RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CADUCIDADE
CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO
RECURSO DE DECISÃO ADMINISTRATIVA
Sumário

I - O acórdão ora impugnado recusou a aplicação do AUJ 2/94, não por julgá-lo ultrapassado, mas por considerar que caducou, em face da publicação do DL 244/95.
II - Existe caducidade da jurisprudência fixada quando lei posterior vem consagrar solução contrária ou incompatível com a doutrina fixada.
III - O AUJ 2/94 fixou doutrina no sentido de que o prazo indicado no n.º 3 do art. 59.º do RGCO não tem natureza judicial. O Acórdão abordara um “conflito” entre dois acórdãos das Relações que decidiram diferentemente essa questão. Com efeito, o acórdão da Relação de Coimbra de 17-03-93, o acórdão então recorrido, decidira que o prazo estabelecido no citado art. 59.º, n.º 3, para efeitos de recurso da decisão administrativa que aplica uma coima, era um prazo judicial, que se suspendia, de acordo com o art. 144.º, n.º 3, do CPC, na redacção então vigente, nas férias judiciais e nos sábados, domingos e feriados; por sua vez, o acórdão-fundamento, o acórdão da Relação de Évora de 08-05-90, julgara que tal prazo não era judicial, não se suspendendo naquelas ocasiões, antes correndo continuamente.
IV - Ao fixar o entendimento de que o prazo do art. 59.º, n.º 3, do RGCO não era um prazo judicial, o AUJ 2/94 veio estabelecer que a tal prazo não se aplicava o disposto no n.º 3 do art. 144.º do CPC, na redacção que então vigorava, e que, consequentemente, o prazo corria continuamente. Da mesma forma, e decorrendo da natureza não judicial do prazo, não seriam aplicáveis ao mesmo prazo as restantes regras atinentes aos prazos judiciais, como os arts. 104.º, n.º 1, e 107.º, n.º 5, do CPP.
V - O DL 244/95 veio modificar supervenientemente o quadro legislativo. Mas fê-lo apenas em dois aspectos: ampliando o prazo de 8 para 20 dias; e determinando a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, mas já não nas férias judiciais. Quer dizer: o DL 244/95 não veio expressamente alterar a natureza do prazo de recurso das decisões administrativas que aplicam coimas, nem sequer estabelecer um regime de contagem idêntico ao dos prazos judiciais, hipótese em que se poderia argumentar a favor de uma tácita intenção de modificar a sua natureza. O que o DL 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72.º, n.º 1, al. b), do CPA, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos nos sábados, domingos, feriados e nas férias judiciais.
VI - Ou seja: o DL 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59.º, n.º 3, num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa.
VII - Com a reforma introduzida no CPC pelo DL 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144.º, n.º 1), regra que é aplicável ao processo penal, por força do n.º 1 do art. 104.º do CPP. Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias.
VIII - É certo que o DL 244/95 em alguma medida contradiz o AUJ 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou. Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107.º, n.ºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei 59/98, de 25-08).
IX - Tendo a decisão recorrida “infringido” o AUJ 2/94 com fundamento em caducidade do mesmo, e não em desactualização da jurisprudência fixada, duvidoso será que tenha de haver pronúncia sobre essa matéria. Porém, na medida em que da letra do n.º 3 do art. 446.º do CPP pode resultar o entendimento de que tal pronúncia é obrigatória, e também porque os recorridos fazem esse pedido subsidiariamente, aliás em conexão com a invocação de inconstitucionalidade da doutrina do AUJ 2/94, por violação dos arts. 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 10, da CRP, dir-se-á o que segue sobre essa questão.
X - O direito de defesa em processo contra-ordenacional, que inclui o direito de audiência e o direito de recurso da condenação administrativa para um tribunal, está suficientemente salvaguardado nos arts. 59.º e ss. do RGCO, em cumprimento do disposto no n.º 10 do art. 32.º da CRP. A aproximação do direito contra-ordenacional ao direito penal, que é real, não impõe uma coincidência dos regimes processuais de ambos os ilícitos, dada a diferente natureza dos interesses em causa. É, pois, materialmente justificável uma diversa expressão dos direitos dos arguidos, naturalmente mais intensa no processo penal.
XI - Não se mostra, pois, ultrapassada nem contrária à CRP a doutrina do AUJ 2/94. Concluindo: este Acórdão não caducou em toda a sua extensão, mantendo-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no n.º 3 do art. 59.º do RGCO não é um prazo judicial, daí derivando nomeadamente a inaplicabilidade àquele prazo da regra do n.º 6 do art. 107.º do CPP.

