CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
MORA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CLÁUSULA CONTRATUAL
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
MATÉRIA DE DIREITO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário

I - O STJ é um tribunal de revista, que só conhece e julga, em princípio, de direito, limitando-se a aplicar definitivamente, o regime jurídico que julgue mais adequado à matéria de facto que vem apurada das instâncias (arts. 26.º da LOFTJ e 722.º, n.ºs 1 e 2, e 729.º, n.º 2, do CPC) e a conhecer, oficiosamente, das questões que a lei determinar.

II - Assim, o Supremo apenas residualmente intervirá na decisão da matéria de facto, ou seja, só no caso de ter havido preterição de exigência legal em sede de prova - a chamada prova vinculada -, podendo ainda reenviar o processo para que o tribunal recorrido complete o julgamento de facto caso se verifique uma das situações previstas no art. 729.º, n.º 3, do CPC.

III - Por isso, os alegados erros cometidos pela Relação no apuramento da matéria de facto com base em prova de livre de apreciação, como é o caso da prova pericial, excedem o âmbito de apreciação do recurso de revista.

IV - O STJ pode censurar a Relação quanto esta age em desrespeito pelas normas adjectivas atinentes (nomeadamente, pelo art. 712.º, n.º 2, do CPC), desrespeito esse que se pode situar tanto ao nível do uso ou do não uso dos poderes sobre o julgamento da matéria de facto.

V - A interpretação das declarações ou cláusulas contratuais constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, apenas podendo o STJ, por ser matéria de direito, determinar se tal interpretação é respeitadora dos critérios legais fixados nos arts. 236.º e 238.º do CC.

VI - Certo é que no apuramento do sentido da declaração negocial que há-de vincular as partes, o tribunal deve ter em conta os factos concretamente apurados pelas instâncias.

VII - Se quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; e se o incumprimento for de quem recebeu o sinal tem a outra parte a faculdade de lhe exigir o dobro do que prestou (art. 442.º, n.º 2, do CC).

VIII - Ademais o contraente não faltoso tem, ainda, à mão a alternativa de requerer a execução específica, nos termos do art. 830.º do CC (art. 442.º, n.º 3, do mesmo compêndio legal).

IX - Assim, o não cumprimento do contrato não dará lugar a qualquer outra indemnização que não seja a perda do sinal ou do pagamento do dobro deste (art. 442.°, n.º 4, do CC), a menos que as partes tenham estipulado coisa diferente.

X - A par deste regime legal específico, o contrato-promessa ainda se encontra sujeito, na parte pertinente, à disciplina geral do cumprimento e ou do incumprimento das obrigações, constante dos arts. 762.º e segs. do CC.

XI - De acordo com o referido regime geral, o incumprimento da obrigação é imputável ao devedor a título de culpa presumida (art. 799.º do CC), cabendo-lhe o encargo de a ilidir, o que passa pela demonstração de factos que concludentemente apontem nesse sentido, aferindo-se essa concludência pela diligência, esforço, zelo e prudência para cumprir, próprios de um homem médio.

XII - No esforço de ilisão da referida presunção de culpa, o devedor não pode socorrer-se de factos que não logrou provar em audiência, fazendo-os reviver através de uma interpretação da vontade negocial hipotética que não cumpre os requisitos legais e doutrinários.

