TRABALHADOR INDEPENDENTE
CONTRATO DE SEGURO
Sumário

I – O contrato de seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes, ou seja, daqueles que exercem uma atividade por conta própria (sem estarem colocados numa posição de subordinação jurídica) também compreende os sinistros ocorridos no exercício da sua atividade profissional e pela qual o trabalhador estava seguro, mesmo que prestados a título gratuito, ou seja, sem qualquer remuneração.
II – O critério fundamental para aferir da abrangência do seguro infortunístico laboral, perante um sinistro que atinge um trabalhador independente, será dado pela atividade que ele no momento exercia e não pelo critério da contrapartida económica.

Texto Integral

Recurso de Apelação: nº 158/09.3TTBGC.P1 Reg. nº 138
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. José Carlos Machado da Silva
Recorrente: Companhia de Seguros B…, S.A.
Recorrida: C…

Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. Frustrada a tentativa de conciliação, C…, solteira, engenheira civil, residente em …, concelho de Macedo de Cavaleiros, com o patrocínio do Ministério Público, instaurou, no Tribunal do Trabalho de Bragança a presente ação emergente de acidente de trabalho, com processo especial, contra Companhia de Seguros B…, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe:
• €1474,36 de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária;’
• O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de €387,30, devida desde 29/04/2009;
• €41,60 de reembolso de despesas de transporte; e
• Juros de mora à taxa legal.
Alegou, para o efeito, em síntese que sofreu um acidente de trabalho no exercício da sua atividade de engenheira civil por conta própria em 9/8/2008, que consistiu em ter caído numa caixa de rede de águas que se encontrava sem tampa quando se deslocava na via pública para uma obra que estava a executar, em consequência do qual sofreu lesões que lhe determinaram incapacidade temporária e permanente para o trabalho; celebrou com a R. seguradora um contrato de seguro de acidentes de trabalho ocorridos no exercício da sua profissão, titulado pela apólice nº 6001052 e pelo salário anual de € 11.200,00, mas a R. recusa assumir a responsabilidade pelo pagamento dos danos sofridos em consequência do acidente, alegando que o mesmo ocorreu na esfera privada da sinistrada.

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2. Citada a ré apresentou contestação, alegando que acidente sofrido pela A. ocorreu na esfera da sua vida provada e não no exercício da sua profissão. Por discordar da desvalorização atribuída pelo GML na fase conciliatória, requereu a R. a realização de exame por junta médica para fixação da incapacidade da A.
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3. Foi proferido despacho saneador, consignando-se os factos assentes e organizando – se base instrutória. A Ré reclamou, tendo a mesma merecido parcialmente acolhimento.
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4. Procedeu-se ao desdobramento do processo para fixação da incapacidade, no qual, após a realização da junta médica, foi proferida a respetiva decisão.
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5. Procedeu-se a julgamento, tendo-se respondido à matéria de facto que não foi objeto de qualquer reclamação.
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6. Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a ação e, em consequência, condeno a R. Companhia de Seguros B…, S.A. a pagar à A. C…:
- O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 235,20 (duzentos e trinta e cinco euros e vinte cêntimos), com efeitos a partir de 19/10/2008, a calcular oportunamente de acordo com as regras fixadas na Portaria 11/2000 de 13/01;
- A quantia de 1.097,60 (mil e noventa e sete euros e sessenta cêntimos) relativa a indemnização por incapacidade temporária para o trabalho;
- A quantia de € 32,00 (trinta e dois euros) relativa a despesas de deslocação à junta médica;
- Juros de mora sobre todas as prestações em dívida, à taxa legal desde a data do respetivo vencimento quanto à pensão e à indemnização pela incapacidade temporária e desde a data da notificação à R. do requerimento de fls. 16 do apenso quanto às despesas de deslocação, até integral pagamento.
Custas pela R.
Notifique.
Registe.
*
Valor da ação: € 5.105,89.»
