FACTORING
CESSÃO DE CRÉDITOS
SEGURANÇA SOCIAL
PENHORA DE CRÉDITOS
MORA
Sumário

1.São aplicáveis a um contrato de factoring as regras da cessão de créditos, sem prejuízo de haver que tomar em conta as particularidades do contrato em que a cessão se insere.
2. As pessoas colectivas públicas abrangidas pelo artigo 11º do Decreto-Lei nº 411/91, de, têm o dever, mas não o direito, de recusar pagamentos superiores a 1000000$00 se não lhes for apresentada a declaração de que a situação contributiva do credor se encontra regularizada.
3. O objectivo deste regime não é beneficiar as entidades públicas devedoras, mas conseguir o “pagamento forçado” e indirecto de contribuições em dívida à Segurança Social.
4.Se dessa declaração resultar a existência de dívidas, ou se a declaração não for apresentada, devem reter “o montante em débito, até ao máximo de 25% do total”, pagando o restante.
5. O dever de reter os referidos 25% do pagamento é oponível ao factor/cessionário, nos termos resultantes do artigo 585º do Código Civil.
6. A falta de declaração da cessão dos créditos no momento da notificação da penhora obriga o devedor a depositar o montante do crédito penhorado, sob pena de a execução correr contra ele.
7. No entanto, sendo a cessão eficaz em relação ao devedor à data da penhora, o depósito à ordem da execução não o libera perante o então credor.

Texto Integral



Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA – Aquisição de Créditos a Curto Prazo, SA, posteriormente incorporada, por fusão, em BB – Instituição Financeira de Crédito, SA, por sua vez também incorporada por fusão no Banco CC, SA, instaurou uma acção contra Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil – Centro Regional de Oncologia de Lisboa, SA, pedindo a sua condenação no pagamento de € 383.443,43, com juros de mora sobre € 353.305,71.
Para o efeito, alegou ter celebrado um contrato de factoring com DD, no âmbito do qual adquirira créditos sobre o réu, que foi notificado da cessão; mas que o réu alegou que “a DD não fez prova de ter a situação fiscal e contributiva regularizada” e que, tendo sido penhorados em processo de execução fiscal os créditos sobre a DD, havia depositado a quantia de € 67.034,26 no serviço de finanças de Lisboa, indevidamente; que era a ela, autora, que aquela prova deveria ter sido exigida e que o réu devia ter informado a Fazenda Nacional de que os créditos não pertenciam à DD.
O réu contestou, nomeadamente suscitando a incompetência do tribunal, alegando não ter pago porque a DD “não exibiu o documento exigível” para provar a referida regularização e dizendo que todos os seus créditos tinham sido penhorados na referida execução fiscal. Recordou que à data da celebração do contrato com a DD era um instituto público com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira.
Houve réplica.
A acção foi julgada procedente a fls. 125, no despacho saneador, que, por entre o mais, afastou a alegação de incompetência; mas a Relação revogou-o, na parte em que conheceu de mérito, e determinou o prosseguimento da causa.
A fls. 397, a acção foi julgada improcedente; o réu foi absolvido do pedido. A sentença considerou que, à data da cessão de créditos e até 11 de Dezembro de 2002 (data na qual entrou em vigor o Decreto-Lei nº 289/2002, de 10 de Dezembro, que o transformou em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos), o réu era uma pessoa colectiva de direito público, sujeita ao cumprimento do disposto no artigo 11º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro e, que, portanto, não podia efectuar “pagamentos superiores a 1.000.000$00 correspondentes às facturas” porque a DD não apresentou “qualquer declaração comprovativa da sua situação contributiva perante a Segurança Social” e perante a Fazenda Nacional; e que, quando procedeu ao depósito das quantias devidas no âmbito da execução fiscal, aliás já pendente à data da cessão, o réu agiu no “cumprimento de uma ordem de penhora emanada de uma entidade legítima para tal”.
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 455, completado pelo acórdão de fls. 474, concedeu provimento parcial à apelação do Banco CC, sendo o réu condenado a pagar-lhe a quantia de € 265.030,20, acrescido de juros contados desde a citação, “calculados de acordo com as taxas dos juros comerciais”.
Em síntese, a Relação decidiu somar os montantes das facturas das quais constam as mesmas datas de vencimento, por não encontrar “motivo para este desdobramento das facturas”; não ser aplicável o regime do artigo 11º do Decreto-Lei nº 411/91 às dívidas fiscais; não produzir efeitos em relação ao autor a penhora decretada; não estar o réu em mora desde as datas dos vencimentos por não se encontrar “regularizada a situação do titular inicial do crédito perante a Segurança Social”. Assim, deduziu 25% de cada pagamento (considerado como tal o que corresponderia às facturas que têm a mesma data) e encontrou o montante já referido.

