I - Há enriquecimento sem causa do comprador de um imóvel que apenas paga uma parte do seu valor, correspondente a uma parcela do mesmo, comprometendo-se a restituir a outra parcela de terreno por contrato-promessa onde se visava essa restituição e que veio a ficar sem efeito por não se ter verificado uma condição de eficácia a que as partes o subordinaram.
II - Com efeito, porque afinal a compra tinha em vista apenas uma das parcelas, única paga e única que interessava à imobiliária adquirir e que só não foi adquirida autonomamente por não estar completo o processo de desanexação e registo, um tal contrato-promessa tinha em vista que a efectiva vontade das partes aquando da venda assumisse expressão jurídica coincidente.
III - Ficando sem efeito o contrato-promessa e não aceitando já o adquirente restituir a parcela de 9413,10 m2 que adquirira nos termos mencionados, dá-se um enriquecimento do adquirente e um empobrecimento do vendedor correspondente ao valor da referida parcela.
IV - O pedido de enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária (art. 474.º do CC) que, no caso, se verifica considerando que o autor não dispõe de nenhum outro meio para se ressarcir do valor correspondente a uma das parcelas alienadas com base em contrato de compra e venda insusceptível de ser invalidado por vício de forma ou de vontade ou outro.
a) – Fossem as RR. solidariamente condenadas a pagar-lhe a quantia de 961.340,38€ a título de cumprimento da cláusula penal acordada, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
b) - Subsidiariamente, em caso de improcedência quanto ao anterior pedido, fosse proferida sentença que substituísse a declaração negocial das rés faltosas pela qual se operasse a transmissão da propriedade do prédio rústico ora com o artigo matricial 974 da freguesia de Santa Clara;
c) - Subsidiariamente, na improcedência quanto aos dois pedidos anteriores, fossem as rés condenadas a pagar-lhe a quantia de 914.968,77€ a título de enriquecimento sem causa, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
d) - Cumulativamente, fosse a 2ª ré condenada a pagar-lhe a quantia de 378.170,21€ pela edificabilidade superior atribuída à parcela ora com o artigo matricial 973, conforme contratualmente acordado, também acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
4. Citadas, as rés deduziram contestação e reconvenção, com pedido de intervenção principal provocada das sociedades A...F...G... e Filhos – Empresa de Construção Civil, Lda. e A... – Empreendimentos Turísticos, Lda., alegando, em via de excepção, a ilegitimidade da 1ª ré (por não ser parte no contrato com o A. e ser descabido o que este alegara quanto ao facto de uma única sociedade se tratar), prosseguindo por, em via de impugnação, sustentar que a aquisição da totalidade do prédio correspondeu a uma vontade expressa e efectiva de ambas as partes e que o A. não logrou, no prazo dos 6 meses previsto no contrato-promessa, mais do que a mera discriminação matricial do prédio vendido, vindo então ela, 2ª ré, por de tal carecer para o desenvolvimento do seu projecto imobiliário, a dele dispor para esse efeito, vendendo-o posteriormente à 1ª ré, tudo sem prejuízo de ainda ambas se terem disponibilizado a revender a parcela com o artigo matricial 974 – que, entretanto, com o loteamento se havia autonomizado – mas desde que compensado pelo A. e demais vendedores na mesma escritura de 12 de Abril de 2002 com o montante de 628.121,10€ correspondente ao prejuízo que lhe adveio pela perda de área edificável de 2.650,23 m2 (resultado da diferença, para menos, entre a área vendida/garantida e a área real/existente), o que, apesar das interpelações, nunca obteve resposta.
5. Daí que incumprimento contratual houve, sim, mas da parte do autor, nunca tendo este direito a receber o que pede a título de cláusula penal (sempre excessivo face ao valor real da parcela do artigo 974, de 5.000,00€), nem à execução específica do contrato, nem se podendo falar de enriquecimento sem causa (antes se tratou do funcionamento do acordado entre as partes).
6. Acresce também não ser verídico ter havido um aumento de edificabilidade da parcela a que corresponde o artigo matricial 973 e finalizou por, sob a veste de reconvenção, na linha do que já havia aduzido, reclamar um crédito da quantia de 628.121,10€ correspondente à perda de área de edificabilidade que lhe resultou face à menor área real dos prédios adquiridos ao A. e àquelas sociedades e que também sempre deve ter lugar a compensação desse seu alegado crédito no caso de eventual procedência de qualquer dos pedidos principais ou subsidiários formulados pelo A.
7. Concluíram no sentido da absolvição da instância por ilegitimidade da 1ª ré, da improcedência da acção por não provada e pela procedência do pedido reconvencional no moldes expostos, designadamente face à intervenção principal provocada e compensação à cautela deduzida.
8. Replicou o A. sustentando a legitimidade da 1ª Ré por recurso à figura conceitual do levantamento da personalidade colectiva e, no particular da excepção de compensação, que o próprio nunca havia garantido qualquer área, acrescendo que as RR. não estão em condições de determinar qual a área do terreno vendido, dada a unificação e arrancamento de marcos a que procederam oportunamente, termos em que concluiu no sentido de que deve a excepção de ilegitimidade ser julgada improcedente e, bem assim, ser a excepção da compensação ou, se assim se vier a qualificar, o pedido reconvencional julgado improcedente. Treplicaram as RR., pugnando nos termos em que o haviam feito na contestação.
9. Foi admitida intervenção principal provocada das duas referenciadas sociedades e, ordenada e efectuada a citação destas, vieram as mesmas sustentar a inadmissibilidade do seu chamamento, por os pedidos formulados pelas RR. apenas o estarem formalmente contra o A., sendo que, subsidiariamente, para a hipótese de o respectivo chamamento ser considerado admissível declararam fazer seus os articulados do A. devendo, então, a reconvenção ser julgada improcedente.
10. As RR. foram, a fls. 511/512, convidadas a aperfeiçoar o pedido reconvencional, ao que corresponderam, na sequência do que, na sua procedência, devia o A. ser condenado solidariamente com as chamadas a pagar à 2ª ré a quantia peticionada, o que igualmente devia suceder quanto ao que haviam invocado em sede de compensação.
11. Após realização de uma audiência preliminar, que se frustrou quanto ao objectivo de conciliação entre as partes, veio a proceder-se à elaboração de despacho saneador, no qual, depois de admitido o pedido reconvencional, se começou por julgar parte legítima a 1ª ré, se relegou para final a decisão sobre a excepção de compensação e se prosseguiu com a operação de selecção da matéria de facto, mediante especificação dos factos assentes (FA) e organização da base instrutória (b. i.), o que foi objecto de reclamação por ambas as partes, parcialmente admitidas.
12. As RR., a fls. 1065/1121, recorreram de agravo do despacho que a fls. 885 indeferiu o pedido de impugnação da admissão da testemunha A...F...G..., recurso que, admitido a fls. 1147, dele houve desistência a fls. 1295.