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6. Inconformada com o assim decidido, a Ré Seguradora interpôs o presente recurso de apelação, requerendo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que a absolva do pedido, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª- O objeto do presente recurso prende-se tão só com o facto da Recorrente entender que, salvo o devido respeito, atendendo à matéria de facto provada, o Tribunal a quo deveria ter considerado que o acidente sofrido pela autora não foi acidente de trabalho, e como tal o contrato de seguro não se aplica.
Efetivamente,
2ª- Tendo resultado provado que a autora é trabalhadora independente e que se dedica à prestação de serviços de engenharia civil,
e que,
3ª- A queda ocorreu quando a Autora se deslocava a pé da sua residência para a Igreja …, a fim de se encontrar com o pároco respetivo tendo em vista efetuar, gratuitamente, um levantamento para a realização de obras de melhoramento do pavimento da Igreja e planificação de materiais a aplicar;
e,
4ª- Aquando do acidente a Autora também ia encontrar-se na Igreja local da aldeia com as crianças da catequese da paróquia;
5ª- Pelo que, face a estes factos provados entendemos, salvo o devido respeito, que não se verificou um acidente de trabalho sofrido pela autora, mas apenas e só um lamentável acidente pessoal, ocorrido aquando da sua vida privada e pessoal, que não se coaduna ou enquadra com qualquer acidente de trabalho.
6ª- Aliás, a própria autora ab initio teve consciência que se tratou de um acidente pessoal e não de trabalho, tanto que:
- Esteve de baixa médica pela segurança social;
- Reclamou junto da Câmara …;
- Andou em tratamentos através do sistema nacional de saúde;
- Só participou o acidente à recorrente passados mais de 6 meses.
7ª- Pois que não ocorreu enquanto, ou durante, o exercício da sua atividade como engenheira, enquanto atividade económica e lucrativa, não ocorreu enquanto se deslocava em trabalho ou para o seu local de trabalho, mas antes aquando de uma deslocação de caráter pessoal ou privado;
8ª- Foi uma deslocação para uma atividade altruísta, de beneficência ou de solidariedade social – sempre louvável e meritória, sem dúvida –: contribuir para os melhoramentos da igreja e ajudar as crianças na catequese, tanto que a sua contribuição era “gratuitamente”, não um exercício de uma atividade profissional qua tale.
9ª- Contribuir gratuitamente com o tempo e conhecimentos para os melhoramentos da igreja e ajudar na catequese, não pode considerar-se que a autora se encontrava a exercer a atividade de engenheira em regime lucrativo como trabalhadora por conta própria e para outrem com intuito lucrativo ou económico.
10ª- Assim, não pode olvidar-se que o espírito e finalidade que levou à obrigatoriedade de existência do contrato de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta própria não se enquadra na situação ocorrida nos autos.
11ª- A lei ao equiparar os trabalhadores independentes aos trabalhadores por conta de outrem, porque apesar do trabalhador prestar a sua atividade de forma autónoma, sem subordinação jurídica a um empregador, pretendeu que ele tivesse o mesmo nível de proteção infortunística de que gozam aqueles que prestam a sua atividade dentro dos parâmetros do contrato de trabalho.
12ª- Pois que a equiparação consagrada na LAT – art. 2º, nº 2 e no C.T. de 2003 – art.10º, reporta-se a situações em que existe uma prestação de trabalho sem subordinação jurídica, mas em que o trabalhador se encontra economicamente dependente daquele que recebe o produto da sua atividade, não a situações de trabalho de voluntariado, em que se obtém apenas satisfação moral, não havendo qualquer “risco económico” e “risco profissional”.
13ª- O objeto do contrato de seguro de acidentes de trabalho tem como necessária referência delimitadora a atividade económica exercida pelo tomador de seguro, e, por isso, só cobre os acidentes sofridos pelo sinistrado quando este age na qualidade de trabalhador independente, não de voluntariado.
14ª- Tanto que, a lei exclui do conceito de acidente de trabalho, os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais em atividades que não tenham por objeto exploração lucrativa.
15ª- E regendo-se o seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes “com as devidas adaptações” pelas disposições da LAT – vide art. 2º do DL 159/99, no caso dos autos mutatis mutandi, também não se pode considerar o acidente sofrido pela autora como de trabalho.