2. Ambas as partes recorreram; os recursos, aos quais não são aplicáveis as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei 303/2007, de 24 de Agosto, foram recebidos como revista, com efeito meramente devolutivo.
Nas alegações que apresentou, o Banco CC formulou as seguintes conclusões:
“1. Não houve desdobramento de facturas, mas antes a emissão de facturas relativas, cada uma delas, a diferentes fornecimentos, de serviços, de mão de obra e de materiais, em diferentes períodos, ou a revisões de preços reportadas também a diferentes facturas antes emitidas;
2. Tal procedimento corresponde às boas práticas contabilísticas, facilitando o controlo pelas partes, e nomeadamente pelo devedor;
3. O simples facto de as facturas terem sido emitidas na mesma data e de se vencerem no mesmo dia não permite a soma dos respectivos valores para efeitos de aplicação do artigo 11º do DL 411/91;
4. Aquele artigo reporta-se indubitavelmente ao valor de cada crédito e não ao somatório das dívidas que o devedor pretenda pagar numa mesma data;
5. De outro modo, pode o devedor fazer o credor cair artificiosamente sob a alçada daquele artigo 11º;
6. A decisão recorrida deveria, pois, ter condenado o R. no pagamento da integralidade das facturas de valor inferior a mil contos – € 4.987,98;
7. Não o tendo feito, violou o artigo 11º do DL 411/91, e os artigos 879º alínea c) e 939º, ambos do Código Civil;
8. O A. pediu a condenação do R. no pagamento de juros a contar do vencimento de cada uma das obrigações;
9. Essas obrigações tinham prazo certo;
10. O acórdão recorrido condenou no pagamento de juros moratórios apenas a contar da citação;
11. Os respectivos créditos não eram ilíquidos;
12. E se fossem considerados ilíquidos, ter-se-iam tornado líquidos nas datas dos respectivos vencimentos, mediante a retenção de 25% dos respectivos valores dado que o credor inicial não comprovara a regularidade da sua situação perante a Segurança Social;
13. Decidindo como decidiu, a decisão recorrida violou os artigos 804º e 805º, nº 2 alínea a), ambos do Código Civil;
14. O presente recurso é admissível atendo o valor do decaimento”.
Terminou sustentando que o réu deve ser condenado a pagar a quantia de € 271.713,13, com juros de mora contados desde as datas de vencimento de cada factura.

Em contra-alegações, o réu concluiu:
“1ª- A DD, entidade cedente dos créditos ao recorrente, procedeu ao desdobramento de facturas sem qualquer justificação já que de acordo com o contrato entre aquela e o recorrido, a prestação de serviços de limpeza durante o ano de 2002 englobava todos os fornecimentos, mão de obra e materiais de acordo com um preço global máximo, previamente fixado, inexistindo qualquer revisão de preços porque não permitida pelas cláusulas contratuais;
2ª- Tal procedimento mais não foi do que um mero ‘expediente’ para se furtar à aplicação do Artº 11º do D.L. 411/91 de 17/10;
3ª- De acordo com a norma legal referida na conclusão anterior, o que conta é o momento do pagamento das facturas emitidas e não a sua data de emissão e vencimento.
4ª- O acórdão recorrido não violou o Artº 11º do D.L. 411/91 de 17/10 nem os artigos 879º alínea c) e 939º, ambos do Código Civil, aliás inaplicáveis ao caso concreto;
5ª- O recorrido não procedeu ao pagamento das facturas por causa que não lhe era imputável daí a inaplicabilidade do Artº 805º nº 2 do Código Civil;
6ª- Decidindo como decidiu, nesta parte, a decisão recorrida não violou o Artº 805º nº 2 alínea a) do Código Civil.”