13. Igualmente as RR., a fls. 1068/1123, interpuseram recurso de agravo do despacho de fls. 878 que admitiu o rol de testemunhas oferecido pelo A e intervenientes petição inicial, o qual foi admitido a fls. 1147 para subir a final, foi alegado a fls. 1276 e contra-alegado a fls. 1359.
14. O A e intervenientes interpuseram, a fls. 1143, recurso de agravo do despacho de fls. 955 n.º que não admitiu o depoimento do Ilustre Advogado por eles constituído nos autos, Dr. J...F..., o qual foi admitido a fls. 1147 v.º (in fine) para subir a final, foi alegado a fls. 1243 e contra-alegado a fls. 1367.
15. O A. e intervenientes interpuseram, ainda, a fls. 2071, recurso de agravo do despacho de fls. 2056 que admitiu a substituição da testemunha Dr.ª S...O... pelo Dr. D...G... e que, admitido a fls. 2080, foi por despacho de fls. 2107 julgada extinta a respectiva instância recursiva por inutilidade superveniente da lide.
16. As rés interpuseram, também, a fls. 1326/1366 recurso de agravo do despacho que a fls. 1299 indeferiu a nulidade respeitante ao depoimento da testemunha L...M...S...G... (gerente da “A...”), o qual, admitido a fls. 1752 v.º com subida diferida, foi alegado a fls. 1873 e contra-alegado a fls. 1934.
17. Proferida sentença, veio a acção a ser julgada improcedente e as RR. absolvidas dos pedidos e parcialmente procedente a reconvenção, em consequência do que o A. e as intervenientes foram condenadas solidariamente a indemnizar a 2.ª ré em quantia correspondente à perda de área de edificabilidade no complexo “F...C...”, face à menor área real dos prédios àqueles adquiridos, considerando o valor médio de € 237,00 do m2 por área edificável do conjunto dos prédios adquiridos, a liquidar ulteriormente.
18. O acórdão concluiu nos seguintes termos:
Face a todo o exposto e soçobrando todas as conclusões recursivas e prejudicada, em consequência, a apreciação de outras questões, como a da desconsideração da personalidade colectiva da 1.ª recorrida, importa, quanto ao agravo interposto pelos recorrentes, concluir pela negação do seu provimento e, quanto à apelação, pela sua improcedência, com a consequente manutenção das decisões recorridas.
Perante a confirmação da sentença, prejudicada está a apreciação da matéria dos agravos oportunamente interpostos pelas apeladas (art. 710.º, n.º 1, do CPC).
III. Decisão
Face a todo o exposto, acordam em julgar:
a) - Não provido o recurso de agravo interposto pelo A. e Intervenientes;
b) - Improcedente o recurso de apelação e, em consequência, manter a douta decisão recorrida;
c) – Prejudicada, em consequência, a apreciação dos agravos interpostos pelas apeladas.
19. O A. e intervenientes recorrem, de revista, sustentando o seguinte:
1.º - Quanto aos factos provados: que o facto 6 encerra matéria de direito; quanto ao facto 34, questiona-se o sentido e alcance do vocábulo “contemplava”; quanto ao facto 59 igualmente encerra matéria de direito; que o facto 68 diz apenas respeito à interpretação de normas regulamentares contidas em PDM e à valoração da implantação do terreno objecto do litígio
2.º - Que a matéria de facto constante de 8 não pode deixar de corresponder ao que consta dos pontos 13 e 14 das Declarações de Garantia, não constando dessas declarações que o autor tenha garantido à ré “ uma determinada área”, devendo julgar-se errada “ a apreciação dos elementos de prova quanto à existência de Declarações de Garantia sobre as áreas dos terrenos vendidos, devendo fixar-se, quanto a tal matéria, o que está exarado no documento complementar à escritura de compra e venda.
3.º - Discordam os recorrentes da resposta aos quesitos que deram origem ao facto referenciado em 62 considerando que na licença urbanística do empreendimento dos réus e no consequente alvará são declaradas áreas relevantes para efeitos de edificabilidade, precisamente as áreas constantes do contrato-promessa, de escritura pública e de registo predial. Ora, assim sendo, não provaram os RR “ a existência de eventuais diferenças de área dos terrenos vendidos pelos ora recorrentes e/ou que, havendo diferença de áreas no empreendimento global que incorporou terrenos de terceiros, que as eventuais diferenças não ocorriam nestes”. Na mesma linha de argumentação os recorrentes referem-se a documentos dos quais constam as cedências de terrenos seus cujas áreas coincidem com a área registada, o que impõe considerar- -se não provada a resposta que deu origem ao facto referenciado em 62.
4.º - Os recorrentes, quanto ao alcance da cláusula que condicionava a outorga da escritura de compra e venda à conclusão do processo de desanexação e respectivo registo, consideram que assistimos à combinação de uma condição suspensiva ( a desanexação que consubstanciava acontecimento e ocorrência incerta) com um termo resolutivo para a verificação da dita condição ( o prazo de seis meses). A cláusula tem uma natureza bifronte, não constituindo, assim, mera condição suspensiva. Tal qualificação não tem natureza meramente teórica, sendo relevante , nomeadamente no que toca à sua parte resolutiva, para efeitos de julgamento quanto à necessidade ou não de interpelação admonitória, salientando que os factos provados evidenciam o reconhecimento pelas rés de estar cumprida a obrigação acessória relativa à autonomização do prédio prometido vender, nada obstando à celebração do contrato definitivo, pois os réus disponibilizaram-se para outorgar a escritura depois de efectuado o registo (cf. doc. de fls. 167/172).
5.º - Constitui abuso do direito da 2ª ré invocar que a desanexação não estava efectuada, não bastando a mera discriminação matricial, questão por ela não suscitada quando lhe foi dado conhecimento do registo efectuado sem descrição autónoma da parcela prometida vender que não a impediu de reconhecer viabilidade na outorga da escritura de compra e venda.
6.º - De acordo com os factos provados - ver 35 infra - o que as partes pretendiam com a desanexação era apenas a alienação separada dos prédios, elemento este absolutamente decisivo para efeitos de uma interpretação teleológica ou finalística das declarações das partes. Evidencia-se que, do ponto de vista urbanístico, a posição da ré estava salvaguardada com a propriedade da parcela de 3510m2 (artigo 973), só mais tarde se apercebendo de que iria necessitar de parte do artigo 974.º, objecto do contrato-promessa para a implantação do ramal de acesso ao IC2 ( ver 71 infra). Aliás a ré veio a desanexar o artigo 973.º correspondente à área de 3.510m2, cedendo-a ao Município, parcela que tinha incluído no pedido de loteamento. A ré não vendeu a referida parcela ao autor porque não quis e porque precisava dela conforme facto infra 71.
7.º - O efeito útil pretendido pelas partes foi alcançado com o registo nos termos em que foi efectuado, não constituindo o título administrativo - auto de expropriação pela qual se procedeu à divisão material do prédio - documento suficiente para se efectuar a desanexação no registo predial por averbamento.