Texto Integral

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. RELATÓRIO

            AA – AA, S.A. e BB, notificados da decisão da Autoridade da Concorrência de 24.12.2009, que os condenou no pagamento de coimas, requereram, perante o Tribunal de Comércio de Lisboa, a prorrogação, por mais 30 dias, do prazo para a impugnação judicial, prazo adicional que, alegando especial complexidade do processo, consideraram ser indispensável ao exercício do direito de defesa.

            Esse requerimento foi indeferido, com fundamento em que, não tendo sido iniciada a fase judicial, o prazo não é processual e, como tal, não é susceptível de prorrogação.

            Recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 2.6.2010, julgou o recurso procedente, com a seguinte fundamentação:

7 - A única questão que o presente recurso coloca é a de saber se o prazo de 20 dias previsto no artigo 59.°, n.° 3, RGIMOS para a impugnação judicial da decisão administrativa que aplicou aos recorrentes as sanções atrás mencionadas pode, de acordo com o disposto no n.° 6 do artigo 107.° do Código de Processo Penal, num caso de excepcional complexidade como é este, ser prorrogado por mais 30 dias.

A resposta a essa questão não pode, a nosso ver, deixar de ser afirmativa.

Senão vejamos.

De acordo com o artigo 49.° da Lei n.° 18/2003, de 11 de Junho, «aplicam-se à interposição, ao processamento e ao julgamento dos recursos previstos na presente secção os artigos seguintes e, subsidiariamente, o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social».

Esse preceito apenas excepciona dessa remissão os casos em que uma disposição em sentido diverso constar dessa mesma lei.

No que respeita à impugnação judicial das decisões proferidas pela Autoridade da Concorrência que apliquem coimas ou outras sanções, este diploma apenas diz, no n.° 1 do seu artigo 50.°, que delas cabe recurso para o Tribunal de Comércio de Lisboa, com efeito suspensivo, não definindo directamente qualquer outro aspecto do seu regime.

Por isso, em tudo o que ele não disciplina directamente, há que aplicar o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social.

De acordo com o n.° 3 do artigo 59.° do RGIMOS o prazo para impugnar judicialmente uma decisão administrativa que tenha aplicado uma sanção é de 20 dias.

Porém, o n.° 1 do artigo 41.° desse mesmo conjunto normativo estabelece que, «sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal».

Ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, tal aplicabilidade subsidiária não se restringe à fase judicial do processo contra-ordenacional, abarcando também a fase administrativa.

Por isso, independentemente da fase em que o processo se encontre, é subsidiariamente aplicável, devidamente adaptado, o disposto no artigo 107.°, n.° 6, do Código de Processo Penal.

De acordo com esse preceito, «quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.° 3 do artigo 215.°, o juiz, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do arguido ou das partes civis, pode prorrogar os prazos previstos nos artigos 78.°, 287.° e 315.° e nos n.°s 1 e 3 do artigo 411.°, até ao limite máximo de 30 dias, o que, ao contrário do que a letra da lei parece sugerir, significa que: o prazo inicial pode ser acrescido de mais 30 dias, podendo ter uma duração total que não exceda os 50 dias.

Tendo em conta essa previsão legal, a excepcional complexidade do processo em causa, que ninguém parece contestar, e a necessidade de garantir, de forma efectiva, o exercício dos direitos constitucional e legalmente conferidos aos arguidos em processos contra-ordenacionais, este tribunal não pode deixar de revogar a decisão recorrida e de determinar que a mesma seja substituída por outra que prorrogue o prazo para a impugnação judicial pelo período de tempo necessário ao exercício do direito conferido aos recorrentes.

Consequentemente, revogou a decisão recorrida, determinando que ela fosse substituída por outra que, ao abrigo do art. 107º, nº 6, do Código de Processo Penal (CPP), prorrogasse o prazo para a impugnação judicial pelo período de tempo necessário ao exercício do direito de defesa.

            Desse acórdão requereu o Magistrado do Ministério Público (MP) a “reforma”, por a decisão não se ter pronunciado sobre a aplicabilidade do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94, de 10-3, publicado no DR, I-A, de 7.5.1994.

            Requereram igualmente os arguidos a aclaração da decisão.

            Por acórdão de 23.6.2010, a Relação indeferiu ambos os requerimentos, com a seguinte fundamentação:

2 - O Ministério Público pretende que este tribunal, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 669.° do Código de Processo Civil, disposição que considera aplicável ao processo penal por força do artigo 4.° do respectivo Código, altere o sentido da decisão proferida neste processo por, alegadamente, não ter aplicado, ao contrário do que lhe era em princípio imposto, a interpretação normativa estabelecida no acórdão de fixação de jurisprudência n.° 2/94, nem ter fundamentado a recusa da sua aplicação.

