O Tribunal de Execução de Penas (TEP) competente para decidir a impugnação que um determinado preso apresentou, nos termos do art.º 114.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP), contra medida disciplinar que lhe foi aplicada pelo Director do Estabelecimento Prisional (EP) onde se encontrava quando cometeu a infracção, é o da área do estabelecimento para onde posteriormente foi transferido, nos termos do art.º 137.º, n.º 1, do CEP.
1. A, recluso em cumprimento de pena, apresentou o requerimento de fls. 7 no dia 16.07.2010, quando então se encontrava no Estabelecimento Prisional de Monsanto, pelo qual impugnou a medida disciplinar de permanência obrigatória no alojamento pelo período de 10 dias, que lhe foi aplicada por despacho de 18.06.2010, da Sra. Directora do Estabelecimento Prisional do Linhó.
Este processo foi distribuído e autuado no 4° Juízo do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa.
O referido recluso foi entretanto transferido para o Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz.
Com fundamento nessa transferência, em 05.08.2010, foi remetido pelo dito 4° Juízo o processo ao Tribunal de Execução de Penas de Évora.
Sucede que em 09.08.2010 o Tribunal de Execução de Penas de Évora proferiu o despacho de fls. 101, com a seguinte decisão:
"Pelo que, ao abrigo do disposto no art. 138°, n ° 4-f) e ainda no art. 39, n ° 7, do CEP, julgo o TEP de Évora incompetente para continuar a processar os presentes autos de impugnação, e determino a sua devolução ao TEP de Lisboa (o materialmente competente para o efeito”.
Essa decisão baseou-se em despacho proferido noutro processo pelo Presidente desta 5ª secção Criminal do STJ, Conselheiro Carmona da Mota, na resolução conflito semelhante, na qual entendeu que se justifica “(…) que o acto impugnado seja julgado pelo tribunal da área do estabelecimento prisional onde ocorreu o facto antidisciplinador e que depois o tenha sancionado, administrativamente (...) com sanção disciplinar que impôs o internamento em cela disciplinar (…)”.
Consequentemente, os autos foram remetidos ao Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, onde foi distribuído ao 3º Juízo.
Aí, porém, o Mm.º Juiz entendeu que a questão era de competência territorial e que, a este propósito dispõe o n.º 1 do art. 137° do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade que "a competência territorial do tribunal de execução das penas determina-se em função da localização do estabelecimento a que se encontra afecto o recluso", sendo que no caso de o recluso ser transferido para outro estabelecimento o processo deve ser transmitido ao tribunal de execução de penas competente em razão do território (n.º 4 do referido artigo). Pelo que, no caso vertente, como o impugnante se encontrava no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, da área territorial do Tribunal de Execução de Penas de Évora, era este último o tribunal competente para conhecer da impugnação.
Foi, então, suscitado junto do STJ o conflito negativo de competências.
2. Recebido o conflito no STJ, o Presidente da 5ª secção criminal, de imediato, lavrou o seguinte despacho:
“Conflito 143/10.2YFLSB
Recluso: AA (art.s 3.3 e 114.1 do CEP)
Inquérito .../2010 do EP do Linhó
De acordo com o disposto no art. 88.° do CPC (aplicável, supletivamente, ao processo penal: art. 4.° do CPP): «Os recursos devem ser interpostos para o tribunal a que está hierarquicamente subordinado aquele de que se recorre».
Daí a regra, implícita, de que a competência para julgar um recurso (ou qualquer outra impugnação judicial) cabe à entidade judicial com jurisdição sobre a entidade (judicial ou administrativa) que praticou o acto impugnável.
Como tribunais de 1ª instância, a competência territorial dos tribunais de execução de penas determina-se em função ela localização do estabelecimento a que se encontre afecto o recluso (art. 137.1 do Código de Execução das Penas), o que implica que, «por efeito das regas que determinam a competência territorial» possa o processo «vir a ser transmitido a outro tribunal de execução das penas» (n.º 4).