8.º - Não se provou que a ré tivesse interpelado o autor para proceder à desanexação, fixando-lhe um prazo; pelo contrário, procedeu à venda do prédio objecto do contrato-promessa, ocupando-o em parte com pilares do ramal de acesso ao IP2; já em Janeiro de 2003, a ré M... dispunha-se a outorgar escritura, aceitando alteração ao contrato-promessa no sentido de a escritura poder ser outorgada com terceiro, passando a incumbir a sua marcação ao autor (fls. 757/758), considerando depois que houve incumprimento definitivo por parte do A. (ver fls. 760; doc. de 5-8-2003), posição reafirmada em 23-12-2003 (facto 26 infra). Tal actuação (venda do imóvel e ocupação do mesmo com pilares) traduz incumprimento definitivo.
9.º - Quanto ao pedido de condenação da ré no pagamento de 378.170,21 euros resultante do facto alegado de o autor ter direito a um preço adicional de 99,52€/m2 se fosse atribuído edificabilidade superior a 0,45 ( ver fls. 43) ao prédio com a área de 16463,10m2, essa edificabilidade resulta do documento de fls. 448
10.º Quanto ao pedido reconvencional sustenta o recorrente a sua improcedência desde logo mercê do afastamento do facto referenciado em 62, dando-o como não provado. Importa atender às declarações negociais das garantias prestadas pois em nenhuma delas se garante que exista determinada área real para os prédios ou que a área matricial ou registal corresponda à área real. Nas cláusulas de garantia 1 e 2 não se fala em áreas e na cláusula 13.ª a indemnização refere-se tão somente à inexactidão da delimitação, não podendo haver qualquer confusão entre a garantia da delimitação de um prédio e a garantia da área desse mesmo prédio, pois são realidades distintas. Impor-se-ia sempre, face à cláusula 13, que houvesse reclamação dos proprietários confinantes quanto aos limites de confrontação assinalados na planta.
20. Factos provados:
1 – Em Abril de 2002, existia, em Almegue, freguesia de Santa Clara do Concelho de Coimbra, um prédio rústico com a área de 16 463 m2, inscrito na matriz predial sob o artigo 645 e inscrito na C.R. Predial de Coimbra sob o n.º 662 da freguesia de Santa Clara, que era ao tempo propriedade do ora A. AA (al. A) dos factos assentes).
2 – Tal prédio rústico, apesar de constituir uma unidade jurídica – com um só artigo matricial e uma única descrição predial – encontrava-se fisicamente dividido em duas partes, sendo uma maior, a nascente e outra menor a poente – uma vez que era atravessado por uma via que dá acesso à Ponte Açude de Coimbra (al. B)).
3 – Durante o ano de 2001, a 2.ª ré, M... – Utilidades, Equipamentos e Investimentos Imobiliários, Lda., mostrou-se interessada na aquisição da parte mais pequena, já referida, poente do dito prédio, com a área de 3.510m2, com vista a inseri-la um projecto imobiliário que desenvolvia no local sob a denominação “F...C...” (al. C).
4 – Na concretização de tal desígnio, o autor, por escritura de 12 de Abril de 2002, celebrada no 12º Cartório Notarial de Lisboa, instruída com documento complementar, declarou vender à 2ª ré o prédio rústico com a área de 16 463 m2, sito em Almegue, freguesia de Santa Clara, concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial sob o artigo 645 e inscrito na C. R. Predial de Coimbra sob o n.º 662 da freguesia de Santa Clara (doc. n.º 1 da p.i., aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) (al. D).
5 – Na mesma data foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda pelos mesmos outorgantes em que a promitente vendedora – M... – Utilidades, Equipamentos e Investimentos, Lda.” – prometeu revender a AA, uma parcela do prédio objecto do contrato de compra e venda, com 9.413,1 m2 de área, concluído que estivesse o processo de desanexação dessa parcela e o respectivo registo junto da C. R. Predial de Coimbra.
Prevendo precisamente a hipótese de incumprimento, a cláusula 6ª do contrato-promessa dispõe o seguinte:
- “Em caso de incumprimento da obrigação de celebrar o contrato ora prometido pela promitente vendedora, e desde que o promitente comprador tenha cumprido com todas as suas obrigações ao abrigo do presente contrato, nomeadamente no que se refere ao prazo de seis meses dentro do qual deverá estar concluído o processo de desanexação, assistirá a este último o direito de receber daquela uma indemnização, a título de penalidade, de 961.340,38€ (novecentos e sessenta e um mil, trezentos e quarenta euros e trinta e oito cêntimos), fixando as partes este valor como adequado a ressarcir o promitente comprador dos danos emergentes e lucros cessantes”.
Nos termos da cláusula 5ª deste mesmo contrato-promessa ficou acordado que, findo aquele prazo de 6 meses, a 2ª ré seria livre de incluir a parcela prometida vender em quaisquer estudos prévios, projectos, índices de construção, contrapartidas e permutas com quaisquer entidades públicas ou privadas.
Estipulou-se, ainda, o recurso à execução específica por parte do promitente-comprador, na sua cláusula 7ª (doc. n.º 2 da p. i., aqui dado por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) (al. E)).
6 – Não podia ser vendida apenas a referida parcela, sem que se conseguisse a sua desanexação (al. F)).
7 – No mesmo acto da escritura de compra e venda aludida na al. D) intervieram igualmente como outorgantes vendedoras as firmas A... – Empreendimentos Turísticos, Lda. e A...F...G... & Filhos – Empresa de Construção Civil, Lda. e outorgante compradora a mesma ora 2ª ré, operando-se assim também a transmissão do prédio rústico inscrito na matriz respectiva da freguesia de Santa Clara com o artigo 655 e descrito na C. R. Predial de Coimbra sob o nº 2482 (por parte da “A...”) e dos prédios urbanos inscritos na mesma matriz respectiva com os art.ºs. 3162, 1420 e 962 e descritos na C. R. Predial de Coimbra sob os nºs. 710, 670 e 661, respectivamente (por parte da A...F...G... & Filhos, Lda.) (al. G)).
8 – Nos termos das “Declarações de Garantia” em anexo à escritura pública de compra e venda junta como doc. 1 da petição inicial (e que é o doc. de fls.38 a 44), os vendedores, incluindo o autor, garantiram à 2ª ré uma determinada área, configuração e delimitação dos prédios vendidos, tendo o preço sido pago em função da edificabilidade dos prédios (esta pressuposta como de 0,45), dependente, obviamente, da área efectiva e registal.
Garantiram ainda os mesmos vendedores que em caso de erro, incorrecção ou omissão relativamente às declarações prestadas, incluindo quanto às configurações, delimitações e áreas dos prédios, seriam responsáveis perante a 2ª ré por todas as perdas e danos daí resultantes (al. H)).
9 – Por seu turno, nesse mesmo documento com a designação de “Declarações de Garantia”, a ora 2ª ré obrigou-se a que, caso ao prédio do ora autor, identificado em 5, viesse a ser reconhecida e atribuída uma edificabilidade igual ou superior a 0,45, haveria lugar, relativamente à sua parcela de terreno com 3.510 m2, ao pagamento de um preço adicional de 199,52€ por cada m2 de edificabilidade aprovada pela C.M. de Coimbra para o referido terreno e bem assim que, no que se refere à restante área do terreno, em nenhuma circunstância seria devido preço adicional (al. I)).
