CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
VALIDADE DO ALCOOLÍMETRO
Sumário

I - A verificação periódica dos alcoolímetros é válida até 31/12 do ano seguinte ao da sua realização [Artº 4º/5 DL 291/90].
II - Tendo a instância de recurso como objeto de conhecimento o reexame da matéria de direito quanto da matéria de facto, suscitando-se a hipótese da revogação da sentença absolutória proferida em 1ª instância e a sua substituição por uma sentença condenatória, exige-se, por força do princípio do processo equitativo, que o arguido – notificado para o efeito e assim entendendo-o – possa ser ouvido em audiência pública.

Texto Integral

Recurso n.º 273/10.0GAALJ.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunto: José Carreto: Presidente: Baião Papão

Acordam, após audiência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

1. No PCS n.º 273/10.0GAALJ do Tribunal de Alijó, em que são:

Recorrente: Ministério Público

Recorrido/Arguido: B…

foi proferida sentença em 2010/Nov./30, a fls. 29-41, que absolveu o arguido da prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo disposto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.
2. O Ministério Público inconformado com esta sentença interpôs recurso em 2010/Dez./20, a fls. 43-76 pedindo a revogação da sentença recorrida e a subsequente condenação do arguido pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, apresentando para o efeito e muito resumidamente as seguintes conclusões:
1.º) O tribunal absolveu o arguido dando como não provado “que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em l.º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 2,73 g/l”, não valorando o teste efectuado em virtude de se ter ultrapassado o prazo de validade do respectivo aparelho [a)-e)];
2.º) No que concerne aos prazos de verificação do aparelho supra citado, reina o Dec.-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Controle Metrológico, prescrevendo-se no seu n.º 4 que “a verificação periódica é válida até 31 Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário” [f)-g)]
3.º) A concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros consta hoje da Portaria n°1556/2007 de 10 Dezembro, e aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, dos “instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” (cf. 2.º, n°1, da referida Portaria) [h)-k)]
4.º) Face a este quadro, diremos que o aparelho em causa foi aprovado e colocado em funcionamento em 25 de Junho de 2009, pelo que o mesmo estaria dispensado de verificação até ao dia 31 de Dezembro de 2010 [l), m)]
5.º) Os decretos-lei, nos termos do artigo 112.° da Constituição da República Portuguesa, são actos normativos, e portanto como tal, só poderão ser derrogados, ou postos em causa por acto normativo da mesma natureza [n)]
6.º) Sucede porém que uma portaria não é um acto normativo, mas simplesmente um acto administrativo, o qual, não se pode sobrepor nem afastar o estatuído num Decreto-Lei, não podendo jamais criar um regime especial face a este, porquanto terá de se conformar com ele, como resulta das regras de hierarquia das normas [o)]
7.º) Não havia qualquer razão para que o exame de pesquisa de álcool no sangue fosse considerado como prova proibida, pois o aparelho não padecia de qualquer vício, estando aprovado e certificado para o efeito [p)-aa)]
8.º) A sentença recorrida violou o disposto no artigo 118.º, n.º 1 e 2, 340.º, n.º 1 e 2 e 379.º, n.º 1, al. c); 410.º, n.º 2 al. a), b) e c) todos do Código de Processo Penal [bb) – ff)]
4. Recebidos os autos nesta Relação foram os mesmos autuados em 2011/Jun./13, tendo sido emitido parecer pelo Ministério Público em 2011/Jun./21 a fls. 85-86 no sentido de provimento do recurso.
5. Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do C. P. Penal e colheram-se os vistos legais, tendo sido o arguido notificado para, querendo, realizar-se audiência de julgamento e mediante a sua presença, nada tendo sido requerido.

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O objecto do recurso passa pelos vícios do 410.º, n.º 2 C. P. Penal, com especial incidência na validade dos resultados do aparelho de alcoolímetro [a)] e se, na sua procedência, a possibilidade desta Relação conhecer desde já do cometimento do crime [b)] e da subsequente determinação da pena, concretizando-se esta [c)].
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida
Na parte que aqui releva transcreve-se o seguinte:
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir:
1º - No dia 4 de Outubro de 2010, pelas 18h30, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-EV, na Avenida …, em Alijó, quando foi abordado por agentes da PSP que ali se encontravam em missão de fiscalização de trânsito.
2º - Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido foi submetido a exame efectuado no ar expirado.
3º - O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos automóveis com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l.
4º - Ao proceder como referido em 1.º, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente.
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5º - O exame referido em 2.º foi efectuado com o aparelho DRAGER Alcotest 7110MKIIIP, tendo a sua última verificação ocorrido no dia 13.05.2009.
6º - O arguido é agricultor, trabalha à jorna auferindo, por cada dia de trabalho a quantia de € 32,50.
7º - No mês de Setembro auferiu a quantia de € 450,00, não trabalhando desde então.
8º - Reside em casa do pai.
9º - Tem dois filhos menores, respectivamente com 12 e 9 anos de idade, que não se encontram a seu cargo.
10º - Não contribui com qualquer quantia para o sustento dos referidos filhos.
11º - Como habilitações literárias tem o 4º ano de escolaridade.
12º - Não tem antecedentes criminais.