16ª- Acrescente-se que não só a autora ia prestar serviços de voluntariado dentro dos seus conhecimentos profissionais, como, simultaneamente, ia encontrar-se com as crianças da catequese, o que reforça o caráter pessoal e privado da sua deslocação, pois que se a autora fosse trabalhadora por conta de outrem e sofresse o acidente dos autos, não estava abrangida pelo contrato de seguro de acidentes de trabalho.
17ª- Pelo que, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 3º e 8º da Lei 100/97, e arts. 1º, 6º e 8º do DL 159/99 de 11.05.
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7. A Autora apresentou contra-alegações propugnando pela manutenção da sentença recorrida.
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8. Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do Objeto do Recurso
Como é sabido o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2). Assim, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC), com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, este normativo, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, independentemente da sua respeitabilidade, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como resulta do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil[1].
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pela apelante, os fundamentos opostos à sentença recorrida a questão a decidir consiste em saber se o acidente de que a autora foi vítima deve ser considerado ou não como acidente de trabalho.
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III – FUNDAMENTOS
1. De facto
São os seguintes os factos que a sentença recorrida deu como provados – e que este tribunal mantém, porque a matéria de facto não foi impugnada e porque os elementos do processo não impõem decisão diversa, nem foi admitido documento superveniente com virtualidade para infirmar aquela decisão (artigo 712º, nº 1 do CPC):
1- A R. dedica-se à atividade seguradora (alínea A).
2- A A é trabalhadora independente, dedicando-se a prestação de serviços de engenharia civil (alínea B).
3- Celebrou com a R. B… um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, na modalidade de trabalhador independente, titulado pela apólice com o n°……., visando a transferência para esta do risco infortunística relativamente aos sinistros sofridos por si na execução da sua atividade profissional, pela retribuição anual de € 11.200,00 (alínea C).
4- A A. nasceu em 12/12/1978 (doc. 36) [alínea D].
5- No dia 9 de agosto de 2008, cerca das 11h00 horas, em …, …, concelho de Macedo de Cavaleiros, a A. sofreu um acidente na rua, que consistiu em ter caído numa caixa de rede de águas que se encontrava sem tampa (alínea E).
6- A autora só participou tal queda à ora Ré em 28 de janeiro de 2009, tendo feito constar da participação que ocorreu quando: “ deslocava-se a pé para a obra que estava em curso na Igreja …” (alínea F).
7- Tendo também reclamado junto da Câmara Municipal …, por esta ter deixado a tampa da caixa de saneamento aberta sem sinalização e sem vedação (alínea G).
8- A A. esteve de baixa médica pela segurança social por incapacidade temporária para o trabalho desde o dia 09/08/2008 até 18/10/2008 (alínea H).
Das respostas à Base instrutória
9- A queda referida na alínea E da matéria de facto assente ocorreu quando a A. se deslocava a pé da sua residência para a Igreja …, a fim de se encontrar com o pároco respetivo tendo em vista efetuar, gratuitamente, um levantamento para a realização de obras de melhoramento do pavimento da Igreja e planificação dos materiais a aplicar, trabalhos esses de levantamento e planificação que, até ao presente, não se concretizaram (resposta ao quesito 1º).
10- Como consequência direta e necessária do acidente a A. sofreu fratura dos ossos da perna direita (resposta ao quesito 2º).
11- Tais lesões determinaram à A. incapacidade temporária para o trabalho (resposta ao quesito 3º).
12- A A. reside em … (…), no concelho de Macedo de Cavaleiros, tendo-se deslocado três vezes à sede deste Tribunal, que dista cerca de 40Km daquela localidade, para comparecer a três diligências (exame médico em 27/05/2009, pelas 15h30, tentativa de conciliação em 20/11/2009 às 9h00 e junta médica em 1/10/2010 às 14h00) e não existem transportes públicos entre … e ... que permitam à A. estar presente às 9h00 em Bragança (resposta ao quesito 4º).
