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COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONHECIMENTO OFICIOSO
DIREITO AO RECURSO
DOCUMENTO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
EXTEMPORANEIDADE
PARECERES
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
PROIBIÇÃO DE PROVA
QUESTÃO NOVA
RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário
I - Como decorre do art. 165.º do CPP, o encerramento da audiência tem de ser considerado o limite temporal máximo para a apresentação de documentos em processo penal: para os documentos que constituam elementos de prova, excepcionalmente (para situações extremas de documentos supervenientes em que estejam em causa as garantias de defesa, cf. Ac. do STJ de 11-12-2009, Proc. n.º 119/04.9GCALQ.S1, e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, em anotação ao art. 430.º, ponto 9); para os documentos que consistam em pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, sem carácter excepcional. II - Marques Ferreira propende para a solução de que, na ausência de prova da impossibilidade da sua junção em momento anterior, o documento deve ser junto, mas com submissão do requerente ao pagamento de uma soma em UCs, por aplicação subsidiária do art. 523.º, n.º 2, do CPC (in Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, pág. 260), ideia essa contrariada por Germano Marques da Silva, que entende que, se o documento for tido como relevante, deve ser junto oficiosamente pelo juiz (in Curso de Processo Penal, II, págs. 205 e 206). III -A jurisprudência dominante considera que os documentos se destinam a fazer prova de factos e dado que para a formação da convicção probatória só relevam as provas que forem produzidas ou examinadas em audiência (cf. art. 355.º, n.º 1, do CPP), os documentos apresentados depois deste limite temporal não podem estar a coberto daquele normativo processual expressivo do princípio fundamental da imediação (cf. Acs. do STJ de 25-03-2004, Proc. n.º 463/04 - 5.ª, e de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/08 - 3.ª). IV -Também se tem considerado que o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida (cf. Acs. do STJ de 11-04-2002, Proc. n.º 1073/02 - 5.ª, e de 21-02-2006, Proc. n.º 260/06 - 5.ª). V - No caso, o documento foi junto com a motivação do recurso para a Relação, portanto manifestamente fora do momento temporal (encerramento da audiência de julgamento) em que a lei permite a sua apresentação. Por outro lado, tratando-se embora de um parecer médico, apresenta questões novas num domínio com relevância para a prova produzida, sendo que os recorrentes nem sequer requereram a renovação da prova, nos termos do art. 430.º do CPP. Acresce que podiam, manifestamente, ter apresentado o documento durante a audiência de julgamento, dado que o facto que o suscita não é o suposto erro de apreciação da decisão recorrida, mas as contradições que inquinam, no seu entendimento, os relatórios médicos juntos aos autos, que já serviram de base à acusação e ao pedido cível. Assim, ao não tomar conhecimento do documento junto pelos recorrentes, o tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, pelo que o recurso não merece provimento. VI -O STJ tem entendido que o recurso da matéria de facto, ainda que restrito aos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (a chamada revista alargada) tem actualmente (isto é, depois da reforma introduzida pela Lei 59/98, de 25-08) de ser interposto para a Relação, e da decisão desta que sobre tal matéria se pronuncie já não é admissível recurso para o STJ (cf. Acs. de 01-06-2006, Proc. n.º 1427/06 - 5.ª, e de 22-06-2006, Proc. n.º 1923/06 - 5.ª). VII - Por conseguinte, pretendendo interpor-se recurso do acórdão final do tribunal colectivo quanto à matéria de facto, seja por via da impugnação da apreciação e valoração da prova produzida, seja por meio da alegação de vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, tal recurso há-de ser dirigido ao Tribunal da Relação, que é uma instância que aprecia matéria de facto e de direito, ao invés do STJ que aprecia exclusivamente matéria de direito, e a decisão da 2.ª instância é definitiva quanto a tal matéria, não podendo reeditar-se no recurso para o STJ as razões que fundaram a alegação desses vícios para a Relação e que já foram apreciados. IX - Esta interpretação é feita sem prejuízo de o STJ conhecer desses vícios oficiosamente, nos termos do art. 434.º do CPP e da jurisprudência fixada no Ac. n.º 7/95, de 19-10. Em tal caso, o STJ conhece oficiosamente desses vícios, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis. X - Uma tal interpretação não colide com o direito ao recurso, enquanto parte integrante do direito de defesa consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP, pois este direito alcança satisfatoriamente as exigências constitucionais com o asseguramento de um grau de recurso para um tribunal superior, neste caso a Relação.
Texto Integral
I. RELATÓRIO
1. No Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, foram julgados os arguidos AA,BB,CC e DD, todos identificados nos autos, tendo os mesmos sido condenados:
a) o arguido AA, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), num montante global de QUINHENTOS EUROS, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelos arts. 1º e 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho;
b) os restantes arguidos, cada um deles, na pena de 250 (DUZENTOS E CINQUENTA) dias de multa, à taxa diária de 5,00 € (cinco euros), pela prática em co-autoria material de um crime de ofensas à integridade física p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, do Código Penal (CP), na pessoa de AA.
Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo arguido/demandante AA contra os restantes arguidos/demandados, pelo que foram os mesmos condenados a pagar solidariamente ao demandante AA o montante 13.438,39€ (TREZE MIL QUATROCENTOS E TRINTA E OITO EUROS E TRINTA E NOVE CÊNTIMOS) a título de danos patrimoniais e o montante de 1.000,00€ (MIL EUROS) a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros de mora à taxa de 4%, desde a data da notificação dos demandados para contestar no que respeita aos primeiros danos e desde a data da decisão quanto aos segundos. (1)
2. Inconformados com a decisão, os arguidos/demandados BB, CC e DD recorreram para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, na concessão de parcial provimento aos recursos, reduziu a condenação penal dos recorrentes para 100 (cem) dias de multa e a indemnização, a título de danos patrimoniais, a favor do demandante AA, para €8.438,39 (oito mil, quatrocentos e trinta e oito euros e trinta e nove cêntimos).
3. Ainda inconformados, os mesmos demandados recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça da condenação cível.
Não tendo o recurso sido admitido, os demandados reclamaram do despacho do Desembargador-Relator para o presidente deste Tribunal, que, no deferimento da reclamação, ao abrigo do disposto na nova redacção do art. 400.º, n.ºs 2 e 3 do CPP, conjugado com a regra das alçadas vigente ao tempo da formulação do pedido cível, no valor de €27 566,09, sendo a alçada de €14 963,64 (art. 24.º, n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13/01), ordenou que o despacho reclamado fosse substituído por outro que admitisse os recursos.
No acatamento desta decisão, os recursos foram admitidos.
Da motivação, extraíram as seguintes conclusões:
I - Recurso quanto à indemnização civil:
1. Quanto às lesões supostamente sofridas pelo arguido AA e incapacidade fixada a este, contradiz-se o acórdão recorrido. Dos registos clínicos de fls. 47 a 51 não é identificada qualquer lesão nos ombros. Em 03/08/2006 (fls. 56) o arguido AA, quanto aos membros superior e inferior não apresentava qualquer lesão, não apresentando qualquer lesão ou sequela relacionada com o evento (fls. 58). É fixada a consolidação médico-legal em 10-05-2006, ou seja, nesta data o mesmo é considerado curado e que não evoluirá qualquer lesão de ora em diante.
2. Em 21/11/2007 surge o arguido AA com uma sequela no Membro Superior Direito, ou seja, em data posterior à da consolidação médico-legal, pelo que nada pode ter a ver com a ocorrência constante dos autos (fls. 242).
3. Em 31/01/2008 é fixado novamente a consolidação médico-legal em 10-05-2006, mas contraditoriamente firmado um suposto nexo de causalidade com uma lesão que não existia em 03/08/2006 e posterior a essa consolidação médico-legal, o que não faz qualquer sentido. Tal é de todo ilógico e contraditório, sendo assim contraditórios os factos 1, 3, 4, 5, 6, 7, 11, 13, 15, 20, 21, 22 entre si e com a fundamentação aduzida e documentos referidos.
4. Em todos os relatórios médico-legais, desde sempre foram referidos antecedentes patológicos. Refira-se apenas o que consta desde 03/08/2006 e é repetido em todos os relatórios médico-legais (fls. 57, 240 e 264):
"Como antecedentes patológicos e/ou traumatismos relevantes para a apreciação em apreço refere: Cervicalgias e lombalgias por discartroses cervicais e lombares, e ainda presença de escoliose lombar" Confirmação em RX de 30-03-2006.
5. Do documento do IFADAP de fls. 132 não é possível sequer apurar a que é que o mesmo que refere e reporta relativamente ao montante mencionado, pelo que nunca poderá ser considerado como uma penalização sofrida, indo o acórdão recorrido para além do que consta e é possível apurar de tal documento.
6. O vício da contradição insanável da fundamentação tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto, como à contradição na matéria de facto, como também aos meios de prova que serviram para formar a convicção do juiz (artigo 374°, n.° 2 do Código de Processo Penal).
7. Dos registos clínicos de fls. 47 a 51, dos relatórios médico-legais de fls. 51 a 59, 239 a 242 e 263 a 269 juntos aos autos não é possível fundamentar a decisão do Tribunal quanto às lesões e incapacidade indevidamente atribuídas.
8. Os relatórios médico-legais apresentam inúmeras contradições, sendo tudo menos rigorosos. Atentas as contradições existentes nos relatórios médico-legais e a sentença proferida, os recorrentes solicitaram parecer médico ao Professor Doutor A... de M..., um dos peritos médico-legais mais conceituados na área e especialista em ortopedia, junto como Doc. n.° 2 com o recurso interposto.
A junção do referido parecer apenas se tornou necessária para um melhor esclarecimento e devido à errónea interpretação clínica do Tribunal a quo.
9. Considerou o douto acórdão recorrido que "Como é evidente, os recorrentes querem ver conhecida, pelo Tribunal de recurso matéria que não foi do conhecimento da instância recorrida, o que é manifestamente ilegal."
10. Sucede porém que tal matéria de facto foi conhecida pelo Tribunal de recurso e por ele erroneamente apreciada, o que nunca seria de prever atenta a documentação constante dos autos.
11. O mesmo tendo sucedido relativamente ao facto provado de que "Durante o ano de 2006 o arguido não pode cuidar das suas propriedades como fazia anteriormente sofrendo penalização do IFADAP de 464,996", o que não é possível apurar do documento junto aos autos, conforme se demonstrou com o Doc. n.° 1 junto com o recurso interposto, o qual igualmente apenas se tornou necessário juntar devido à errónea apreciação da prova documental efectuada pelo Tribunal "a quo".
12. Como estamos no âmbito da matéria relativa ao pedido de indemnização civil a junção de documentos encontra-se regulamentada pelo artigo 524° do CPC.