Factos não provados:
i) Que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1.º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 2,73 g/l.
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A convicção do Tribunal relativamente aos factos que considerou provados fundou-se na apreciação livre e crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal.
Assim para dar como provados os factos supra elencados o tribunal teve em consideração o teor do auto de notícia junto aos autos, bem assim como o depoimento do militar C… que descreveu os termos da sua intervenção.
No seu depoimento, o referido agente mostrou-se seguro e isento, não havendo motivos para duvidar do seu relato dos factos.
No que tange ao conhecimento do arguido da proibição legal, para além de se tratar de facto do conhecimento geral, sempre se diga que, no caso, tal circunstância não foi por qualquer modo posta em causa pelo arguido.
O tribunal considerou ainda o teor do talão junto aos autos a fls. 4.
Por sua vez, às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal estribou a sua convicção nos esclarecimentos prestados pelo arguido quanto às mesmas, não se vislumbrando razões para neles não fazer fé.
Finalmente, teve o tribunal em consideração o teor do CRC junto aos autos.
Relativamente ao facto que se deu como não provado cumpre tecer algumas considerações de modo mais cuidado.
No caso em apreço o arguido, no exercício de um direito que a lei lhe confere, optou por não prestar declarações.
Assim, teria o tribunal que ponderar apenas a demais prova produzida correspondente ao depoimento prestado pelo agente autuante, a conjugar com o teor do auto de notícia e talão junto aos autos.
Deste modo, haveria que proceder à ponderação em torno da valoração do resultado do controlo efectuado ao arguido para apuramento da concreta TAS de que o mesmo era, na realidade, portador.
Ora, da prova produzida, mais concretamente do teor do talão de fls. 4, resultou que o exame de pesquisa de álcool no sangue que foi efectuado ao arguido, o foi através do aparelho DRAGER, modelo 7110 MK IIIP.
O aludido aparelho foi aprovado pelo IPQ a 24 de Abril de 2009, através do despacho nº11037/07 e pela ANSR a 25 de Junho de 2009, através do despacho nº19684/09, publicado no DR nº166, 2ª Série, de 27 de Agosto de 2009.
Neste último despacho refere-se que o aludido modelo “contém os elementos necessários para medir a concentração de álcool no sangue”.
Por sua vez, prescreve o artigo 1º, nº1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº18/2007, de 17 de Maio, que “a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo”.
Por sua vez, dispõe o nº2 do mesmo artigo 1º do aludido Regulamento, que “a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue”.
Finalmente, o artigo 14º do Regulamento em apreço refere que “nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária”. Mais se consagra que “a aprovação (…) é precedida de homologação de modelo a efectuar pelo Instituto Português de Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”.
Assim sendo, dúvidas não existem quanto à possibilidade de utilização do aparelho em causa – DRAGER Alcotest 7110 MK IIIP – para efeitos da fiscalização do estado de condução sob influência do álcool, tanto mais que a aprovação do modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação do modelo (cf. artigos 2º, nº2, do DL nº291/90, de 20 de Setembro, 6º, nº3, do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, bem como o Despacho da ANSR nº19684/2009, a contrario).
Todavia, a questão que se coloca no caso dos autos consiste em saber qual o valor probatório a atribuir resultado de um controlo efectuado com aparelho que, apesar de regulamente aprovado, em concreto, ultrapassou o prazo de validade, sem ter sido submetido ao controle de medição.
Ou, acrescentando, e ainda a montante, saber se, no caso do autos, o aparelho usado para efectuar o controlo da TAS ao arguido havia ou não ultrapassado tal prazo.
Vejamos.
Decorre do já mencionado talão de fls. 4 que a data de verificação do aparelho utilizado no controlo remonta a 13.05.09. Por sua vez, o controlo efectuado ao arguido ocorreu no dia 4.10.2010.
Analisemos então as normas legais aplicáveis.
O DL nº291/90, de 20 de Setembro, veio proceder à “harmonização do regime anteriormente aplicável ao controlo metrológico com o direito comunitário, assegurando à indústria nacional de instrumentos de medição a entrada nos mercados da CEE em igualdade de circunstâncias” (cf. Preâmbulo do DL em apreço).
Dessa forma, veio estabelecer um regime regulador do “controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda dos bancos de ensaio e demais meios de medição (…).
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Ora, é o sobredito DL nº291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Controle Metrológico, constituindo o mesmo um diploma de aplicação generalizada aos diversos métodos ou instrumentos de medição.
Nessa medida, ali se prevê a existência de quatro operações de controlo metrológico: a aprovação do modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária (cf. artigo 1º, nº3).
Nos termos do disposto no artigo 2º, nº1, sempre do mesmo diploma legal, “a aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria (…).
Por sua vez, “a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis” (cf. artigo 3º, nº1).
Já a verificação periódica “é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo” (cf. artigo 4º, nº1).
Finalmente, “a verificação extraordinária ocorre apenas em casos de dúvidas ou de reclamações específicas” (cf. artigo 5º, nº1).
Visto este regime geral, cumpre analisar a concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros (cf. artigo 1º, nº1, parte final e 15º, do DL nº291/90, de 20 de Setembro).
Tal regulamentação consta hoje da Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, e aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, dos “instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” (cf. 2º, nº1, da referida Portaria).
O referido Regulamento veio, também ele, estabelecer regras relativas às verificações metrológicas.
Assim, ali se estabelece que “a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano” (cf. artigo 7º, nº1).
Por sua vez, também ali se dispõe que “a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo” (cf. artigo 7º, nº2).
Finalmente, estabelece-se que “a verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade”.
Ora, a resposta de uma das questões acima colocadas, nomeadamente a de saber se, no caso dos autos, o aparelho usado para efectuar o controlo da TAS ao arguido havia ou não ultrapassado o prazo estabelecido pela lei para a verificação periódica, passará pela interpretação da norma acima transcrita, prevista no artigo 7º, nº2, da Portaria nº1556/2007, em confronto com a norma prevista no artigo 4º, nº5, do DL nº291/90, de 20 de Setembro.
Prescreve este último artigo que “a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”.
Cumpre tomar posição.
Assim sendo, constata-se o seguinte:
O Regime Geral do Controlo Metrológico permite que a verificação periódica permaneça válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte.
Porém, no aludido regime (geral) não se refere que a verificação periódica tenha qualquer tipo de limite (por exemplo, mensal, trimestral, semestral, anual, etc.).
Ora, da análise do regime especial em que se traduz o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, constata-se, por um lado, que a verificação periódica para este tipo concreto e específico de instrumentos de medição deve obedecer a uma periodicidade anual, salvo se diferente indicação constar do despacho de aprovação de modelo (no caso, o Despacho nº19684/2009 da ANSR), o que, todavia, não sucede.
Assim sendo, em nosso entender, a Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, veio estabelecer um verdadeiro regime especial relativamente ao DL nº291/90, de 20 de Setembro, traduzindo-se em regulamentação específica contrária ao ali previsto no artigo 4º, nº5.
E assim concluímos por quatro ordens de razões.
A primeira prende-se com o facto já acima aflorado de o regime geral, contrariamente ao especial, não estabelecer nenhum prazo máximo para realização da verificação periódica, mas tão-somente um critério abstracto de duração da respectiva validade. Assim, e nesse seguimento, cremos que, ao estabelecer a periodicidade anual para a verificação periódica, a Portaria aqui em análise veio regulamentar o Regime Geral de modo contrário às prescrições nele constantes.
A segunda razão prende-se com a interpretação a dar à expressão “anual” constante do artigo 7º, nº2, da Portaria nº1556/2007. Em nosso entender, preconizar o entendimento da aplicação do preceituado no artigo 4º, nº5, do DL nº291/90 ao regime do controlo metrológico dos alcoolímetros, significaria que o legislador havia pretendido consagrar (no regime especial) que a verificação periódica haveria de fazer-se “uma vez em cada ano”.
Ora, no caso, não só o legislador não optou por tal redacção, nem tão-pouco, de forma eventualmente clarificadora, estabeleceu qualquer remissão da Portaria para o aludido artigo 4º, nº5, do DL nº291/90. Assim, cremos que não deverá o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu, devendo, ademais, presumir-se que o legislador soube, em cada momento, exprimir-se de modo adequado e consagrar as soluções mais acertadas (cf. artigo 9º, nº3, do CC).