Quanto ao réu, concluiu as alegações do seu recurso desta forma:
“1ª - À data dos factos, o Recorrente era uma pessoa colectiva de direito público pelo que, no que respeita a pagamentos a terceiros, estava obrigado ao cumprimento do regime jurídico fixado no D.L. 411/91 de 17/10;
2a - A DD Lda, entidade de direito privado e prestadora dos serviços de limpeza ao Recorrente, estava legalmente obrigada a apresentar declaração comprovativa da sua situação contributiva perante a Segurança Social para o pagamento de facturas de valor superior a 1.000.000$00 (4.987,97€) nos termos do Artº 11º do D.L. 411/91 de 17/10;
3a - A DD Lda nunca apresentou a declaração comprovativa da sua situação contributiva perante a Segurança Social pelo que o Recorrente se encontrava legalmente impedido de proceder ao pagamento do valor das facturas cedidas à Recorrida;
4a - Decorrendo para o Recorrente da falta de apresentação da declaração comprovativa da situação contributiva da credora ou da cedente perante a Segurança Social o impedimento de proceder a qualquer pagamento ainda que parcial, designada mente deduzido de 25%, do crédito reclamado;
5a- Sendo pois indevido, não pode o Recorrente ser judicialmente condenado a tal pagamento, por o mesmo se revelar contrário à Lei.
6a- Pelo que ao condenar o Recorrente no pagamento parcial (75%) do crédito invocado, violou o douto Acórdão recorrido o disposto no artigo 110 do Decreto-Lei 411/91, de 17 de Outubro, cometendo erro de julgamento por violação de lei.
7a- O Recorrente pode opor ao cessionário (recorrida), ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão (ArtO 5850 do ee);
8a - Inexistindo a obrigação, não existe qualquer mora por parte do devedor, ora Recorrente;
9a - Nos termos do Artº 2240 do Código do Procedimento e de Processo Tributário, no processo de execução fiscal, a penhora de créditos será feita por meio de auto, nomeando-se depositário o devedor ou o seu legítimo representante e com observância das regras previstas nas alíneas a) e b) do citado normativo legal;
10a - A falta de cumprimento do determinado pela execução fiscal teria uma imediata repercussão negativa na esfera jurídica do Recorrente materializada no prosseguimento da execução contra si para cobrança coerciva do montante do crédito penhorado e não depositado, assumindo a posição de executado por responsabilidade pessoal;
11ª - Interpelado pela recorrida para proceder ao pagamento do crédito objecto de penhora na execução fiscal, diligenciou o Recorrente, junto da Administração Fiscal, pelo esclarecimento da manutenção da penhora dada a invocação por parte da cessionária, ora recorrida, da titularidade do crédito penhorado, tendo o órgão de execução fiscal mantido a penhora sob pena de responsabilidade pessoal do devedor, pelo que não pretendendo incorrer em responsabilidade, o Recorrente cumpriu, na íntegra, o que lhe fora determinado;
[12ª] - A Recorrida tomou conhecimento quer da penhora, quer das diligências efectuadas pelo Recorrente junto da Administração Fiscal motivadas pela cedência dos créditos, quer da decisão desta quanto à manutenção da penhora e prosseguimento da execução, nada tendo feito, conformando-se com o normal prosseguimento da execução fiscal, em particular, com a verificada penhora do crédito e intimação do Recorrente para o pagamento respectivo
10ª [13ª] - A Recorrida podia (e devia) ter reagido à penhora dos créditos que arrogava como seus mediante embargo de terceiro na execução fiscal, mas nada fez (Artº 351º nº 1 Código do Processo Civil);
11ª [14ª] - A Recorrida dispunha, ainda, da possibilidade de instaurar uma acção contra a Administração Fiscal pedindo a declaração da titularidade do direito incompatível com a realização ou o âmbito da penhora, reivindicando o valor indevidamente recebido através da penhora, mas também nada fez.
12ª [15ª] - Actuando como actuou, não pode, posteriormente, a Recorrida reagir contra o Recorrente, pretendendo extorquir-lhe novo pagamento dos créditos há muito liquidados por efeito de penhora que sobre os mesmos recaiu e após directa intimação do órgão de execução fiscal para proceder ao respectivo pagamento sob pena de responsabilidade pessoal pelo valor não depositado”.