XIII - Só com a mora do devedor é que é viável ao credor o recurso à execução específica do contrato-promessa.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. Na presente acção ordinária que AA intentou, na comarca do Porto, contra «BB – E.....I......A....., SA» foi pelo A invocado contrato-promessa de compra e venda de fracção de prédio urbano (sita no empreendimento «..........», na .........., Porto, e identificada pelo nº 606), celebrado, em 5/6/1993, entre a R, como promitente vendedora, e CC, como promitente comprador, que entretanto cedeu a sua posição contratual ao A, e, e formulado pedido de execução específica desse contrato­ promessa, alegando o A, no essencial, que a R tinha a obrigação de marcação da respectiva escritura até 31/7/1997, pelo que está em mora quanto a essa obrigação, apesar de várias vezes instada para o efeito, e que se dispõe a depositar a parte restante do preço (22.929,70 €, equivalente à quantia em dívida de 4.597.000$00, uma vez que foram já entregues à R as quantias de 4.575.000$00 e 22.375.000$00, de um total acordado de 31.547.000$00).
A R, na contestação, opõe-se ao pedido do A, sustentando, essencialmente, que o A exerceu funções de administrador delegado da R e que nessa qualidade interveio na celebração de contratos-promessa em que fazia figurar valores diferentes dos acordados com os promitentes compradores, de forma a locupletar-se com as diferenças em prejuízo da R, o que determinou a celebração de um acordo entre A. e R, com vista à cessação do seu contrato de trabalho e a um acerto de contas que implicava, entre o mais, o pagamento de uma indemnização do A à R, a assunção de responsabilidade pessoal do A pelo cumprimento dos contratos promessa celebrados em nome da R, fazendo condicionar a intervenção da R na escritura de venda ao A de fracção de que este era promitente comprador (e aqui dada à execução específica) ao cumprimento pelo A desse acordo global. Com base no alegado incumprimento desse acordo, nega a R a sua própria mora, propugna a improcedência da acção e pede, em reconvenção, a condenação do A a pagar-lhe, a título de compensação pelos danos causados pelo seu incumprimento, a quantia de 49.972,00 €, correspondente ao não recebimento do preço em dívida relativo à aludida fracção (22.929,70 €) e ao valor das contribuições autárquicas respeitantes a essa fracção pagas pela R (no montante global de 6.717,49 €), bem como aos juros vencidos sobre essas duas verbas, a que acrescem as contribuições e juros que se forem vencendo até integral pagamento.
Estabelecidos os factos assentes e a base instrutória, foi realizado o julgamento, na sequência do qual foi lavrada sentença em que se julgou o seguinte: procedente o pedido de prolação de sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial da R, determinando o consequente pagamento pelo A à R da parte remanescente do preço em falta, no montante de 22.929,70 €; improcedente o pedido reconvencional, absolvendo deste o A; improcedente o pedido do A de condenação da R por Litigância de má fé.
Para fundamentar a sua decisão, argumentou o Tribunal, essencialmente, o seguinte: resulta da matéria de facto provada que a R não cumpriu a sua obrigação de marcação e convocação para a escritura de compra e venda, sem que tenha ficado provado que o A tinha de cumprir previamente certas obrigações alegadamente emergentes do acordo entre A e R relativo à cessação do contrato de trabalho daquele; a falta de produção de prova no sentido de que estaria subjacente a esse acordo uma pretensão da R de ser ressarcida de danos causados pelo A, enquanto administrador delegado da R, e uma vez que cabia a esta o respectivo ónus da prova, determina que não tenha base jurídica a recusa da R na celebração daquele contrato definitivo; perante o incumprimento da R e a manutenção do interesse do A na celebração do contrato definitivo, sem que se prove qualquer incumprimento do A, apenas resta ao tribunal declarar celebrado o prometido contrato de compra e venda, substituindo-se ao declarante faltoso, e julgar improcedente o pedido reconvencional.
Desta decisão interpõe a R recurso de apelação, no qual contesta a apreciação e valoração da prova produzida, com a violação, ainda, das regras de interpretação dos contratos.
Porém o recurso foi julgado improcedente, obtendo, assim, confirmação o decidido em 1ªinstância.
De novo inconformada com a decisão a R. pediu revista.
Alegou e formulou as seguintes conclusões:
a) A decisão recorrida fez errada interpretação e apreciação dos factos e dos documentos e demais elementos de prova dos autos, aceites pelas partes, nomeadamente do relatório pericial, e errada aplicação da lei, violando o disposto nos artes 405, 406, 798, 799, 804 a 806 e 817 do Código Civil; com efeito,
b) Os factos essenciais necessários para apreciação da causa resultam da interpretação do acordo, contratos promessa e aditamentos a estes, conjugados com a demais factualidade apurada nos autos; ora,
c) Da interpretação dos contratos, tendo presente a vontade declarada, a vontade hipotética e o equilíbrio das prestações, bem como as razões que deram lugar ao acordo - o circunstancialismo do negócio - resulta que entre Autor e Ré foi feito um "acerto de contas";
d) "Acerto de contas" referente à gestão e negócios do autor, enquanto administrador da ré - das remunerações pelo "trabalho" prestado pelo autor à Ré e compensação por danos causados pelo Autor à Ré enquanto seu gestor; na verdade,
e) Resulta da análise do acordo e dos aditamentos, bem como inequivocamente da peritagem, que os aumentos de preços das fracções prometidas comprar e vender, sofreram aumentos, um caso para o dobro, sem qualquer contrapartida em termos de áreas, obras ou outras vantagens;
f) Resulta, também, que uma das fracções, embora aparecendo no contrato como promitente-comprador um irmão do Autor (como aliás confessado nos autos), era destinada a este, em negócio consigo próprio; e,
g) O autor sempre geriu todas as demais posições contratuais, em nome dos seus familiares (e empresa familiar), e acordou incluir as alterações de preços, no acordo firmado com a ré; assim,
h) Deve concluir-se, da interpretação dos contratos, e análise conjunta da prova, que os aditamentos e aumentos de preço foram uma forma "artificiosa" de o autor se declarar devedor e a ré ser declarada credora, do valor desses aumentos; e,
i) Forma "artificiosa" pois, assim, embora a ré ficasse credora do valor correspondente ao aumento dos preços das fracções dos contratos promessa (em que JM tome a posição de comprador - que só podiam ser os 4 contratos dos aditamentos, com a mesma data), não era directamente declarada a razão do aparecimento desse crédito, disfarçado de obras a mais e áreas, que não existiram e não se demonstraram (antes pelo contrário, como além do mais resultou da peritagem); aliás,
j) Que se tentou "... Tapar o sol com a peneira... " resulta da própria redacção ­"descuidada" dos aditamentos, feitos uns sobre os outros, e com aumentos de preços (para o dobro), injustificáveis, e como se refere na peritagem, sem equilíbrio; assim,
k) O autor (vide cláusula 2 e respectivo § único) ficou obrigado ao pagamento das referentes ao aumento dos preços estipulados nos aditamentos à ré, e nada mais para além disso; porém,
I) Não foi pago o montante acordado no contrato da Loja 11, pois o autor recusou-se a celebrar a escritura pública e não pagou o preço (directamente ou por via da sua mãe, ou da sua sociedade, de que era administrador - ­....);
m) E a ré vendeu-a a terceiros, deixando de receber € 39.280,33, do preço previsto no aditamento ao contrato promessa; pelo que,
n) O autor é responsável por esse dano que causou à ré, ao ter incumprido o contrato, pelo que terá que compensar a Autora com essa quantia e juros desde o incumprimento;
o) Bem como aos danos decorrentes do não pagamento desse montante desde a data em que o devia ter pago até ao presente, e, ainda no montante despendido pela R no pagamento de contribuições autárquicas e, p) Sendo assim, como é, o incumprimento pelo autor do acordo, legitimou ou foi causa justificativa, e como tal deve ser declarada, para que a ré não tivesse que celebrar a escritura pública referente à compra e venda do apartamento 606, pelo que deve improceder o pedido de execução específica do contrato formulado pelo autor; ou,
q)Quando assim se não entenda serem sempre julgados provados e procedentes os pedidos reconvencionais como forma de dar cumprimento ao acordo celebrado entre A e R, em JUL/96.
r) Pelo menos, ser julgado procedente o pedido reconvencional referente às contribuições autárquicas e juros pagas pela R quando era o A que tinha a plena fruição do prédio e era, por isso, o seu devedor, nos termos do artigo 572 e 573 do CC.
s) Deve ser alterada a decisão e, revogada a sentença, julgando-se improcedente a acção e procedente a reconvenção pela improcedência do pedido do A e pela procedência do pedido reconvencional).