Salvo o devido respeito, não vemos que assista qualquer razão ao requerente.

Em primeiro lugar, porque, a nosso ver, a alínea a) do n.° 2 do artigo 669.° do Código de Processo Civil não é aplicável ao processo penal.

De facto, não existe no Código de Processo Penal qualquer lacuna (artigo 4.°) que careça de ser preenchida com recurso, nomeadamente, ao Código de Processo Civil. O Código de Processo Penal regula, no seu artigo 380.°, se bem que em termos diferentes dos do processo civil, a correcção da sentença, não admitindo qualquer modificação essencial da mesma.

Em segundo lugar, porque o invocado acórdão n.° 2/94 caducou com a alteração do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, efectuada pelo Decreto-Lei n.° 244/95, de 14 de Setembro, e com as próprias alterações operadas no Código de Processo Civil.

Na verdade, se lermos o referido acórdão verificamos que o seu dispositivo pretendia resolver a divergência jurisprudencial quanto aos termos da contagem do prazo para a impugnação judicial da decisão administrativa proferida no processo contra-ordenacional. Uns, por considerarem que tal prazo tinha natureza judicial, aplicavam à sua contagem o disposto na redacção então vigente do artigo 144.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, suspendendo-a aos sábados, domingos e feriados, ao passo que outros contavam esse prazo de uma forma contínua sem essa suspensão.

Ora, depois de ter sido fixada essa jurisprudência, o RGIMOS veio a ser alterado pelo indicado Decreto-Lei n.° 244/95, de 14 de Setembro, o qual, para além de ter modificado a redacção do próprio n.° 3 do seu artigo 59.°, definiu, no n.° 1 do artigo 60.°, a forma de contagem do prazo estabelecido para a impugnação judicial da decisão administrativa, determinando que ele se passasse a suspender aos sábados, domingos e feriados.

Esta nova disposição legal fez caducar a interpretação estabelecida pelo citado acórdão n.° 2/94, não existindo hoje qualquer jurisprudência fixada sobre essa matéria.

Por isso, este tribunal não tomou em consideração a orientação perfilhada por esse acórdão, nem tinha qualquer obrigação de justificar a não aplicação da doutrina contida num acórdão de fixação de jurisprudência que tinha entretanto caducado.

Relativamente ao requerimento apresentado pelo Ministério Público, só nos resta dizer que não vemos qualquer fundamento para que não possa ser arguida a nulidade de um acórdão de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por se tratar de matéria não regulada pelo Código de Processo Penal, há, nesse caso, que recorrer ao regime constante do n.° 3 do artigo 668.° do Código de Processo Civil, sendo admissível a arguição da nulidade perante o tribunal que proferiu a decisão.

Embora essa nulidade não tenha sido arguida, sempre se dirá que o acórdão só seria nulo se não se tivesse pronunciado sobre qualquer "questão" que devesse apreciar, coisa que não aconteceu neste caso.

O conceito da "questão" não se confunde com o de mero argumento utilizado por um dos sujeitos processuais para sustentar no processo uma determinada posição.

Em face do exposto, não pode este tribunal deixar de indeferir o requerimento formulado pelo Ministério Público.

3 - No que concerne ao requerimento apresentado pelos recorrentes, muito embora se reconheça a pertinência e a relevâncias das questões suscitadas, há que dizer que não compete a este tribunal pronunciar-se sobre as mesmas por elas se encontrarem claramente fora do objecto do recurso e, consequentemente, dos poderes de cognição da Relação.

Por essa mesma razão, o acórdão anteriormente proferido não padece da arguida nulidade.

Trata-se de questões que devem ser equacionadas e resolvidas pela l.ª instância, partindo do conhecimento global dos autos e tendo em conta o estado em que os mesmos no momento se encontram.

A este respeito importa apenas sublinhar que este tribunal revogou a decisão recorrida e determinou que ela seja substituída por outra que prorrogue o prazo para a impugnação judicial pelo período de tempo necessário ao exercício do direito conferido aos recorrentes, o qual pode não corresponder ao limite máximo admissível para a prorrogação, ou seja, pode ser uma prorrogação que não atinja os 30 dias.