Uma terceira linha de argumentação reporta-se à razão de ser das verificações periódicas. Assim, se as mesmas visam constatar a qualidade metrológica dos instrumentos de medição, nomeadamente, mantendo-os dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, é nosso entender que o legislador terá no caso (concreto) dos alcoolímetros querido, efectivamente, e pela especificidade que comportam (face a outros instrumentos de medição), fixar em 1 ano a verificação periódica de tais aparelhos, por entender ser esse o limite máximo a partir do qual os mesmos necessitam de ser submetidos a nova inspecção para determinar a sua fiabilidade enquanto meio de aquisição de prova. De resto, entender em sentido contrário, aplicando ao caso dos alcoolímetros sem mais o disposto no artigo 4º, nº5, do DL nº291/90, seria permitir que uma determinada verificação periódica pudesse ocorrer, de modo objectivo, e na prática, já perto dos dois anos, para tanto bastando que tal verificação ocorra no início de um determinado ano, mantendo-se a sua validade intacta até ao final do ano seguinte (imagine-se por hipótese um intervalo de verificações situado entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2010). Interpretar deste modo é, em nosso entender, violar frontalmente o regime legal constante da Portaria, regime esse em que o legislador quis verter e prever as especificidades concernentes ao instrumento de medição específico que é o alcoolímetro, sem olvidar que a sua utilização é feita, essencialmente, para fins de recolha de prova no âmbito de processos judiciais.
Finalmente, em quarto lugar, e sem prejuízo de toda a argumentação exposta, somos ainda de entendimento que, mesmo que alguma dúvida se suscitasse na articulação dos regimes geral e especial, sempre a mesma haveria que ser solucionada por via do recurso ao princípio geral da interpretação mais favorável ao arguido.
De resto, sem prejuízo do exposto, e salvaguardado todo o respeito por outras posições, sempre se diga que um entendimento diferente preconizado pelo IPQ (cf. informação junta aos autos) não vincula directamente os tribunais, pois que se o agentes da administração devem obediência às directivas dos seus superiores, já os tribunais “apenas estão sujeitos à lei” (cf. artigo 203º da CRP), sem embargo de atentarem devidamente no entendimento mais avisado dos tribunais superiores.
Isto posto, e descendo novamente ao caso concreto, somos de entendimento que, no caso concreto, aquando do controlo efectuado ao arguido a 4.10.2010, já há muito se encontrava ultrapassado o prazo de validade do aparelho utilizado para a realização do controlo/medição da respectiva TAS.
Decidido este aspecto, há que tomar posição quanto à segunda questão que nos propusemos resolver, ou seja, o do valor probatório a conferir ao controlo efectuado.
Neste concreto campo, e já no decurso da audiência de julgamento, ordenou o tribunal ao IPQ a realização de perícia ao concreto aparelho utilizado (com o número de série ARAC-0047), por forma a tentar averiguar se à data dos factos o dito aparelho se encontrava em boas condições de funcionamento e se o seu resultado seria fiável.
Todavia, conforme melhor se alcança da resposta de fls. 27 e ss. tal perícia não chegou a ter lugar, tendo antes, e entretanto, o dito concreto aparelho sido aprovado em verificação periódica efectuada no dia 10.11.2010.
Ora, tal aprovação, em nosso entender não dá resposta, pois que fica por responder a questão relativa ao estado e fiabilidade do aparelho na concreta data a que se reportam os factos imputados ao arguido, sem prejuízo de nada se saber quanto à natureza de eventuais manipulações subsequentes a que o dito aparelho possa ter sido sujeito.
Assim sendo, e desde já adiantando, cremos que, efectivamente, “não pode valer como meio de prova um controlo efectuado com aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter ido ao controle de medição para aferir do rigor da medição feita pelo mesmo” (cf. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.03.2009, proc. nº141/08.6GTGRD.C1).
De facto, e como já acima se foi referindo, se a verificação periódica visa garantir a fiabilidade de um determinado aparelho de medição, no caso o alcoolímetro, é de duvidar de tal fiabilidade quando o mesmo é utilizado em controlos ocorridos em momento posterior ao prazo máximo estabelecido para renovação da necessária verificação periódica.
Aparentemente, em sentido contrário pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.09.2010 (proc. nº431/10.8GAFL.G1, in www.dgsi.pt), quando, a certa altura refere que não existir “nulidade do exame efectuado” nas situações em que esteja em causa a falta de inspecção periódica do alcoolímetro, pois que “inexiste norma que comine a falta da inspecção periódica com o vício da nulidade”.
Todavia, cremos que o enquadramento a fazer da presente questão não se situa no âmbito da validade ou nulidade do exame/controlo em si, mas antes na validade da prova que do mesmo resulta. Isto é, sendo o exame/controlo um meio de obtenção de prova, admitimos que o mesmo não seja nulo se violar alguma das normas do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, por falta de norma expressa que o preveja. No entanto, cremos que há que distinguir entre o meio de obtenção da prova e o seu resultado, isto é, a prova em si e a sua validade/fiabilidade, sendo que, neste campo, e como acima referido, não cremos ser de valorar positivamente a prova obtida mediante a utilização de um aparelho de medição que ultrapassou o respectivo prazo de validade.
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Face ao exposto, o tribunal entende não valorar positivamente o resultado do teste de medição da TAS feito ao arguido, motivo pelo qual não deu como provado ponto da acusação pública contra ele formulada.”
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2. Os fundamentos de recurso
a) Os vícios do art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal
Como decorre do proémio deste segmento normativo “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum…”.
Tratam-se de vícios que permitem ampliar o recurso para além da matéria de direito, num momento em que não era possível conhecer do reexame da matéria de facto, os quais compreendem as situações taxativamente enunciadas nas suas três alíneas.
Estas duas correspondem a vícios de facto, como seja a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [a)] e o erro notório na apreciação da prova [c)], enquanto a outra integra um vício na elaboração da sentença, por existir contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão [b)], que na nossa tradição jurídica era mais próprio do regime das nulidades [art. 668.º, n.º 1, al. c) C. P. Civil]
A questão suscitada no recurso prende-se com a (des)valorização de um meio de obtenção de prova na fixação da matéria de facto provada, no caso o aparelho de alcoolímetro, por considerar que o mesmo não se encontrava válido, chegando a essa conclusão a partir de uma leitura da regulamentação jurídica do controlo metrológico desse aparelho.
Assim, a questão em causa prende-se mais com o vício que integra o erro notório na apreciação da prova e não com qualquer um dos outros vícios.
Para o efeito tem se entendido, praticamente de modo uniforme por parte da jurisprudência, que o erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se dá como provada uma série de factos que violam as regras da experiência comum e juízos lógicos ou então que são contraditados por documentação com prova plena, sem que tenha sido invocada a falsidade desta [Ac. do STJ de 2005/Fev./09 (Processo n.º 04P4721)(1), 1999/Out./13, CJ (S) III/184; 1999/Jun./16, BMJ 488/262; 1999/Mar./24; BMJ 485/281; 1999/Jan./27, BMJ 483/140; 1998/Dez./12, BMJ 482/68; 1998/Nov./12, BMJ 481/325; 1998/Jun./04, BMJ 478/183; 1998/Abr./22, BMJ 476/272; 1998/Abr./16, 476/273; 1998/Abr./15, BMJ 476/238; 1998/Abr./16, BMJ 476/253; 1998/Jan./27, BMJ 473/178].
Nesta conformidade, o que acaba por estar em causa é a existência de um erro notório na apreciação da prova o qual parte essencialmente de uma interpretação jurídica, pelo que incidiremos essa apreciação na correspondente regulamentação.
i) O prazo de validade da verificação do alcoolímetro
A Constituição estabelece no seu artigo 112.º o quadro ordenador de referência dos actos normativos infraconstitucionais, como seja a sua validade, eficácia e hierarquia.
Este quadro constitucional, que tem a sua incidência nos actos legislativos e regulamentos do governo, encontra-se complementado por outros enunciados constitucionais [8.º (Direito Internacional), 115.º (Referendo), 161.º, 164.º e 165.º (Leis da Assembleia da República), 198.º (Decretos-Leis do Governo), 226.º (leis estatutárias das Regiões Autónomas) e 227.º (Actos normativos das Regiões Autónomas)].(2)
Trata-se de um autêntico bloco constitucional de regulação jurídica dos actos normativos em geral, com carácter rígido na precisão das fontes e nas formas da lei, bem como na determinação das competências específicas para esses actos.
Naquele quadro constitucional do artigo 112.º logo se enuncia que os actos legislativos são as leis, decretos-leis e decretos legislativos regionais [n.º 1], bem como uma série de princípios básicos de relacionamento ou de ordenação entre diversas fontes de direito.(3)
A propósito e com relevância para o caso em apreço podemos destacar o princípio da tendencial paridade dos actos legislativos, decorrente do artigo 112.º, n.º 2, segundo o qual “As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos”.
Do mesmo decorre que quando se trata de actos legislativos equivalentes os mesmos encontram-se numa relação de horizontalidade e de reciprocidade, pelo que qualquer um desses actos pode, entre si, interpretar, suspender ou revogar qualquer um dos outros e só os mesmos têm essa possibilidade.
Um outro é o princípio do predomínio dos actos legislativos em relação aos actos regulamentares ou estatutários, pois de acordo com o citado artigo 112.º, n.º 5 “Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”.
Na sequência deste princípio surge a regra de identificação do acto legislativo regulamentado ou habilitante por parte do acto regulamentador, que se encontra expressa no subsequente n.º 7 do mesmo artigo 112.º – aí se consagra que “Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão fixando entre os mesmos uma relação de verticalidade e de hierarquia, condicionando a validade e a eficácia destes”.
A propósito convém ter presente que “Os regulamentos do Governo revestem a forma de decreto regulamentar quando tal seja determinado pela lei que regulamentam, bem como no caso de regulamentos independentes” [112.º, n.º 6], visando os mesmos a “boa execução das leis” [199.º, al. b) da Constituição].