13. Como refere o Supremo Tribunal de Justiça:
3. Em recurso de apelação, a junção de documentos às alegações, para serem considerados na decisão do recurso, pode ocorrer (i) nos casos excepcionais a que se refere o art. 524° do CPC, ou seja, quando não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância, e (ii) quando a junção apenas se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
14. Do doc. n.° 1 junto com o recurso resulta claramente que não foi sofrido pelo demandante civil o dano de 464,99€ que o mesmo alegou.
15. Do parecer médico-legal resulta claramente que o AA não sofreu as lesões que lhe foram atribuídas nem qualquer incapacidade, esclarecendo as contradições dos documentos dos autos.
16. Tendo considerado o Tribunal "a quo" ilegal a junção de documentos no âmbito de recurso do pedido cível, são inúmeras as decisões da jurisprudência contrárias nessa mesma matéria, pelo que os mesmos sempre deveriam ter sido admitidos e valorados, com a consequente improcedência do pedido de indemnização civil.
17. Não existe qualquer nexo de causalidade entre a lesão do ombro e o relatado nos presentes autos, o que sempre teria de ser demonstrado pelo arguido AA, sem prejuízo dos Recorrentes não serem responsáveis por quaisquer prejuízos ou danos.
18. Assim como não existe qualquer fundamento para considerar que o arguido AA não podia cultivar os campos em 2006 devido a lesões sofridas, quando a lesão no ombro nada tem a ver com o relatado nos presentes autos e as lesões supostamente sofridas pelo mesmo em nada o impediam de trabalhar como fazia anteriormente.
19. Pelo exposto, teria forçosamente de proceder o recurso no âmbito do pedido civil e ser revogada a sentença recorrida, pelo que sempre deverá ser revogado o acórdão recorrido nessa mesma matéria, por não ter admitido os documentos juntos, nem valorado os mesmos, bem como por ser contraditório com a prova documental constante dos autos, tratando-se de matéria de que pode conhecer o Supremo Tribunal de Justiça. O acórdão recorrido viola o disposto nos artigos 524°, 706°, n.° 1 do CPC e 32°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.
20. Sem prescindir, sempre os montantes em que foram condenados os Recorrentes foram excessivos e desproporcionais.
II - Recurso para fixação de jurisprudência:
21. O acórdão recorrido se encontra em oposição com os seguintes acórdãos: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
"1. Não tendo o relator, no despacho proferido nos termos do n.° 1 do art. 701° do CPC, conhecido da questão, suscitada nas contra-alegações da apelada, da inadmissibilidade dos documentos juntos com a alegação das apelantes, nada impede, antes tudo impõe, que tal questão seja conhecida pela conferência, como questão prévia, no acórdão em que julga a apelação.
2. As decisões da Relação são colegiais, são da competência da conferência; as funções do relator justificam-se com base no princípio da economia processual e por razões de celeridade processual, tendo os seus despachos carácter provisório, pois que deles cabe reclamação para a conferência.
3. Em recurso de apelação, a junção de documentos às alegações, para serem considerados na decisão do recurso, pode ocorrer (i) nos casos excepcionais a que se refere o art. 524° do CPC, ou seja, quando não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância, e (ii) quando a junção apenas se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
4. No segundo caso, não basta, para que a junção do documento seja permitida, que ela seja necessária em face do julgamento da 1.ª instância: é essencial que tal junção só (apenas) se tenha tornado necessária em virtude desse julgamento.
5. O que a lei (o art. 706/1 do CPC) quer contemplar são os casos em que a decisão da 1ª instância se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal (não oferecido pelas partes) ou em preceito jurídico com cuja aplicação ou interpretação as partes justificadamente não tivessem contado. "
22. Acórdão do STJ de 18/04/2006 :
"3) Mas se a junção é requerida na fase de recurso, não há intempestividade se a junção só se torna necessária em virtude do julgamento do juízo "a quo ".
4) Tal acontece quando a decisão se baseou em meio de prova não esperado ou em preceito jurídico cuja aplicação as partes não pudessem razoavelmente prever, embora o n° 3 do artigo 3º do CPC ao garantir o contraditório impeditivo de decisões surpresa, em muito limite essas situações.
5) Se o documento é, face ao demonstrado, oferecido em momento oportuno, há que emitir um juízo sobre a sua necessidade ou pertinência.
6) È impertinente o documento oferecido em recurso para prova de facto não alegado antes, já que os recursos destinam se ao reexame do julgado, que não a decisão de matérias novas."
23. Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do Recurso n. ° 2416/08 de Apelação, no qual foi decidido que "Ora, quanto ao primeiro documento, emitido pelo Laboratório de Materiais de Construção da Universidade do Minho, vê-se que está datado de 7 de Julho de 2008 (embora, aparentemente por lapso, da respectiva primeira folha conste a data de 7 de Outubro de 2007). Trata-se assim de documento de formação ulterior ao encerramento da discussão em 1ª instância (27 de Fevereiro de 2008), pelo que é legalmente válida a sua junção com a alegação de recurso. "
24. No âmbito do pedido de indemnização civil é aplicável o regime previsto no CPC (artigo 706°), pelo que é tempestiva a junção dos documentos, a mesma apenas se tornou necessária devido ao julgamento da primeira instância, teria de ser proferido juízo sobre a sua necessidade ou pertinência e admitido e julgado o pedido civil em conformidade, conforme resulta da jurisprudência supra citada.
25. Pelo que se requer a fixação de jurisprudência nessa mesma matéria e, como tal, admitida a junção dos documentos que claramente não é ilegal como refere o acórdão recorrido, assim se fazendo justiça.
