RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
COMISSÁRIO
PRESUNÇÃO DE CULPA
CAUSALIDADE
MATÉRIA DE FACTO
PODERES COGNITIVOS DO STJ
Sumário

1. Deve ter-se por ilidida a presunção de culpa estabelecida para o comissário no nº3 do art. 503º do CC quando se apura que a colisão e veículos, geradora dos danos, assentou decisivamente no cometimento pelo lesado de violação grosseira às regras de prioridade de passagem, consubstanciada em não respeitar um sinal de «stop», invadindo a intersecção das vias e cortando subitamente a linha de marcha do veículo prioritário, a circular a distância muito próxima, determinando a realização por este de manobra de salvamento, que implicou a circulação pela hemifaixa esquerda, onde a colisão ocorreu, pela circunstância de o lesado insistir na consumação da manobra de mudança de direcção que lhe estava vedada.

2. A matéria da causalidade pode ser apreciada ou como a sequência naturalística de factos que se interligam e se condicionam, a ponto de provocar outros, ou como a valoração normativa de tal sequência naturalística de factos, em ordem a saber se é possível fixar juridicamente - nos quadros da teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como é definida no art. 563º do CC, - a relação de causa-efeito entre o facto e o dano: no primeiro caso, estamos perante a causalidade naturalística, insindicável pelo Supremo, enquanto tribunal de revista; no segundo, estamos perante um problema de causalidade jurídica, sindicável no âmbito de um recurso de revista, já que se trata de valorar normativamente os factos assentes, no caso, quanto à concreta dinâmica dos veículos intervenientes no acidente.

3. Situa-se no âmbito da causalidade naturalística, insindicável pelo STJ, a conclusão das instâncias, assente, desde logo, em relatório pericial elaborado pela autoridade que procedeu à análise do acidente, no sentido de que, perante a concreta dinâmica dos veículos aquando da colisão, o excesso de peso transportado num deles não teve qualquer relevância causal para a produção do evento danoso.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA, BB, CC, por si e na qualidade de legal representante de DD, e EE propuseram acção condenatória, na forma ordinária, contra a Companhia de Seguros FF, S.A., peticionando a condenação desta a pagar-lhes a quantia global de €167.423,40 e respectivos juros de mora como compensação dos danos sofridos com a morte de seu marido e pai, respectivamente , em consequência de acidente de viação que imputam ao condutor da viatura pesada segurada na R. . Esta contestou, imputando a culpa na eclosão do acidente à própria vítima, impugnando a matéria de facto articulada na petição, sendo a acção julgada improcedente na primeira instância.
Inconformados, os AA. apelaram, questionando, desde logo, a decisão proferida quanto à matéria de facto bem como o juízo formulado quanto à culpa na eclosão do sinistro.
A seguradora recorrida ampliou o âmbito do recurso, visando fazer incluir na matéria fáctica um novo facto, consubstanciado na existência de um sinal de«stop»na via por onde circulava a vítima mortal do acidente , determinando a Relação o aditamento de tal facto ao acervo fáctico tido por apurado, julgando, no mais, o recurso improcedente.

2. Novamente inconformados, interpuseram os AA. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões, que lhe definem o objecto:

1. Os Autores intentaram a acção por forma a verem assacada a responsabilidade do acidente ao condutor do veículo pesado AH, segurado da Ré, como único culpado pelo acidente, subsidiariamente, por presumir-se a sua culpa, nos termos do disposto no art. 503º do C. Civil.
2. Decidiu o tribunal de 1^ instância, o que foi confirmado por acórdão da Relação de Guimarães de que se recorre, que o único e exclusivo culpado na produção do acidente foi o condutor do QC, ora recorrente.
3. Os autores persistem no entendimento de que o acórdão proferido na apelação, ao confirmar a sentença proferida na 1^ instância, padece dos mesmos vícios que se apontavam a esta última decisão.
4. Desde logo entendem os recorrentes ter sido violado o disposto no art. 5OJf,_n.0_3_ do Código Civil uma vez que o condutor do veículo pesado AH, conduzia o mesmo com autorização e total conhecimento do proprietário, recaindo, assim, sobre este a presunção legal de que a culpa efectiva do acidente foi sua.
5. Invertendo-se o ónus probatório, cabia à Ré provar que a culpa efectiva do acidente não era do veículo pesado AH; o que não logrou provar e, assim, a presunção não foi afastada.
6. Com efeito, tendo ficado provado que:
19 - " 0 embate ocorrido entre o QC e o AH ocorreu dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido do veículo AH, a cerca de 2,80 metros da linha delimitadora da berma desse lado esquerdo. Em seguida, o AH arrastou o QC à sua frente ao longo de 25,90 metros, acabando por se imobilizar ao centro da metade esquerda da faixa de rodagem, tomando em atenção o seu sentido de marcha, em posição paralela e longitudinal ao eixo da via enquanto o QC ficou em posição perpendicular à via, com a frente virada para a berma esquerda atento o indicado sentido de marcha.
20 - Ficaram gravados no asfalto os seguintes vestígios: marcas de pneus provocadas pelo arrastamento do QC desde o ponto de embate até ao local onde se imobilizou; brechas no asfalto provocadas peia fricção do QC no pavimento após o embate do AH situadas dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido do AH; vidros, plásticos e líquidos.
21 - 0 QC tem uma envergadura de 1,50 metros e peso de 800 Kg.
22 - O AH tem uma envergadura ou largura de 2,50 metros e é um veículo pesado de mercadorias com peso bruto permitido de 26.000 Kg e tara de 13.000 Kg.
23 - Na ocasião do acidente, GG era empregado da "HH, Limitada, com as funções de motorista, e tripulava o AH com autorização e conhecimento da sociedade proprietária, no desenvolvimento da sua actividade remunerada por conta desta, dentro do seu horário de trabalho e em cumprimento de ordens que lhe foram transmitidas."
Não pode, de forma alguma, concluir-se que o veículo pesado não teve culpa na produção
do acidente.
7. 0 acórdão da Relação (à semelhança da sentença de lã instancia), defende que a atitude do segurado da Ré foi consonante com a de um homem sagaz. Os recorrentes entendem que, jamais, esta conclusão pode ser retirada da factualidade que ficou provada. Pelo contrário, o facto de o condutor do pesado AH ter invadido a faixa de rodagem„dp„ veículo conduzido por ela_vitima_ mortal (o que constitui violação de regra do Código da Estrada), em vez de se desviar pela parte traseira desse mesmo veículo ligeiro, ou seja, a parte da faixa que ia ficando desocupada, contribuiu, decisivamente, para o acidente.
8. A atitude correcta e de esperar de um "bom pai de família" seria, antes do mais, ter condições para imobilizar o veículo realizando travagem eficaz, o que não foi possível devido ao excesso de carga transportada, de mais 42% do que o permitido; em segundo lugar, bastaria que travasse e que, ao mesmo tempo, prosseguisse na sua hemi-faixa direita, conduzindo sem sair da sua faixa de rodagem. Dessa forma o sinistro não teria ocorrido. Em vez disso, o condutor do pesado invadiu a faixa de rodagem contrária ao seu sentido de marcha.
9. Será sempre de acautelar todo o perigo que se apresente como possível, como foi o caso. Ora, o QC perante essa situação de perigo conseguiu prosseguir a sua marcha atempadamente evitando, assim, o embate com o veículo pesado, dentro da faixa direita de rodagem deste último.
10. 0 veículo pesado, ao contrário do que seria de esperar, decidiu desviar-se para a dianteira do veículo, invadindo a faixa de rodagem esquerda, e foi por isso que o embate ocorreu.
11. Violando as regras básicas de circulação rodoviária inscritas nos arts. 13e e 24a do Código da Estrada [em vigor à data do acidente - Decreto-lei n.s 114/94 de 2 de Maio).
12. Desse modo, não tendo sido produzida prova que afastasse a culpa que sobre si impendia, o condutor do veículo pesado resulta sendo o único e exclusivo culpado do acidente.
13. 0 acórdão da Relação sustenta a tese de que o excesso dejrarga_com que circulava o pesado não é relevante uma vez que "as autoridades policiais costumam dar uma tolerância, por se entender que, em muitos locais de carga, não existem adequados meios de pesagem"; e, mais adiante que "não se pode escamotear que esse excesso de carga pode ter tido alguma influência, por mínima que seja, no alongamento do espaço de travagem".
14. Os recorrentes não podem partilhar tal entendimento, causa mesmo profunda inquietação a justificação adoptada no acórdão da Relação, ao desconsiderar, da forma como o faz, o facto gravíssimo de o veículo pesado circular com um excesso de carga de mais 5.500 Kg.