13- E andou em tratamentos através do sistema nacional de saúde ou serviços médico sociais (resposta ao quesito 6º).
14- Aquando do acidente referido na alínea E, a A. também ia encontrar-se na Igreja local da aldeia com as crianças da catequese da paróquia (resposta ao quesito 7º).
15- A A., por vezes, auxiliava a catequista da aldeia na preparação das crianças da catequese (resposta ao quesito 8º).
Da decisão proferida no apenso para fixação da incapacidade
16- A A, esteve afetada de incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho desde 10/08/2008 a 20/09/2008 (42 dias) e de incapacidade temporária parcial de 30% (ITP) de 21/09/2008 a 18/10/2008 (28 dias).
17- A A. ficou afetada de uma incapacidade permanente (IPP) para o trabalho com um coeficiente de desvalorização de 3% a partir de 18/10/2008.
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2. A questão que nos é trazida para resolver é tão só saber se o acidente sofrido pela autora se pode caracterizar como acidente de trabalho e, como tal, se está ou não coberto pelo contrato de seguro que celebrou com a Ré.

A Ré defende que a sua responsabilidade está excluída, segundo entendemos por duas ordens de razões:
- por se tratar de um acidente ocorrido na prestação de serviços eventuais ou ocasionais em atividades que não tenham por objeto exploração lucrativa;
- porque estamos perante um acidente pessoal, já que a queda da autora ocorreu no âmbito de uma deslocação para uma atividade altruísta, de beneficência ou de solidariedade social: contribuir para os melhoramentos da igreja e ajudar as crianças na catequese, tanto que a sua contribuição era “gratuitamente”. Mais defende que resultando provado que a autora ia contribuir gratuitamente para os melhoramentos da igreja e ajudar na catequese, não pode considerar-se que se encontrava a exercer a atividade de engenheira em regime lucrativo como trabalhadora por conta própria e para outrem com intuito lucrativo ou económico, donde lhe adviesse proveito económico ou lucrativo, para se considerar acidente de trabalho e garantido pelo espírito que levou à existência do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta própria ou independentes.
Vejamos:
No que se refere à primeira das razões invocadas, diremos que:
São excluídos do âmbito da presente Lei, (art. 8.º, n.º1, a), da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro - única previsão que ao caso importa), os acidentes ocorridos na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, a pessoas singulares em atividades que não tenham por objeto exploração lucrativa.
Da hermenêutica do contexto de significação da norma, (constituído pelas previsões conjugadas das alíneas a) e b) do n.º1), pode pois adiantar-se que o elemento comum é a curta duração dos trabalhos executados ou em execução).
Sendo, no primeiro caso, os serviços prestados eventuais ou ocasionais, há de tratar-se ainda de serviço prestado a pessoas singulares em atividades que não tenham por objeto exploração lucrativa; No segundo conjunto de situações, admitido implicitamente que se trate de atividade ou exploração lucrativa, é condição da exclusão que a ‘empresa’/entidade a quem seja prestado seja de reduzida expressão, (que trabalhe habitualmente só ou com membros da sua família…) e tenha chamado para a auxiliar, acidentalmente, um ou mais trabalhadores.
Ora, no caso presente, não ficou demonstrado, sendo que era à seguradora que incumbia o respetivo ónus (artº 342º nº 2 do CCv), que a atividade que a Autora ia exercer se devesse considerar como sendo de “ curta duração”. Por outro lado, também não resultou provado que a prestação dos serviços fosse a pessoa singular, uma vez que o edifício igreja é pertença da Igreja e não do pároco, pessoa singular.

Quanto à segunda das razões invocadas, diremos que conforme se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/02/2005[2] «Foi com a nova LAT (L. 100/97 de 13/9) que o legislador, segundo cremos pela primeira vez, contemplou a reparação infortunística (em termos idênticos aos dos trabalhadores por conta de outrem) dos “trabalhadores independentes”, ou seja daqueles que exercem uma atividade por conta própria, portanto sem estarem colocados numa posição de subordinação jurídica, elemento típico e definidor de um contrato laboral (cf. artº 3º nº s 1 e 2 da aludida lei.).