10 – Em processo a que havia sido atribuído o n.º 188/2001, corria já termos junto da 1ª Repartição de Finanças de Coimbra um pedido de “discriminação matricial” do dito prédio rústico do autor inscrito sob o art. 645 da matriz predial da freguesia de Santa Clara, tendo como suporte uma expropriação promovida anteriormente pela J.A.E. sob o nº 3/71 de uma parcela de 3540 m2 do mesmo, em ordem a que do remanescente ainda dele autor “fossem constituídos dois prédios rústicos” correspondentes à divisão de facto já existente, a saber, uma “Parcela A” com 3.510,0 m2 e uma “Parcela B” com 9.413,1 m2 (al. J)).
11 – Estas duas parcelas que compunham o prédio obtiveram após a conclusão desse processo junto da 1ª Repartição de Finanças de Coimbra os artigos matriciais 973 e 974 respectivamente – ou seja, o artigo 973 corresponde àquela parcela que a compradora primeiramente queria e o artigo 974 corresponde à parcela remanescente (al. K)).
12 – E foi relativamente a esta dita parcela remanescente que foi celebrado o contrato-promessa aludido na al. E), destinado a disciplinar os termos da futura transmissão da mesma da ora 2ª ré para o ora autor, acordando-se um preço de 5.000,00€ do qual se deu logo quitação, embora não tivesse sido pago, contrato-promessa esse no qual, além do mais, o ora A. assumiu as seguintes obrigações de conduta positiva:
a) O segundo outorgante (ora A.) expressa e irrevogavelmente reconhece e aceita que a conclusão do referido processo de desanexação e consequente registo, que não poderá exceder o prazo de seis meses, são da sua inteira responsabilidade, ficando a primeira outorgante isenta de qualquer procedimento e/ou custo com os mesmos (cláusula 2ª, ponto 1).
b) O segundo outorgante deverá, com pelo menos cinco dias úteis de antecedência relativamente à data agendada para a escritura, fornecer à primeira outorgante toda a documentação respeitante aos prédios resultantes do processo de desanexação e a si mesmo (cláusula 3ª, ponto 3) (al. L)).
13 – Esse dito processo junto da 1ª Repartição de Finanças ficou concluído em 22 de Maio de 2002, data em que os prédios foram inscritos autonomamente da seguinte forma:
a) Atribuição à parcela poente, com a área de 3.510m2, do artigo 973, que passou a ter a seguinte descrição: “terra de cultura e pomar de citrinos, com a área de 3.510m2, confrontando a norte com A...L..., a nascente com estrada nacional 110-2, a sul com Mondorel e a poente com a antiga estrada 110-2. Proveio do artigo R-645”, figurando como titular do prédio o autor;
b) Atribuição à parcela nascente do artigo 974, com a área de 9.413m2, com a seguinte descrição: “terra de cultura com pomar de citrinos, com a área de 9.413m2, confrontando a norte com A...L..., a nascente com rio Mondego, a sul com Mondorel e a poente com a estrada nacional 110-2. Proveio do artigo R-645”, figurando como titular do prédio o Autor (al. M)).
14 – Essas novas áreas reflectem a redução à área total do prédio originário decorrente da expropriação a que se aludiu na al. J) ( 3.540 m2 + 3.510 m2 + 9.413 m2 = 16.463 m2 ) (al. N)).
15 – O autor remeteu à 2ª ré as certidões matriciais dos novos artigos em 10 de Julho de 2002 – vide doc. de fls. 42 a 48, integrante do doc. n.º 7 da p. i. (al. O)).
16 – Por sua vez, os mandatários das rés enviaram aos mandatários do autor, em 12 de Agosto de 2002, o requerimento de registo da desanexação, preenchido pelo punho da mandatária da 2ª ré, Dr.ª S...O..., invocando essa qualidade, conforme competia àquela ré, aliás, nos termos da cláusula segunda, ponto dois, do contrato-promessa, já assinado pelo gerente da 2ª ré, B...B...H...J...V...V... (al. P)).
17 – No dia 10 de Setembro de 2002, os mandatários do A. contactaram os mandatários da 2ª ré, informando-os de que o pedido de registo para a desanexação predial seria recusado nos termos em que havia sido formulado por esta e sugerindo a elaboração de um novo requerimento de registo (al. Q)).
18 – O qual veio a ser preenchido pelo punho do mandatário do autor, Dr. J...F..., que o enviou em 20 de Setembro de 2002 para o escritório da mandatária da 2ª ré, Dr.ª S...O..., que o assinou e fez assinar pelos seus constituintes – cf. doc. de fls. 55, integrante do doc. n.º 7 da p. i. (al. R)).
19 – Por sua vez, a dita mandatária remeteu o novo requerimento de registo devidamente assinado ao mandatário do autor, já referido, em 25 de Setembro de 2002, este recebeu-o no dia 26 do mesmo mês e apresentou-o a registo em 27 de Setembro de 2002 (apresentação n.º 49 dessa data) – cf. doc. de fls. 56 a 65, integrante do doc.nº7 da p. i. (al. S)).
20 – Por fax enviado em 8 de Janeiro de 2003 pela mandatária da 2ª ré, Dr.ª S...O..., para o mandatário do autor, Dr. J...F..., aquela procedeu ao envio da cópia da certidão da C. R. Predial de Coimbra que havia recebido e referiu o seguinte: “Ficamos a aguardar o vosso contacto no sentido de esclarecer como iremos efectuar a escritura objecto do contrato-promessa assinado em 12 de Abril de 2002” (cf. doc. de fls. 66, integrante do doc.nº7 da p. i.) (al. T)).
21 – Posteriormente, foi a 2ª Ré informada pelos mandatários do autor de que estariam a diligenciar no sentido de ser marcada para muito em breve a escritura de compra e venda relativa ao contrato prometido, tendo estes ainda solicitado que fosse feito um aditamento ao contrato-promessa de forma a permitir que aquela escritura pudesse vir a ser celebrada com o autor ou com uma sociedade que o mesmo viesse a indicar (al. U)).
22 – Aceitando que a escritura ainda pudesse vir a ser celebrada a breve trecho, designadamente durante o mês de Fevereiro, os mandatários da Ré, por fax de 16 de Janeiro de 2003, informaram os mandatários do autor de que ficavam a aguardar indicação da respectiva data e o envio de uma minuta quanto ao aditamento pretendido, para que fosse devidamente apreciado (cf. doc. de fls. 68/69, integrante do doc. n.º 7 da p. i.) (al. V)).