De acordo com este último princípio da prevalência dos actos legislativos em relação aos actos regulamentares e estatutários, os mesmos encontram-se numa relação vertical ou de hierarquia, em que os primeiros estão no topo e os segundos na base desta escala, o que gera duas consequências.
A primeira é que são inaplicáveis, tanto por inconstitucionalidade [112.º, n.º 7, parte final], como por ilegalidade, os actos regulamentares e estatutários subordinados que estejam em desconformidade com o acto legislativo dominante.
A segunda é que a predominância do acto legislativo vai condicionar não só os parâmetros da aplicação do acto regulamentador, como subordinar a interpretação jurídica deste último aos arquétipos legislativos prevalecentes.
Daí que não se possa falar, por se tratar de um autêntico absurdo jurídico, que um acto regulamentador, por ser uma norma especial, revoga o acto legislativo dominante.
E também não se pode deslocar a geografia legislativa autorizante do acto regulamentador, que deve constar expressamente deste, para qualquer outro acto legislativo superior, porque isso seria alterar a posição de subordinação daquele – a sua latitude e longitude legal – contrariando a imposição constitucional do n.º 7 do citado artigo 112.º.
Por último dir-se-á que a primazia deste quadro constitucional de referência dos actos normativos infraconstitucionais condiciona qualquer das regras de interpretação fixadas no artigo 9.º do Código Civil.
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O Regime Legal do Controlo Metrológico dos Métodos e Instrumentos de Medição encontra-se estabelecido no Dec.-Lei n.º 291/90, de 20/Set. [DR I, n.º 218], o qual visa estabelecer o quadro legal de referência que permite garantir o rigor das medições efectuadas com os instrumentos de medição, assegurando a fiabilidade desses mesmos instrumentos.
Para o efeito logo no seu artigo 1.º, n.º 3 se enunciam as operações desse controlo, as quais consistem na aprovação do modelo [a)] e nas subsequentes verificações das suas qualidades metrológicas [b), c) e d)], comportando estas três modalidades, a saber: a primeira [art. 3.º], a periódica [art. 4.º] e a extraordinária [art. 5.º].
Assim, a aprovação do modelo consiste no “acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria” [2.º, n.º 1], que tem uma validade de 10 anos, sujeita a renovação [2.º, n.º 2].
Por sua vez a verificação consiste “no conjunto de operações destinadas a constatar a qualidade metrológica dos instrumentos de medição” [3.º, n.º 1] ou então se mantêm essa “qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo” [4.º n.º 1].
No caso de se tratar de verificação periódica e regulando o período de validade desse exame estabeleceu-se no artigo 4.º, n.º 5 o comando legal de que “A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”.
Entretanto e fora deste regime jurídico geral de controlo metrológico, surgiu um regime específico, com o Dec.-Lei n.º 192/2006, de 26/Set. [DR I, n.º 186], mas que não se aplica aos alcoolímetros.(4)
No que concerne a estes e na sequência da Lei n.º 18/2007, de 17/Mai. [DR I, n.º 95], que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, enunciou-se, no seu artigo 14.º, que a aprovação dos analisadores cabe, por despacho, ao presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária [n.º 1 e 3], muito embora sujeitos a prévia homologação do Instituto de Português de Qualidade (IPQ), nos termos do Regulamento do Controlo Metrológicos dos Alcoolímetros [n.º 2].
Convém precisar, para afastar quaisquer nuvens interpretativas, que o referido Regulamento de Fiscalização [Lei n.º 18/2007], apenas estabeleceu um comando legal quanto à aprovação dos analisadores, não tendo enunciado qualquer dispositivo a propósito da qualidade metrológica de tais instrumentos.
Ora o mencionado Regulamento do Controlo Metrológicos dos Alcoolímetros foi aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10/Dez. [DR I, n.º 237].(5)
Este Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, como consta expressamente do mesmo, foi aprovado pelo Governo, “Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1.º e no artigo 15.º do Decreto -Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, conjugado com o disposto no n.º 1.2 do Regulamento Geral do Controlo Metrológico anexo à Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro”.
Na Portaria 1556/2007 o momento temporal das verificações metrológicas ordinárias, que comporta a primeira e as verificações periódicas encontra-se regulado no seu artigo 7.º, distinguindo-se esses dois momentos, pois enquanto no seu n.º 1 se reporta à inicial, no n.º 2 alude-se às subsequentes [n.º 2] – o n.º 3 refere-se às operações de verificação extraordinária.
No que concerne às verificações ordinárias subsequentes à primeira verificação estipula-se naquele artigo 7.º, n.º 2 que “A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo”.
Desde já será de referir que este segmento normativo não tem nada de inovador, pois limita-se a transcrever o que já constava, nos mesmíssimos e precisos termos, nas portarias antecedentes a que já fizemos referência ou seja a Portaria n.º 110/91, de 06/Fev. (n.º 11) e na Portaria n.º 748/94 (n.º 11).
Por sua a vez, a expressão “anual” tinha e continua a ter o significado comum daquilo que se faz, celebra, acontece ou realiza em cada ano ou num período de cada ano, ou, ainda, todos os anos.
Assim e como se pode constatar do citado artigo 7.º, n.º 2 o mesmo não regula a validade do uso dos alcoolímetros mas apenas e tão só o momento temporal em que se devem realizar as verificações metrológicas periódicas.
A única referência que é feita à validade da verificação dos alcoolímetros diz apenas e tão só respeito à verificação extraordinária, no referido artigo 7.º, n.º 3 e nos seguintes termos: “A verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade”.
Isto significa que o disposto no artigo 7.º, n.º 2 é de todo estranho ao período de validade da verificação dos exames metrológicos dos alcoolímetros, pelo que enxertar neste segmento normativo qualquer interpretação neste sentido é sair do seu comando regulamentador.
Por isso e de acordo com o comando legal ínsito no artigo 4.º, n.º 5 do citado Dec.-Lei n.º 291/90, de 20/Set., a verificação periódica dos alcoolímetros é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização.
Tem sido de resto neste sentido que se tem consolidado a jurisprudência da Relação do Porto, em qualquer uma das suas secções [Ac. de 2011/Abr./06, 2011/Mai./25, 2011/Jun./08, 2011/Out./26 e 2011/Dez./14].(6)
Nesta conformidade não existe qualquer incompatibilidade entre o disposto no artigo 7.º, n.º 2 da Portaria n.º 1556/2007 e artigo 4.º, n.º 5 do citado Dec.-Lei n.º 291/90, de 20/Set., mas uma plena concordância entre aquela norma regulamentadora do momento temporal da realização da verificação periódica e a norma legal do período de validade dessa mesma verificação.
Aliás e se houvesse essa dissonância a primazia hierárquica da lei em relação aos decretos regulamentares, que lhe é constitucionalmente conferida, levava à inoperância destes e à aplicação daquela.
Cremos ser esta, numa perspectiva hermenêutica, cognitiva e pragmática da interpretação e a sua necessária conformação constitucional, a “linguagem jurídica” mais adequada que se pode extroverter das disposições legais e regulamentares em confronto, pelo que procede plenamente este fundamento de recurso.
Nesta conformidade e por autos terem todos os elementos disponíveis para fixar a matéria de facto, torna-se desnecessário reenviar o processo para novo julgamento [426.º, n.º 1 C. P. Penal], pelo que se procede à eliminação da alínea i) dos factos não provados, passando o item 2.º dos factos provados a ter a seguinte redacção:
“2º - Nessas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1.º, o arguido foi submetido a exame efectuado no ar expirado, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,73 g/l.”
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b) O direito ao recurso, a determinação da culpabilidade e da pena
A Constituição estabelece no seu artigo 32.º, n.º 1 que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
A propósito alguma jurisprudência tem entendido que “O respeito pelo direito ao recurso impõe que, quando o Tribunal da Relação revoga decisão absolutória proferida em 1.ª instância, deva esta proceder à determinação da sanção e a avaliar da necessidade de reabrir para esse efeito a audiência ou de ordenar quaisquer diligências” [Ac. R. E de 2009/Out./15, CJ IV/266; Ac. R. P. 2008/Mar./05, 2008/Mar./05, de 2007/Nov./28].(7)
No mesmo sentido ou quase semelhante também se tem sustentado que “Sendo o arguido acusado da prática de um crime de condução sob efeito do álcool e concluindo o Tribunal que os factos integram tão só a prática de uma contra-ordenação, a competência para proferir a decisão (aplicação da coima) deve ser devolvida à autoridade administrativa que, no caso, seria originariamente competente para o efeito.” [Ac. 2010/Fev./03, 2009/Dez./16](8)
No entanto e sempre s.d.r. afigura-se-nos que estes posicionamentos não fazem a leitura mais adequada do direito ao recurso, não só porque não perspectivam a Relação enquanto instância de recurso típica das apelações, não distinguem o direito ao recurso do direito a um segundo grau de jurisdição, como também não compatibilizam este enunciado constitucional com o Protocolo 7.º, n.º 2 da CEDH, conforme passaremos a explicitar.
Na tramitação ordinária dos recursos instituída pelo Código de Processo Penal(9), o recurso para a Relação é um típico meio de impugnação recursiva, sujeito ao princípio do pedido [412.º, n.º 1] e ao ónus de impugnação [412.º, n.º 2 e 3], cujo objecto de conhecimento está definido pelo pedido de impugnação, como decorrência do princípio dispositivo, salvo as situações em que se impõe o seu conhecimento oficioso.(10)