E fê-lo no sentido de que os ditos trabalhadores e /ou seus familiares em caso de acidente ocorrido no exercício da sua atividade profissional, tivessem direito às indemnizações e restantes prestações infortunísticas, em condições idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem- cfr. preâmbulo do D.L. 159/99 de 11/5-.
O legislador define “trabalhador independente” como sendo aquele que exerce uma atividade por conta própria (artº 3º nº 2 citado).
E por força do D.L. 159/99 veio a operar uma distinção entre trabalhadores independentes cuja produção se destina exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo seu agregado familiar e os restantes - ou seja aqueles que por via de regra laboram para outrem, embora com ausência de subordinação jurídica, nomeadamente através de contratos de prestação de serviços (cfr. artº 1152º do CCv).
Para estes últimos o seguro adquire as características de obrigatoriedade (artº 1º nº 1 do D.L. 159/99) enquanto que para os primeiros a celebração de tal convénio é meramente facultativa (nº 2 do citado artº 1º).
A verdade porém é que, pelo diploma legal em causa, a possibilidade de existência do seguro por acidentes laborais sofridos por trabalhadores independentes, não exige nem que a atividade seja remunerada, nem que o trabalhador labore por conta de outrem.
Resulta isto a nosso ver – e sempre com a ressalva do devido respeito por opinião diversa – do que estabelece o já referido nº 2 do artº 1º do D.L. 159/99.
Na realidade ali se admite a possibilidade da existência do seguro, mesmo que o trabalhador labore para si mesmo, portanto sem contratar com quem quer que seja e sem ser remunerado pelo resultado da sua atividade.
É certo que o preâmbulo do citado D.L. 155/99, menciona que “ através do seguro de acidentes de trabalho pretende-se garantir aos trabalhadores independentes e respetivos familiares, em caso de acidente de trabalho, indemnizações e prestações idênticas às dos trabalhadores por conta de outrem e seus familiares”.
Contudo e conjugando este princípio com o que se encontra plasmando no artº 3º nº1 da LAT (que refere que os trabalhadores independentes devem efetuar um seguro que garanta as prestações previstas na presente lei...), somos levados a crer - e usando os critérios interpretativos mencionados no artº 9º do CCv - que a similitude entre o regime relativo aos trabalhadores por conta de outrem e os trabalhadores independentes, se refere no essencial à concessão do direito às indemnizações e prestações decorrentes de um acidente de trabalho.
Não se exige, julgamos nós – evidentemente sem certezas dogmáticas – para que ao trabalhador independente se reconheça o mencionado direito, que este estivesse a exercer no momento do sinistro, uma atividade remunerada com base num contrato (em princípio de prestação de serviços), celebrado com outrem.
Se fosse de outro modo nunca os tais trabalhadores independentes citados no nº 2 do artº 1º do D.L. 1555/99, poderiam ser abrangidos por este tipo de garantia.
E todavia, ainda que facultativamente, são-no.
E além do mais nem a lei exige que o trabalhador independente exerça atividade para fornecer um resultado a outrem (embora essa na prática seja a regra), bastando-se com o exercício de uma “atividade por conta própria” nem mesmo nos trabalhadores juridicamente subordinados, a existência de uma contra prestação por trabalhos prestados é elemento essencial para a caracterização do sinistro, como se alcança do artº 6º nº 2 b) da LAT, que considera como acidente de trabalho o que ocorra na execução de serviços espontaneamente prestados de que possa resultar proveito económico para o empregador.
Note-se aliás, que o trabalhador independente ao efetuar qualquer trabalho para si mesmo, se não está diretamente a auferir um rendimento, não deixa de ter um ganho económico, consubstanciado numa despesa que deixa de fazer (o pagamento que teria que efetuar a quem para ela fizesse tal obra).
Portanto em nosso modesto entender, o critério fundamental para aferir da abrangência do seguro infortunístico laboral, perante um sinistro que atinge um trabalhador independente, será dado pela atividade que ele no momento exercia.