Contra alegou o A pugnando pela manutenção do decidido.
II - Cumpre decidir.
Das instâncias, vêm provados os seguintes factos:
a) A Ré é uma sociedade comercial anónima que se dedica, entre outras coisas, á actividade de promoção imobiliária para venda ao público.
b) A 5 de Junho de 1993, a Ré "BB - E.....I......A....., S. A", representada no acto pelo aqui Autor, celebrou com CC um contrato-promessa, por intermédio do qual prometeu vender a este último, por 30.500.000$00, uma fracção autónoma tipo T3 recuado (que nessa altura era ainda coisa futura), a que provisoriamente se deu o n° 606, com habitação, dois lugares de estacionamento na cave e uma arrecadação, num empreendimento denominado "..........", á Rua do Carvalho, na .........., concelho do Porto (doc. nº 1 da p.i, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
c) Este contrato-promessa, nos termos da sua cláusula IX, ficou sujeito ao regime de execução específica, nos termos do art° 830° do Código Civil.
d) Em cumprimento deste contrato, a Ré recebeu, na data da sua celebração, a quantia de 4.575.000$00, referente à primeira prestação do pagamento, paga aliás por cheque pelo próprio Autor (doc. nº 2 da p.i.), que seria depositado em conta bancária da Ré (doe. nº 3 da p.i.).
e) O imóvel cuja venda foi assim prometida veio a ser o prédio urbano (fracção autónoma) descrito na 2a Conservatória do Registo Predial do Porto sob o art.º 554/960520-CN, parte do prédio inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 2954 (doc. nº 4 da p.i.).
f) A caderneta predial está em poder da Ré.
g) A 15 de Julho de 1996, a Ré celebrou com o Sr. CC e o aqui Autor, um aditamento ao contrato-promessa anterior e um acordo de cessão de posição contratual (doc nº 5).
h) Por intermédio desse acordo, o Sr. CC cedeu a sua posição contratual ao Autor, que passou a ser o promitente-comprador.
i) Em atenção a alguns melhoramentos e obras de aproveitamento feitos na fracção, o preço total da transacção foi alterado para 31.547.000$00.
j) Nessa mesma data de 15 de Julho de 1996, a Ré recebeu do Autor a quantia de 22.375.000$00 em cumprimento deste contrato-promessa, tendo ocorrido então a tradição da coisa, com a entrega das chaves do apartamento ao Autor (doe. nº 6).
/) Ficando assim a quantia de 4.597.000$00 como sendo o preço remanescente a ser pago na altura em que se outorgasse a escritura final de compra e venda, como aliás está previsto no art° 3° do aditamento (v. doe. nº 3).
m) Desde essa data, o Autor mantém-se a viver com a sua família no citado apartamento, fazendo face a todos os seus encargos correntes (excepto a contribuição autárquica), inclusive as despesas de condomínio.
n) Nos termos do art° 3° ponto 3 do aditamento (v. doe. nº 3 da p.i.), competia à Ré a marcação e convocação para a escritura final de compra e venda deste imóvel, devendo ela ser feita impreterivelmente até 31 de Julho de 1997.
o) A Ré é uma sociedade que se dedica, entre outras, à actividade de promoção imobiliária.
p) Entre os anos de 1993 e 1995 o Autor exerceu funções de Administrador delegado para a Ré, bastando a sua assinatura para obrigar a sociedade (doe. 1, que se junta e aqui se dá por reproduzido, como os demais, cujo original se encontra junto aos autos de arresto, que adiante se identifica).
1) Por diversas vezes, o Autor contactou a Ré para que esta marcasse a escritura pública de compra e venda, apesar de ainda haver no prédio obras em falta, da responsabilidade da Ré (doc. nº 7, 8 e 9 da p.i.).
2) A Ré não deu qualquer resposta às solicitações contínuas que lhe foram feitas depois disso para que a convocasse para a realização da escritura pública;
8) Em 15 de Julho de 1996, a Ré celebrou com o Autor um acordo sobre questões relativas a contratos que tinham sido outorgados e a aditamentos naquela mesma data definidos;
9) O acordo visou salvaguardar a cessação do contrato de trabalho quer ligava o Autor à Ré - cfr. cls. 2a e 3 a do acordo - doc. nº 7 da contestação;
10) Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 8°, que Ré e Autor declararam "nada mais ter a pagar ou a receber uma da outra", com excepção de "todos os pagamentos/recebimentos que resultem do cumprimento de contratos-promessa de compra e venda de fracções autónomas... em que JM (o Autor) tome a posição de promitente-comprador" - cl. 2a e § único do acordo e que a Ré confirmava nesse acordo todos os negócios que foram feitos pelo Autor enquanto Administrador delegado - cl. 4a do acordo;
11) Nesse acordo se estipulava ainda os acabamentos das fracções nO 605 e nO 606 do Edifício .......... do Porto - v. cl. 5a do acordo;
19) No dia 04 de Junho de 1997 a promitente adquirente, constante do contrato promessa de compra e venda (DD, mãe do Autor) declarou à Ré ter cedido a sua posição contratual, no contrato promessa de compra e venda - Doc. 8 e 12, para a sociedade "...... Turismo Rural e Promoção Imobiliária, S.A.", sociedade esta cujo capital pertencia ou era controlado pelo Autor, que era, e ainda é, seu Administrador delegado - Cfr. Docs. nºs 16 e 17;
20) A Ré, em 10 de Julho de 1997 convocou o Autor por carta registada enviada à sociedade "........ Turismo Rural e Promoção Imobiliária, S.A." para a celebração da escritura pública da fracção "..." loja ... (livraria) a que se referia o contrato promessa e aditamento constante dos documentos 8 e 12 para o dia 31 de Julho de 1996 pelas 11 h 15m no 3° Cartório Notarial do Porto - cfr. doc. 18 da contestação;
21) O Autor não compareceu, nem tão pouco a referida sociedade se fez representar nesse dia;
22) Obrigando a Autora a enviar nova carta registada a convocá-lo para outorga da escritura de compra e venda, para o dia 15 de Setembro de 1996 no 1 ° Cartório Notarial da Feira - Doc. n° 19;
23) Contudo, mais uma vez o Autor não compareceu, nem qualquer outro representante da ".....", na data marcada, o que levou a Ré a outorgar o pertinente o instrumento público - Cfr. Doc. nº 20;