26. O entendimento seguido pelo acórdão recorrido viola claramente o disposto no artigo 32°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa: "O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso." Com efeito são retiradas as garantias de defesa do arguido no âmbito do recurso segundo o entendimento que considera ilegal a junção efectuada de documentos.
Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido.
4. Interpôs recurso subordinado o arguido AA, que concluiu do seguinte modo:
A) Os recorrentes não deram cumprimento à previsão do citado art. 412.º do CPP, dispensando-se do ónus a que se reporta o n.º 4 daquele normativo, que lhes impunha o dever de elencar as razões da sua discordância de forma sucinta, precisa e selectiva – razão pela qual o tribunal não deveria sequer ter conhecido do recurso.
B) Não tendo os Recorrentes fornecido qualquer argumento que se oponha aos critérios do tribunal segundo os quais o tribunal de 1.ª instância fixou a indemnização por danos patrimoniais, não pode o Tribunal da Relação conhecer neste âmbito e, muito menos, alterar o valor dessa indemnização.
5. O Ministério Público junto deste Tribunal apôs o seu visto.
6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.
II. FUNDAMENTAÇÃO 7. Matéria de facto apurada 7.1. Factos dados como provados:
1 – Em 11 de Março de 2006, cerca das 18h, no Lugar de Cabreira, Carvalho, Celorico de Basto, o arguido AA trazia consigo uma pistola de defesa marca «FN Baby» calibre 6,35mm, com o nº 65265, referência «Fabrique Nationale D`armes Herstal Belgique, Browning`s Patent Depose» com cano de 6 cm de comprimento, e um carregador de 6 cm de comprimento, com 3 munições calibre 6,35 mm.
2 – O arguido não tem licença de uso e porte de arma de defesa, sendo tal arma propriedade do seu falecido pai.
3 - Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, os arguidos BB e CC envolveram-se em discussão com o arguido AA motivada por questões relacionadas com a delimitação das suas propriedades.
4 – No decurso dessa discussão o arguido AA tentou atingir o BB com uma sachola, tendo retirado do bolso a pistola identificada em 1.
5 - Os arguidos CC e BB agarraram, de imediato, o arguido AA, atirando-o para o chão, desferindo-lhe murros no pescoço, nas costas e no tórax, tendo o CC infligido golpes no corpo deste com uma tesoura da poda.
6 – Enquanto os arguidos BB e CC agrediam o arguido AA, o arguido DD imobilizava-o, segurando-o nos braços.
7 - O arguido BB logrou retirar a arma identificada em 1. ao arguido.
(…)
9 – Em consequência directa e necessária desta agressão, resultou para o arguido AA equimoses na face e cervicais, no ombro direito e no hipocôndrio esquerdo, equimoses e escoriações esternais e na região posterior do tórax.
10 – E levando à necessidade de ser assistido no Centro de Saúde de Celorico de Basto e hospital de Fafe, onde realizou ecografia da grade costal.
11- Resultou dessas lesões para AA sequela no membro superior direito: limitação funcional do ombro, onde existem sinais de periartrite muito dolorosa: rigidez na abdução 60º activamente, 70º passivamente mas com bastante dor, rotação interna de apenas 70º, antepulsão de 90º, passivamente mas muito dolorosa, rotação externa de apenas 45º.
12- Estas lesões demandaram 60 dias para a consolidação médico-legal, com 8 dias de incapacidade temporária geral, 53 dias de incapacidade temporária geral parcial, 61 dias de incapacidade temporária profissional total e causaram ao arguido AA uma incapacidade permanente geral fixável em 15%, à qual acresce um dano futuro de 5%.
13 – As sequelas descritas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas exigem esforços suplementares
14 – O arguido AA agiu livre, deliberada e conscientemente sabendo que não era titular de licença de uso e porte de arma de defesa, e ainda assim, fez-se transportar da mencionada arma.
15 – Os arguidos BB, CC e DD actuaram livre e conscientemente, em comunhão de esforços visando atingir o corpo e a saúde de AA e provocar as lesões supra referidas.
16 – Sabiam todos os arguidos que esses comportamentos eram proibidos e punidos pela lei penal.
17 – O arguido AA em virtude da agressão perpetrada pelos demais arguidos foi assistido no centro de Saúde de Celorico de Basto e transportado para o hospital de Fafe, despendendo aquela instituição o montante de 44,21€.
18 - O arguido AA em virtude do comportamento dos arguidos despendeu 13,90€ em tratamentos, consultas e radiografias.
19 – Teve necessidade de se deslocar diversas ocasiões, em número não concretamente apurado, a Celorico, Fafe e Amarante, despendendo quantia não inferior a 80,00€.
20 – À data dos factos o arguido AA tinha 61 anos de idade, sendo até aí pessoa saudável e trabalhadora.
21 – Durante o ano de 2006 o arguido não pode cuidar das suas propriedades como fazia anteriormente sofrendo penalização do IFADAP de 464,99€ e deixando de colher pelo menos 4 pipas de vinho à razão de 500,00€ cada uma.
22 – O arguido AA, em virtude da conduta dos demais arguidos sofreu dores, medo e pânico e sentiu-se vexado.
Mais se provou que:
23 – Os arguidos não têm antecedentes criminais.
24 – O arguido AA confessou os factos que lhe são imputados.
25 – É solteiro, agricultor e vive em casa própria.
