obrigação (ões) sinalagmáticas por parte do autor, ficara impossibilitado ou prejudicado o exercício da sua actividade comercial (artigo 795.º do Código Civil). No entanto, a mera invocação da excepção de não cumprimento, uma vez findo o contrato - e, quanto a um deles, com base em denúncia da própria ré - já não faz sentido. Por isso, o Supremo Tribunal já decidiu que “ após ter resolvido , sponte sua, o contrato de empreitada, não é lícito ao dono da obra a invocação da exceptio. Resolvido o contrato pelo dono da obra, não lhe é lícita a invocação da exceptio: Ac. do S.T.J. de 12-2-2009 (Urbano Dias) (revista n.º 4093/08); também se decidiu já que “ a invocação da excepção de não cumprimento pressupõe que uma das partes possa recusar a sua prestação à outra enquanto esta não cumprir, o que naturalmente requer que o cumprimento seja ainda possível (Acs.do S.T.J. de 11-1-2001 - Lopes Pinto - revista n.º 3650/00 -1ª secção) todos in www.stj.pt.
31. Quanto à segunda questão suscitada, processualmente reconduz-se a uma omissão de pronúncia (artigo 668.º/1, alínea d) do C.P.C.) visto que a ré considera que invocou a excepção de anulabilidade do contrato fundada nos artigos 247.º e 251.º do Código Civil; defende ainda a recorrente que a apreciação desta questão se impunha ao Tribunal uma vez alegados e comprovados os factos por não poder o Tribunal deixar de aplicar as regras de direito (jus novit curia).
32. No entanto, a falta de razão da recorrente é manifesta.
33. Em primeiro lugar o que a ré alegou foi que havia uma falsa franquia porque o contrato celebrado não tinha objecto visto que “ inexiste a marca “B...C...” que apenas se encontra registada como nome do estabelecimento (artigo 57.º da contestação) inexistindo produtos ou serviços passíveis de ser identificados por aquele sinal distintivo (artigo 58.º).
34. Ora, para além de a ré não ter provado o que alegou - vejam-se as respostas negativas aos quesitos já supra mencionados - tais factos não se reconduzem à invocação da aludida excepção de anulação do contrato que passaria por sustentar a ré que, não dispondo a autora de marca ( certo é, porém, que se provou que “B...C...” é uma marca com imagem própria e que foi sendo implantada no mercado nacional: ver 30 da matéria de facto), jamais celebraria o contrato de franquia, ponto essencial que a autora não podia ignorar.
35. Estamos, com efeito, face a uma excepção que não foi invocada e que não é do conhecimento oficioso; por isso, se o Tribunal dela conhecesse incorreria em excesso de pronúncia (artigo 668.º/1, alínea d) 2ª parte do C.P.C.); tratando-se de questão nova (artigo 660.º do C.P.C.) o Tribunal da Relação não tinha de a apreciar e, por conseguinte, não incorreu em nenhuma nulidade.
Concluindo:
I- O contrato de franquia é um contrato sinalagmático.
II- Ao pagamento do preço por parte do franquiado corresponde, por parte do franquiador, a obrigação de lhe proporcionar o uso dos seus sinais distintivos, a prestação do know-how necessário, a assistência técnica.
III- É à luz dos factos concretos que se provarem que se deve considerar se ocorre entre o incumprimento de alguma dessas obrigações (designadamente a prestação de know-how e de assistência técnica) e o não pagamento do preço uma relação de causalidade e de proporcionalidade.
IV- Ora se apenas se provou que representantes do franquiador não foram enviados aos estabelecimentos da franquiada e que o franquiador não fornecia produtos ou assegurava o seu fornecimento ou a reposição por terceiro, mas provando-se igualmente que os estabelecimentos da franquiada continuaram a funcionar durante vários anos e que jamais tais omissões foram consideradas pelo franquiado causa de prejuízo ou de insucesso comercial, não havendo conhecimento de nenhuma reclamação por parte do franquiado, não se vislumbra relação de causalidade entre tais omissões - insuficientemente concretizadas - e o facto de a franquiado ter deixado de pagar qualquer quantia e de fornecer à franquiadora os elementos sobre o seu apuramento bruto necessário para o cálculo da quantia a pagar.