Se ela se integra no âmbito da sua profissionalidade e pela qual ele estava seguro, então independentemente de estar a laborar para si ou para outrem, com remuneração ou sem ele, o sinistro de que eventualmente venha ser vítima, estará a coberto do contrato de seguro que celebrou (salvo naturalmente as hipóteses de invalidade deste)»

Perfilhando nós também este entendimento, teremos por correto, sempre com o respeito por opinião diversa, que o critério fundamental para aferir da abrangência do seguro infortunístico laboral, perante um sinistro que atinge um trabalhador independente, será dado pela atividade que ele no momento exercia e não pelo critério da contrapartida económica.
Se ela se integra no âmbito da sua profissionalidade e pela qual ele estava seguro, então independentemente de estar a laborar para si ou para outrem, com remuneração ou sem ela, o sinistro de que eventualmente venha ser vítima, estará a coberto do contrato de seguro que celebrou (salvo naturalmente as hipóteses de invalidade deste.
Ora, no caso, apesar da gratuitidade da prestação dos serviços, não deixam estes de estar no âmbito da atividade desenvolvida pela Autora. Na verdade, resultou provado que a Autora é trabalhadora independente, dedicando-se a prestação de serviços de engenharia civil.
E que o acidente ocorreu quando a A. se deslocava a pé da sua residência para a Igreja …, a fim de se encontrar com o pároco respetivo tendo em vista efetuar, gratuitamente, um levantamento para a realização de obras de melhoramento do pavimento da Igreja e planificação dos materiais a aplicar.
Diremos ainda que este “animus donandi” da Autora não significa que o mesmo não tenha no futuro reflexos económicos, uma vez que a atividade prestada pela Autora pode ser vista pelos paroquianos como alguém em quem confiar e com capacidade para a contratarem nos serviços que eventualmente possam necessitar. Poderemos até encarar esta gratuitidade como um impulso publicitário da atividade prestada pela Autora.
Também não é pela circunstância de aquando do acidente a Autora também ir encontrar-se na Igreja local da aldeia com as crianças da catequese da paróquia, uma vez que por vezes, auxiliava a catequista da aldeia na preparação das crianças da catequese, faz com que se quebra o nexo causal entre a deslocação nesse trajeto e a prestação de serviços da sua profissão. O que importa é que uma das causas dessa deslocação tivesse ligada ao exercício da sua atividade profissional – o que aconteceu no caso.

Em face disso e por tudo o que se expendeu – e porque a Autora tinha a respetiva responsabilidade infortunística validamente transferida para a Ré – é a esta que incumbe, a reparação legalmente devida pelo acidente.
Deste modo, improcedem as conclusões do recurso, confirmando-se a sentença impugnada.
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3. As custas do recurso ficam a cargo da ré recorrente (artigo 446º do CPC).
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IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e em consequência confirmar a decisão recorrida.
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Condenam a Recorrente no pagamento das custas (artigo 446º do CPC).
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
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(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 16 de janeiro de 2012
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
José Carlos Dinis Machado da Silva
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[1] Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, consultável no respetivo sítio, bem como Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2001 e 10/04/2008, respetivamente n.º 01A2507 e 08B877, in www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de de 15/12/2005, processo n.º 0535648, in www.dgsi.pt.
[2] Processo nº 3764/0, in www.dgsi.pt.
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SUMÁRIO – a que alude o artigo 713º, nº 7 do CPC
I – O contrato de seguro de acidentes de trabalho dos trabalhadores independentes, ou seja, daqueles que exercem uma atividade por conta própria (sem estarem colocados numa posição de subordinação jurídica) também compreende os sinistros ocorridos no exercício da sua atividade profissional e pela qual o trabalhador estava seguro, mesmo que prestados a título gratuito, ou seja, sem qualquer remuneração.
II – O critério fundamental para aferir da abrangência do seguro infortunístico laboral, perante um sinistro que atinge um trabalhador independente, será dado pela atividade que ele no momento exercia e não pelo critério da contrapartida económica.

António José da Ascensão Ramos