26 – O arguido BB vive com a esposa e dois filhos menores, aufere 500,00€ a trabalhar nas obras, despende 400,00€ no pagamento de prestação relativa à aquisição de casa própria.
27 – O arguido CC vive com a esposa e dois filhos menores, aufere 530,00€ a trabalhar nas obras, despende 300,00€ no pagamento de prestação relativa à aquisição de casa própria.
28 - O arguido DD vive com a esposa e três filhos menores, está desempregado auferindo 500,00€ de subsídio, vive em casa própria.
29 – Os arguidos BB, CC e DD são respeitadores e respeitados por todos os que com eles convivem
7.2. Factos dados como não provados:
- Que o arguido AA tenha efectuado dois disparos com a arma.
- Que num ano normal a vinha de AA produz 10 pipas de vinho.
8. Questões a decidir:
A) Do recurso principal:
- Questão prévia da admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência;
- Questão prévia do documento junto com a motivação de recurso para a Relação;
- Vícios da matéria de facto;
- Montante indemnizatório.
B) Do recurso subordinado:
- Alteração do montante indemnizatório pela Relação.
8.1. Questões prévias.
Os recorrentes/demandados interpuseram recurso extraordinário para fixação de jurisprudência na 2.ª parte da sua motivação.
Tal recurso é claramente inadmissível, face às regras aplicáveis.
Com efeito, basta atentar nos pressupostos exigidos pelos arts. 437.º e 438.º do CPP e, desde logo, na necessidade de ocorrência de oposição de acórdãos transitados em julgado, sendo que o recurso é interposto no prazo de 30 dias acontar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
Ora, o acórdão em causa, que estaria em oposição com outros (os recorrentes indicam vários) é o deste mesmo processo, proferido pela Relação, que ainda, patentemente, não transitou em julgado.
Isto basta para rejeitar in limine um tal recurso, que além disso, teria de observar um procedimento autónomo, como resulta dos arts. 438.º e ss. do CPP e não pode, pela natureza das coisas, ser interposto a título subsidiário.
8.2. A outra questão prévia diz respeito ao documento junto com a motivação de recurso que os recorrentes/demandados interpuseram para a Relação.
Trata-se de um documento particular elaborado pela Clínica de Peritagens Médico-Legais do Prof. A... de M..., sito na cidade do Porto, em que se põem em causa as conclusões das perícias médico-legais efectuadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal – Gabinete Médico-Legal de Guimarães - que se encontram nos autos e com base nas quais assentou a matéria de facto fixada.
As conclusões desse documento são as seguintes: 1. A data da consolidação médico-legal das lesões deverá permanecer fixada no dia considerado pelo INML aquando do primeiro exame pericial, ou seja, 10-05-2006, por experiência e comparação com casos semelhantes; 2. O período de incapacidade geral total fixável em 5 dias; 3. Período de incapacidade geral parcial fixável em 55 dias; 4. Período de incapacidade temporária profissional total fixável em 15 dias; 5. Quantum doloris fixável em grau 2/7 (ligeiro); 6. Não existe incapacidade permanente geral; 7. As sequelas descritas são, em termos profissionais, compatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual e similares; 8. Dano estético inexistente; 9. Prejuízo de afirmação pessoal inexistente; 10. Não há dano futuro.
Trata-se, como é evidente, de um parecer técnico, mas de um parecer por meio do qual se pretende pôr em causa as perícias médico-legais realizadas nos autos e a consequente matéria de facto dada como provada.
Este parecer foi junto, como se disse, com a motivação de recurso para a Relação, justificando os recorrentes/demandados a sua tardia junção com a necessidade derivada de errónea interpretação clínica do Tribunal a quo ⌠na decisão recorrida⌡.
O Tribunal da Relação não conheceu deste documento, perfilhando o entendimento expresso no parecer do Ministério Público elaborado nos termos do art. 416.º do CPP, segundo o qual em face do entendimento da doutrina e jurisprudência, os documentos juntos com a motivação de recurso não podem ser atendidos pelo Tribunal de recurso. A sua consideração por esta Relação violaria os princípios que estão na base da audiência de julgamento da 1.ª instância, maxime, o do contraditório. Note-se, por exemplo, que o doc. n.º 2 (fls. parecer médico), além de não ser um parecer jurídico, iria contender com a matéria de facto fixada na sentença em crise, nomeadamente com os seus números 11, 12 e 13.
A concluir, a decisão recorrida, afirma: Como é evidente, os recorrentes querem ver conhecida, pelo Tribunal de recurso, matéria que não foi do conhecimento da instância recorrida, o que é manifestamente ilegal.
O Código de Processo Penal, aplicável ao caso, determina, no seu art. 165.º, o seguinte: 1 - O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência. 2 - Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para a realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias. 3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, os quais podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência.
A junção de documentos é, assim, possível, até ao encerramento da audiência, mas a título excepcional, como tem sido entendido jurisprudencialmente, quando se alegue e prove que não foi possível até esse momento juntar o documento. MARQUES FERRREIRA, no entanto, propende para a solução de que, na ausência de prova da impossibilidade da sua junção em momento anterior, o documento deve ser junto, mas com submissão do requerente ao pagamento de uma soma em UCs, por aplicação subsidiária do art. 523.º, n.º 2 do CPC (“Meios de Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal – Centro de Estudos Judiciários, Livraria Almedina, p. 260), ideia essa contrariada por GERMANO MARQUES DA SILVA, que entende que, se o documento for tido como relevante, deve ser junto oficiosamente pelo juiz (Curso de Processo Penal II, Editorial Verbo 2002, 3.ª edição, pp. 205/206 – nota).