23 – Em 1 de Outubro de 2003, a 2ª ré enviou ao autor (e não ao seus mandatários) uma carta na qual afirma a sua disponibilidade para transmitir a este a parcela objecto do contrato-promessa, através da 1ª Ré, para a qual havia transmitido já, em 11 de Julho de 2003, os prédios correspondentes aos artigos 973 e 974, já referidos; nesta mesma carta a 2ª ré refere que “não estava concluído o processo de destaque” e que a eventual realização da escritura em nada prejudicava os direitos que entendia ter - cf. doc. de fls. 70, integrante do doc. n.º 7 da p. i. (al. X)).
24 – Respondeu o autor – pessoalmente, e não através dos seus mandatários – por carta de 9 de Outubro de 2003, referindo que a desanexação seria feita “logo que requerida pelo titular inscrito”, conforme doc. de fls. 71/72, integrante do doc. n.º 7 da p. i. (al. Z)).
25 – A 2ª ré cedeu ao domínio público, em 28 de Junho de 2003, o prédio correspondente ao artigo 973º, no âmbito de um procedimento de loteamento. (doc. n.º 8 da p. i., a fls. 231 dos autos) (al. AA)).
26 – Na carta dirigida pela 2ª ré ao autor em 23 de Dezembro de 2003, aquela:
- Reconhece ser sua originariamente a obrigação de marcar a escritura e insiste que a escritura não poderia realizar-se sem que a cada artigo correspondesse uma descrição predial autónoma.
- Que considerava o contrato-promessa incumprido por parte do autor por este ter deixado expirar o prazo para a desanexação sem a mesma estar feita, acrescendo entender ter direito ao montante de 628.121,10€ por perda de edificabilidade em função dos erros/omissões das declarações prestadas aquando da aquisição dos diversos terrenos, mas que estavam dispostos a ultrapassar a situação, mediante o reembolso desse montante e o envio do pedido de registo (apto a possibilitar a efectivação da desanexação e a outorga da escritura em falta) que se prontificavam a assinar (cf. doc. de fls. 73 a 76, integrante do doc. nº 7 da p. i.) (al. BB)).
27 – Por sua vez, o autor, através dos seus mandatários, providenciou pela obtenção dos documentos necessários à realização da escritura, atempadamente objecto de solicitação por parte da senhora Notária já referida, tendo comunicado tal facto à 2.ª ré, por carta de 22 de Dezembro de 2004, na qual igualmente comunicava que estava agendada a celebração do contrato definitivo (escritura) no 1º Cartório Notarial de Coimbra, para o dia 7 de Janeiro de 2005 – cfr. doc. de fls. 78/79, integrante do doc. n.º 7 da p. i.. (al. CC)).
28 – A 2ª ré respondeu a esta última missiva por carta de 12 de Janeiro de 2005, na qual reiterava a posição assumida na carta de 23 de Dezembro de 2003, ou seja:
- Reconhece ser sua originariamente a obrigação de marcar a escritura.
- Insiste que a escritura não poderia realizar-se sem que a cada artigo correspondesse uma descrição predial autónoma.
- Reiterava que considerava o contrato-promessa não cumprido pelo A., por terem sido ultrapassados todos os prazos previstos para a desanexação da parcela sem tal ter sido realizado pelo autor, mas uma vez que ela própria o havia entretanto conseguido, estava disposta fazer a “revenda” em causa, desde que ressarcida de um prejuízo de alegada perda de edificabilidade que havia entretanto resultado e que cifrava em 628.121,10€ (cf. doc. de fls. 80/81, integrante do doc. n.º 7 da p. i. (al.DD)).
29 – Por escritura pública de compra e venda celebrada em 11 de Julho de 2003, no 5º Cartório Notarial de Lisboa, a 2ª ré transmitiu o prédio em referência, na sua totalidade, à 1ª ré (al. EE)).
30 – Na data destas escrituras, a gerência da Sociedade M... – Utilidades, Equipamentos e Investimentos Imobiliários, Lda. era constituída pelos gerentes, J...F...J...V...V..., H...J...P...V...D... e B...H...J...V...V..., sendo o primeiro Presidente e os segundos Vogais do Conselho de Administração da Sociedade “M...16 – Sociedade Imobiliária S.A.” (docs. n.º 10 e 11) (al. FF)).
31 – Na operação de loteamento promovida, a parcela de terreno a que corresponde o artigo matricial 973 foi integrada em pé de igualdade com outras no projecto global de loteamento (tendo, aliás, sido cedida ao domínio público) (al. GG)).
32 – O projecto imobiliário até então promovido pela 2ª ré apenas carecia da parcela aludida na al. C) (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
33 – A essa data já corria termos o processo de “discriminação matricial” aludido na al. J) (resposta ao quesito 4º).
34 – O “processo de desanexação” a que as partes, nos termos melhor discriminados na al. L), se reportaram na cláusula 2ª, ponto 1 do contrato-promessa, contemplava o processo que sob o nº 188/2001 já corria então termos na 1ª Repartição de Finanças de Coimbra (resposta ao quesito 5º).
35 – Esse dito “processo de desanexação” tinha como objectivo permitir que os prédios se pudessem alienar separadamente (quesito 6º da base instrutória).
36 – Na posse do requerimento de registo da desanexação aludido na al. P), o mandatário do autor Dr. J...F... dirigiu-se, de seguida, ao Sr. Conservador do Registo Predial de Coimbra para que este avaliasse previamente da viabilidade desse requerimento de registo de desanexação (quesito 7º).
37 – Tendo sido por este prestada a informação referenciada na al. Q) (quesito 8º).
38 – Aduzindo que uma nova descrição predial só poderia ser aberta com a transmissão de um dos novos artigos matriciais (quesito 9º).
39 – O prazo legal para lavrar os registos é de 15 dias (resposta ao quesito 1º).
40 – A 2ª ré concretizou a transmissão aludida na al. EE) sem que de tal fosse informado o autor (quesito 12º).
41 – A transmissão de cada um dos artigos podia concretizar-se sem que a cada um estivesse previamente atribuída uma descrição autónoma do registo predial, sendo certo que não seria dispensável uma prévia actualização registal dos elementos matriciais respectivos e sem prejuízo dos demais documentos que a nível notarial fossem exigidos (resposta ao quesito 14º).
42 – Em tal caso, a autonomização ocorria com a mera transmissão, subsequentemente levada a registo (resposta ao quesito 15º).
43 – Tendo também a Sr.ª Notária do então 1º Cartório Notarial de Coimbra, em contacto que com a mesma o autor estabeleceu, sustentado informalmente que a menção de ambos os artigos matriciais sob a mesma descrição predial não constituiria qualquer impedimento de princípio à realização da escritura prometida (resposta ao quesito 18º).
44 – Ambas as sociedades 1ª e 2ª RR. se integravam no mesmo grupo “M...D...”, sendo que a 1ª ré partilhava a mesma sede e representantes com as demais, designadamente como aludido na al. FF), entre os anos de 2001 a 2003 (resposta ao quesito 19º).
45 – Todos os imóveis adquiridos através da escritura aludida nas als. D) e G) destinavam-se a revenda, por ser essa a actividade da compradora (quesito 18º).
46 – Como sempre acontece nos empreendimentos promovidos pelo Grupo “M...D...”, em que se integravam então ambas a RR., a determinada fase do processo todos os imóveis necessários à implementação do projecto são transmitidos para uma sociedade do Grupo (quesito 26º).