O autor contra-alegou, concluindo:
1. A consequência da não apresentação da declaração comprovativa da situação contributiva do credor perante a segurança social ou instituições de previdência, é a retenção de 25% do valor de créditos superiores a mil contos de réis, e não a inexigibilidade do crédito.
2. A penhora efectuada pela Fazenda Nacional de créditos da DD em nada afectou o crédito do BES que se manteve imutável na sua posse e titularidade.
3. O pagamento feito pelo IPO a terceiros, sem que tal tenha sido consentido pelo A., não extinguiu a obrigação do IPO perante o A., conforme artigo 770º do C. Civil, e foi efectuada em violação do artigo 760º do mesmo Código.
4. Sem prejuízo da revista interposta pelo A., a sentença recorrido, nos aspectos focados pelo IPO nas suas alegações de revista, não violou qualquer disposição legal”.

3. Vem provada a seguinte matéria de facto:

I - Entre a Ré e a DD - Serviços e Sistemas de Limpeza, Lda. foi celebrado, com data de 30 de Julho de 1999, contrato de prestação de serviços de limpeza nos termos do escrito documentado a fls. 68 a 70 dos autos, que aqui se dá por reproduzido ( Al. A) da Esp.).
2 - Com data de 3 de Setembro de 1999 foi celebrado entre a ora Autora (AA ­Aquisições de Crédito a Curto Prazo, S. A.) e a referida DD o contrato de factoring vertido no escrito fotocopiado a fls. 8 a 12 dos autos, que se dá por reproduzido ( AI. B) da Esp.).
3 - Com data de 8 de Setembro de 1999 a DD endereçou ao Réu a carta fotocopiada a fls. 43 e 44 dos autos, que se dá por reproduzida ( AI. C) da Esp. ).
4 - Com data de 15 de Setembro de 1999 a AA - Aquisições de Crédito a Curto Prazo, S. A. endereçou ao Réu a carta fotocopiada de fls. 42 dos autos, que se dá por reproduzi da ( AI. D) da Esp.).
5 - A DD emitiu e enviou ao Réu, que recebeu, as seguintes facturas correspondentes a serviços a este prestados:
a) factura nº 11304/02, com data de emissão de 20 de Março de 2002 e data de vencimento em 19 de Maio de 2002, no valor de 56.353,13 Euros;
b) factura n° 11305, com data de emissão de 20 de Março de 2002 e data de vencimento em 19 de Maio de 2002, no valor de 1.692,10 Euros;
c) factura n° 11306, com data de emissão de 20 de Março de 2002 e data de vencimento em 19 de Maio de 2002, no valor de 7.535,33 Euros;
d) factura nº 11341, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 2.254,12 Euros;
e) factura n° 11342, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 67,68 Euros;
t) factura n° 11343, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 2.254,12 Euros;
g) factura nº 11344, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 67,68 Euros;
h) factura nº 11345, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 2.254,12 Euros;
i) factura n° 11346, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 67,68 Euros;
j) factura n° 11347, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 2.254,12 Euros;
I) factura n° 11348, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 67,68 Euros;
m) factura n° 11349, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 1.089,50 Euros;
n) factura n° 11350, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 1.271,09 Euros;
o) factura n° 11351, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 1.780,85 Euros;
p) factura n° 11352, com data de emissão de 30 de Abril de 2002 e data de vencimento em 30 de Maio de 2002, no valor de 1.641,15 Euros;
q) factura n° 11336, com data de emissão de 20 de Abril de 2002 e data de vencimento em 19 de Junho de 2002, no valor de 56.353,13 Euros;
r) factura nº 11337, com data de emissão de 20 de Abril de 2002 e data de vencimento em 19 de Junho de 2002, no valor de 1.692,10 Euros;
s) factura nº 11338, com data de emissão de 20 de Abril de 2002 e data de vencimento em 19 de Junho de 2002, no valor de 1.453,70 Euros;
t) factura n° 11339, com data de emissão de 20 de Abril de 2002 e data de vencimento em 19 de Junho de 2002, no valor de 1.688,17 Euros;
u) factura n° 11340, com data de emissão de 20 de Abril de 2002 e data de vencimento em 19 de Junho de 2002, no valor de 6.273,83 Euros;
v) factura n° 11382, com data de emissão de 20 de Maio de 2002 e data de vencimento em 19 de Julho de 2002, no valor de 58.607,25 Euros;
x) factura nº 11383, com data de emissão de 20 de Maio de 2002 e data de vencimento em 19 de Julho de 2002, no valor de 1.759,79 Euros;