15. Arrepia que o acórdão considere que, de certa forma, é normal que o pesado circulasse com mais 5.500 kg do que lhe era permitido, porque não há adequados instrumentos de pesagem nos locais de carga. Continua a arrepiar que se admita que, afinal, esse excesso de peso pode ter tido influência na extensão e eficácia da travagem. Tudo sem, daí, retirar as devidas consequências e conclusões.
16. Não estamos a falar de um excesso de peso de 5,5 kg, nem de 55Kg, nem de 550 kg, estamos, sim, em presença de um excesso de 5.500 kg, que é, nem mais, nem menos, do que mais 42% do total da carga permitida [carga máxima permitida 13.000 kg e transportava 18.500 kg].
17. Isto não pode, de forma alguma aceitar-se. Claramente, se não é lícito um veículo pesado exceder a carga permitida é porque se considera, e não pode ser de outra forma, que esse excesso de carga influencia de forma directa e determinantemente no funcionamento do veículo, tanto no tempo de travagem bem como no equilíbrio do mesmo.
18. Sem que possam sobrar dúvidas, ao não adequar a velocidade à carga que transportava o pesado violou o art. 132 do Código da Estrada [em vigor à data do acidente
- Decreto-lei n.s 114/94 de 2 de Maio).
19. Neste conspecto, o acórdão recorrido violou o disposto no art. 503e, n.e 3 do C.C.
Subsidiariamente,
20. Entendem também os recorrentes ter sido violado o art. 506e do Código Civil, porquanto, na sequência do alegado na petição, caso se entendesse que a prova estabelecida não conduzia a qualquer juízo de censura sobre qualquer um dos intervenientes no acidente, o tribunal, deveria lançar mão do disposto no art. 506e do Código Civil.
21. Nessa linha, considerando que Ficou provado que: "0 QC tem uma envergadura de 1,50 metros e peso de 800 Kg; (21 dos factos provados); O AH tem uma envergadura ou largura de 2,50 metros e é um veículo pesado mercadorias com peso bruto permitido de 26.000 Kg e tara de 13.000 Kg (22 dos factos provados); No momento do acidente o AH tinha o peso bruto de 31.500 Kg, transportando 18.500 Kg de mercadoria, pelo que excedia em 5.500 Kg o peso permitido..." (40 dos factos provados), resulta claro e indiscutível que o veículo pesado comportava, manifestamente, um risco muito superior ao risco de circulação do ligeiro de passageiros QC….
22. Não podendo esquecer-se que, ao não adequar a velocidade à carga que transportava o pesado violou o art. 13- do Código da Estrada [em vigor à data do acidente
- Decreto-lei n.9 114/94 de 2 de Maio).
23. Consequentemente, a responsabilidade pelos danos apurados na acção deveria ser repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos intervenientes houvesse contribuído para o acidente.
24. Certo é que, não obstante o veículo pesado AH comportar por si só um risco maior do que o veículo ligeiro QC, acresce ainda o facto de o primeiro, circular com um excesso de carga de 5.500 Kg, o que condicionava a sua circulação, uma vez que o mesmo não está 13 10/07/09 preparado para suportar tais quantidades de carga excessiva; afectando a eficácia de travagem e o equilíbrio do veículo.
25. Ponderando, ainda, o peso de cada um dos veículos, percentualmente, o veículo pesado AH representava, em circulação de 97% de perigo, enquanto que o veículo ligeiro QC apenas contribui com de 3%.
26. Ainda, face à factualidade provada e referida nos números antecedentes destas conclusões, o acórdão recorrido deveria ter considerado que a culpa não poderia deixar de ser assacada, também, ao condutor do pesado e, por isso, deveria considerar que ambos condutores teriam contribuído para o acidente, numa repartição de culpa que deveria ser de 30% para o veículo ligeiro e de 70% para o veículo pesado segurado da Ré.
27. Nessa medida, o acórdão fez errada aplicação do direito à matéria de facto provado, incorrendo, assim, no vício substancial de erro de julgamento na apreciação do fundo e mérito da acção.
28. Visto isto, a sentença teria violado o disposto no art. 5069 do Código Civil.
29. Considerado a matéria provada em L e M da matéria assente e 30, 31, 32, 33, 34, 36, 39,40, 41, 42,43 e 44 da base instrutória e no alinhamento dos pedidos formulados na acção, os danos sofridos pelos recorrentes deverão estimar-se nos seguintes valores:
Dos demandantes AA BB, CC
Ponte, DD e EE, conjuntamente:
a). € 543,40 (quinhentos e quarenta e três euros e quarenta cêntimos) a título de
indemnização por danos e prejuízos patrimoniais directos.
b). € 50.000,00 (cinquenta mil euros) - a título de dano resultante da violação do direito à
vida do marido e pai II.
Da demandante AA:
€ 40.000,00 (quarenta mil euros) - a título de danos morais pela perda de seu marido.
Da demandante filha BB:
€ 15.000,00 (quinze mil euros) - a título de danos morais sofridos pela morte de seu pai.
Da demandante filha CC:
€ 15.000,00 (quinze mil euros) - a título de danos morais sofridos pela morte de seu pai.
Do demandante filho DD:
€ 15.000,00 (quinze mil euros) - a título de danos morais sofridos pela morte de seu pai.
Do demandante filho EE:
€ 15.000,00 (quinze mil euros) - a título de danos morais sofridos pela morte de seu pai.
14 10/07/09
Fixando-se o valor global dos danos em € 150.543,40 [cento e cinquenta mil quihentos e quarenta e três euros e quarenta cêntimos), acrescido dos juros legais à taxa de 4% ao ano, desde a citação da Demandada Seguradora.
30. Na procedência das conclusões 1 a 19, a indemnização a atribuir aos demandantes recorrentes deverá fixar-se nos exactos montantes mencionados na precedente conclusão. Na improcedência dessas conclusões e procedência subsidiária das conclusões 20 a 28 a indemnização deverá ser atribuída de conformidade com a percentagem de repartição de culpa aí defendida ou noutra percentagem que este tribunal superior venha a estimar mais adequada.