Tratando-se, porém, de pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, a sua junção é sempre possível, mesmo sem ser a título excepcional, até ao encerramento da audiência de julgamento.
O encerramento da audiência tem, pois, de ser considerado o limite temporal máximo para a apresentação de documentos em processo penal: para os documentos que constituam elementos de prova, excepcionalmente (Cf. no entanto para situações extremas de documentos supervenientes em que estejam em causa as garantias de defesa, Acórdão do STJ de 11/12/2009, Proc. n.º 119-04.9GCALQ.S1, e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, este no âmbito da renovação da prova – anotações ao art. 430.º, ponto 9.); para os documentos que consistam em pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, sem carácter excepcional.
Ora, ao pedido cível enxertado num processo crime aplicam-se as normas do processo penal (entre outros, veja-se o Acórdão do STJ de 09-07-98, Proc. n.º 1509/79), não havendo lacunas no regime que tenham de ser preenchidas por recurso às normas do processo civil.
A jurisprudência dominante considera que os documentos se destinam a fazer prova de factos e dado que para a formação da convicção probatória só relevam as provas que forem produzidas ou examinadas na audiência (art. 355.º, n.º 1 do CPP), os documentos apresentados depois do referido limite temporal não poderiam estar a coberto daquele normativo processual expressivo do princípio fundamental da imediação (Cf. Acórdãos do STJ de 25-03-2004, Proc. n.º 463-04, da 5.ª Secção e de 20-02-2008, Proc. n.º 4838-08, da 3.ª Secção).
Também se tem considerado, como na decisão sub judice, que «o tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam exclusivamente ao reexame das questões decididas na decisão recorrida» (a título de exemplo, cf. os Acórdãos do STJ de 11-04-2002, Proc. n.º 1073-02, da 5.ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, edição anual 2002, p. 134, e de 21-02-2006, Proc. n.º 260-06, da 5.ª Secção).
Esta última jurisprudência também se aplicaria aos pareceres, na medida em que possam levantar questões novas não apreciadas na decisão recorrida.
Ora, no caso sub judice, o documento apresentado foi manifestamente fora do momento temporal (encerramento da audiência de julgamento) em que a lei permite a sua apresentação.
Por outro lado, veja-se que, tratando-se embora de um parecer médico, apresenta questões novas num domínio com relevância para a prova produzida, sendo certo que os recorrentes/demandados nem sequer requereram a renovação da prova, nos termos do art. 430.º do CPP. E, a acrescer ao exposto (e isto só para responder à justificação que adiantaram), eles podiam, manifestamente, ter apresentado o documento durante a audiência de discussão e julgamento, dado que o facto que o suscita não é a própria ocorrência do julgamento (mais propriamente o suposto erro de apreciação contido na decisão recorrida), como eles dizem, mas as contradições que inquinam, no seu entendimento, os relatórios médicos juntos aos autos, que já serviram de base à acusação e ao pedido cível. Os recorrentes/demandados podiam e deviam prever que o tribunal não atendesse os seus pontos de vista quanto às contradições por eles apontadas (pois faz parte da normalidade das coisas que o tribunal dê ou não dê razão a determinado posição das partes), diligenciando a tempo pela obtenção do documento e até suscitando a discussão sobre o mérito e a coerência interna das perícias realizadas nos autos, com eventual intervenção do próprio subscritor do referido parecer.
Certo é que, mesmo deste ponto de vista construído a partir da argumentação dos recorrentes/demandados, o documento podia e devia ter sido junto até ao encerramento da audiência de julgamento, conforme estipula o citado art. 165.º do CPP.
Resulta, pois, de todo o exposto que o tribunal “a quo”, ao não tomar conhecimento do documento junto pelos recorrentes/demandados, não violou qualquer disposição legal, pelo que o recurso, nesta parte, não merece provimento.
8.3. Quanto ao fundo da decisão, os recorrentes voltam a invocar vícios do art. 410.º. n.º 2 do CPP, nomeadamente contradição insanável na fundamentação, entendendo que os exames médicos enfermam de contradições e que estas foram acolhidas na matéria de facto dada como provada.
Ora, essa questão foi já analisada na decisão do Tribunal da Relação e, sendo matéria de facto, não admite recurso em 2.º grau para o STJ, que é um tribunal de revista.
Com efeito, tem entendido este Tribunal, em jurisprudência praticamente uniforme, que o recurso da matéria de facto, ainda que restrito aos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP (a chamada revista alargada) tem actualmente (isto é, depois da reforma introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto) de ser interposto para a Relação, e da decisão desta que sobre tal matéria se pronuncie já não é admissível recurso para o STJ, pelo que se haverão de considerar precludidas todas as razões que foram ou podiam ser invocadas nesse recurso, cuja decisão esgota os poderes de cognição nessa matéria (Cf., entre outros, os acórdãos de 1/6/2006, Proc. n.º 1427/06 – 5.ª e de 22/6/2006, Proc. n.º 1923-06 – 5.ª e no mesmo sentido SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, O Novo Código E Os Recursos, 2001, edição policopiada, pgs. 9 e 10).