z) factura n° 11384, com data de emissão de 20 de Maio de 2002 e data de vencimento em 19 de Julho de 2002, no valor de 7.530,99 Euros;
aa) factura n° 11413, com data de emissão de 20 de Junho de 2002 e data de vencimento em 19 de Agosto de 2002, no valor de 59.609,09 Euros;
bb) factura n° 11414, com data de emissão de 20 de Junho de 2002 e data de vencimento em 19 de Agosto de 2002, no valor de 1.789,87 Euros;
cc) factura nº 11415, com data de emissão de 20 de Junho de 2002 e data de vencimento em 19 de Agosto de 2002, no valor de 6.101,13 Euros;
dd) factura n° 11439, com data de emissão de 20 de Julho de 2002 e data de vencimento em 18 de Setembro de 2002, no valor de 59.609,09 Euros;
ee) factura nº 11440, com data de emissão de 20 de Julho de 2002 e data de vencimento em 18 de Setembro de 2002, no valor de 1.789,87 Euros;
ft) factura n° 11441, com data de emissão de 20 de Julho de 2002 e data de vencimento em 18 de Setembro de 2002, no valor de 8.397,35 Euros ( AI. E) da Esp. ).
6 - Os créditos correspondentes às facturas referidas foram adquiridos pela Autora no âmbito daquele contrato de factoring ( AI. F) da Esp. ).
7 - Em todas estas facturas a DD inseriu os seguintes dizeres:
" Para que esta factura seja considerada liquidada, o respectivo pagamento deverá ser efectuado directamente à AA, S. A., Rua …, …, …,1250-…, Lisboa, que adquiriu este nosso crédito ou a quem esta indicar, sob pena de o pagamento feito ser nulo e de nenhum efeito" ( AI. G) da Esp. ).
8 - Com data de 3 de Outubro de 2002 o Réu dirigiu ao Chefe da Repartição de Finanças do 21 ° Bairro Fiscal de Lisboa a carta que se encontra fotocopiada a tls. 71, verso, a qual aqui se dá por reproduzida e que foi por este reenviada, a 11 desse mesmo mês, ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 8, a coberto do ofício fotocopiado a fls. 71 (AI. H) da Esp.).
9 - Com data de 10 de Outubro de 2002 a DD dirigiu à Ré a carta fotocopiada a fls. 72 e 73, que aqui se dá por reproduzida (AI. I) da Esp. ).
10 - O Réu respondeu a esta carta com ofício de 18 de Outubro de 2002, que aqui se dá por reproduzido, fotocopiado a fls. 74 e 75 ( AI. J) da Esp. ).
11 - No âmbito do processo de execução nº 3 107-981101 152.9 e apensos que a Fazenda Nacional move à referida DD foi, a 20 de Novembro de 2002, penhorado o crédito que esta detinha sobre o Réu nos termos do auto de penhora fotocopiado a fls. 76 e 77, que aqui se dá por reproduzido ( AI. K) da Esp. ).
12 - Com data de 13 de Dezembro de 2002 a AA dirigiu ao Réu a carta que se encontra fotocopiada a fls. 78 a 83, que se dá por reproduzida ( AI. L) da Esp. ).
13 - O Réu respondeu a esta carta por ofício datado de 14 de Janeiro de 2003, fotocopiado a fls. 45 e 46 e de fls. 84 a 86, que se dá por reproduzido ( AI. M) da Esp. ).
14 - Nesse mesmo dia 14 de Janeiro de 2003 o Réu enviou ao Serviço de Finanças 8 a carta fotocopiada a fls. 87 e 88, que se dá por reproduzida ( AI. N) da Esp. ).
15 - A esta carta respondeu o Chefe daquele Serviço por ofício datado de 24 de Janeiro de 2003, fotocopiado a tls. 89, que se dá por reproduzido ( AI. O) da Esp. ).
16 - O Réu, na sequência deste ofício, enviou ao Autor uma sua cópia, a coberto do ofício fotocopiado a fls. 90 e 91, que se dá por reproduzido ( AI. P) da Esp. ).
17 - O Réu não pagou as facturas mencionadas em E) porquanto entendeu que estava e está impedido de o fazer enquanto não lhe for apresentada prova de a DD nada dever à Fazenda Nacional e de ter regularizada a sua situação contributiva perante as instituições de previdência ou de segurança social ( AI. Q) da Esp. ).
18 - A DD ou a Autora nunca apresentaram ao Réu documento comprovativo de a primeira nada dever à Fazenda Nacional ( Resp. ao QtO 1°) ).
19 - A DD tinha empregados por sua conta no tempo discriminado nas facturas mencionadas em 5 - ( Resp. ao Qto 2°) ).
20 - A DD ou a Autora nunca apresentaram à Ré declaração comprovativa da situação da primeira perante as instituições de previdência ou de segurança social que a abrangessem ( Resp. ao Qto 3°»).
21 - Em Março de 2002 a DD fora informada de que deveria apresentar a certidão das Finanças em como nada devia à Fazenda Nacional e a declaração da Segurança Social em como tinha a sua situação contributiva regularizada ( Resp. ao Qto 4°) ).
22 - E foi-lhe comunicado que não era possível liquidar as facturas enquanto não exibisse os referidos documentos ( Resp. ao Qto 5°))”.