Neste caso, a Relação é sempre um tribunal de apelação que conhece de facto e de direito [428.º] e não um tribunal de revista, como sucede com o STJ, que visa apenas o reexame de direito [434.º], restringindo-se às vezes a autênticos e exclusivos poderes de cassação [437.º, 446.º].
Para destrinçar melhor os recursos de revisão ou de cassação daqueles outros recursos ordinários ou de apelação, na perspectiva do poderes do tribunal de recurso ou “ad quem”, diremos que naqueles é apenas concedido o poder estrito de revogar a decisão recorrida (poder rescidente), enquanto nestes ao poder de revogação acresce o poder rescisório, de substituição da decisão revogada (poder de substituição).(11)
Aliás e como é tradição dos modelos de cassação, que se inspiraram no “Tribunal de Cassation”, instituído em 1790 pela Assembleia Constituinte Francesa, as suas funções de controlar a aplicação da lei pelos tribunais são apenas conferidos a um tribunal único, situado no topo da hierarquia judiciária, e não a vários tribunais de recurso ou superiores – a primeira proposta, que remonta a 1789, chegou a designar esse tribunal superior por “Cour Supréme de Revision”.(12)
Isto significa que as Relações, enquanto instâncias de recurso e atentos os seus amplos poderes de cognição [428.º, 431.º], não têm quaisquer poderes revisórios de cassação, não podendo, por isso mesmo e em regra, limitar-se a revogar a decisão recorrida, mandando mandar baixar o processo ao tribunal recorrido para que este profira uma nova decisão.
Daí que as Relações devam antes proferir uma nova decisão, que passará a substituir a decisão recorrida, só assim não sucedendo se houver obstáculos intransponíveis, porquanto o expediente de reenvio tem sempre um cariz excepcional [426.º].
É que o nosso modelo processual penal de recurso segue essencialmente o modelo de substituição – e não de cassação – na modalidade de apelação limitada, tendo por base o princípio dispositivo, sendo este o paradigma dos recursos para as Relações.
Aliás, a tradição histórica da função recursiva das Relações é de desembargar, removendo os obstáculos e decidindo, tanto de facto, como de direito, mas já não de reenviar, protelando o sentenciamento do caso em apreço.
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Normalmente objecta-se a essa remessa com base no argumento de eliminação de um grau de recurso, pois decidindo-se pela condenação e caso não exista a possibilidade de impugnação recursiva, o arguido ficaria impedido de recorrer desta última decisão proferida em sede de recurso.
Por outro lado, sempre houve um outro posicionamento que, sem mais delongas, não encontrava qualquer obstáculo legal para que se proferisse uma sentença condenatória.
Estamos aqui perante a “vexatio questio” do recurso das sentenças absolutórias, entre um posicionamento mais recente de remessa dos autos para o tribunal de 1.ª instância e um posicionamento tradicional de conhecimento imediato da conduta do arguido.
Temos razões de constitucionalidade e de legalidade para seguir uma via “per mezzo”, que satisfaça tanto o exercício do “jus puniendi”, como as garantias de defesa do arguido, que se afastam daqueles dois posicionamentos.
A propósito convém novamente ter presente o direito fundamental de obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável [24.º, n.º 1, C. Rep.; 6.º, n.º 1 da CEDH; 47.º, § 2.º da CDFUE].
Por outro lado, será de constatar que os catálogos de direitos fundamentais, seja ao nível dos tratados internacionais, seja ao nível das Constituições, não consagram expressamente e através de uma norma específica um direito geral ao recurso em relação a toda e qualquer decisão judicial.
No entanto tem sido comum encontrar esse direito ao recurso a partir do direito fundamental e constitucional de acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva.(13)
Para o efeito constata-se que a plenitude do acesso ao direito e da obtenção de uma tutela efectiva só tem relevância se esta compreender o direito ao recurso, enquanto uma das manifestações do princípio “pro actione”, não na vertente de acesso à jurisdição (fase inicial), mas de acesso às sucessivas instâncias jurisdicionais (fase posterior).(14)
Trata-se, no entanto, de um direito fundamental de configuração legal, na medida em que se deixa para as leis processuais a tramitação do regime de recursos.(15)
As únicas excepções centram-se no direito ao recurso enquanto uma das garantias de defesa em processo penal e quando as restrições de recorrer representam uma vulnerabilidade ostensiva desse direito, por corresponderem a uma violação do direito a uma tutela jurisdicional efectiva.
Por isso e caso se trate de uma sentença condenatória, já haverá um pleno direito constitucional ao recurso da parte do condenado, por se incorporar no direito a uma tutela efectiva e encontrar reforço nas suas garantias de defesa [32.º, n.º 1 da Const. Port.].
No entanto, a existência do direito ao recurso não equivale a que haja o direito a uma segunda instância ou a um duplo grau jurisdicional.(16)
O direito ao recurso significa apenas a faculdade que a parte vencida tem de suscitar o reexame da decisão que lhe foi desfavorável.
O direito a um duplo grau de jurisdição possibilita que esse reexame seja efectuado por órgãos jurisdicionais distintos, hierarquicamente diferenciados, prevalecendo a decisão do segundo (superior) em relação à do primeiro (inferior).(17)
O que o protocolo n.º 7 à CEDH confere no seu artigo 2.º é o direito a um duplo grau de jurisdição, mas só o faz em matéria penal [n.º 1], o que significa a possibilidade de uma mesma causa, na vertente da sua culpabilidade e condenação, ser apreciada em duas jurisdições distintas.
No entanto, este mesmo artigo 2.º, mas já no seu n.º 2, logo estabelece algumas restrições a esse direito a um duplo grau de jurisdição, que se cingem, entre outras, àquelas em que há uma condenação no seguimento de um recurso contra uma absolvição.
No caso em apreço verifica-se o referenciado pressuposto de excepcionalidade do direito a um segundo grau de jurisdição, que possibilita a este Tribunal da Relação a determinação tanto da culpabilidade como da consequência penal daquele que tinha sido absolvido em 1.ª instância e contra se dirigia a impugnação recursiva [Ac. R. Porto 2010/Out./13].(18)
O Tribunal Constitucional, no seu Ac. n.º 49/2003, de 19/Jan., a partir do preceituado no art. 400.º, al. e), do C. P. Penal, na redacção anterior à Revisão de 2007, já apreciou a questão da irrecorribilidade de um acórdão condenatório proferido pela Relação que revogou e substituiu o acórdão absolutório decretado em 1.ª instância, concluindo pela constitucionalidade de tal segmento normativo, apoiando-se precisamente e essencialmente no regime de excepção consagrado no n.º 2, do art. 2.º desse Protocolo n.º 7 da CEDH.
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No entanto, o TEDH tem sido persistente em afirmar que muito embora o direito fundamental ao recurso não surja do disposto do art. 6.º, da CEDH, o procedimento recursivo deve estar sujeito às regras mínimas exigíveis a um processo equitativo, sendo uma destas dimensões a existência de uma audiência pública em que o arguido esteja presente.
Porém convém também não esquecer que o próprio TEDH não tem considerado esse direito a uma audiência pública com um carácter absoluto e como parte inexorável do direito a um processo equitativo, considerando que o mesmo não garante ou não exige sempre uma audiência pública, o que até se pode justificar pelas particularidades do respectivo processo, designadamente o sistema de recursos, bem como a natureza das questões a debater [Acs TEDH de 1991/Out./29 Fejde c. Suécia; 1996/Fev./19 Botten c. Noruega; 2006/Nov./09 Golubeva c. Rússia].
Porém, quando a instância de recurso tem como seu objecto não só o reexame da matéria de direito, como da matéria de facto, com destaque para a questão de culpabilidade ou de inocência do acusado, não pode o Tribunal Superior, por motivos de equidade do processo, decidir sobre estas questões sem que conceda ao acusado a possibilidade do mesmo se pronunciar pessoalmente sobre as mesmas e no decurso de uma audiência pública [Acs. do TEDH de 1998/Mai./26 Ekbatani c. Suécia; de 1991/Out./29 Helmers c. Suécia; de 1991/Out./29 Jan-Äke Anderson c. Suécia; de 2000/Jun./25 Tierce e outros c. São Marino; de 2000/Jun./27 Constantinescu c. Roménia; de 2004/Jul./06 Dondarini c. São Marino; de 2000/Out./03 Pobornikoff c. Áustria; de 1993/Set./21 Kremzow c. Áustria; de 2005/Jun./28 Hermi c. Itália e 2011/Jul./05 no caso Moreira Ferreira c. Portugal].
O actual Código de Processo Penal não confere expressamente essa faculdade, pois só o faz e, em parte, para o recorrente [411.º, n.º 5].
No entanto, convém não esquecer que nos casos em que a Relação conhece tanto de facto, como de direito e haja razões para crer que se poderá obstar ao reenvio do processo, mediante a renovação da prova, esta sempre terá lugar em audiência, sendo o arguido expressamente convocado para a mesma [430.º].
Nada impede, antes pelo contrário, que se faça uma interpretação extensiva deste preceito ou mesmo por analogia, por exigência constitucional do direito a um processo equitativo, no caso em que a uma absolvição em 1.ª instância se poderá seguir uma condenação no tribunal de recurso, mormente quando está em causa o reexame da matéria de facto e uma nova determinação da culpabilidade, a que se segue a condenação numa pena.
A propósito tem se vindo a solidificar nesta Relação o posicionamento de que pondo-se a hipótese, em sede de recurso, de revogação da sentença absolutória proferida em 1ª Instância, substituindo-a por uma sentença condenatória, o direito a um processo equitativo exige que o arguido possa, caso o mesmo assim entenda, ser ouvido em audiência pública [Ac. 2009/Dez./02, 2010/Set./08], o que aqui foi efectuado.(19)
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c) O crime de condução em estado de embriaguez