Esta interpretação colhe apoio na redacção introduzida pela aludida reforma na alínea d) do art. 432.º do CPP ⌠actualmente, alínea c), após a Lei 48/2007, de 29 de Agosto⌡, que passou a conter a locução, antes inexistente, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Por conseguinte, pretendendo interpor-se recurso de acórdão final do tribunal colectivo quanto à matéria de facto, seja por via da impugnação da apreciação e valoração da prova produzida, seja por meio da alegação de vícios do art. 410.º, n.º 2, tal recurso há-de ser dirigido ao Tribunal da Relação, que é uma instância que aprecia matéria de facto e de direito, ao invés do STJ que aprecia exclusivamente matéria de direito, e a decisão da 2.ª instância é definitiva quanto a tal matéria, não podendo reeditar-se no recurso para o STJ as razões que fundaram a alegação desses vícios para a Relação e que já foram apreciadas.
Se os recorrentes interpuseram recurso para a Relação em que suscitaram divergências relativas à matéria de facto nas quais se inclui a que agora retomam, tendo a Relação decidido sobre tais questões, a matéria de facto tem de ser considerada como assente, não podendo tal questão ser retomada no recurso para o STJ, restrito que está à reposição da matéria de direito (cfr. disposições conjugadas dos arts. 432.º, al. d), e 434.º do CPP (Ac. de 15-10-2003, Proc. n.º 1882/03 - 3.ª Secção).
Esta interpretação colhe inclusive o apoio doutrinário de Germano Marques da Silva, que assim se pronuncia na ob. cit. p. 371: Recente jurisprudência do STJ tem considerado que a norma do art.º 410.º do CPP deve ser interpretada restritivamente, não sendo aplicável aos recursos referidos na alínea d), do artigo 432.º. Parece-nos acertada esta orientação, pois, se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo, a relação deve desde logo proceder à sua renovação. Acresce que tendo havido documentação da prova, o tribunal da relação pode também decidir com base na prova documentada, o que o STJ não pode fazer por não ter poderes de decisão em matéria de facto.
É claro que uma tal interpretação é feita sem prejuízo de o STJ conhecer dos citados vícios oficiosamente, nos termos do disposto no art. 434.º do CPP e da jurisprudência fixada por este Tribunal no Acórdão n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR 1.ª S/A, de 28/12/95. Em tal caso, porém, o STJ conhece oficiosamente desses vícios, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.
Uma tal interpretação não colide com o direito ao recurso, enquanto parte integrante do direito de defesa consagrado no art. 32.º, n.º 1 da Constituição, pois o referido direito alcança satisfatoriamente as exigências constitucionais com o asseguramento de um grau de recurso para um tribunal superior, neste caso a Relação.
Ora, o Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão recorrido, apreciou justamente a referida questão dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, tendo concluído pela inexistência desses vícios.
Por conseguinte, essa questão está decidida, considerando-se estabilizada a matéria de facto, tanto mais que este Tribunal não detecta na decisão, encarada em si mesma e com apelo às regras gerais da experiência comum, nenhum dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP.
As aparentes contradições ostentadas pelos relatórios médicos foram consideradas pelas instâncias e justificadas de forma razoável, isto é, de forma racional e lógica, de acordo com as regras da experiência, na motivação da decisão de facto pela 1.ª instância e depois acolhida pela Relação, a qual transcreve parte da referida motivação, nomeadamente a passagem em que a 1.ª instância afirma: «No que respeita aos exames médicos, conferimos especial credibilidade ao efectuado em Janeiro de 2008, atente-se que é o relatório mais actual, em que o perito médico dotado de toda a documentação e exames complementares, que entendeu por necessários, atestou as consequências definitivas que do evento advieram para o arguido AA, admitindo claramente o nexo de causalidade entre as lesões e sequelas que o arguido AA apresenta com os factos que agora julgamos, excluindo expressamente a existência de causa estranha relativamente ao traumatismo».
Assim, esta questão também é improcedente.
8.4. Os recorrentes/demandados colocam de seguida o problema do montante indemnizatório nestes termos: Sem prescindir, sempre os montantes em que foram condenados os Recorrentes foram excessivos e desproporcionados. Isto, tanto nas conclusões, como no texto da motivação. Esta fórmula foi usada, tal e qual, na motivação de recurso para a Relação.
Ora, o tribunal “a quo” baixou significativamente o montante da indemnização a título de danos patrimoniais: de € 13.438,39 8 (treze mil, quatrocentos e trinta e oito mil euros e trinta e nove cêntimos) para € 8.438,39 (oito mil, quatrocentos e trinta e oito euros e trinta e nove cêntimos), como decorre do dispositivo, havendo lapso manifesto na parte do texto imediatamente anterior, quando aí se refere que mais se ajusta a fixação de indemnização de €5000, (cinco mil euros), em vez de se ter dito que melhor se ajustava a redução do quantitativo fixado na 1.ª instância em €5.000,00. – erro que será corrigido ao diante. Por tal razão, não faz sentido que os recorrentes continuem a afirmar que o montante é excessivo e desproporcionado, sem adiantarem razões válidas que contradigam a alteração da decisão para um quantitativo substancialmente menor.
É, pois, destituída de fundamento e, como tal, improcedente a questão levantada pelos recorrentes/demandados.
9. Recurso subordinado: 9.1. O recorrente/demandante, no capítulo da indemnização, basicamente afirma que, não tendo os recorrentes/demandados fornecido qualquer argumento que se oponha aos critérios do tribunal segundo os quais o tribunal de 1.ª instância fixou a indemnização por danos patrimoniais, não podia o Tribunal da Relação conhecer neste âmbito e, muito menos, alterar o valor da indemnização.
Ora, tal não é exacto.