4. Cumpre conhecer dos recursos, começando pelo que foi interposto pelo réu, dada a precedência lógica das questões nele colocadas, e que são as seguintes:
“Direito do Recorrente recusar o pagamento dos serviços prestados por falta de apresentação da declaração relativa à situação contributiva do cedentes”;
“ Extinção do crédito pelo cumprimento da penhora ordenada no âmbito da execução fiscal”.
O autor coloca duas questões:
– A ilegalidade da soma dos montantes das facturas com as mesmas datas;
– O momento a partir do qual devem ser contados os juros de mora.


5. Não está em discussão que entre AA – Aquisição de Créditos a Curto Prazo, SA e DD – Sistemas e Serviços de Limpeza, Lda., foi celebrado um contrato de factoring, em 3 de Setembro de 1999; que a este contrato são aplicáveis as regras da cessão de créditos (artigos 577º e segs. do Código Civil), sem prejuízo de haver que tomar em conta as particularidades do contrato em que a cessão se insere (cfr. artigo 578º do Código Civil e Decreto-Lei nº 171/95, de 18 de Julho); que o Banco CC, SA, veio a suceder a AA na posição contratual, uma vez que a AA foi incorporada, por fusão, em BB – Instituição Financeira de Crédito, SA, que, por sua vez, foi integrada por fusão no Banco CC, SA; que é aplicável, nomeadamente, a regra de que são oponíveis ao factor (o autora, no caso), “ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa” que seria lícito ao devedor (o réu, o Instituto Português de Oncologia) invocar perante o aderente (DD), “com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão” (artigo 585º do Código Civil); que é necessário que a cessão de créditos seja notificada ao devedor ou por este aceite, para produzir efeitos em relação a ele (nº 1 do artigo 577º do Código Civil); que não há qualquer dúvida quanto a essa eficácia, estando assente que as diversas facturas foram enviadas e recebidas pelo réu e que em cada uma delas se dava conta da cessão do crédito correspondente; que, até à sua transformação em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, operada pelo Decreto-Lei nº 289/2002, de 10 de Dezembro, o réu era um instituto público com personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira; que estava sujeito à disciplina constante do artigo 11º do Decreto-Lei nº 411/91, de 17 de Outubro; que a DD estava igualmente abrangida por esse regime, “ao tempo discriminado nas facturas” referidas no ponto 5 da sentença (ponto 19 da lista de factos provados), sendo um contribuinte do regime geral da segurança social obrigatória, com empregados por sua conta.
Está igualmente assente que nunca foi apresentada ao réu “declaração comprovativa da situação” da DD “perante as instituições de previdência ou de segurança social que a abrangessem” (ponto 20 da lista de factos provados).