A seguradora recorrida, na contra alegação apresentada, pugnou pela manutenção da decisão impugnada, suscitando como questão prévia a da idoneidade da alegação dos recorrentes, já que estes se teriam limitado a reproduzir o teor da alegação anteriormente apresentada na apelação, sem atacar directamente o acórdão proferido pela Relação.
Entende-se, todavia, que são plenamente apreensíveis as questões de direito que os recorrentes pretendem realmente controverter, todas elas conexionadas com o teor da decisão proferida pela Relação, pelo que se entende que nada obsta à sua apreciação no âmbito da presente revista.

3. As instâncias fizeram assentar a decisão do pleito na seguinte matéria de facto:

1. No dia 30.11.2005, morreu II, nascido a …, filho de JJ e de KK, no estado civil de casado, em primeiras e únicas núpcias de ambos, desde …, com AA -
2. Do casamento de II com AA nasceram os seguintes quatro filhos: BB, CC, DD e EE - B);
3. DD está interditado por sentença de 26.05.1997 do Tribunal Judicial de Monção, tendo sido nomeada tutora sua irmã CC - C);
4. O entroncamento da estrada municipal que provém do interior da freguesia de Pias, Monção, com a EN 101 que liga Monção a Arcos de Valdevez, situa-se ao km 22,550 da EN 101, na freguesia de Pinheiros, Monção, do lado direito desta, atento o sentido de trânsito Monção / Arcos de Valdevez - D);
5. No dia 30.11.2005, o veículo pesado de mercadorias com a matrícula AH…, de serviço particular, propriedade da sociedade comercial com a firma "HH, Limitada", com sede no largo …, n.° …, …, circulava peia EN 101, no sentido Monção / Arcos de Valdevez, tripulado por GG - E);
6. No local do acidente, tendo em atenção o sentido Monção/Arcos de Valdevez, a faixa de rodagem da EN 101 tem 7,20 metros de largura, a berma direita pavimentada tem 0,50 metros, a berma direita em terra batida tem 0,90 metros, a berma esquerda pavimentada tem 0,70 metros, a berma esquerda em terra batida tem 2,30 metros - F);
7. Na ocasião do acidente, o asfalto encontrava-se em bom estado de conservação e tempo estava seco - G);
8. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.° … (ao tempo do acidente era o certificado provisório n.° …), celebrado entre a sociedade comercial "HH, Limitada", e a R. "Companhia de Seguros FF, S. A.", encontrava-se transferida para esta a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, originados pela circulação do veículo AH - H);
9. Correram termos os autos de inquérito n.° 259/05.7GAMNC, por homicídio por negligência, em que foi constituído arguido o condutor do AH, tendo sido arquivado por não terem sido recolhidos indícios suficientes da prática do crime (despacho de arquivamento de fls. 45 a 53) - I);
10. II era o beneficiário n° … do Centro Nacional de Pensões-J);
11. Em consequência do falecimento de II, o Instituto de Segurança Social (Centro Nacional de Pensões) pagou a AA, até ao dia 25 de Fevereiro de 2009, a quantia de 2.248.44 €, a título de subsídio de morte e 7.840,94 €, a título de pensões de sobrevivência. O Instituto de Segurança Social (Centro Nacional de Pensões) continuará a pagar a pensão de sobrevivência a AA enquanto esta se mantiver nas condições previstas para o efeito, com inclusão de um 13° mês de pensão em Dezembro e de um 14° mês em Julho de cada ano - K);
12. O veículo automóvel ligeiro, marca …l, matrícula QC-…, foi rebocado desde o local do acidente até à garagem que o recolheu, no que os autores despenderam 48,40 €-L);
13. O QC valia, à data do acidente, 500,00 € e os seus salvados, após o acidente, 5,00 €-M);
14. No dia 30.11.2005, II conduzia o QC, na estrada municipal que, do interior da freguesia de Pias, Monção, vem entroncar com a EN 101 que liga Monção a Arcos de Valdevez. II circulava na metade direita da faixa de rodagem da dita estrada municipal, em direcção à EN 101 – 1º e 2º;
15. II aproximou-se do referido entroncamento e reduziu a velocidade, uma vez que pretendia entrar na EN 101 e virar à sua esquerda, tomando o sentido de trânsito Arcos de Valdevez / Monção - 4o, 5o e 50°;
16. Quem, como o II, pretender entrar na EN 101 nesse entroncamento, tomando a direcção de Monção, tem uma visibilidade para esse lado da EN 101 que não vai além dos 76 metros – 7º e 48°;
17. Instantes antes do acidente, o AH circulava pela metade direita da faixa de rodagem da EN 101, atento o sentido Monção/Arcos de Valdevez em que seguia - 11° e 45°;
18. O condutor do AH alcançou a visibilidade do entroncamento à distância de 76 metros do mesmo. Circulava então a cerca de 80 km/h - 12°, 14° e 45°;
19. O embate entre o QC e o AH ocorreu dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido do AH, a cerca de 2,80 metros da linha delimitadora da berma desse lado esquerdo. Em seguida, o AH arrastou o QC à sua frente ao longo de 25,90 metros, acabando por se imobilizar ao centro da metade esquerda da faixa de rodagem, tomando em atenção o seu sentido de circulação, em posição paralela e longitudinal ao eixo da via, enquanto o QC ficou em posição perpendicular à via, com a frente virada para a berma esquerda, atendo o indicado sentido - 20° a 23°;
20. Ficaram gravados no asfalto os seguintes vestígios: marcas de pneus provocadas pelo arrastamento do QC, desde o ponto de embate até ao local onde se imobilizou;
brechas no asfalto, provocadas pela fricção do QC no pavimento, após o embate do AH, situadas dentro da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido deste (AH); vidros, plásticos e líquidos - 24°;
21. O QC tem uma envergadura de 1,50 metros e peso de 800 kg - 25°;
22. O AH tem uma envergadura ou largura de 2,50 metros e é um veículo pesado de mercadorias com peso bruto permitido de 26.000 kg e tara de 13.000 kg -26°;
23. Na ocasião do acidente, GG era empregado da "HH, Limitada", com as funções de motorista, e tripulava o AH com autorização e conhecimento da sociedade proprietária, no desenvolvimento da sua actividade remunerada por conta desta, dentro do seu horário de trabalho e em cumprimento de ordens que lhe foram transmitidas - 27° e 28°;
24. O QC pertencia, na ocasião do acidente, a II - 29°;
25. Após o acidente, II foi conduzido de emergência para o Centro de Saúde de Monção, onde, em consequência das lesões físicas directa e necessariamente resultantes do acidente, veio a falecer às 11 horas e 50 minutos -30°e31°;
26. Com o funeral de II, AA despendeu a quantia de 1.205,00 €. Nos serviços complementares do funeral, AA despendeu 170,00 € - 32° e 33°;
27. Na sequência do acidente, o QC ficou totalmente destruído e insusceptível de reparação - 34°;
28. AA sofreu choque com a morte de seu marido. Dedicavam-se mutuamente afecto e carinho, desde há 50 anos - 39° e 40°;
29. AA tinha, à data do acidente, dificuldade para se locomover, tendo feito seis intervenções cirúrgicas de ortopedia anteriores, com implantes ósseos na anca e joelhos. Era o II quem fazia as compras para casa, conduzia a AA ao médico e para fazer tratamentos, a tirava de casa e a levava a passear ou a conduzia à vila de Monção - 41° e 42°;
30. Agora a AA sente-se só, sem a companhia e o amparo do marido - 43°;
31. Os quatro filhos do casal mantinham convivência com o pai e tratavam-se com carinho e afecto, sendo visitas regulares nas casas uns dos outros - 44°;
32. Antes da área do entroncamento referido em 4., encontra-se implantado um sinal vertical, na berma direita da EN 101, atento o sentido de marcha do AH, de aproximação de estrada sem prioridade à direita (sinal b9d do Regulamento de Sinalização de Trânsito) - 46°;
33. No local do sinistro, o traçado da EN 101 configura uma recta com mais de 100 metros de extensão - 47°;
34. Quando o II penetrou na EN 101, o AH encontrava-se a cerca de 50 metros do referido entroncamento, sendo, portanto, já visível - 13°, 16° e 51°;
35. II invadiu a faixa de rodagem da EN 101, com a marcha do QC em sentido diagonal relativamente ao eixo da via, enviesando à sua esquerda e sem dar a parte lateral esquerda do veículo que conduzia à zona central do entroncamento -9o, 10°e52°;
36. II invadiu a faixa de rodagem da EN 101, sem se certificar previamente de que a sua entrada na EN 101 se faria sem perigo de causar um acidente - 54°;
37. A manobra descrita em 35. cortou a linha de rumo do AH - 55°;
38. Vendo a sua linha de marcha subitamente barrada, o condutor do AH desacelerou, buzinou e desviou-se para a esquerda, no intuito de, acreditando que o condutor do QC travava e se imobilizava, passar pela frente deste e prosseguir a sua marcha em direcção a Arcos de Valdevez; para tanto, o AH invadiu parcialmente a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido Monção/Arcos de Valdevez. Mas o QC prosseguiu inalterada a sua marcha, razão por que o condutor do AH travou, acabando, porém, por embater com a sua dianteira na parte lateral esquerda do QC.
Na altura do embate, a velocidade do AH era de cerca de 50 Km/hora - 17°, 19° 56° a 60°; 39. O choque entre o QC e o AH ocorreu em plena área do entroncamento -60°-A;
40. No momento do acidente, o AH tinha o peso bruto de 31.500 kg, transportando 18.500 kg de mercadoria, pelo que excedia em 5.500 kg o peso permitido (de acordo com o referido em 26). Apesar disso, e após a chegada dos agentes da Guarda Nacional Republicana que acudiram ao local depois do acidente, o AH foi autorizado a prosseguir a sua marcha - 15° e 64°;
41. Na data do acidente, existia, na estrada municipal que, do interior da freguesia de Pias, Monção, vem entroncar com a EN n° 101, logo antes do ponto de intersecção das duas vias, um sinal de «STOP».
4. Como é evidente e inquestionável perante a matéria de facto apurada, o condutor da viatura pesada que interveio na colisão detinha a qualidade de comissário, já que a conduzia no exercício das suas funções profissionais, por conta e no interesse da respectiva entidade patronal, proprietária do dito veículo, estando, consequentemente vinculado pela presunção de culpa estabelecida no nº3 do art. 503º do CC.
Tratando-se, porém , de presunção ilidível, é evidente que a mesma nenhum reflexo poderá ter na solução do litígio se se entender que a colisão foi devida a culpa da própria vítima, decorrente da violação manifesta das regras da prioridade de passagem no entroncamento de vias onde ocorreu o acidente.
O acórdão recorrido dirimiu a questão da culpa na eclosão do acidente nos termos seguintes:

Os apelantes sustentam que o sinistro ocorreu por culpa do condutor do veículo pesado de mercadorias, por, no seu entender, este ter invadido, brusca e inopinadamente, a metade esquerda da faixa de rodagem, considerando o sentido em que seguia, tendo violado o disposto nos arts. 13° e 24° do Código da Estrada.
Do mencionado art. 13°, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n° 44/2005, de 23/II, vigente à data do sinistro, resulta que: «o trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes» - n° 1; e só sendo permitido utilizar «o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção» - n° 2.
Por seu turno, o aludido art. 24° estatui, no seu n° 1, que: «O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente».
No que respeita à chamada «posição da marcha» (mencionado art. 13°), da factualidade a que se reportam os n°s 17, 19, 34, 35, 36, 37, 38 e 39 do elenco de factos provados resulta, sem margem para dúvidas, que o veículo pesado de merca¬dorias circulava pela hemifaixa de rodagem do lado direito, atento o sentido em que seguia, tendo o respectivo condutor sido forçado a guinar para a hemifaixa esquerda, visando desviar-se da viatura ligeira que, inopinadamente, lhe estava a cortar a linha de circulação, interpondo-se na sua frente. Na verdade, o condutor do automóvel ligeiro entrou com ele na EN n° 101, em diagonal relativamente ao eixo da via, provindo de uma via municipal que com esta entronca do lado esquerdo (n°s 14, 15 e 35, com o fito de virar à esquerda, sem ter em atenção a aproximação do veículo pesado - n°s 14, 15, 35 e 36. Nesta conformidade, impõe-se a conclusão de que o condutor do pesado invadiu a hemifaixa esquerda, em manobra de recurso ou de salvamento {«manoeuvre de sauvetage», como dizem os franceses), visando evitar o embate na viatura conduzida pelo sinistrado. Ora, assim sendo, essa manobra está perfeitamente justificada, não constituindo qualquer infracção, e só não foi suficiente para evitar o acidente, porque o condutor do ligeiro não reagiu travando e, pelo contrário, continuou a atravessar a estrada nacional, apesar de o tripulante do pesado ter buzinado a avisá-lo da situação de perigo.
No que tange à velocidade (mencionado art. 24°, 1), da factualidade a que se reportam os n°s 17, 18, 34 e 38, parte final, do elenco de factos provados, temos que, o veículo pesado, quando ainda transitava na hemifaixa de rodagem do lado direito, atento o sentido em que seguia, e estava a 76 metros do «entroncamento», circulava a cerca de 80 km/hora (n°s 17 e 18), tendo o respectivo condutor reduzido a velocidade, de tal sorte que, no momento do embate, esta era da ordem dos 50 km/hora (n° 38, parte final); e, no momento em que a viatura ligeira «penetrou na EN 101», o pesado estava a cerca de uns escassos 50 metros do «entroncamento» (n° 34), sendo certo que o sinistrado tentou fazer a travessia em diagonal relativamente ao eixo da via (n° 35), o que contribuiu para encurtar essa distância.
Assim, em termos objectivos, uma vez que transitava numa estrada nacional, o veículo pesado podia circular legalmente a 80 km/hora - cfr. o art. 27°, 1, do Código da Estrada.
Em face das condições da via e demais circunstâncias, tendo aquela traçado rectilíneo (n° 33) e encontrando-se livre, sendo ainda certo que na mesma estava implantado um sinal que indicava que, do lado direito, entroncava com uma estrada sem prioridade (Sinal B9d), indicativo de que os condutores que nela transitassem estavam obrigados a ceder passagem aos veículos que circulassem na estrada prioritária (EN n° 101), o tripulante da viatura pesada não tinha motivos para diminuir a velocidade; isto, apesar do art. 25°, 1, f), do mesmo código, estipular que, «sem prejuí¬zo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade, nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida». Aliás, de qualquer modo, o condutor do pesado reduziu a velocidade de cerca de 80 km/hora (n° 18) para cerca de 50 km/hora (n° 8, parte final). Mas a verdade é que não travou a fundo, porque optou por se desviar para a esquerda, em manobra de recurso.
Ainda, a existência do aludido sinal B9d implica que na estrada sem prioridade exista o sinal B1 (aproximação de estrada com prioridade) ou B2 («STOP», paragem obrigatória antes do cruzamento ou entroncamento) e, «in casu», provou-se que o condutor do veículo ligeiro se deparou, antes de entrar no «entroncamento» com este último sinal - cfr. o n° 41 do elenco de factos provados.
E, nesta conformidade, o condutor do veículo pesado não estava obrigado a ecrever que o condutor da viatura ligeira se iria atravessar à sua frente, cortando-lhe a linha_de circulação. Na verdade, ele não tinha que prever a imprudência alheia, nem contar com a negligência ou inconsideração do sinistrado - cfr., neste sentido, entre outros os AC. do STJ, de 05-04-1972, BMJ, n° 216, p. 76, e de 18-12-2007, Proc. 07A2732, este «/m> www.dgsi.pt.
Neste último acórdão entendeu-se que:
- A velocidade desde que contida nos limites fixados por sinalização ou regra es¬tradai, só está sujeita às condições concretas, a apreciar casuisticamente, como, por exemplo, o estado do piso, as características da faixa de rodagem, a intensidade do tráfego, a visibilidade do condutor, o estado do veículo e a situação meteorológica;
- Se o condutor vê, repentinamente, a sua faixa de rodagem invadida por um veículo vindo de via que entronca na sua, sem se deter perante um sinal de "stop", cortando-lhe a linha de marcha, e se, não obstante, travou e tentou flectir para a esquerda, não pode ser-lhe imputada culpa no embate, apenas por se provar tripular um veículo pesado a circular a cerca de 80 km/hora, num local onde a sinalização, ou as regras estradais, não impunham menor velocidade.
Assim, tanto em termos objectivos, como em termos relativos não se pode concluir que a velocidade a que seguia o veículo pesado (que foi reduzida de cerca de 80 km/hora para cerca de 50 km/hora) fosse excessiva.
É certo que o condutor do veículo pesado não conseguiu parar no espaço que tinha livre à sua frente, cerca de uns escassos 50 metros até ao «entroncamento» (n° 34), distância que, como o condutor da viatura ligeira entrou na EN n° 101, «em sentido diagonal relativamente ao eixo da via, enviesando à sua esquerda» (n° 35), logo foi substancialmente encurtada. Todavia, como já se disse, não travou a fundo, porque optou por guinar para a sua esquerda, em manobra de salvamento.
Mas, conforme pode ver-se no Manual de Acidentes de Viação da autoria do Dr. Dário Martins de Almeida, 2a ed., Livraria Almedina, Coimbra, 1980, p. 485, a uma velocidade de 80 km/hora, um veículo com travões de disco à frente e hidráulicos à retaguarda, numa situação de pavimento seco e travagem vigorosa, carece de 45,46 metros para se imobilizar, incluída a distância percorrida no tempo de reflexo ou de reacção que é de % de segundo (cfr. ob. cit. p. 482) - a tabela inserta no Código da Estrada da autoria de António Augusto Tolda Pinto, 2a ed., 2005, Coimbra Editora, p. 70, é igual à que consta do aludido Manual. E, tratando-se de um veículo pesado de mercadorias carregado, a eficácia da travagem tende a diminuir, em função da maior energia cinética.
Ora, dispondo de uns escassos 50 metros ou até menos, quando o ligeiro começou a entrar na estrada, numa trajectória de colisão com o veículo por si tripulado e a reduzir-lhe progressivamente essa distância, o condutor do pesado desacelerou, buzinou, desviou-se para a hemifaixa esquerda e travou (n° 38), numa manobra de recurso que se configurava adequada a evitar o embate. Mas como o condutor do automóvel ligeiro, em vez de travar, prosseguiu na sua trajectória o embate tornou-se
inevitável.
Importar vincar que nada fazia prever que o condutor do pesado tivesse de manobrar para evitar embater num veículo que inopinadamente se atravessou à sua frente. Donde, faltando elementos que implicassem essa previsão, não é aplicável a parte final do mencionado art. 24°, 1.