Os recorrentes/demandantes sempre alegaram que o montante da indemnização era excessivo e desproporcionado. Trata-se, claro, de uma mera conclusão, mas por detrás dela, existe toda a contestação que fizeram às conclusões dos relatórios médicos, considerando que as lesões não tinham o carácter nem a extensão ali referidas.
Como tal, o tribunal “a quo”, se mais não fosse, tinham fundamento, por aí, para encararem e decidirem a questão da indemnização.
Ora, o tribunal “a quo”, embora de forma muito sintética, considerou que a actuação do recorrente/demandante foi provocatória do comportamento dos arguidos/demandados (… importa, de facto, sopesar devidamente que se gerou uma discussão e que foi na sequência desta que existiu provocação agressiva (e violenta, diga-se) por parte do AA, sendo, por assim dizer, adequada e quase natural a reacção dos ora recorrentes). Na sequência dessa constatação, baixou a pena aplicada pelo crime e também, na parte cível, tal circunstância teve influência.
Os recorrentes/demandantes foram condenados por danos patrimoniais nos seguintes termos, que se extractam da decisão de 1.ª instância: No que respeita ao pedido formulado por AA , apuramos que o demandante sofreu prejuízos materiais em virtude dos factos, em primeira linha, gastou 13,40€ em exames e consultas, 80,00€ com transporte aos diversos estabelecimentos a que teve que recorrer, esteve dois meses sem poder trabalhar na agricultura, deixando, desse modo, de auferir, qualquer rendimento, pelo que atendendo ao SMN, consideramos que sofreu um dano patrimonial não inferir a 880,00€, por outro lado, deixou de tratar das suas terras convenientemente, prejudicando a colheita de 4 pipas de vinho à razão de 500,00€ cada uma, sofrendo um prejuízo, nessa parte, que se estima em 2000,00€, ademais, foi penalizado pelo IFADAP em 464,99€, pelo não amanho adequado das terras.
Em relação a outros danos, o tribunal calculou assim o montante indemnizatório:
As lesões sofridas e o grau de incapacidade geral permanente e dano futuro (15%+5%) que determinaram; a idade do ofendido (61 anos, à data dos factos); o seu estado de saúde anterior ao evento danoso (pessoa saudável e trabalhadora); o reflexo das sequelas de que ficou a padecer na sua saúde e no equilíbrio físico, psíquico e relacional; a maior penosidade no exercício da sua profissão, na proporção do grau de incapacidade atribuído, sendo de presumir que a vida laboral activa do ofendido, como a de qualquer trabalhador agrícola, se desenrole pelo menos até aos 70 anos de idade.
Há que quebrar com a prática, mais ou menos instalada nos nossos tribunais, de atribuir indemnizações que, conforme refere Álvaro Dias, ob. cit., pág. 176, raiam a avareza. Tem de se acompanhar os tempos e valorizar devidamente o que deve e merece ser valorizado, mesmo que por via compensatória: a vida, a saúde e o bem estar social dos lesados.
Por todas as considerações expostas, e atendendo aos factores supra referidos, entendemos adequado fixar o montante indemnizatório pela IPG e pelos danos futuros que o ofendido sofrerá em 10.000,00€.
Deste modo, o montante indemnizatório pelos danos patrimoniais ascendeu a €13.438,39.
Ora, foi este quantitativo que o Tribunal da Relação reduziu para €8.438,39, atendendo à acção do lesado e à situação familiar e económica dos recorrentes. Não nos parece que mereça censura a fixação de tal quantitativo, pois o tribunal pode reduzir o montante da indemnização devida, nos termos do art. 570.º, n.º 1 do Código Civil (CC), quando concorra culpa do lesado. A redução em aproximadamente um terço parece-nos adequada.
Quanto aos danos não patrimoniais, dado o quantitativo não muito elevado estabelecido na 1.ª instância, parece-nos correcta a decisão de o manter.
Eis por que se entende que não há censura a fazer à decisão recorrida também neste âmbito, improcedendo, por consequência, o recurso subordinado.
III. DECISÃO
9. Nestes termos, acordam em conferência na (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:
9.1. Nostermos dos artigos 380.º, n.º 1, alínea b) e 425.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Penal, corrigir o lapso manifesto contido no texto do acórdão (fundamentação), na parte imediatamente antes do dispositivo, de forma a que onde se lê mais se ajusta a fixação de indemnização de €5.000,00, passe a ler-se mais se ajusta a fixação da indemnização em menos €5000, (cinco mil euros), procedendo-se à anotação respectiva no local indicado.
9.2.
A) Relativamente aos recursos interpostos pelos arguidos/demandados BB, CC e DD:
- Rejeitar, por inadmissível, o recurso para fixação de jurisprudência;
- Julgar improcedentes os recursos interpostos da parte cível da decisão recorrida.
B) Relativamente ao recurso subordinado do arguido/demandante AA, julgá-lo improcedente.
Por todo o exposto, confirmam a decisão recorrida integralmente.
10. Custas cíveis
10.1. do 1.º recurso, pelos recorrentes/demandados, que pagarão ainda a quantia de 2 UC pelo incidente do recurso extraordinário que interpuseram.
10.2 do recurso subordinado pelo recorrente/demandante.
Tudo sem prejuízo da protecção judiciária de que gozem.
Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Outubro de 2010
Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor
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(1) Os mesmos arguidos/demandados foram também condenados a pagar solidariamente a quantia de €44,21 á à Administração Regional de Saúde do Norte – Sub-Região de Saúde de Braga – Centro de Saúde de Celorico de Basto, a título de danos patrimoniais.