6. Nas alegações de revista, o Instituto Português de Oncologia afirma o “direito” de “recusar o pagamento dos serviços prestados por falta de apresentação da declaração relativa à situação contributiva da cedente” DD, refere seguidamente que “não lhe era exigível que procedesse ao pagamento dos serviços prestados” e conclui que “se encontrava legalmente impedido de proceder a qualquer pagamento do crédito reclamado pela cedente”. A propósito da mora, diz mesmo que “inexistindo obrigação, não existe qualquer mora por parte do devedor”.
Ora do regime constante do artigo 11º do Decreto-Lei nº 411/91 não resulta nenhum direito para as pessoas colectivas públicas abrangidas de recusar pagamentos; diversamente, a lei impõe-lhes o dever de recusar “proceder a algum pagamento superior a 1000000$00 (…)”, salvo se lhes for apresentada a declaração; e estabelece ainda (nº 2) que, se dessa declaração resultar a existência de dívidas, devem reter “o montante em débito, até ao máximo de 25% do total”, naturalmente procedendo ao pagamento da quantia que não podem reter, e depositando “imediatamente” as quantias retidas a favor da Segurança Social (nº 5).
A falta de apresentação da declaração não tem o efeito de dispensar o pagamento – e o depósito correspondente, a favor da Segurança Social. O objectivo deste regime não é beneficiar as entidades públicas devedoras, mas conseguir o “pagamento forçado” e indirecto de contribuições em dívida à Segurança Social.
No fundo, a falta de apresentação da declaração tem de conduzir ao efeito a que levaria uma declaração de que a situação contributiva se não encontra regularizada.
Não procede, neste ponto, o recurso interposto pelo Instituto Português de Oncologia: tinha o dever de recusar 25% dos pagamentos superiores a 1.000.000$00 (o equivalente em euros), mas também o dever de pagar os restantes 75%, e de proceder aos pagamentos não superiores a tal quantia, uma vez que os créditos haviam sido cedidos ao autor e que a cessão produzia efeitos em relação a ele, devedor.
Naturalmente que a oponibilidade da “excepção inominada ou atípica de direito material”, nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 5 de Junho de 1003 (www.dgsi.pt, proc. nº 03B1610), ou seja, o dever de reter os referidos 25% do pagamento, nas condições descritas, é oponível ao autor (factor/cessionário) nos termos resultantes do artigo 585º do Código Civil. Note-se que está provado que nunca a autora nem a DD apresentaram a declaração em causa (releva agora a declaração relativa à situação contributiva da DD).
Quanto à alegação de inexistência de mora, resulta do que se disse que não procede. Questão diferente é saber a partir de que momento se considera que o devedor se constituiu em mora; mas tratar-se-á disso a propósito do recurso do autor.

7. O recorrente IPO sustenta, ainda, que o autor está a pretender “extorquir-lhe novo pagamento dos créditos há muito liquidados por efeito de penhora (…)”, sendo certo que teve que proceder ao depósito “sob pena de ser executado pela importância respectiva no próprio processo”, invocando o artigo 224º do CPPT.
No entanto, e como se observou no acórdão recorrido, “à data da penhora os créditos já não pertenciam à DD”
Verifica-se, no auto de penhora (fls. 76/77), que a mesma respeita a execuções instauradas em 1998, 1999 e 2000. Até à entrada em vigor do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, era aplicável o disposto no artigo 307º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, e no artigo 856º do Código de Processo Civil (na redacção então em vigor e subsidiariamente); a partir dessa entrada em vigor, passou a reger o artigo 224º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, também completado pelo artigo 856º do Código de Processo Civil. No entanto, e no ponto que agora releva, o regime é o mesmo: não tendo declarado a cessão dos créditos à AA quando foi notificada da penhora, o IPO ficou realmente obrigado a depositar o montante do crédito penhorado, sob pena de a execução correr contra ele.
No entanto, e sendo a cessão eficaz em relação ao IPO à data da penhora (20 de Novembro de 2002), é seguro que o depósito à ordem da execução não o liberou perante o então credor (cfr. artigos 769º e 770º do Código Civil); o IPO tinha o ónus de comunicar a existência prévia da cessão já anteriormente ocorrida, no âmbito do contrato de factoring, para evitar ter de proceder ao depósito.