Concorda-se inteiramente com tal sentido decisório, por se ter como seguro que, no concreto circunstancialismo do caso, não era exigível ao motorista que conduzia o pesado outro comportamento – não tendo, nomeadamente, qualquer relevo o facto de o embate fatal ter ocorrido na hemifaixa esquerda, já que tal circunstância decorreu inelutavelmente, como dá nota o acórdão recorrido, da necessidade de realizar uma verdadeira manobra de salvamento, visando evitar a colisão iminente com o ligeiro, cujo condutor manifestamente não obedeceu à prescrição que decorria categoricamente da existência de um sinal de «stop» à entrada do entroncamento de estradas, obrigando-o a parar e a ceder passagem a todas as viaturas que transitassem na estrada nacional.
Não merece, deste modo qualquer censura o comportamento do condutor que é forçado a reagir em consequência do cometimento por parte de outro condutor de uma das mais graves e perigosas infracções ao direito estradal – a violação da prescrição imposta pela existência de um sinal de «stop», prosseguindo negligentemente a sua marcha e entrando em plena zona de intersecção das vias, apesar da proximidade do veículo prioritário, - criando no condutor deste a necessidade de realizar a manobra de emergência que possa dar alguma esperança de evitar o embate : e confrontando-se este naturalmente com a dúvida razoável sobre qual seria o comportamento que o infractor das regras de prioridade iria, afinal, adoptar, sendo plausível e expectável que este, alertado pelos sinais sonoros emitidos, ainda abortasse a manobra perigosamente iniciada e imobilizasse prontamente o seu veículo, permitindo ao pesado contorná-lo ; ora, a circunstância de persistir teimosamente na consumação da manobra de mudança de direcção, em sentido oblíquo, cortando a linha de marcha ao pesado quando este se desviara para tentar evitar a colisão iminente constitui obviamente reacção inadequada que fere as expectativas razoáveis do condutor do veículo prioritário na pronta imobilização do infractor – pelo que nenhuma censura se pode fazer recair sobre o respectivo condutor, ao optar, quase instintivamente, pela dita manobra de salvamento.
Por outro lado – e perante a concreta matéria de facto apurada pelas instâncias – carece de suporte factual a imputação ao condutor do pesado de qualquer « velocidade excessiva» , inadequada ao tipo de via e às concretas condições de circulação no momento do embate.