O prazo em concreto será determinado pela l.ª instância, a qual terá em conta, por certo, para além da complexidade do próprio processo, o tempo decorrido desde que a questão se colocou e a tramitação que os autos entretanto tiveram. Por isso mesmo, tal prazo, cuja forma de contagem convém que seja definida no mesmo despacho, apenas poderá começar a correr depois de ele ter sido judicialmente fixado.

Por tudo isto, não pode este tribunal deixar de indeferir o requerimento apresentado pelos recorrentes.

            Do acórdão da Relação de 2.6.2010, integrado por este último, o Magistrado do MP junto do mesmo Tribunal interpôs recurso extraordinário, nos termos do art. 446º do CPP, nos seguintes termos:

1º No Acórdão da veneranda Relação de Lisboa de que ora se recorre, datado de 2 de Junho de 2010 e "mantido", na sequência de pedido de reforma apresentado pelo M°P°, em 23 de Junho de 2010 e transitado no passado dia 9 de Julho, não foi aplicado o Ac. de Fixação de Jurisprudência 2/94, de 10 de Março e publicado no DR I Série de 7 de Maio do mesmo ano, segundo a qual "não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.° 3 do artigo 59° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro", com o fundamento de que o mesmo já não tem aplicação dada a alteração introduzida pelo DL 244/95, de 14 de Setembro ao DL 433/82, de 27 de Outubro (RGIMOS) e com as próprias alterações operadas no Código de Processo Civil.

2º Acontece que, quando o douto Ac. de Fixação de Jurisprudência foi publicado, a redacção do art. 59°, n.° 3 citado era exactamente igual à que ora está em vigor, sendo que a única alteração sofrida foi o tempo do prazo que passou de 8 para 20 dias.

3º Aliás, a norma efectivamente aplicada pelo venerando tribunal a quo foi a do art. 41° do RGIMOS, que nunca teve qualquer alteração e que manda aplicar subsidiariamente as normas do CPP, declarando, pois, provido o recurso interposto por "AA" do douto despacho do tribunal que lhe indeferiu o pedido de prorrogação do prazo para interpor o recurso da decisão administrativa que lhe aplicou uma coima devido à (alegada) complexidade do processo, entendendo, pois, o venerando tribunal a quo que ao caso deve ser aplicado o CPP e, nessa medida, por força do disposto no art. 215°, deve ser prorrogado o prazo para interposição do recurso judicial da decisão que aplicou a coima àquele recorrente, como facilmente se alcança da leitura do acórdão recorrido.

4º Ora, no inaplicado Ac. de Fixação de Jurisprudência teve-se largamente em conta o dispositivo do citado art. 41° (dando origem, inclusivamente, a declaração de votos de vencidos), tendo sido expressamente afastada a sua aplicação ao prazo do recurso judicial da decisão administrativa aplicadora da coima, sendo totalmente irrelevante a redacção introduzida ao art. 60° pelo citado DL 244/95 para, agora, ser justificada a aplicação daquele art. 41°, posto que, a nosso ver, o "novo" art. 60° vem precisamente reforçar a orientação dimanada do citado Ac. de Fixação de Jurisprudência, ou seja, estabelece expressamente a contagem administrativa do prazo estabelecido no art. 59°, n.° 3, ou seja, que não são computados os sábados, domingos e feriados, afastando, pois, no seguimento da orientação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência, a possibilidade de aplicação do CPP àquele prazo de recurso.

5º Nessa medida, aplicando-se o douto Ac. de Fixação de Jurisprudência, deve o acórdão recorrido ser revogado, decidindo-se, a final, o indeferimento do pedido de prorrogação do prazo para interposição do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, em confirmação do decidido em 1ª instância.

EM CONCLUSÃO:

1 - No Acórdão recorrido foi aplicado o disposto no art. 41° do DL 433/82, de 27 de Outubro, norma que nunca sofreu alterações, entendendo-se que se aplica as normas do Código do Processo Penal ao prazo estabelecido no art. 59°, n.° 3 do mesmo diploma, prazo esse de interposição de recurso judicial da decisão administrativa pela qual tenha sido aplicada uma coima.

2 - O Ac. de Fixação de Jurisprudência 2/94, de 10 de Março e publicado no DR de 7 de Maio, afasta a aplicação do CPP àquele prazo ao estabelecer que "não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.° 3 do artigo 59° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro".

3 - A alteração do art. 60° do dito DL 433/82 pelo DL 244/95, de 14 de Setembro em nada altera a orientação do Ac. de Fixação de Jurisprudência inaplicado, posto que se limita a estabelecer, na senda, aliás, da orientação saída daquele douto Acórdão, que a contagem do dito prazo deve ser feita como manda o procedimento administrativo, ou seja, não sendo computados os sábados, domingos e feriados.