Isto - sublinhe-se - quanto à competência territorial para a tramitação quotidiana dos tribunais de execução de penas relativamente aos actos e à situação/evolução dos reclusos e não, propriamente, às decisões dos serviços prisionais a eles porventura respeitantes..
As coisas, porém, já serão diferentes quanto à sua competência material (Artigo 138.°-: «I - Compete ao tribunal de execução das penas garantir os direi(os dos reclusos, pronunciando -se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei») e, sobretudo, quanto à sua competência hierárquica ou «funcional».
Ora, compete ao juiz do tribunal de execução das penas «f) Decidir processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais» (art. 138.4).
Acresce que o recurso/impugnação é um acto processual estranho ao normal desenvolvimento da lide processual de execução de penas. O recurso/impugnação, constituindo uma deriva da marcha normal do processo (e exterior à sua própria dinâmica), visa fundamentalmente a actuação não de determinando preso mas de determinada entidade sujeita à jurisdição - no âmbito da execução das penas - de determinado tribunal de execução de penas.
Justifica-se por isso que o acto impugnado seja julgado pelo tribunal da área do estabelecimento prisional onde ocorreu o facto antidisciplinar e que, com esse fundamento, o tenha punido, administrativamente, com «sanção disciplinar».
Justifica-se, assim, que - no caso do art. 114.1 do CEP, o tribunal de execução de penas funcionalmente competente para decidir o recurso disciplinar seja o que tiver jurisdição - não propriamente sobre o autor do facto indisciplinar (cuja competência, volúvel como se viu, é o do estabelecimento onde o arguido está a cada momento) - mas sobre a entidade administrativa que aplicou a pena impugnada (competência essa que depende não da localização mutável do preso mas da relação hierárquico/funcional entre a entidade sancionatória e «o tribunal a que está hierarquicamente subordinada»).
No caso, em que a entidade que impôs a sanção disciplinar impugnada foi o EPR do Linhó, será o TEP de Lisboa (a cuja área de intervenção pertence aquele estabelecimento), e, por pré-afectação, o juiz do respectivo (4.° Juízo), o funcionalmente competente para apreciar o correspondente recurso/impugnação.
Assim sendo, e como forma de abreviar o procedimento (de condenado preso), devolvam-se os autos ao TEP de Lisboa (4.° Juízo), para que, revendo a sua decisão à luz do disposto no art. 34.2 do CPP e 88.° do CPC,
I. Ou a reitere (caso em que, devolvendo o expediente, o Supremo mandará seguir, oportunamente, os termos do conflito – art. 36.°- do CPP)
II. Ou se declare, enfim, funcionalmente competente para apreciar a impugnação (caso em que, nos termos do art. 34.2 do CPP), o conflito cessará, para bem do recluso, do sistema prisional e da comunidade).”
3. O Juiz do 4º Juízo do TEP de Lisboa, porém, não aceitou a sugestão do Presidente da 5ª secção criminal do STJ:
«Reitero o despacho que proferi no dia 18.08.2010 (v. fls. 103), sendo certo que o mesmo se alicerça em lei expressa e se encontra devidamente fundamentado.
Volto a sublinhar que a competência material do TEP de Évora é exactamente a mesma do TEP de Lisboa e, salvo o devido respeito, a questão não é de competência material ou funcional.
O entendimento que consta do meu despacho vinha a ser seguido quase uniformemente pelos diversos tribunais de execução de penas. A utilização da expressão "quase" resulta do facto de anualmente ocorrerem múltiplos casos semelhantes (embora não tenha o número preciso, mas não será inferior a 100) e de só no âmbito deste processo me ter apercebido da anterior existência de um conflito de competência sobre essa matéria.
Tal como sublinhou a minha Exma. Colega do TEP de Évora (v. fls. 109), devido à grande mobilidade dos reclusos entre estabelecimentos prisionais, estas situações são cada vez mais frequentes e se é para ser alterado um procedimento que era comum aos tribunais de execução de penas então será proveitosa a resolução do conflito negativo de competência.