24) A considerar o incumprimento do contrato, como definitivo, mediante carta registada enviada em 18 de Setembro de 1997 - cf. doc. nº 21;
30) O Autor continuou a fruir o apartamento 606 não pagando a parte do preço em divida - Esc. 4.597.000$00/22.929,74 €;
31) A Ré veio a vender a fracção "..." - loja ...., em 25 de Julho de 2000, pelo preço de 9.200.000$00, depois de licitação em carta fechada entre os accionistas - doc. 23 da contestação;
36) A Ré pagou, até esta data, das contribuições autárquicas, referentes à fracção CN, os montantes seguintes:
- No ano de 1999 - doc. 24 - 1.322,42;
- No ano de 2000 - doc. 25 e 26 - 1.322,42;
- No ano de 2001 - docs. 27 e 28 - 1.322,42;
- No ano de 2002 - docs. 29 e 30 - 1.322,42;
- No ano de 2003 - docs. 31 e 32 - 952,14;
- no ano de 2004 (50%) - doc. 33 - 476,07;
no total, até à data da contestação, de € 6.717,49;
37) Antes ainda da sua saída (no período de transmissão de testemunho ao Eng.o EE, novo Administrador delegado), o Eng.o AA pediu também à BB que fosse ratificado e revisto o contrato-promessa relativo à sua habitação (fracção nO 606) e os outros contratos firmados com familiares seus no período de pré ­comercialização do empreendimento "..........", tendo em conta os aumentos de áreas, obras e melhoramentos que todos eles tinham sofrido ou que neles estavam previstos;
38) Não só o Eng.o AA, mas também os seus familiares (mãe e irmão), manifestavam interesse em que os seus contratos fossem ratificados/revistos antes de consumada a saída daquele da BB, tendo-lhe estes últimos solicitado que os representasse para esse efeito junto da Ré;
40) Mau grado todos os esforços feitos pelo Eng. ° AA para que a sua saída da BB se processasse de forma cordata e abrangendo todos os problemas pendentes, a verdade é que não lhe foi dada então resposta a esta questão da revisão do contrato referente à sua habitação, dos três contratos com os seus familiares, nem aliás ao seu pedido de acerto final de vencimentos e declaração patronal para a Segurança Social;
41) E durante onze meses, apesar de várias insistências suas, nenhuma resposta foi dada pela BB para a resolução destas questões então pendentes;
42) Só em Maio de 1996, em segunda ou terceira reunião, passou-se finalmente à verdadeira agenda negocial com vista a formalizar a rescisão laboral, com a resolução dos assuntos pendentes levantados pelo próprio Eng,O AA e pelos seus familiares, o que se fez ao longo de algumas reuniões mais, realizadas no Porto;
43) De tudo o que estava então em causa, a questão de longe mais importante era a relativa à fracção autónoma T3 nº 606 de "..........", na qual o Eng,O AA pretendia ir viver e onde hoje vive efectivamente com a sua família;
44) Esta fracção havia sido objecto de uma promessa de compra do irmão do Autor, mas destinava-se a ser comprada pelo Autor como a BB sabia;
45) Esta circunstância deveu-se tão só à impossibilidade legal de o Eng.o AA fazer negócio consigo próprio, e ao facto de ser impraticável (dado o ritmo das vendas à altura - Junho de 1993) esperar três ou quatro meses por uma nova reunião do conselho de administração que nomeasse um outro administrador para outorgar nesse contrato;
48) A escritura de venda desta casa do Candal (coincidente naturalmente com a sua entrega efectiva) estava marcada para 17 de Julho de 1996, como efectivamente se veio a realizar(doc.15);
49) Sem ter garantida a entrega das chaves da fracção autónoma nº 606 de "..........", o Autor via-se perante a perspectiva de ficar sem casa, com a sua mulher e filhos pequenos, situação que se poderia prolongar indefinidamente, gorando-se inclusivamente a compra desta fracção, na qual o Eng.º AA tinha muito empenho;
50) Foi sob esta pressão ingente que o Autor se viu obrigado, nesse dia 15 de Julho de 1996 (um dia antes de ter de abandonar a sua casa), a aceitar algumas imposições da BB que noutras circunstâncias naturalmente não aceitaria;
51) Sobretudo, a alteração do plano de pagamentos do contrato-promessa da fracção nO 606, agora com uma prestação substancialmente aumentada para a entrega das chaves, diminuindo-se a da escritura;
52) Em simultâneo, a BB dispôs-se então nesse momento a negociar finalmente as alterações de preços nessa e nas outras fracções em que familiares seus tinham tomado posições de promitente-comprador, tendo em conta as obras extraordinárias que nelas estavam feitas, em curso ou encomendadas, bem como aumentos de áreas - vãos de telhado nas habitações e, nas duas lojas, mais 20 m2 interiores, 40 m2 nas arrecadações e a inclusão de esplanadas em ambas;
53) Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 37;
54) Simultaneamente, o Eng.º AA procurou então que todos esses contratos, nos seus aditamentos, fossem ratificados expressamente, com a assinatura do presidente do conselho de administração, Sr. Américo Amorim, como aliás os seus próprios familiares lhe pediam;
57) Embora o Eng.º AA não achasse inteiramente justas as revisões de preços que a Ré pretendia, também não quis colocar grande resistência nesta matéria e com isso criar um impasse negocia I que prejudicasse a entrega das chaves da fracção n° 606;
58) Assim, depois de conferenciar com esses mesmos familiares seus (mãe e irmão), resolveu-se que as alterações seriam de aceitar, no essencial, dadas as circunstâncias;
60) Em todas estas fracções foram ou deveriam ter sido aumentadas as áreas interiores, feitos aproveitamentos de vãos de telhado, arrecadações, criadas áreas de espIa nada na propriedade horizontal (nas duas lojas), feitos outros melhoramentos, redes de infra-estruturas, tudo para além do previsto nos contratos iniciais;
61) Algumas dessas obras e melhoramentos estavam já feitos, mas, em grande parte, pelo menos, eram para se fazer ainda até à outorga da escritura, tendo sido objecto de várias reclamações e promessas sucessivamente adiadas (doc. nº 21,22,23 e 24).