8. Passando à apreciação do recurso interposto pelo autor, cabe começar por observar que o IPO não alegou oportunamente ter ocorrido desdobramento de facturas, nem nunca se ter registado “qualquer revisão de preços”; não pode agora ter-se em conta as afirmações feitas nesse sentido nas alegações, uma vez que implicariam a consideração de novos elementos de facto.
Como se viu, a Relação agrupou as diversas facturas por datas, por não ter encontrado “justificação para este desdobramento das facturas” e, para efeitos de verificar se os pagamentos correspondentes excediam o limite de 1.000.000$00, considerou os valores das somas assim obtidas.
O recorrente sustenta que o limite deve ser aplicado a cada factura, uma vez que “cada uma delas respeita a diferentes serviços e/ou fornecimentos”.
Do contrato de prestação de serviços celebrado entre a DD e o réu IPO, junto a fls. 68 (cfr. ponto 1 da lista de factos provados) resulta que a DD ter ficado acordado que os pagamentos “efectuar-se-ão até sessenta dias da data factura e serão mensais”.
Da consideração destes termos acordados pelas partes e da análise das facturas a que se refere o ponto 5 da mesma lista não resulta qualquer prova de que tenha ocorrido desdobramento de facturas, cujo efeito fosse, ainda que apenas objectivamente, o de falsear a aplicação do limite fixado pelo artigo 11º do Decreto-Lei nº 411/91. Também não resulta uma razão suficiente para proceder ao agrupamento das facturas em função das datas de vencimento, como se fez no acórdão recorrido.
No entanto, justifica-se plenamente considerar conjuntamente os montantes constantes das facturas que (nas palavras da recorrente) “respeitam (…) a adicionais a diversas facturas por virtude de revisão de preços entretanto ocorrida” com o das facturas iniciais correspondentes. Não há qualquer dúvida, nesses casos, de que está em causa o mesmo pagamento nas duas facturas. Cumpre então o aplicar o limite de 1.000.000$00 à soma.
Estão nessa situação os conjuntos formados pelas facturas nºs 11.336, € 56.353,13, fls. 16 e adicional de fls. 27, factura nº 11.347, € 1.926,60; factura nº 11.306, fls. 15, € 7.535,33 e adicional nº 11.351, fls. 31, € 1.789,85; factura nº 11.340, de fls. 20, € 6.273,83 e adicional factura nº 11.352, fls. 32, € 1.641,15, cabendo ao IPO pagar ao autor apenas 75% da soma.
O mesmo procedimento se não pode aplicar às facturas que constituem adicionais a outras que não constam do ponto 5 da lista de factos provados, por falta de elementos.
No sentido de referir a cada factura (no sentido de pagamento) o limite fixado pelo artigo 11º do Decreto-Lei nº 411/91, cfr. o já citado acórdão de 5 de Junho de 2003.
Procede assim parcialmente o recurso do autor, neste ponto. O réu deve ser condenado no pagamento de € 270.294,10 (332.046,44x0,75+21.259,27).

9. Mas não procede quanto à pretensão de que se considere que o IPO entrou em mora nas datas de vencimento que figuram em cada uma das facturas. Contrariamente ao que a recorrente afirma, a falta de apresentação da declaração de regularização (a referida excepção dilatória de direito material) impede que o devedor se constitua em mora na data de vencimento nelas fixado, não sendo exigível o pagamento pelo simples decurso do prazo.
Só após a interpelação é que o devedor se constituiu em mora (nº 1 do artigo 805º do Código Civil); não sendo possível, face à prova feita, fixar com precisão outra data, considera-se como tal a da citação.
Esta afirmação não vale, todavia, para as facturas de montante inferior a 1.000.000$00, salvo para as que foram somadas, nos termos atrás justificados.
Nesses casos, o IPO constitui-se em mora desde a data do vencimento.

10. Nestes termos, decide-se:
a) Negar provimento ao recurso interposto pelo Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E.;
b) Conceder provimento parcial ao recurso interposto por Banco CC, SA e, consequentemente, condenar o Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, E.P.E. no pagamento ao autor da quantia de € 270.294,10, nesta parte revogando o acórdão recorrido, acrescida dos juros, calculados de acordo com as taxas dos juros comerciais, que se vencerem desde a citação até integral pagamento, quanto ao montante de € 249.034,83, e desde a data do respectivo vencimento relativamente às facturas nºs 11.305, 11.341, 11.342, 11.343, 11.344, 11.345, 11.346, 11.348, 11.349, 11.350, 11.337, 11.338, 11.339, 11.383, 11.414, 11.440.

c) Quanto ao mais, confirmar o acórdão recorrido.

Custas por cada uma das partes, na proporção do respectivo vencimento.

Lisboa, 18 de Novembro de 2010

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Barreto Nunes