O Ministério Público no STJ pronunciou-se no sentido pugnado pelo juiz do TEP de Lisboa, pois «a posição de ser a entidade que impôs a sanção disciplinar a determinar a competência do tribunal sendo redutora, não parece, salvo o devido respeito, ter suporte bastante na lei, tanto mais que em regra não vigora em termos absolutos no próprio direito administrativo e, por outro lado, estando embora em causa uma decisão “administrativa”, ela acaba por ter reflexos directos e imediatos sobre o recluso, que por intermédio da sua impugnação a pode ver alterada ou anulada – art.º 201.º do CEP, recluso esse que nos termos legais é o pilar decisivo na determinação da competência do TEP”.
Cumpre decidir.
No caso em apreço, pretende-se apurar qual o Tribunal de Execução de Penas (TEP) competente para decidir a impugnação que um determinado preso apresentou, nos termos do art.º 114.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP), contra medida disciplinar que lhe foi aplicada pelo Director do Estabelecimento Prisional (EP) onde se encontrava quando cometeu a infracção: se o TEP da área desse estabelecimento, se o TEP da área do estabelecimento para onde posteriormente foi transferido.
Trata-se, a meu ver, com o devido respeito por opinião diversa já manifestada nestes autos por quem temos muita consideração e apreço, de uma questão de competência territorial e não de competência material.
Na verdade, a competência material dos tribunais de execução de penas está definida no art.º 138.º do CEP e tanto pode ter a ver, por exemplo, com a concessão e revogação da liberdade condicional (n.º 4-c), como com a decisão dos processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais (n.º 4-g), como é o caso em apreço, isto é, com os casos «em 1ª instância» ou «em recurso».
Competência material para ambos os actos tanto tem o TEP de Lisboa como o TEP de Évora e, portanto, a escolha entre um e outro, num determinado caso concreto, não se faz por critério dessa natureza.
Também não se faz por critério de natureza funcional, pois os ditos tribunais exercem as mesmas funções, embora em locais territorialmente distintos.
A escolha, portanto, faz-se em função da área de competência territorial em que cada um desses tribunais tem jurisdição, tanto material, como funcional.
Estamos, portanto, perante regras de competência territorial.
Ora, o CEP definiu com um critério único a competência territorial de cada um dos TEP geograficamente espalhados pelo País, tal como consta do art.º 137.º: «A competência territorial do tribunal de execução das penas determina -se em função da localização do estabelecimento a que se encontre afecto o recluso».
Assim, a lei directamente aplicável – o CEP - não acolhe qualquer distinção entre a competência territorial do TEP quando actua «em primeira instância» (caso da concessão da liberdade condicional) ou como «tribunal de recurso» (caso da impugnação da decisão disciplinar), sendo alegadamente competente para a primeira situação o do local do estabelecimento a que o preso está afecto e para a segunda o local do estabelecimento prisional que aplicou a medida.
Tal distinção, efectivamente, não existe na lei própria da execução de penas, como vimos, como também não existe na lei processual comum, já que não há distinção em função do território, quanto a um caso concreto, para a 1ª instância e para a Relação nos processos regulados pelo CPP: o da 1ª instância é o da área onde se consumou o crime e o da relação é o da área do tribunal da 1ª instância, o que vem a dar ao mesmo.
É certo que o art.º 88.° do CPC (aplicável, supletivamente, ao processo penal, por força do art.º 4.° do CPP) dispõe que: «Os recursos devem ser interpostos para o tribunal a que está hierarquicamente subordinado aquele de que se recorre».
Contudo, essa regra é relativa à competência material e, portanto, nada nos diz sobre a competência territorial. Com efeito, o que nos aponta é que dos tribunais de 1ª instância se recorre para o tribunal hierarquicamente superior (em regra, a relação). Mas como o tribunal hierarquicamente superior, em muitos casos, se subdivide em vários tribunais sediados em áreas geográficas diversas, não nos fornece a regra para se apurar para qual deles se recorre.