Como é sabido o thema decidendum dos recursos é definido pelas questões postas nas conclusões das alegações do recorrente, sendo certo que, como é jurisprudência firme, por questões a resolver não devem tomar-se as considerações, argumentos, motivações, juízos de valor produzidos pelas partes, porquanto o tribunal apenas tem que dar resposta especificada ou individualizada às questões que directamente se reportam à substanciação do pedido e da causa de pedir (cfr. art.º 6840 nº 3, 6900 n° 1 e 6600 nº 2. todos do CPC).
Os recursos destinam-se a impugnar, alterar ou revogar as decisões dos tribunais inferiores; assim, os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça destinam-se, ressalvada a situação do recurso, nos termos do artigo 7250 do CPC- a impugnar as decisões da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos.
Assim é, porque o nosso sistema jurídico segue o modelo de recurso de revisão ou de reponderação. o que quer dizer que o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre matéria não alegada perante o mesmo ou sobre pedidos que lhe não foram formulados (ver Teixeira de Sousa e Amâncio Ferreira em, respectivamente, Estudos Sobre o Novo Processo Civil pág. 395 e Manual Dos Recursos ... , 7a Edição, pág. 155).

No caso dos autos, temos que a única questão posta se resume naturalmente ao divergente sentido na apreciação da prova e interpretação da vontade negocial das partes, com reporte ao que resultou apurado na produção e avaliação da dita prova e nos documentos juntos (contrato promessa. e seu aditamento e acordo de cessão da posição contratual).

Clama a recorrente, fazendo enfoque na decisão da Relação, que o julgamento ali feito padece de erro, tanto na avaliação e apreciação da matéria de facto como na aplicação do direito pertinente.
Por isso, diz a recorrente, o julgador tomou decisões diferentes daquelas que deveria ter tomado, nuclearmente, terá interpretado de forma incorrecta a vontade negocial das partes.
Para chegar a essa conclusão a recorrente não valoriza a circunstância de não terem sido dados como provados alguns factos alegados na contestação, mas, em contraponto, enfatiza a relevância do acordo, dos aditamentos ao contrato promessa, de outros elementos documentais, bem como da análise do relatório pericial.