4 - Nessa medida deve ser aplicada a jurisprudência fixada e, em consequência, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido.

            Os arguidos responderam a esta petição de recurso, concluindo assim:

154.° O presente Recurso para Fixação de Jurisprudência, interposto pelo MP tem por fundamento o facto de, alegadamente, o Acórdão Recorrido ter decidido contra a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 2/94, de 10 de Março - Jurisprudência 2/94.

155.° Ao abrigo do disposto no artigo 440.° n.° 3 do CPP, sob pena de violação do disposto nos artigos 437.° e 446.° n.° 1 do mesmo Código, o recurso interposto pelo MP não deve ser admitido porquanto o Acórdão Recorrido e a Jurisprudência 2/94 versam sobre questões de Direito diferentes e pronunciam-se sob um quadro legislativo diferente.

156.° Por outro lado, o Tribunal da Relação de Lisboa não aplicou tal Jurisprudência 2/94, o que fez de forma justificada, ao dizer que a mesma caducou,

157.° o que é verdade, na medida em que se verificaram alterações legislativas relevantes nas normas interpretadas e aplicadas na dita jurisprudência

158.° e também porque a evolução dos tipos de ilícitos contra-ordenacionais - nomeadamente com a tipificação e com a previsão de penas correspondentes a coimas elevadíssimas no ordenamento jus-concorrencial - ditou uma maior aproximação de tais ilícitos aos ilícitos de natureza penal.

159.° A este propósito, sempre se diga que, em virtude da evolução verificada no âmbito dos ilícitos contra-ordenacionais, resulta claro da Doutrina e da Jurisprudência que as regras, princípios e garantias do Direito Penal não podem deixar de ser tomados em consideração em sede do Direito Contra-ordenacional, com maior ou menor aplicação consoante o tipo de ilícito contra-ordenacional em apreço,

160.° sob pena de inconstitucionalidade, por violação de princípios fundamentais, como o direito de defesa do arguido e o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, previstos nos artigos 32.° n.° 10 e 20.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.

161° Sendo constitucional a fixação, por parte do legislador ordinário, de prazos de caducidade, já é atentatório do Texto Fundamental a interpretação segundo a qual esses mesmos prazos, ainda que em casos de especial complexidade, são improrrogáveis,

162.° tanto mais quanto o regime legal aplicável - apesar de geral e abstracto - prevê expressamente a possibilidade de aplicação subsidiária de normas que permitem ultrapassar a violação dos princípios fundamentais.

163.° Tal é o que sucede no caso do prazo previsto no n.° 3 do artigo 59.° do RGCO, porquanto o n.° 1 do artigo 41.° do mesmo Regime Geral prevê expressamente a aplicação subsidiária das normas previstas no CPP, incluindo aquelas contidas nos seus artigos 107.° n.° 6 e 215.º n.º 3 do CPP.

Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o Recurso para Fixação de Jurisprudência interposto pelo MP ser liminarmente indeferido, sob pena de violação dos artigos 437.°, 440.°, 445.° e 446.°, todos do CPP.

Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, deverá a Jurisprudência 2/94 ser objecto de reexame, passando a fixar jurisprudência que determine a aplicabilidade das normas contidas nos artigos 107.° n.° 6 e 215.° n.° 3 do CPP ao prazo previsto no artigo 59.° n.° 3 do RGCO, em virtude da remissão operada pelo n.° 1 do artigo 41.° do mesmo Regime Geral, sob pena de violação do disposto nos artigos 107.° n.° 6, 215.°, 268.° e 269.° do CPP, 41.° do RGCO e 20.° e 32.° n.° 10 da Constituição da República Portuguesa.

Neste Supremo Tribunal a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer, ao abrigo do art. 440º, nº 1, do CPP:

            I.1.1. - Do douto acórdão de 02.06.2010, de que faz parte integrante o de 23.06.2010 da Relação de Lisboa, transitado em julgado em 09.07.2010, que decidiu ser de aplicar subsidiariamente, nos termos do disposto no art. 41º do Dec-Lei nº 433/82 de 27.10, na redacção dada pelo Dec-Lei nº 244/95, de 14.09, o preceituado no art. 107º nº 6 do C.P.P., tratando-se do prazo a que alude o nº 3 do art. 59º do citado Dec-Lei nº 433/82 de 27.10 e, como resultado disso, revogando a decisão recorrida, determinou a sua substituição por outra que prorrogue o prazo para impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, pelo período necessário ao exercício desse direito conferido aos recorrentes, em 15.07.2010 o representante do Ministério Público na Relação de Lisboa interpôs, nos termos do art. 446º do C.P.P., o presente recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, sustentando que o referido aresto da Relação de Lisboa contraria a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu douto acórdão nº 2/94, de 10.03, prolatado no Processo nº 45.325 e publicado no D.R. nº 106, I Série-A, de 07.05.1994.
I.2. – E isto na medida em que, sendo exactamente igual a redacção do actual art. 59º, nº 3 do Dec-Lei nº 433/82 de 27.10 na versão dada pelo Dec-Lei nº 244/95, de 14.09 à do mesmo normativo aquando da publicação do referenciado acórdão uniformizador de jurisprudência nº 2/94 do S.T.J. (salvo no que diz respeito ao prazo para impugnação da decisão da autoridade administrativa, que passou de 8 dias para 20 dias) e o mesmo se passando com o citado art. 41º do R.G.C.O. (que nunca sofreu qualquer alteração), naquele acórdão uniformizador nº 2/94, tendo-se tido em devida conta o disposto no último dos mencionados normativos (o do art. 41º), afastou-se expressamente a sua aplicação ao prazo do recurso do art. 59º, nº 3 do Dec-Lei nº 433/82, de 27.10, que diz respeito à fase administrativa do processo. Acresce que para o caso também não releva a redacção introduzida ao art. 60º pelo Dec-Lei nº 244/95, de 14.09 visto que, ao estabelecer no seu nº 1, que no dito prazo não se contam os sábados, domingos e feriados mais não fez que reforçar a doutrina fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que «Não tem natureza judicial o prazo mencionado no nº 3 do art. 59º do Dec-Lei nº 433/82, de 27.10, com a alteração introduzida pelo Dec-Lei nº 356/89, de 17.10».
I.2. - Notificado, nos termos e para efeitos do disposto no nº 1 do art. 439º do C.P.P., aplicável por força do estatuído no nº 1 (parte final) do art. 446º do C.P.P., os arguidos “AA - AA, S.A.” e “BB” responderam nos moldes constantes de fls. 44 a 78, em suma sustentando a inadmissibilidade do recurso por alegada falta de oposição de julgados e designadamente porque, versando um e outro dos arestos questões de direito diversas, pronunciaram-se eles no âmbito de um quadro legislativo diferente.
II. - Posto isto e passando a emitir parecer nos termos e para efeitos do disposto no art. 440º, por aplicação do citado nº 1 (parte final) do art. 446º do C.P.P., dir-se-á então...
II.1. - Dispondo o Ministério Público de legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário (que, aliás, é obrigatório para o Ministério Público - nº 2 do art. 446º do C.P.P. -), tal sucedeu em tempo (visto ter sido interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida - nº 1 do art. 446º do C.P.P.) e, a nosso ver, existe fundamento para tanto na medida em que, como sustentado pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto na Relação de Lisboa, também nos parece que a douta decisão de 02.06.2010 do mesmo tribunal contraria a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no aludido acórdão uniformizador nº 2/94, de 10.03, publicado no D.R. nº 106, I Série A, de 07.05.1994.
II.2. - Efectivamente, como considerado de resto pelo representante do Ministério Público na 2ª instância, crê-se não apenas que a questão de direito que se suscita no aresto recorrido é a mesma que foi tratada no acórdão uniformizador de jurisprudência nº 2/94 mas ainda que a alteração legislativa verificada entre a prolação de uma e outra das decisões em confronto não acarretou modificação substantiva relevante para a resolução da questão controvertida.
É que:
a) não subsistindo dúvidas que subjacente ao sentido da decisão recorrida acha-se o entendimento nela propugnado quanto à natureza do prazo de interposição de recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa, previsto no nº 3 do art. 59º do Dec-Lei nº 433/82, de 27.10, questão que o citado acórdão uniformizador de jurisprudência nº 2/94 decidiu no sentido de que «Não tem natureza judicial o prazo mencionado no nº 3 do art. 59º do Dec-Lei nº 433/82, de 27.10, com a alteração introduzida pelo Dec-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro»,
b) por claro há-de também ter-se que, pese embora a nova redacção dada pelo Dec-Lei nº 244/95, de 14.09 (presentemente em vigor) ao Dec-Lei nº 433/82, de 27.10, a norma do nº 3 do art. 59º permaneceu idêntica, salvo no que concerne ao prazo de interposição de recurso que, sendo de 8 dias no domínio do Dec-Lei nº 356/89, de 17.10, passou ora a ser de 20 dias. Isto por um lado.
Por outra via, importa atentar que, não obstante a dita alteração legislativa, a norma do art. 41º do Dec-Lei nº 433/82, de 27.10, não sofrendo qualquer modificação, permaneceu idêntica, certo sendo que no acórdão uniformizador nº 2/94 o conteúdo da aludida norma foi tomado em devida conta na dilucidação da questão controvertida, tanto assim que nele foi expressamente afastada a sua aplicação ao referenciado prazo do nº 3 do art. 59º do Dec-Lei nº 433/82, de 27.10, como atrás assinalado.
II.3. - Verificados que se encontram, assim, os pressupostos exigidos pelo nº 1 do art. 437º do C.P.P. (aplicável ao caso vertente por via do estatuído no art. 448º, do mesmo diploma) para que o presente recurso extraordinário possa prosseguir para o Tribunal Pleno, requer-se que seja proferido acórdão que, reconhecendo a existência da alegada oposição relevante de julgados, mande prosseguir o recurso (arts. 440º e 441º, “ex vi” do art. 448º, todos do C.P.P.).