Tal ilícito da previsão do art. 292.º do Código Penal, pune “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de sangue superior 1,2 g/l”.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, o que significa que o perigo não faz parte dos elementos típicos, partindo-se da presunção de que o estado de embriaguez, nas suas diversas cambiantes, torna qualquer pessoa inapta para conduzir, criando-lhe, por um lado, uma imoderada confiança em si próprio, diminuindo-lhe, por outro lado, a rapidez de reflexos, a capacidade visual e o raciocínio.
Mediante este crime pretende-se tutelar imediatamente a segurança da circulação rodoviária em geral e mediatamente os riscos de lesão para a vida, a integridade física e os bens patrimoniais.
Tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que se verifique o resultado que se pretende acautelar, basta que se adopte a conduta descrita no respectivo tipo legal, que é a condução com aquela taxa de alcoolémia.
Tal crime tanto é cometido dolosamente, como por negligência [art. 13.º e 14.º do Código Penal].
Verificada a previsão legal – conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de sangue superior 1,2 g/l – cumpre aferir da imputação objectiva e subjectiva do crime de condução em estado de embriaguês para concluir ou não, pela responsabilidade jurídico-penal do arguido.
Resulta provado que o arguido quando conduzia o referido veículo automóvel foi submetido a um exame de pesquisa de álcool no ar expirado através do aparelho "Drager", modelo "7110 MKIIIP", tendo nessa altura apresentado uma T.A.S. de 2,73 g/l de sangue [1.º e 2.º].
Acrescentando-se mais à frente que “O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos automóveis com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l” [3.º] e que “Ao proceder como referido em 1º, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente” [4.º].
Nesta conformidade, a descrição constante nos factos provados comporta a tipificação dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal aqui em causa, procedendo este fundamento de recurso.
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i) A escolha e determinação da pena
O crime do art. 292.º é punido com pena de multa até 180 dias ou pena de prisão até 1 ano.
Nos critérios legais para escolha da pena estabelece o artigo 70.º do Código Penal que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A pena de multa contemplada no Código Penal é uma consequência jurídica da prática de um facto criminoso, surgindo como uma reacção criminal de carácter pecuniário.
Tanto na sua determinação, como na sua execução, deve-se atender às finalidades de aplicação de qualquer pena, que consistem na protecção dos bens jurídicos violados e na reintegração do condenado na sociedade [40.º do Código Penal(20)], estando os critérios da sua determinação estabelecidos no art. 71.º, n.º 1 [47.º, n.º 1]
Isto significa que a pena, enquanto instrumento político-criminal de protecção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral, cuja graduação deve ser proporcional à culpa.(21)
Concomitantemente, dever-se-á ainda observar os fins específicos da uma pena de multa, que é de sujeitar o condenado, atenta a sua situação económico-financeira, aos sacrifícios e ónus decorrentes da sua aplicação, como decorre do artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal [Ac. R. E. de 2004/Set./03(22), Ac. R. L. de 2002/Nov./21(23), 2991/Out./31(24), divulgados em www.dgsi.pt., Ac. R. C. de 1985/Jul./13(25), CJ IV/48].
Isto significa que a pena de multa é uma reacção criminal, cujas finalidades são idênticas às demais penas, mas que deve ser aferida em função da capacidade económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.(26)
Podemos ainda constatar que o nosso legislador no artigo 47.º, n.º 1 do Código Penal optou pelo sistema dos dias-de-multa, estabelecendo-se aí que a pena de multa deverá ser “… fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 71.º, …”.
Neste art. 71.º os critérios legais na determinação da pena, apontam para que, numa primeira fase, a pena seja encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.
Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras centrais: a primeira é de que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, sendo através da mesma que se fixa a sua magnitude; a segunda é que deverá se ter em conta, os efeitos da pena na vida futura do arguido na sociedade e da necessidade desta defender-se do mesmo, mantendo a confiança da comunidade na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.
Perante isto, podemos dizer que nesta acção a pena serve primacialmente para a punição dessa culpa, contribuindo ainda e ao mesmo nível, para a reinserção social do arguido, procurando não prejudicar a sua situação social mais do que estritamente necessário (função preventiva especial positiva).
Por outro lado, existem ainda as apontadas razões de prevenção geral, porquanto é por demais sabido as consequências trágicas no nosso país da sinistralidade automóvel e a contribuição decisiva do consumo excessivo de álcool para que Portugal ocupe, infelizmente, um lugar de destaque, mas a nível, negativo, nas cifras rodoviárias europeias.
O arguido tem a seu favor o facto de ser delinquente primário, mostrando-se socialmente inserido [6.º a 9.º e 12.º dos factos provados].
Daí que tudo ponderado, apresentando o arguido uma taxa de alcoolémia no sangue de 2,73 gr./l, o mesmo revela uma culpa bastante elevada o que nos deve situar no último quarto da moldura penal ou seja, entre 90 e os 120 dias, pelo que consideramos adequado aplicar 100 dias de multa.
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A fixação do valor diário da multa, de acordo com o estabelecido no anterior art. 47.º, n.º 2, podia variar entre 5 e 500 € “em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
Na aferição desse quantitativo diário o julgador, deve não só ter em conta os rendimentos mensais do arguido, sejam próprios ou do que o mesmo beneficie, mas toda a situação económica e financeira de que o mesmo disponha, designadamente o património que se lhe apresente disponível e os seus encargos.
Neste apuramento deve-se atender igualmente que a multa é uma verdadeira reacção criminal de índole económica e não um laxante com repercussões económicas, devendo, por isso, na sua aplicação ser submetida a critérios de igualdade de sacrifícios e ónus.(27)
No que concerne aos encargos e perante o mesmo princípio da igualdade de ónus e sacrifícios, afigura-se-nos que devemos fazer uma consideração diferenciada dos mesmos, distinguindo aqueles que revelam custos indispensáveis para a sustentação do condenado e dos seus familiares dependentes, os quais devem ser deduzidos no rendimento, daqueles que revelam alguma prodigalidade ou luxúria e que não devem beneficiar da mesma ponderação dedutiva, antes pelo contrário.
Tudo isto leva a que se reserve os quantitativos mínimos para aquelas pessoas que vivem abaixo ou no limiar da subsistência, escalonando-se a partir daí todos os demais.
Os factos provados que revelam a capacidade económica e financeira do arguido são os seguintes:
6º - O arguido é agricultor, trabalha à jorna auferindo, por cada dia de trabalho a quantia de € 32,50.
7º - No mês de Setembro auferiu a quantia de € 450,00, não trabalhando desde então.
8º - Reside em casa do pai.
9º - Tem dois filhos menores, respectivamente com 12 e 9 anos de idade, que não se encontram a seu cargo.
10º - Não contribui com qualquer quantia para o sustento dos referidos filhos.
Perante estas considerações, situamos o arguido num patamar económico muito baixo, pelo que optamos por uma taxa diária de 6 €.
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3. A pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis com motor
Segundo o disposto neste art. 69.º, n.º 1, “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º”.
Embora se trate de uma pena acessória, a sua aplicação está sujeita às mesmas finalidades de qualquer pena, da previsão do art. 40.º, n.º 1, a que já fizemos referência.
Por isso e de forma a ultrapassar-se qualquer efeito automático das penas, o julgador deve proceder à aferição da medida concreta da proibição de conduzir, tendo em atenção as apontadas finalidades das penas e os critérios da sua determinação, os quais estão expressos no art. 71.º.
Neste sentido se tem pronunciado a generalidade da jurisprudência [Ac. R. E, de 1998/Fev./17, CJ II/291; 1998/Mar./10(28), BMJ 475/798; Ac. R. C. de 1997/Mai./15, BMJ 467/640, 1999/Jun./02, CJ III/54; Ac. R. P. de 2000/Nov./29, CJ V/229], referindo-se expressamente neste último que “Esta pena acessória deve ser determinada tendo em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção”.
Neste casos e como já se decidiu no Ac. R. C. de 2000/Nov./29, [CJ V/49], “A determinação da medida da pena acessória de inibição de conduzir não pode deixar de ter em conta a taxa de alcoolemia de que o arguido é portador”. “Daí que não tenha qualquer justificação aplicar a um arguido o mínimo legal quando a taxa de álcool no sangue (TAS) com que conduzia um automóvel era de 1,65 g/l”.
No caso em apreço temos que dar o devido ênfase à perigosidade revelada pelo excessivo consumo ou ingestão de bebidas alcoólicas apresentado pelo arguido e revelada pela sua TAS, que se situa num patamar quase equivalente ao dobro do mínimo legal. Por isso, mostra-se ajustada a opção por 18 meses de proibição de conduzir veículos com motor.
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III.- DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revoga-se a sentença de modo que:
1.º) Alteram-se os factos provados nos termos anteriormente referenciados na alínea a) da fundamentação;
2.º) condena-se o arguido B… pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo disposto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, com referência ao artigo 69.º do mesmo diploma, na pena de 100 (cem) dias de multa com o valor diário de € 6 (seis euros), bem como na pena acessória de 18 (dezoito) meses de proibição de conduzir veículos com motor.
3.º) Mais se condena o arguido na taxa de justiça de três (3) UCs e nos encargos legais a que o mesmo deu lugar [513.º e 514.º C. P. Penal].