Aliás, note-se, alguns desses factos são integradores de efeitos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do A ou, mesmo, constitutivos do seu próprio direito invocado no pedido reconvencional Cf. art. 342 do CC).
Uma vez que a recorrente pede a este Supremo Tribunal de justiça a alteração do decidido, também quanto à matéria de facto, impõe-se que, perfunctóriamente, (...brevitatis causae), falemos dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, das Relações, da interpretação da vontade negocial das partes e, previamente a tudo isso, das linhas gerais do incumprimento no contrato promessa.
Vejamos, então

Diz o art°442 n02 do CC que quem constituir o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer Sua a coisa entregue; e se o incumprimento for de quem recebeu o sinal tem a outra parte a faculdade de lhe exigir o dobro do que prestou. (artigo 442°, nº 2, do Código Civil).

Ademais o contraente não faltoso tem, ainda, à mão a alternativa de requerer a execução específica, nos termos do artigo 830° do Código Civil (artigo 442°, n° 3, do Código Civil).

Assim, o não cumprimento do contrato não dará lugar a qualquer outra indemnização que não seja a perda do sinal ou do pagamento do dobro deste (artigo 442°, nº 4, do Código Civil,), a menos que as partes tenham estipulado coisa diferente.

No que à disciplina do sinal concerne - adverte Calvão da Silva, in Sinal e Contrato Promessa, 12ª Edição, Almedina, pág.100 - deverá ter-se presente que o nº 1, a primeira parte do nº2 (perda do sinal e restituição do sinal em dobro) e o nº 4 do art.º 442 se aplicam a todos os contratos, incluindo o contrato promessa, ao passo que a segunda parte do nº 2 e o nº 3 do mesmo preceito se confinam ao contrato promessa.

A par do regime legal específico do contrato-promessa a que acima se fez referência, aplica-se, tanto quanto for pertinente, o regime geral do cumprimento e ou do incumprimento das obrigações.

O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ou seja, quando realiza pontualmente, com diligência e boa fé, o comportamento devido (artigo 762° do Código Civil).

E considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não realize no tempo devido a prestação ainda possível a que está vinculado (artigo 804°, n.o 2, do Código Civil).

O incumprimento definitivo da obrigação pressupõe sempre uma situação de mora de cumprimento de uma das partes e consuma-se por via da perda do interesse do credor na prestação, verificada em termos objectivos, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe tenha sido fixado e comunicado pelo credor (artigos 801° e 808° do Código Civil).

O interesse do credor não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos susceptíveis de valoração pelo homem padrão, ou seja, segundo o critério do bom pai de família, atendendo sempre, porém à importância da prestação para o credor.

Quando a prestação não é realizada pontualmente, ou seja nos seus exactos termos, haverá mora ou incumprimento definitivo do devedor, neste caso quando a prestação se tomou impossível ou inviável.

O incumprimento é-lhe, pois, imputável a título de culpa presumida (art 799° do CC), cabendo-lhe o encargo de a ilidir que passa pela demonstração de factos que concludentemente apontem nesse sentido, aferindo-se essa concludência pela diligência e sagacidade de um homem médio.

A ilisão da presunção de culpa passa pela recolha de factos bastantes que concludentemente demonstrem, diligência, esforço, zelo e prudência para cumprir próprios de um homem médio e de um bom pai de família.

A este respeito, no caso dos autos, temos que o incumprimento do contrato se terá ficado a dever à falta de cumprimento, pela R da sua obrigação contratual de marcação e convocação da reunião, sendo certo que a R ao não ter provado (como era seu encargo), o acervo de factos por si arrolados, para, com eles afastar o juízo de censura ética, ou culpa, consolidou em si a injustificação para o seu acto.

Naturalmente não pode colher a atitude da R que se socorre de factos que não logrou provar em audiência, fazendo-os reviver através da via de uma interpretação da vontade negocial hipotética, que (como dizem as instâncias), não cumpre os requisitos legais e doutrinários.

Pretende, então, a R a alteração da matéria de facto e nova e correspondente aplicação do direito, nesta sede.

Porém, não poderá ver a sua pretensão deferida

É que, sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista, é consensual que só conhece e julga, em princípio, de direito, limitando-se a aplicar definitivamente, o regime jurídico que julgue mais adequado à matéria de facto, que vêm apurada das instâncias (v. artigos 26° da LOFTJ; 7220 nºs 1e2 e 729 nº2 do CPC) e conhecer, oficiosamente, das questões que a lei determinar.

Assim, o Supremo apenas residualmente, intervirá na decisão da matéria de facto, ou seja, só no caso de ter havido preterição de exigência legal em sede de prova (v. artigos 7220 n02, 7290 n 2 do CPC), a chamada prova vinculada, podendo, ainda, reenviar o processo para que o tribunal recorrido complete o julgamento de facto (art. 729° n° 3), em duas situações, a saber:

a) Quando a matéria de facto, vinda das instâncias, é insuficiente para se chegar a uma decisão de direito e, claro, se for possível a sua ampliação, face aos factos articulados pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, ou (e)

b) Quando o Supremo entenda que a matéria de facto provinda do tribunal recorrido encerra contradições inviabilizadoras de uma decisão jurídica da causa.