47 – A qual posteriormente era, em regra, vendida a um terceiro investidor (resposta ao quesito 27º).
48 – Foi precisamente nesse contexto que se inseriu a venda da totalidade do prédio com a descrição registal sob o nº 662, a que se aludiu na al. EE) (quesito 28º).
49 – Os diversos prédios adquiridos para implementação do projecto do “F...C...” figuram ao presente registalmente inscritos também em nome da Sociedade “C... (Portugal) – Sociedade de Exploração de Centros Comerciais, S.A.” (resposta ao quesito 29º).
50 – Para o desenvolvimento e construção do “F...C...” e segundo os termos do respectivo projecto, bastava no ano de 2001 à ora 2ª ré adquirir uma parcela do prédio aludido na al. A) com a área de 3.510 m2 (quesito 30º).
51 – No pressuposto de que as áreas dos prédios que ficaram declaradas na escritura referida nas alíneas D) e G) pelos vendedores eram correctas (quesito 31º).
52 – E foi face à impossibilidade legal de comprar apenas a dita parcela com 3.510 m2 e atenta a urgência na respectiva aquisição para efeitos de submissão do licenciamento que a 2ª ré optou por comprar a totalidade do prédio em questão (quesito 32º).
53 – Essa opção de facto teve o acordo do autor (quesito 33º).
54 – No processo de discriminação matricial (com o nº 188/2001), os Srs. Peritos afectos ao Serviço de Finanças haviam procedido à avaliação e discriminação do prédio em 1 de Abril de 2002 (quesito 34º).
55 – Estando esse processo praticamente terminado (quesito 35º).
56 – Estimava-se que o pedido de informação prévia submetido à Câmara Municipal de Coimbra viesse a ser aprovado durante o mês de Outubro de 2002 (quesito 36º).
57 – Sendo que as RR. pretendiam e precisavam de ter a situação dos prédios regularizada nessa altura para poderem, de imediato, dar início ao processo de licenciamento da obra de edificação do complexo designado por “F...C...” (quesito 37º).
58 – Com a submissão do respectivo projecto de arquitectura (quesito 38º).
59 – Com a apresentação do requerimento de registo da desanexação aludido na al. P)/16 supra as normas e a prática registais permitiam que viesse a ser aberta nova descrição correspondente à parcela a desanexar (necessariamente na dependência da inscrição da propriedade já existente a favor da 2ª ré e resultante da compra e venda de 12.04.2002) (resposta ao quesito 39º).
60 – Após 27 de Setembro de 2002 nada impedia o autor de acompanhar o respectivo processo junto da Conservatória (quesito 42º).
61 – Sendo que a 2ª ré, em cumprimento do contrato, sempre esteve disponível para assinar quaisquer documentos ou requerimentos caso tal fosse necessário ou pedido pelo autor (quesito 43º).
62 – Em data não concretamente apurada do ano de 2003, a 2ª Ré constatou que relativamente ao conjunto de prédios adquiridos para implementação do “F...C...” existia uma diferença não concretamente apurada, mas para menos, entre as áreas declaradas nas escrituras e as áreas reais dos prédios, designadamente no particular do A. e intervenientes, sendo que de tal resultou uma correspondente diminuição da área edificável, também em grandeza não concretamente apurada, mas em função da correspondente atribuição do índice de edificabilidade pelo P.D.M. de Coimbra, informação da D.E.R.U. (Divisão de Estruturação e Renovação Urbana da C.M. de Coimbra) e Alvará de Loteamento do complexo comercial “F...C...” (resposta aos quesitos 50º e 51º).
63 – O preço médio do metro quadrado por área edificável do conjunto dos prédios adquiridos para a implementação do “F...C...” é de 237,00€ (quesito 52º).
64 – A parcela de 9.413,10 m2] trata-se de terreno constituído por mato selvagem, encravado entre a Estrada Nacional e o rio Mondego, sem interesse agrícola (quesito 55º).
65 – O dito terreno está, nos planos do P.D.M. de Coimbra, inserido em zona V1 (zonas verdes de uso público) e também em R.E.N (resposta ao quesito 56º).
66 – Estando projectada para toda a área envolvente, incluindo o terreno, a construção de equipamento público (quesito 57º).
67 – Ao conjunto das parcelas, onde se incluía a correspondente ao art. 973º, a Câmara Municipal de Coimbra reconheceu e atribuiu um índice de edificabilidade que variou entre 0,45 e 0,225, tendo depois conferido uma majoração de 20% ao total (resposta ao quesito 58º).
68 – A dita parcela de 3.510 m2 está inserida em zona V2 – zona verde de protecção – segundo o zonamento do Plano Director Municipal (quesito 60º).
69 – A que corresponde um índice de edificabilidade de 0,225 (quesito 61º).
70 – Nos termos do mesmo P.D.M., na mesma poderá vir a ser permitida a construção de habitação familiar arquitectonicamente enquadrada e, em princípio, de um só piso (quesito 62º).
71 – Ao tempo do envio da carta aludida na al. X),supra 23, datada de 1 de Outubro de 2003, a 2ª ré já estava ciente da necessidade de ser ocupada alguma área do artigo matricial 974 com a implantação da rede viária no local exigida pela C.M. de Coimbra no âmbito da aprovação da operação de loteamento do complexo comercial “F...C...” (resposta ao quesito 67º).
Apreciando:
21. Os recorrentes suscitam as seguintes questões:
- O contrato-promessa outorgado entre a ré M... e o A. foi objecto de incumprimento definitivo por parte da ré que o alienou, recusando-se, depois, por si ou por sociedade terceira, a restituir o terreno conforme se obrigara; daí decorre impor-se a sua condenação no pagamento da cláusula penal estipulada.
- Resultando o incumprimento do contrato-promessa de uma actuação concertada entre as sociedades rés que se inserem num mesmo agrupamento (M... e M...16) impõe-se, usando da figura da desconsideração da personalidade jurídica, a condenação solidária de ambas nos pedidos formulados.
- Comprovado um índice de 0,50 de edificabilidade, então deve a ré ser condenada em conformidade com o acordado entre as partes.
- A não proceder o ressarcimento por via contratual e porque a M... nada pagou à A. quando lhe adquiriu o terreno que se obrigou a restituir, então verifica-se um enriquecimento da ré à custa do A e, assim sendo, deve ser condenada no pagamento de 914.968,77€ que corresponde ao valor de mercado dessa parcela considerando o valor, que foi pago, de 97,20€/m2.
- Quanto ao pedido reconvencional não pode deixar de ser ponderado, de acordo com o estipulado, que o A. não garantiu que o terreno alienado dispusesse da referenciada área e, por conseguinte, não podia ser condenado nesses termos.
Vejamos então as questões suscitadas.