5. A única dúvida que se poderia razoavelmente suscitar em sede de imputação de responsabilidade pelo acidente decorre, deste modo, exclusivamente do facto de – como acentuam os recorrentes – o pesado circular, na altura do sinistro com excesso de carga , que, em abstracto, poderia plausivelmente ter dificultado a travagem em curto espaço ou contribuído eventualmente para o agravamento dos danos sofridos pelo veículo ligeiro e pelas lesões infligidas ao respectivo condutor.
Note-se que esta matéria foi, desde logo, abordada no âmbito do inquérito realizado para efeitos criminais pela GNR, nos seguintes termos, que constam do relatório elaborado ( fls. 338/339):

Condições negativas: —
O excesso de carga por parte do veículo pesado de mercadorias de matrícula --AH- com um peso total bruto (mercadoria transportada + tara do veículo) de 31500 kg, conforme fls.39, sendo-o peso bruto total do veículo pesado, conforme f!s. 39-A, de 26000Kg. - -' -'

8.8.- "Causa Principal ou Eficiente - é aquela que, de entre todas as intervenientes, sem a qual não se teria produzido o acidente". —
De entre todas as causas apontadas, o Investigador Criminal considera como causa principal ou eficiente, tendo em conta as declarações de uma testemunha e do condutor do veículo pesado, a não paragem imposta pela Marca M8a e a não cedência de passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar, imposta pelo "-'sinal vertical B2, por parte do condutor do veículo de matrícula. CQ…, visto que o condutor do veículo CQ… ao chegar ao entroncamento da Estrada Municipal em que ia circular com a EN 101, depara-se com o siinal vertical de Marca B2 a 7,7 metros de distância da EN101; em complemento deste, existe uma Marca Transversa! no pavimento apenas a 2,4;metros; de, distancia da EN 101, dando indicação aos condutores que é local de paragem é obrigatória, se duvidas tiver quanto à circulação de algum veículo, pela EN101, no sentido de marcha Monção/Arcos, conforme foto 4 da pág. 83. -
Assim, peio exposto, é parecer do Investigador Criminal, que o acidente se desenvolveu do seguinte modo.
No dia 30 de Novembro de 2005, pelas llhl5, o veículo pesado de mercadorias de matrícula …AH…, circulava pela Estrada Nacional n.° 101, Monção/Arcos de Valdevez, e no momento que se vai a aproximar do entroncamento com a Estrada Municipal que dá acesso para Pinheiros e Pias apercebe-se de um veículo que vinha a circular por essa estrada com intenção de entrar para a EN101.—
O veículo pesado de mercadorias que circulava pela EN101, buzinou.com intenção de alertar o condutor do veículo ligeiro que saia do entroncamento, tendo este prosseguido a marcha para a EN 101 ocupando a via de trânsito por onde circulava o veículo pesado, obrigando-o a desviar para tentar evitar a colisão, mas indo. colidir com violência com a frente do veículo pesado na lateral esquerda do veículo ligeiro que saiu do referido entroncamento. —
Como consequência do acidente resultou na morte do condutor do veículo ligeiro de passageiros de matrícula CQ…, na perda total do veículo ligeiro e danos materiais na frente do veículo pesado. —
Juízo Ampliativo: O facto referido no ponto 8.4.2, Condições Negativas, constitui infracção ao Artigo 27° do D.L. n.° 38/99 de 6 de Fevereiro, o excesso de peso contribuir proporcionalmente na distância que o veículo leva a imobilizar-se, podendo até prejudicar a actuação do sistema de travagem, mas a morte do condutor do veículo que saiu do referido entroncamento não se deveu a ter sido arrastado durante os 25,1 metros como referido no croquis fls. 32, mas sim do impacto entre os dois veículos intervenientes. —
....................
Na sentença proferida em 1ª instância, tal questão teve o seguinte tratamento:

É certo que o AH tem um peso bruto permitido de 26.000 kg (sendo a tara de 13.000 kg) e que no momento do acidente apresentava o peso bruto de 31.500 kg, transportando, portanto, mais 5.500 kg de mercadoria do que o permitido; teria então violado - dir-se-ia - o disposto no art.57° CE. A verdade é que se trata aí de facto que, em face da concreta dinâmica do acidente, se mostra de todo irrelevante na sua consumação: basta lembrar que o QC penetrou a EN 101 quando o AH estava a cerca de 50 metros do entroncamento, fez a manobra de modo a cortar a "curva" (ou seja, entrou na EN 101 em sentido diagonal relativamente ao eixo da via, enviesando à sua esquerda e sem dar a parte lateral esquerda do veículo à zona central do entroncamento) e prosseguiu a sua marcha sem qualquer alteração de comportamento (travagem, correcção de trajectória...) mesmo depois de o condutor do AH ter desacelerado, ter buzinado e se ter desviado para a esquerda até invadir parcialmente essa metade da faixa de rodagem atento o sentido em que seguia.

E o acórdão recorrido, aderindo a este entendimento pronunciou-se sobre tal questão nos seguintes termos:

É certo o veículo pesado, tendo um peso bruto de 31.500 kg, transportava 18.500 kg de mercadoria (asfalto), excedendo a carga máxima em 5.500 kg L Ora, em conformidade com o art. 57° do Código da Estrada, «não podem transitar nas vias públicas os veículos cujos pesos brutos, pesos por eixo ou dimensões excedam os limites gerais fixados em regulamento». Todavia, as autoridades policiais costumam dar uma tolerância, por se entender que, em muitos locais de carga, não existem adequados meios de pesagem. E, tanto assim que, aquando do sinistro, os elementos da GNR que tomaram conta da ocorrência permitiram que o veículo seguisse viagem - cfr. o n° 40 do elenco de factos provados.