Por outras palavras (como, se decidiu na Rev. 3970/05, desta Secção): a matéria de facto considera-se adquirida para os autos por um de dois modos; por convicção do julgador, por disposição normativa.

O artº 7220 n° 2 do C. P. Civil veda ao Supremo tratar da matéria de facto, aí se consignando que não pode apreciar os erros do julgador na fixação dos factos, embora possa conhecer da preterição duma prova exigido por lei para se considerar certo facto como existente. ou da ofensa da torça probatório de determinado meio de prova.

Significa isto que ao Supremo Tribunal de Justiça é absolutamente vedado julgar os factos por convicção. o chamado julgamento de facto, mas que tem a faculdade da sua fixação normativa, que é afinal uma questão apenas de direito.

Karl Larenz (Metodologia da Ciência do Direito, 1977, pág. 433) afirma ser questão de direito tudo quanto se identifica com a qualificação do ocorrido em conformidade com os critérios da ordem jurídica.

E independentemente desta consideração, como é de jurisprudência firme, o que nunca poderia era fazer presunções judiciais que são tipicamente uma forma de julgar por convicção; ainda que a presunção derivasse dum facto adquirido de forma normativa.

Não pode existir aqui uma extensão de competência, que o referido art. 722° não permite.

Isto sem prejuízo de se verificar (como muito bem, a este propósito, faz notar Lopes do Rego), que os poderes do Supremo Tribunal de Justiça estão, agora, funcionalmente, orientados para um correcto enquadramento jurídico do pleito, princípio que trará legitimidade bastante para a sindicância por parte do Supremo, de determinadas incongruências, ilogismos ou manifesta e flagrantes violação de lei no julgamento da matéria de facto, que afinal, poderá passar a simples questão de direito.

O Supremo Tribunal de Justiça pode, porem, sindicar o erro de julgamento da matéria de facto, ainda em casos pontuais, no caso das presunções judiciais, quando nelas ocorre um manifesto ilogismo no iter lógico-dedutivo que as antecedeu; ou, ainda no caso de factos notórios, os quais, dada a sua natureza de não carecerem de alegaçã0 e, de 12/07/2007; Sumários de 2007, pág .352 e, também, Teixeira de Sousa, ob. cit.pág.427.

A questão que, agora se coloca, é a de saber se, no caso, este Supremo Tribu­nal de Justiça pode ou não sindicar o decidido, já que não pode ser ignorado o comando do nº6 do artigo 712 do CPC, que dispõe: das decisões da Relação, previstas nos núme­ros anteriores não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça"

Trata-se de uma questão não totalmente pacífica, na doutrina e, sobretudo na jurisprudência, havendo quem opine que o Supremo pode censurar o uso pela Relação dos poderes que a esta confere o artigo 712° do CPC, mas não pode censurar o não uso;

Há quem entenda que não é possível a censura em qualquer dos casos.

Temos, para nós que o Supremo Tribunal de Justiça mantém o poder de censura da Relação, quando este Tribunal age em desrespeito pelas normas adjectivas atinentes (nomeadamente, como é o caso, pelo n02 do artigo712° do CPC).

E o raciocínio é este: o recurso de revista tem por fundamento a violação de lei (artigos 721 ° nº2 e 721°) o que significa que o Supremo ao apreciar e decidir uma tal questão, se move numa questão de direito e não numa questão de facto, sendo inquestioná­vel, então, que o Supremo tem poderes para tal (acórdão do S T J de 11 de Setembro de 2007 --o Rev. 1812/07-6, Sumários de 2007, pág.532)

Miguel Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2aedição, pág.448), após ter desenvolvido esta questão e de afirmar que a solução do problema parece dever ser encontrada no campo da competência do Supremo como tribunal de revista sobre a matéria de direito, sintetiza, dizendo que não interessa que esses poderes (do Supremo) recaiam sobre decisões relativas à matéria de facto, o que interessa é que a utilização des­ses poderes está dependente da verificação de determinadas circunstancias como a sufi­ciência dos elementos fornecidos pelo processo para a decisão (artigo no712 n° 1 alínea b) e conduz a determinadas soluções definidas na lei, ou seja: a apreciação da prova '

É matéria de facto e está excluída da competência decisória do Supremo (excepto no caso do artigo 712 nº mas as condições que justificam a alteração da decisão da 1ª Instância são matéria de direito, por isso são susceptíveis de ser apreciadas no recurso de revista.

Entendemos que, com o Dec. Lei. 329°-A/95, os poderes conferidos ao Supremo Tribunal de Justiça estão orientados no sentido do correcto enquadramento jurídico do pleito e, como corolário lógico, detém 'competência para conhe­cer das insuficiências inconcludências ou contradições da decisão proferida acerca da maté­ria de facto se e enquanto tais vícios afectam ou impossibilitam uma decisão jurídica correc­ta e justa da causa (V. Lopes do Rego, citado por Lebre de Freitas, C P Civil, anotado, vol. 3°, pág. 137 e acórdão do STJ de12 de Julho de 2000- BMJ 499-239).

Tanto o uso como o não uso pela Relação, dos poderes que lhe conferem o artigo 712° nº 2 podem constituir matéria de direito (por poderem integrar violação das leis do processo) e, em consequência, podem ser censurados pelo Supremo Tribunal de justiça.