Sobre o contrato-promessa
22. O autor era proprietário de um imóvel com a área total de 16.463m2. Uma parcela desse terreno foi expropriada pela Junta Autónoma das Estradas e a parte sobrante ficou dividida em duas parcelas separadas pela via pública entretanto aberta; uma dessas parcelas tinha a área de 3.510m2 e a outra a área de 9.413m2, ambas integrando uma mesma descrição predial ( ver 1, 2 e 10 da matéria de facto doravante apenas referenciada pelos números).
23. A ré M... estava interessada em adquirir apenas a parcela de 3.510m2 juntamente com outros imóveis para os revender tendo em vista um empreendimento imobiliário (3). Ao tempo (Abril de 2002: ver 1) estava em fase de conclusão o processo que corria termos na Repartição de Finanças destinado a atribuir uma inscrição matricial a cada uma das parcelas, o que sucedeu, atribuindo-se à parcela com a área de 3.510m2 a inscrição matricial 973 e à outra parcela a inscrição matricial 974 ( ver 11, 54 e 55).
24. Seguidamente impor-se-ia proceder à desanexação da parcela com a área de 3.510m2 a fim de ser vendida à 2ª ré; sucede que havia urgência em avançar com o empreendimento independentemente da desanexação da aludida parcela ( a razão da urgência, segundo a ré - ver artigo 58.º da contestação - tinha a ver com o licenciamento do empreendimento) e, por isso, as partes acordaram proceder à compra e venda de todo o imóvel, o que apenas fizeram por não ser possível a venda autonomizada da aludida parcela (ver 52 e 53), mas outorgando simultaneamente contrato-promessa de compra e venda por via do qual a compradora M... se obrigava a vender a referida parcela de 9.413m2 ( parcela que doravante referenciaremos apenas pela sua inscrição matricial, 974). Foram, assim, na mesma data (12-4-2002), mas em instrumentos separados, outorgadas escrituras de compra e venda, entre outros, do imóvel do autor, pagando a ré o valor correspondente à parcela que pretendia adquirir (973) não pagando nenhuma quantia pela outra parcela (974): ver 4, 12 em conjugação com o facto alegado no artigo 6.º da petição , admitido por acordo.
25. No entanto, porque a 2.ª ré, como se disse, tinha urgência na aquisição da parcela para efeitos de submissão ao licenciamento (52), porque se verificava a impossibilidade legal, por falta de desanexação, de aquisição apenas da parcela 973 (52), porque se estimava que o pedido de informação prévia submetido à Câmara Municipal viesse a ser aprovado em Outubro de 2002 (56) e porque a situação dos prédios devia estar então regularizada para se dar início ao processo de licenciamento da obra de edificação do complexo designado por “F...C...” com a submissão do respectivo projecto de arquitectura (57) houve que acautelar tais objectivos, conciliando-os com o interesse do autor em ver reingressar no seu património a referida parcela 974.
26. A ré M... tinha todo o interesse em que a situação registal do imóvel estivesse definida em Outubro de 2002, o que lhe permitiria integrar no processo de licenciamento apenas a aludida parcela 973; essa parcela veio, aliás, a ser autonomizada tendo sido cedida ao domínio público em 28-6-2003 pela M... (25, 31)
27. Se assim não sucedesse, a M... não poderia deixar de incluir todo o imóvel adquirido ( integrando portanto, a parcela 974) em todos os projectos a apresentar; constata-se, no entanto, que a aquisição do imóvel se destinava a revenda ( 4, 45) que veio a ser efectuada em 11-7-2003 à outra ré que integrava com a M... o mesmo grupo comercial (Grupo M...D...: ver 46); verifica-se ainda que, depois da transmissão dos imóveis necessários à implementação de um projecto do Grupo para um dos seus membros, ocorre, em regra, a venda para um terceiro investidor( 46 e 47); ora sendo este o contexto em que se inseriu a venda do prédio do autor (48), tais negócios, se nada fosse acautelado no contrato-promessa, traduzir-se-iam em incumprimento definitivo do contrato-promessa. Com efeito, como é sabido, uma das principais causas de incumprimento definitivo é a venda a terceiro do bem prometido vender (artigo 442.º do Código Civil).
28. Por isso, a M... (2ª ré) obrigou-se, na cláusula segunda, a, dentro do prazo de seis meses em que o autor deveria concluir o processo de desanexação e consequente registo, “ não incluir em quaisquer estudos prévios, projectos, índices de construção, contrapartidas e permutas, com quaisquer entidades públicas ou privadas, a parcela com a área de 9.413,10 m2 […] nem a onerá-la ou cedê-la por qualquer forma”.
29. Assim, se lermos as demais cláusulas do contrato-promessa, verificamos que as partes condicionam ao decurso do aludido prazo um conjunto de actos: na cláusula primeira, consigna-se que “ concluídos que estejam o processo de desanexação da parcela […] e o respectivo registo” a M... promete vender; na cláusula segunda, o aqui autor “ expressa e irrevogavelmente reconhece e aceita que a conclusão do referido processo de desanexação e consequente registo, que não poderá exceder o prazo de seis meses, são da sua inteira responsabilidade”; na cláusula 3º estipula-se que a M... se obriga a marcar a escritura de compra e venda, ora prometida, no prazo de 30 dias após o 2º outorgante avisar a 1º da conclusão do processo de desanexação e registo, o qual deverá ocorrer no prazo de seis meses a contar da presente data”, na cláusula sexta estipula-se que “ em caso de incumprimento da obrigação de celebrar o contrato ora prometido pela promitente vendedora e desde que o promitente comprador tenha cumprido com todas as suas obrigações ao abrigo do presente contrato, nomeadamente no que se refere ao prazo de seis meses dentro do qual deverá estar concluído o processo de desanexação, assistirá a este último o direito de receber daquele uma indemnização, a título de penalidade, de euros 961.340,38”.
30. Analisando todo este conjunto de cláusulas a impressão que se oferece a um declaratário normal colocado na posição do real declaratário ( artigo 236.º do Código Civil) é a de que as partes encararam este prazo de 6 meses para conclusão do processo de desanexação e registo como um termo essencial subjectivo absoluto visto que a ré não poderia conciliar o inconciliável, ou seja, manter-se obrigada à outorga do contrato prometido de compra e venda e simultaneamente iniciar um conjunto de procedimentos que levariam em breve à cedência do imóvel a terceiros.
31. Refira-se que esta essencialidade deve considerar-se in casu tacitamente estipulada, atento o condicionalismo em que o contrato-promessa foi outorgado, pois não consta do clausulado nem dos respectivos considerandos nenhuma observação de que, decorrido o aludido prazo de seis meses, se considera o contrato sem efeito e, consequentemente, extinta a prometida obrigação de restituição do imóvel.
32. Os recorrentes sustentam que as aludidas cláusulas têm uma natureza bifronte, simultaneamente condição suspensiva ( a desanexação: facto futuro e incerto) e termo resolutivo com isto se significando que, decorrido o prazo, se imporia interpelação admonitória para se considerar não cumprida a obrigação. Por outras palavras, o aludido termo de seis meses, repetidamente expresso nas várias cláusulas do contrato-promessa, traduzir-se-ia afinal em termo essencial relativo que não é afinal algo diverso da cláusula resolutiva.