O mesmo se passa nos processos de execução de penas quando apreciam as impugnações do preso contra a medida disciplinar que lhes foi aplicada pelo Director do EP: o art.º 138.º diz-nos que é o TEP que tem competência para conhecer da impugnação, pois será “hierarquicamente” superior ao Director do EP (no fundo, em similitude de situação com a prevista no art.º 88.º do CPC), mas não nos diz para qual dos TEP espalhados geograficamente no País se dirige o requerimento. Tanto mais que não há nenhuma norma que nos diga que o tribunal «hierarquicamente superior» ao Estabelecimento Prisional do Linhó, por exemplo, é o TEP de Lisboa.
A regra de apuramento da competência territorial dos TEP, portanto, mesmo nos casos em que julga, «em segunda instância», nas impugnações a que se reporta o art.º 138.º, n.º 4, al. g), do CEP, é a prevista no art.º 137.º do mesmo diploma.
A regra de competência territorial prevista no art.º 137.º do CEP tem o seu fundamento no facto do TEP ser um tribunal de proximidade com o recluso, já que o juiz em muitos casos necessita de ouvi-lo pessoalmente e, mesmo quando decide a impugnação a que se refere o art.º 114.º do CEP não está excluído que o possa fazer.
Não nos parece que em tais processos de impugnação se “vise[a] fundamentalmente a actuação não de determinando preso mas de determinada entidade sujeita à jurisdição - no âmbito da execução das penas - de determinado tribunal de execução de penas”, mas antes que se procure dar conteúdo aos direitos constitucionais de defesa do arguido, pois não se pode olvidar que nessa situação o recluso é um “arguido” no processo disciplinar. Daí que, ao contrário, nos pareça mais importante a validação, alteração ou a anulação das consequências disciplinares para o preso do que a actuação do EP que aplicou a sanção, esta a poder ser objecto de inspecções a realizar administrativamente pelos Serviços Prisionais.
Por último, não pode ser ignorado que o art.º 18.º do CEP (Processo individual do recluso) determina que: “1 - Para cada recluso é organizado um processo individual único relativo à sua situação processual e prisional, que é aberto ou reaberto no momento do ingresso e o acompanha durante o seu percurso prisional, mesmo em caso de transferência (…) 3 - O processo individual contém todos os elementos necessários para a realização das finalidades da execução, incluindo o plano individual de readaptação e as necessidades de segurança e ordem no estabelecimento” (sublinhado nosso).
E também que o art.º 145.º (Carácter único do processo) determina que: “1 - No tribunal de execução das penas é organizado, relativamente a cada indivíduo, um único processo. 2 - Constituem -se em principais os autos que derem origem à abertura do processo. 3 - São autuados e correm por apenso aos autos principais todos os demais processos e incidentes” (sublinhado nosso).
Ora, havendo um só processo, tanto no âmbito estritamente prisional, como no âmbito do TEP, ambos a acompanharem o preso pelos estabelecimentos prisionais a que venha a estar afecto, não faria sentido que para certo incidente, relacionado com a ordem dentro de um EP, pudesse haver um processo num outro TEP que não aquele onde se encontra o processo único, pois aquele outro TEP necessitaria de consultar o processo único para decidir em conformidade. Tanto mais que, a ser confirmada a sanção disciplinar, a mesma não irá ser cumprida aonde o recluso a cometeu, mas aonde o mesmo está afecto.
Termos em que se decide que o Tribunal de Execução de Penas (TEP) competente para decidir a impugnação que um determinado preso apresentou, nos termos do art.º 114.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEP), contra medida disciplinar que lhe foi aplicada pelo Director do Estabelecimento Prisional (EP) onde se encontrava quando cometeu a infracção, é o da área do estabelecimento para onde posteriormente foi transferido, nos termos do art.º 137.º, n.º 1, do CEP.
Consequentemente, decide-se o presente conflito no sentido de atribuir competência ao TEP de Évora.
Comunique aos tribunais em conflito e notifique nos termos do art.º 36.º, n.º 3, do CPP.
Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Novembro de 2010
Santos Carvalho (Relator)
(Actualmente em funções de presidência na 5ª secção criminal)
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