E, porque não se vislumbram razões para alterar a jurisprudência que, fixada por este Tribunal naquele seu acórdão uniformizador nº 2/94, de 10.03, se mantém actual, mais se requer que se decida no sentido de, revogando-se o aresto recorrido, mandar aplicar a mesma doutrina, assim se dando provimento ao presente recurso extraordinário.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

            II. FUNDAMENTAÇÃO

            O presente recurso é interposto nos termos do art. 446º do CPP pelo MP, por entender infringido pelo acórdão recorrido o disposto no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94, de 10-3.

            O MP tem legitimidade e o recurso foi interposto tempestivamente.

            Analisemos a questão proposta.

            É o seguinte o texto do citado Acórdão nº 2/94:

                Não tem natureza judicial o prazo mencionado no nº 3 do artigo 59º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro.

            O art. 59º do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO) dispunha então (sendo o nº 3 na redacção do DL nº 356/89, de 17-10):

                1. A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.

2. O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.

3. O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de oito dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações sumárias e conclusões.

            O DL nº 244/95, de 14-9, veio alterar a redacção do nº 3 deste art. 59º, que passou a ser a seguinte:

O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de vinte dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.

O mesmo diploma alterou ainda a redacção do art. 60º do RGCO, que passou a ser esta:

            1. O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.

                2. O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

            O acórdão ora recorrido entendeu ter caducado o Acórdão nº 2/94, face a esta modificação legislativa, argumentando assim:

               Ora, depois de ter sido fixada essa jurisprudência, o RGIMOS veio a ser alterado pelo indicado Decreto-Lei n.° 244/95, de 14 de Setembro, o qual, para além de ter modificado a redacção do próprio n.° 3 do seu artigo 59.°, definiu, no n.° 1 do artigo 60.°, a forma de contagem do prazo estabelecido para a impugnação judicial da decisão administrativa, determinando que ele se passasse a suspender aos sábados, domingos e feriados.

Esta nova disposição legal fez caducar a interpretação estabelecida pelo citado acórdão n.° 2/94, não existindo hoje qualquer jurisprudência fixada sobre essa matéria.

Por isso, este tribunal não tomou em consideração a orientação perfilhada por esse acórdão, nem tinha qualquer obrigação de justificar a não aplicação da doutrina contida num acórdão de fixação de jurisprudência que tinha entretanto caducado.

            Assim, o acórdão ora impugnado recusou a aplicação do Acórdão nº 2/94     não por julgá-lo ultrapassado, mas por considerar que caducou, em face da publicação do DL nº 244/95.

            A questão que importa analisar é, pois, a da eventual caducidade daquele Acórdão nº 2/94.

            Existe caducidade da jurisprudência fixada quando lei posterior vem consagrar solução contrária ou incompatível com a doutrina fixada.

            Vejamos se tal sucede no caso em análise.

            Como se viu atrás, o Acórdão nº 2/94 fixou doutrina no sentido de que o prazo indicado no nº 3 do art. 59º do RGCO não tem natureza judicial.

            O Acórdão abordara um “conflito” entre dois acórdãos das Relações que decidiram diferentemente essa questão. Com efeito, o acórdão da Relação de Coimbra de 17.3.1993, o acórdão então recorrido, decidira que o prazo estabelecido no citado art. 59º, nº 3, para efeitos de recurso da decisão administrativa que aplica uma coima, era um prazo judicial, que se suspendia, de acordo com o art. 144º, nº 3, do Código de Processo Civil (CPC), na redacção então vigente, nas férias judiciais e nos sábados, domingos e feriados; por sua vez, o acórdão-fundamento, o acórdão da Relação de Évora de 8.5.1990, julgara que tal prazo não era judicial, não se suspendendo naquelas ocasiões, antes correndo continuamente.