Não é devida tributação por este recurso

Notifique.

Porto, 18 Janeiro de 2012
Joaquim Arménio Correia Gomes
José Alberto Vaz Carreto (vencido conforme declaração de voto anexa)
José Manuel Baião Papão
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(1) Relatado pelo Cons. Henriques Gaspar e divulgado em www.dgsi.pt.
(2) MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 260-261.
(3) GOMES CANOTILHO, J. J. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 3.ª edição, 1999, p. 650.
(4) O mesmo destina-se, segundo o seu artigo 2.º: “a) Aos contadores de água fria ou quente; b) Aos contadores de gás e dispositivos de conversão associados; c) Aos contadores de energia eléctrica activa; d) Aos contadores de calor; e) Aos sistemas de medição contínua e dinâmica de quantidades de líquidos com exclusão da água; f) Aos instrumentos de pesagem de funcionamento automático; g) Aos taxímetros; h) Aos recipientes para a comercialização de bebidas; i) Às medidas materializadas de comprimento; j) Aos instrumentos de medições dimensionais; l) Aos analisadores de gases de escape.”
(5) Esta Portaria revogou a Portaria n.º 748/94, de 13/Ago. e esta, por sua vez, já tinha revogado a Portaria n.º 110/91, de 06/Fev.
(6) Relatados, respectivamente, pelas Des. Olga Maurício, Airisa Caldino, pelos Des. Artur Oliveira, o relator do presente acórdão e Des. Ricardo Costa e Silva, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
(7) Relatados, respectivamente, pelos Des. António Latas, Olga Maurício e Custódio Silva.
(8) Relatados respectivamente pelos Des. Leonor Esteves e Des. Francisco Marcolino.
(9) Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
(10) CUNHA RODRIGUES, José Narciso, “Recursos”, in AA.VV, Jornadas sobre O novo Código de Processo Penal, Almedina, Coimbra, 1997, p. 387.
(11) TEIXEIRA de SOUSA, Miguel, Estudos Sobre o Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 400/401.
(12) AROCA, Juan Montero, Proceso y Garantia – El processo como garantia de libertad y de responsabilidad, Tirant lo Blanch, Valência, 2006, p. 613 e ss.; RIBEIRO MENDES, Armindo, Direito Processual Civil III – Recursos, AAFDL, Lisboa, 1982, p. 34 e ss.
(13) AROCA, Juan Montero, Principios del Processo Penal, 1997, p. 166; AROCA, Juan Montero, Processo Penal y Libertad, 2008, p. 471; RUBIO, Cármen Ródriguez Rubio, p. 69; ARMENTA DEU, Teresa, Lecciones de Derecho Penal, 2007, pp. 280, 281; MORENO, Faustino Cordon, Las Garantias Constitucionales del Processo Penal, 1999, pp. 183, 184; BRÃNAS, Carlos Martin, El Derecho al recurso en España tras su reconhecimento en el articulo II-107 del Tratado por el que se constituy una Constituición para Europa, AA.VV, Garantias Fundamentales del Processo Penal en el Espacio Judicial Europeo”, pp. 177, 178; MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui, em Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2005, p.200; CANOTILHO, JJ Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição República Portuguesa Anotada, Vol. I (2007), p. 418; VIEIRA de ANDRADE, José Carlos, A Justiça Administrativa, (9.º Edição), p. 161.
(14) BRAÑAS, ob. cit., p. 184.
(15) BRAÑAS, ob. cit., p. 178.
(16) ARMENTA DEU, Teresa, Lecciones de Derecho Penal, 2007, p. 280.
(17) AROCA, ob. cit. (2008), pp. 484 e ss.
(18) Relatado pelo Des. Ernesto Nascimento.
(19) Relatados respectivamente pelos Des. Artur Oliveira e Joaquim Gomes.
(20) Doravante são deste Código os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
(21) Veja-se a propósito ROXIN, Claus, Culpabilidad y Prevencion en Derecho Penal, p. 181; DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pp. 72-73; “Sobre o estado actual da doutrina do crime”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, 1991, p. 22; PALMA, Maria Fernanda, “As alterações da Parte Geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em Jornadas sobre a revisão do Código Penal, AAFDL, 1998, p. 26, onde se traça as finalidades de punição deste artigo 40.º, com base no § 2 do projecto alternativo alemão (Alternativ-Entwurf).
(22) Processo n.º 2565/03-1, relatado pelo Des. Ribeiro Cardoso “A pena de multa tem de representar uma censura do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada e deve ser doseada de modo a que represente um sacrifício real para o condenado, …”
(23) Processo n.º 0079079, relatado pelo Des. Cid Geraldo “Se a aplicação da pena de multa, quanto ao seu quantitativo diário, não deve representar uma disfarçada forma de absolvição ou isenção de pena, não é legítimo cair em uma atitude de sinal contrário, sendo certo que terá de constituir um sacrifício real para o condenado, de modo a criar-lhe um sentimento de segurança, utilidade, punibilidade e justiça”.
(24) Processo n.º 0074093, relatado pelo Des. Adelino Salvado “A pena de multa, como qualquer outra pena, tem de representar um sacrifício de modo a ser interiorizado pelo arguido, ficando, caso contrário, posta em causa a dignificação dessa sanção, enquanto medida punitiva e dissuasora,…”
(25) “O montante diário da pena de multa não deve ser doseado por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade”.
(26) Veja-se a propósito H.-H. Jescheck, em “Tratado de Derecho Penal”, Vol. II, Editorial Bosch, 1981, p. 1074; Figueiredo Dias, no seu “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, Coimbra Editora, 1993, p. 118 a 123, 127 e ss.; Carlos Velasco e Cocépcion Blásquez, em “Derecho Penal Español – Parte General”, Editorial Tecnos, 2004, p. 509 e ss.
(27) JESCHECK, H.-H., Tratado de Derecho Penal, Vol. II, 1981, p. 1074; DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 127 e ss.
(28) Este aresto teve por base o n.º 2 do artigo 12º do dec.-Lei n.º 124/90.
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto Vencido, em conformidade com o projecto que apresentei pelo seguinte:
Conduzir veículos motorizados com álcool no sangue é proibido a partir da taxa de 0,5 g/l e constitui crime (p. e p. pelo artigo 292º, nº1, do CP), a condução de veículos automóveis na via publica com uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l. (sendo de 0,5 a 1,19 g/l contra-ordenação)

Como actividade relativa á circulação de veículos a sua regulamentação encontra-se inserida no Código da Estrada (actual DL 44/2005 de 23/2), em cujo artº 153º CE se estabelece que a fiscalização é efectuada através de exame:
“O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito” (ou em caso de impossibilidade ou contraprova através de analise sanguínea ou exame médico apropriado – nº 3 a 8).
Sendo fixado em Regulamento o tipo de material e os métodos a utilizar nesse exame - artº 158º CE.
O Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas veio a ser aprovado pela Lei 18/2007 de 17/5 (que no artº 1º dispõe: “É aprovado o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, anexo à presente lei e que dela faz parte integrante” Regulamento que estabelece logo no seu artº 1º que:
“1—A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador qualitativo.
2—A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3—A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.”

E se estabelece no artº 14 do mesmo regulamento, que:
1—Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
2—A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.”
A regulamentação prevista neste artº 14º (fixação das características, dos aparelhos analisadores) e em conformidade com o estabelecido pelo artº 3º da Lei 18/07, de 17/5 que dispôs que: “…a regulamentação necessária à boa execução do presente regime jurídico é aprovada por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela administração interna, justiça e saúde, …” que não foi publicada, mas veio o ser publicada a Portaria 1556/07 de 10/12 cuja regulamentação se aplica “…a alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos, adiante designados por alcoolímetros, nos termos da legislação aplicável.”- artº1º - cuja necessidade de regulamentação é explicitada no seu preambulo, e visa o controle metrológico dos alcoolímetros, e ali se estabelecem as condições da sua utilização.
Assim é que um alcoolímetro pode ser utilizado se o seu modelo tiver sido aprovado (a aprovação é por 10 anos), e se tiver sido submetido às verificações metrológicas (estas a efectuar pelo IPQ) - artº 5º;.
De acordo com o artº 7º a 1ª verificação metrológica é efectuada antes da sua colocação no mercado (e após a sua aprovação) e a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrario no despacho de aprovação.
Ora no caso dos autos, para efectuar o exame para determinação de TAS do arguido foi utilizado o alcoolímetro “DRAGER Alcotest 7110MKIIIP,” modelo que se mostra aprovado.
De acordo com o talão de controlo do exame efectuado e em conformidade com o artº 9º2 da Portaria 1556/07, verifica-se que o alcoolímetro utilizado contém a data da última verificação metrológica, ou seja 13/5/2009.
O arguido foi submetido a fiscalização e exame por aquele aparelho em 04/10/2010 ou seja muito depois (4 meses e 23 dias) de ter decorrido mais de um ano após a última verificação metrológica.
Daqui resulta que o aparelho utilizado não está em condições regulamentares para ser utilizado, pois que cada aparelho está sujeito a uma verificação “ anual”, posto que o contrário não se mostra que resulte do despacho de aprovação do modelo como referido.