Neste sentido podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de justiça de 5 de Julho de 2007 proc.02129/07-2­Sumários, 2007, pág.505; de 4 de Outubro de 2007 - proc.02723/07-2 - ibidem, pág.647; de 4 de Outubro de 2007 - proc.01749/07-2 - ibidem, pág.645. .

No que respeita à interpretação das declarações ou cláusulas contratuais, ela constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, apenas podendo o Supremo Tribunal de Justiça, por ser matéria de direito, determinar se tal interpretação é respeitadora dos critérios legais; ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça intervirá quando o resultado da interpretação das declarações de vontade contidas nas cláusulas contratuais não coincida com o "sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante" (ar1. 236. °, n.º 1, do CC) e esse sentido não tenha, no caso de declarações reduzidas a escrito, "um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento" (art. 238. °, nº 1, do CC).

É claro que no apuramento desse sentido que há-de vincular as partes, se terão em conta os factos concretamente apurados pelas instâncias.

Ora, no caso, a recorrente baseia a sua tese em factos que não constam dos apurados.
Daí que não possam ser tidos em conta para a sua valoração jurídica.
Dir-se-á, nuclearmente o seguinte:

Não se olvida a divergência, sobretudo na doutrina, em torno dos pressupostos para o accionamento do instituto da execução especifica,
O Professor Gravato Morais (in Contrato - Promessa Em Geral Contratos - Promessa Em Especial, pág. 106 e seguintes) sintetiza muito bem, todos os desenvolvimentos da questão.
Assim.
Maioritariamente, com Henrique Mesquita, Calvão da Silva e Menezes Leitão , ai citados, entende-se que, só com a mora do devedor é que o credor tem viável o recurso à execução específica .
Diz Calvão da Silva (Sinal e Contrato Promessa, pág. 154) que, com tal mecanismo, o credor procura obter a prestação devida, sendo que a execução específica é no plano funcional, a mesma coisa que a acção de cumprimento, situando-se - diremos nós - a destrinça, no propósito e consequências de cada uma, ou seja, enquanto na primeira das acções referidas o que se pretende obter é a condenação do faltoso no adimplemento da sua prestação, na segunda, o propósito é a substituição do faltoso na emissão de declaração de vontade negocial.(tornada realidade através de uma sentença constitutiva).

Em contraponto, diz Januário Gomes, que o interesse do credor pode resistir ao incumprimento definitivo, porquanto este incumprimento não significa “a se” a resolução do contrato.
Estamos com a primeira das teses, tratada e desenvolvida pelos Mestres atrás citados.
Os dois mecanismos são incompatíveis.
A simples mora, que não um mero atraso, é condição necessária e suficiente para sustentar a execução específica.
Foi o que se passou no caso dos autos.
Após o incumprimento, por parte da recorrente - R , permaneceu o interesse do A mantendo-se válido e eficaz o contrato promessa dos autos.

Alguns pontos mais, focados pela recorrente:
Quanto à valoração, pela recorrente, da perícia, tão sò se dirá que tal meio de prova não está dotado por lei de especial força pelo que è apreciado livremente pelo tribunal:
O insucesso do pedido reconvencional bem como o não pagamento do A à R das contribuições autárquicas têm, igualmente, a sua razão de ser na ausência de prova dos factos constitutivos do respectivo direito.
A este propósito diz-se - e bem - no douto acórdão recorrido que:

Importa dizer que o resultado da prova pericial não pode só por si esclarecer o ponto essencial de saber se os aumentos de preço acordados no âmbito dos aditamentos aos contratos promessa datados de 15.07.06 se destinariam a compensar a Ré de quaisquer prejuízos que alegadamente a actuação do Autor, enquanto administrador delegado, tenha produzido à Ré.

Nem muito menos tem a virtualidade de esclarecer o acordo estabelecido entre Autor e Ré em 15.Julho de 1996 e as circunstâncias que levaram ambas as partes a subscrever tal acordo.

Pode-se assim dizer que a prova pericial traduziu-se, na ausência de outros elementos probatórios que corroborassem a tese da Ré, num mero exercício valorativo sem relevância para só por si poder comprovar a tese da Ré (nem a tese do Autor diga-se).

O que é certo, assim, é que não foi produzida qualquer prova, além do teor do próprio acordo atrás referido e dos aditamentos aos contratos promessa, de onde o Tribunal pudesse retirar a conclusão pretendida pela Ré de que subjacente ao acordo estabelecido estaria escondida a pretensão da Ré em ser ressarcida de alegados danos produzido pelo Autor enquanto administrador delegado, danos esses que a Ré não logrou minimamente demonstrar, não conseguindo esclarecer as diversas situações que procurou apresentar como exemplos dessas actuações ilícitas do Autor.

De resto, também a Ré não logrou provar que no acordo existisse uma ordem para a realização das escrituras, pois que além de tal não decorrer do teor do próprio acordo, o fax referido e constante de fls. 151 não tem a relevância pretendida pela Ré, uma vez que do seu teor não resulta contrariamente àquilo que alega a Ré, qualquer ordem de celebração das escrituras públicas, mas antes remete-se as partes para a ordem contratualmente prevista, devendo entender-se esta como referida às datas constantes em cada um dos contratos promessas.


III – Face ao exposto, nega-se a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 09 de Dezembro de 2010

Rodrigues dos Santos (Relator)
João Bernardo (votei apenas a decisão)
Oliveira Rocha (votei a decisão)