            Ao fixar o entendimento de que o prazo do art. 59º, nº 3, do RGCO não era um prazo judicial, o Acórdão nº 2/94 veio estabelecer que a tal prazo não se aplicava o disposto no nº 3 do art. 144º do CPC, na redacção que então vigorava, e que, consequentemente, o prazo corria continuamente. É este o sentido do Acórdão nº 2/94.

            Da mesma forma, e decorrendo da natureza não judicial do prazo, não seriam aplicáveis ao mesmo prazo as restantes regras atinentes aos prazos judiciais, como os arts. 104º, nº 1, e 107, nº 5, do CPP.

            O DL nº 244/95, como já vimos, veio modificar supervenientemente o quadro legislativo. Mas fê-lo apenas em dois aspectos: ampliando o prazo de 8 para 20 dias; e determinando a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, mas já não nas férias judiciais.

            Quer dizer: o DL nº 244/95 não veio expressamente alterar a natureza do prazo de recurso das decisões administrativas que aplicam coimas, nem sequer estabelecer um regime de contagem idêntico ao dos prazos judiciais, hipótese em que se poderia argumentar a favor de uma tácita intenção de modificar a sua natureza. O que o DL nº 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72º, nº 1, b), do Código de Procedimento Administrativo, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos nos sábados, domingos, feriados e nas férias judiciais.

Ou seja: o DL nº 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59º, nº 3 num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa.

            Com a reforma introduzida no CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144º, nº 1), regra que á aplicável ao processo penal, por força do nº 1 do art. 104º do CPP.

            Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias.

            É certo que o DL nº 244/95 em alguma medida contradiz o Acórdão nº 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou.

Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107º, nºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei nº 59/98, de 25-8).

            Irrelevante é, para a discussão da matéria em discussão, a chamada à colação do art. 41º, nº 1, do RGCO. Na verdade, esta disposição limita-se a estabelecer o carácter subsidiário do processo penal, o que pressupõe evidentemente, e como aliás o próprio preceito refere, que é necessária a constatação de uma lacuna legislativa para que se recorra ao processo penal, o que não sucede no caso em análise.

            Por último, refira-se que, tendo a decisão recorrida “infringido” o Acórdão nº 2/94 com fundamento em caducidade do mesmo, e não em desactualização da jurisprudência fixada, duvidoso será que tenha de haver pronúncia sobre essa matéria. Porém, na medida em que da letra do nº 3 do art. 446º do CPP pode resultar o entendimento de que tal pronúncia é obrigatória, e também porque os recorridos fazem esse pedido subsidiariamente, aliás em conexão com a invocação de inconstitucionalidade da doutrina do Acórdão nº 2/94, por violação dos arts. 20º, nº 1 e 32º, nº 10, da Constituição, dir-se-á o que segue sobre essa questão.

            O argumento invocado pelos recorridos para o reexame é a crescente aproximação entre o ilícito contra-ordenacional e o ilícito penal, em termos de previsão de tipos e cominação de penas, e consequentemente da necessidade de garantia do direito de defesa.

            Não procedem minimamente estas considerações. O direito de defesa em processo contra-ordenacional, que inclui o direito de audiência e o direito de recurso da condenação administrativa para um tribunal, está suficientemente salvaguardado nos arts. 59º e segs. do RGCO, em cumprimento do disposto no nº 10 do art. 32º da Constituição. A aproximação do direito contra-ordenacional ao direito penal, que é real, não impõe uma coincidência dos regimes processuais de ambos os ilícitos, dada a diferente natureza dos interesses em causa. É, pois, materialmente justificável uma diversa expressão dos direitos dos arguidos, naturalmente mais intensa no processo penal.

            Não se mostra, pois, ultrapassada nem contrária à Constituição a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94.

Concluindo: este Acórdão não caducou em toda a sua extensão, mantendo-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no nº 3 do art. 59º do RGCO não é um prazo judicial, daí derivando nomeadamente a inaplicabilidade àquele prazo da regra do nº 6 do art. 107º do CPP.       

            III. DECISÃO

            Com base no exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro que aplique a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/94, nos termos indicados.

            Sem custas.

Lisboa, 3 de Novembro de 2010

           

Maia Costa (Relator)

Pires da Graça

Pereira Madeira