Não se pode escamotear que esse excesso de carga pode ter tido alguma influência, por mínima que seja, no alongamento do espaço de travagem. Apesar disso, entendemos
que essa jnfração não foi causal do sinistros, pois este sempre aconteceria com_as mesmas consequências, mesmo que não existisse esse excesso - basta atentar no n° 19 do elenco de factos provados. E, reitera-se, a distância de travagem também foi alongada pelo facto de o condutor do pesado não ter travado vigorosamente, para conseguir guinar para a esquerda, em manobra de recurso.

Contra tal entendimento se insurgem os recorrentes, sustentando que o decidido pelas instâncias implicaria violação da norma constante do nº3 do art. 503º do CC, da qual decorreria a necessária relevância de tal facto ilícito e culposo, por o excesso de carga influenciar de forma directa e determinante o funcionamento do veículo, o seu equilíbrio e a distância de travagem.

Importa definir cabalmente a qual dos pressupostos da responsabilidade civil respeita o facto controvertido em causa : na verdade, face ao teor das decisões impugnadas, o excesso de peso transportado no pesado conexiona-se, não com a ilicitude ou com a culpa do respectivo condutor, mas antes com a problemática do nexo causal : não se duvidando, na verdade, que a circulação da viatura pesada com um substancial acréscimo de peso relativamente ao que decorreria das normas estradais aplicáveis constitui seguramente um facto ilícito e culposo – sendo obviamente irrelevante saber se a culpa incide pessoalmente sobre o condutor/ comissário ou antes sobre a respectiva entidade patronal, proprietária do veículo segurado – a matéria controvertida prende-se com a definição da existência ou inexistência de um concreto nexo causal entre tal infracção às normas estradais regulamentares e o acidente.
Implica esta configuração que não faça, nesta sede, qualquer sentido invocar a presunção de culpa do comissário, que seguramente não abarca a matéria da definição do nexo causal, integradora de um diferente e autónomo pressuposto da responsabilidade civil extracontratual , decorrente, não da norma legal invocada pelos recorrentes – o citado art, 503º, nº3, do CC - , mas eventualmente do preceituado no art. 563º do mesmo Código…


E importa liminarmente definir se o STJ detém competência para, no âmbito de um recurso de revista, sindicar o decidido pelas instâncias em
matéria que se prende decisivamente com a concreta dinâmica do acidente .
Na verdade, tem o Supremo entendido que a matéria da causalidade pode ser apreciada ou como a sequência naturalística de factos que se interligam e se condicionam, a ponto de provocar outros, ou como a valoração normativa de tal sequência naturalística de factos, em ordem a saber se é possível fixar juridicamente - nos quadros da teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa, tal como é definida pelo preceito legal atrás citado, - a relação de causa-efeito entre o facto e o dano: no primeiro caso, estamos perante a causalidade naturalística, insindicável pelo Supremo, enquanto tribunal de revista; no segundo, estamos perante um problema de causalidade jurídica, sindicável no âmbito de um recurso de revista, já que se trata de valorar normativamente os factos assentes, no caso, quanto à concreta dinâmica dos veículos intervenientes no acidente.
Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 13/3/08, proferido no P. 08A369:

Numa perspectiva puramente naturalística consistente no apuramento da relação causa-efeito, o nexo causal integra pura matéria de facto, insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 29.º da LOFTJ (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) e 729.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Assim é, salvo os casos de ofensa a disposição expressa da lei que exija certo tipo de prova para afirmação de um facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, nos termos do n.º 2 do artigo 729.º e do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil.

Daí que, ao apurar a dinâmica do evento, ou seja no percurso do “iter” causal-naturalístico, como desencadeador do resultado lesivo, ou como factor que o detonou,fica-se situado num plano puramente factual (cf. “inter alia”, os Acórdãos do STJ de 11 de Junho de 2002 – P.º 1810/02-2.ª – de 15 de Maio de 2003 – P.º 1314/03-2.ª e de 21 de Janeiro de 2003 – 02 A4123).

Apurado o nexo naturalístico há que proceder à sua inserção nos princípios do artigo 563.º do Código Civil, esta parte já matéria de direito por respeitar à interpretação e aplicação de norma jurídica.

Isto é, se a Relação considerou verificado o nexo factual, cumpre-nos agora verificar, ou não, nexo legal de adequação.



No caso dos autos, é patente que a matéria controvertida se prende com a definição da causalidade naturalística, tudo estando em saber se –


perante uma concreta dinâmica dos veículos, aquando da colisão, - a circunstância de um deles circular com certo excesso de carga teria,
porventura e em concreto, determinado um específico alongamento da distância de travagem que tivesse sido determinante da colisão.

Ora, como é evidente, tal questão não é passível de ser abordada no plano estritamente jurídico, passando antes por uma indispensável abordagem no plano fáctico e da prova, nomeadamente pericial – cabendo aos interessados onerados com a prova do facto em causa, respeitante ao nexo causal, ter desencadeado os meios probatórios que afastassem o juízo técnico emitido, nomeadamente, pelas autoridades policiais que procederam à análise e exaustiva reconstituição das concretas circunstâncias do acidente, de modo a ter abalado a convicção de que, no concreto circunstancialismo da colisão de veículos, o referido excesso de carga foi de todo indiferente para a produção do evento danoso.

Finalmente – e perante o anteriormente exposto – é manifesto que não pode proceder a acção com base na invocação do preceituado no art. 506º do CC : sendo o acidente devido a culpa exclusiva da própria vítima, decorrente de grosseira violação as regras de prioridade , carece manifestamente de sentido a invocação as normas atinentes à responsabilidade pelo risco, cujo âmbito de aplicação se considera seguramente excluído quando as circunstâncias do acidente se mostram cabalmente determinadas, em termos de permitir imputar o evento danoso a culpa exclusiva do próprio lesado.

E, como é óbvio, o decidido quanto à imputação de responsabilidades pelo acidente preclude naturalmente as questões referentes ao cômputo da indemnização , constantes das conclusões 29 e seguintes, matéria que se tem por prejudicada face à decisão do litígio.


6. Nestes termos e pelos fundamentos invocados nega-se provimento à revista.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 21 de Outubro de 2010


Lopes do Rego (Relator)
Barreto Nunes
Orlando Afonso