Questiona-se contudo que quando se refere que a “verificação é anual” não se fixa a validade temporal do aparelho verificado, e que ao período de validade é aplicável o DL 291/90 de 20/9, nomeadamente o seu artº 4º5 que determinaria a validade da verificação periódica até 31/12 do ano seguinte ao da sua realização.
Cremos não dever ser assim:
Desde logo porque o artº 4º5 do DL.291/90, não é mais aplicável ao caso dos alcoolímetros (e aquele DL que constitui a regulamentação base da qual todas as demais emergem) pois a Portaria 1556/07 de 10/12, veio actualizar as regras e procedimentos quanto aos alcoolímetros, como no respectivo preambulo se escreve:
“O controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição em Portugal, em geral, obedece ao regime constante do Decreto -Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, às disposições regulamentares gerais constantes do Regulamento Geral do Controlo Metrológico aprovado pela Portaria n.º 962/90, publicada no Diário da República, 1.ª série, de 9 de Outubro de 1990, e ainda às disposições constantes das portarias específicas de cada instrumento de medição.
Recentemente, o Decreto -Lei n.º 192/2006, de 26 de Setembro, transpondo para o direito interno a Directiva n.º 2004/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, veio regular o controlo metrológico dos 11 instrumentos de medição elencados no seu artigo 2.º
Para os instrumentos de medição abrangidos pelo Decreto -Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, e que não mereceram qualquer adaptação através do Decreto –Lei n.º 192/2006, de 26 de Setembro, verifica -se a necessidade de actualizar as regras a que o respectivo controlo metrológico deve obedecer com vista a acompanhar, tecnicamente, o que vem sendo indicado nas Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal. A actualização mostra -se ainda necessária para simplificar e clarificar procedimentos, …;
Pelos motivos acima indicados, a presente portaria procede à aprovação do novo regulamento a que deve obedecer o controlo metrológico dos alcoolímetros.”
e depois porque se verifica (é a Port.1556/07) a “regulamentação especifica em contrario” prevista nesse artº 4º nº5, do DL 291/90 que dispõe que “a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação especifica em contrário” uma vez que a Portaria em causa especifica e estabelece que a verificação periódica dos alcoolímetros é anual, (não prevendo o DL 291/90 nem outro diploma, qualquer periodicidade para a verificação periódica dos alcoolímetros), remetendo através do próprio Regulamento Geral de Controlo Metrológico (Portaria 962/90 de 9/10) para a regulamentação especifica do instrumento de medição, pois no seu nº13 estabelece que “A verificação periódica deverá ser efectuada consoante a periodicidade estabelecida em regulamentos específicos entre 1 de Janeiro e 30 de Novembro do ano a que respeite”,

E se a verificação metrológica dos alcoolímetros (e só estes estão em causa) é anual, significa que deve ser feita todos os anos e não deve decorrer entre uma e outra período de tempo superior a um ano,
Porque se trata de um meio de medição especifico e especificamente regulado não lhe é aplicável, quanto á validade da verificação periódica o regime do artº 4º5 1ª parte do DL 291/90 de 20/9, que apenas é aplicável aos aparelhos de medição de carácter geral e que desse regime não foram sendo excluídos – vg. DL 192/2006), estando os alcoolímetros dela excluidos sendo a sua cuja exclusão permitida (através da regulamentação especifica a cada tipo de aparelhos - regulamentação delegada) pelo próprio artº 4º5 DL 192/06) e por isso não acompanhamos o acórdão desta Relação de 8/6/2011 in www.dgsi.pt/jtrp, nem o decidido neste recurso.

E não está em causa qualquer tipo de revogação da lei por diploma legal de valor inferior - artº 112º CRP, uma vez que resulta de qualquer das leis mencionadas relativas a esta matéria a autorização regulamentar especifica para o instrumento de medição em apreço, justificado pela diversa natureza desses instrumentos (e veja-se a propósito que o Regulamento de Fiscalização da condução sobre influencia do álcool foi aprovado por Lei da Assembleia da Republica (Lei 18/07), e o facto de a Portaria 1556/2007 referir como DL habilitando o DL 291/90, não lhe retira a natureza especifica da sua regulamentação (porque aquele DL a consente – artº1 que remete para “respectivos diplomas regulamentares”, e artº 15º em que a aprovação das normas técnicas será feita por meio de portaria.
Por outro lado o regime da Portaria, constituindo o desenvolvimento autorizado legislativamente, não vai contra a regulamentação legal, pois que aquele não prevê a periodicidade da verificação/controle metrológico, nem devia prever face á diversidade de instrumentos de medição, e por outro lado ao já longo período da sua vigência (mais de 21 anos) do qual resultaria a sua inadequação para gerir os avanços tecnológicos, razão, cremos nós, pela qual o Regulamento Geral de Controlo Metrológico (Portaria 962/90 de 9/10) prevê os regulamentos específicos.

Creio que só esta interpretação restritiva e actualista faz sentido, em face da necessidade de actualização da respectiva regulamentação (passados mais de 20 anos sobre o DL 291/90), e da razão do controle metrológico tão apertado dos alcoolímetros (ainda sujeitos a verificações extraordinárias em caso de dúvida ou reclamação), de molde a que não haja dúvidas, de que a respectiva medição se contém dentro dos limites das margens de erro admissíveis que permitem manter em funcionamento os mesmos aparelhos, e essa necessidade de certeza prende-se com o facto de estarem em causa os direitos, liberdades e garantias do indivíduo, objecto de restrição criminal, pois são aparelhos usados para exames de natureza criminal cuja fiabilidade tem de estar permanentemente assegurada, exigindo-se assim maior controle. Cremos que só essa especial natureza e exigência justifica que após o exame o aparelho emita um talão com a medida apurada e dele conste a data precisa da última verificação periódica a que foi submetido e é por esse actual e especial conteúdo que surgem agora estas questões (dado que a anualidade da verificação periódica não é nova, como se anota no acordão),
Sendo a verificação periódica “… o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantém a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo…” – artº 4º1 DL 291/90, - quer-nos parecer que considerar que a verificação anterior, para os alcoolímetros, é válida até 31de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, equivaleria a dizer que:
- a verificação periódica não é anual (quando têm de ser anualmente revistos, e essa revisão deve ser efectuada entre Janeiro e Novembro de cada ano), e que
- os alcoolímetros não têm regulamentação especifica, e
assim cremos em desconformidade com a regulamentação estabelecida (e a validade da inspecção periódica podia até chegar aos quase dois anos – caso a verificação se realizasse no inicio de um dado ano – e no caso especifico dos autos já vai quase em ano e meio), e se lhe for aplicável o artº4º5 DL 291/90 então é destituído de sentido a afirmação legal de que a verificação periódica é anual, uma vez que nunca o será, dado que aquela norma imporia que todas as verificações periódicas (seja qual for a sua periodicidade), sejam elas quais forem têm como termo de validade o dia 31/12 do ano seguinte ao da sua realização.
Não nos parece ser de sufragar o entendimento (ac RC 13/12/2011 www.dgsi.pt/) de que o facto de a verificação periódica ser anual impõe o entendimento de que anual significa “ em cada ano civil”, pelo facto de a verificação (a efectuar mesmo no ano seguinte) tem de ser efectuada de 1 Janeiro a 31 Novembro - cfr. Regulamento Geral de Controlo Metrológico -Portaria 962/90 de 9/10 - nº13 que estabelece “A verificação periódica deverá ser efectuada consoante a periodicidade estabelecida em regulamentos específicos entre 1 de Janeiro e 30 de Novembro”- pelo que não faz sentido, cremos, considerar que a verificação é valida até 31/12 se a verificação tem de ser efectuada até 31/11 do ano ou seja antes de 31/12, face á desarmonia entre esta regulamentação.
Só a interpretação por nós seguida permite (criar harmonia no sistema) e solucionar todas as questões relativas á periodicidade anual da verificação periódica, pois por um lado, a verificação não só é realizada “todos os anos civis” como nunca ultrapassa “um ano na sua validade”, nem permite que se mantenha válida depois de ter passado o prazo para a realização da inspecção e sem ser efectuada.
Assim, para nós, tendo já decorrido um ano após a última verificação metrológica, o alcoolímetro não podia ser utilizado para a realização do exame depois de decorrido aquele prazo, por não reunir as condições de controlo metrológico exigido pela Lei 18/07, que estabelece no artº 14º que “nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação”, e Portaria 1556/07 que impõe a sua verificação anual para poder ser validamente utilizado.

Ao ser utilizado um aparelho, recitus ao ser efectuado um exame por um aparelho sem controlo metrológico válido e em vigor, foi-o fora das condições legais, logo ilegalmente, e assim, ofendendo a lei é inválido.
Tendo sido utilizado para medição/ exame um aparelho fora das condições legais e com controlo metrológico caducado, e inválido, implica que foi utilizado um meio de prova inválido, que arrasta consigo a invalidade do resultado obtido, que se traduz em considerar como se não tivesse sido efectuado.
Sendo inválido o resultado obtido, por invalidade do meio, não pode ser considerado como se validamente obtido fosse, pelo que a prova dele resultante não pode ser considerada.
Neste sentido também a R. Coimbra, ac. 23/5/2009 in www.dgsi.pt/jtrc do seguinte teor: “1-Não pode valer como meio de prova um controlo efectuado com aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter ido ao controle de medição para se aferir do rigor da medição feita pelo mesmo.(…)”, e assim inexiste prova do facto, o que impõe o não preenchimento dos elementos típicos do crime e logo da existência deste, sendo que como atrás se mencionou a existência da taxa de alcoolemia só pode ser determinada, rectius quantificada por exame quantitativo de ar expirado ou analise de sangue, tratando-se por isso de um meio de obtenção de prova vinculado.

Por estas razões julgaria improcedente o recurso.

José Alberto Vaz Carreto