33. Não há discordância quanto à natureza suspensiva da cláusula bem evidente à luz do estipulado na cláusula primeira do contrato-promessa; a divergência situa-se quanto a saber se estamos face a um termo essencial subjectivo absoluto - negócio absolutamente fixo em que
existe um prazo-limite com o valor e os efeitos do prazo suplementar peremptório a que se refere o artigo 808.º/1, 2ª parte, se o incumprimento é imputável ao devedor; e com o efeito de provocar uma resolução automática do contrato, se o incumprimento não é imputável ao devedor (“ Pressupostos da Resolução por Incumprimento”,João Baptista Machado, 1991, Obra Dispersa, Vol I, pág. 193)
ou se estamos face a uma cláusula resolutiva em que
a verificação do incumprimento previsto na cláusula, ou o vencimento do prazo-limite aí fixado (prazo essencial relativo - negocio relativamente fixo) conferem ao credor o direito de declarar imediatamente a resolução do contrato, podendo ele, porém, se o preferir, exigir antes o cumprimento. Nesta hipótese de cláusula resolutiva, se o incumprimento em causa for imputável a culpa do devedor, o credor pode ainda intimar este para cumprir dentro de certo prazo peremptório, nos termos do artigo 808.º.1. Com efeito, o facto de existir uma cláusula resolutiva não retira ao credor a faculdade que este artigo lhe confere (cf., aliás, o artigo 809.º). Se, porém, o incumprimento não for imputável ao devedor, o credor só pode optar entre declarar a resolução ou exigir o cumprimento (tardio).Em qualquer hipótese, o facto de o credor ter optado por exigir o cumprimento só por si não faz caducar o direito de vir depois a declarar a resolução (jus variandi). A hipótese inversa é que se revela inadmissível, dado não poder exigir-se o cumprimento de um contrato resolvido” (Baptista Machado,loc. cit., pág. 193).
34. Ora a fixação do aludido prazo, atentos os factos provados, evidencia que estamos face a um termo absoluto fixo, visto que tal prazo se insere precisamente num iter procedimental em que, dada a sua natureza de condição suspensiva, o seu decurso sem cumprimento importa, como é sabido, que não se produzam os efeitos a que o negócio tendia, desaparecendo os próprios efeitos verificados medio tempore.
35. A entender-se , como os recorrentes, a fixação do prazo assumiria simultaneamente a natureza de termo absolutamente fixo pois é inegável que, à luz do estipulado, a ré, decorrido os seis meses sem estar efectivada a desanexação pretendida que impossibilitava a venda da parcela (6), deixava de continuar vinculada nos termos da referida cláusula quinta (5) e assumiria a natureza de cláusula resolutiva, o que se afigura contraditório.
36. É que tal prazo, para ser considerado como pretendem os recorrentes, deveria ter em vista o momento da outorga da escritura de compra e venda e não o momento da conclusão do processo de desanexação e registo. Se a fixação do prazo se referisse àquele primeiro momento, então seria sustentável o entendimento dos recorrentes. Por isso, afigura-se-nos correcta a decisão das instâncias, assim expressa no acórdão recorrido:
Ora, a factualidade apurada atinente ao contrato-promessa, fazendo depender da conclusão do processo da desanexação da parcela e respectivo registo junto da CRP, no prazo máximo de 6 meses, a promessa de venda, após cujo aviso incumbia à recorrida “M...” a marcação da escritura de compra e venda prometida encontra-se nesta última situação de coexistência de ambas as cláusulas: condição suspensiva quanto à desanexação da parcela e constituição registral de prédio autónomo e termo quanto ao prazo máximo de 6 meses.
Termo suspensivo, que não resolutivo, como sustentaram os recorrentes, desde logo porque os efeitos do negócio só começariam a partir daquele momento (e não começaram para cessar nesse momento). É certo que, “pendente conditione”, o negócio pode produzir dados efeitos provisórios e preparatórios “na expectativa da produção dos efeitos definitivos; trata-se sobretudo de efeitos prodrómicos ou cautelares que têm em vista garantir a integridade dos efeitos finais, de modo a evitar que estes venham a ser meramente platónicos”.
Mas, não verificada a condição, desaparecem todos esses efeitos.
Questão fundamental, pelas suas consequências ao nível do incumprimento, era a essencialidade do termo, desde logo, atenta a economia do contrato e a vontade real das partes (cláusula 5.ª do contrato-promessa em que a parcela prometida vender só no prazo de 6 meses se mantinha intocável quanto ao seu destino) e isto porque era interesse da recorrida “M...” prevenir quaisquer dificuldades resultantes do contrato-promessa com o recorrente, que pudessem retardar o licenciamento do empreendimento “F...C...”.
Nesse sentido, a própria cláusula penal da cláusula 6.ª e a execução específica da cláusula 7.ª estavam dependentes da desanexação desse prazo de 6 meses.
Daqui se conclui que, tratando-se de um prazo essencial, o seu decurso fez incorrer o recorrente em incumprimento definitivo, sem mais, isto é, sem necessidade de qualquer interpelação admonitória, para lá de que a não verificação da condição suspensiva levara à falta de produção dos efeitos definitivos a que o contrato-promessa tendia.
37. A questão essencial centra-se , portanto, em saber se afinal o autor não cumpriu, no aludido prazo, a responsabilidade que assumiu de forma categórica (vejam-se os termos da cláusula segunda e 12) ou se afinal o processo de desanexação e consequente registo ficaram efectivamente concluídos com a apresentação de 27-9-2002 no registo predial que levou a que as duas parcelas fossem com a respectiva descrição e inscrição matricial averbadas sob uma mesma descrição predial (doc. de fls. 169).
38. De acordo com a matéria de facto parece razoável sustentar que as partes, quando outorgaram o contrato-promessa, pressupuseram que a venda da parcela apenas se poderia efectuar com a autonomização no registo da parcela 973, o que bem se evidencia da conjugação do facto referido em 6 com o considerando 3º do contrato-promessa em que se refere que sobre o imóvel do autor “ foi apresentado um pedido de discriminação do rendimento colectável, de uma parcela com a área de 3510m2 […] e que visa desanexar aquela parcela do prédio identificado […] para passar a constituir um prédio autónomo”.
39. Ora, como é bom de ver, a desanexação e consequente registo, tal como foram efectuados, não conduziram à descrição da aludida parcela como prédio autónomo.
40. O mencionado facto (6) que foi objecto de acordo entre as partes e, assim, integrado no despacho sobre a selecção da matéria de facto (artigo 511.º) não traduz, contrariamente ao que sustentam os recorrentes, a inserção de uma pura questão de direito, o que imporia considerá-lo não escrito por aplicação analógica aos factos confessados pelas partes nos articulados da regra constante do artigo 646.º/4 do C.P.C. Com efeito, tal matéria traduz o entendimento das partes sobre a necessidade de o prédio se encontrar registado autonomamente para se poder proceder à prometida venda.
41. E é certo que, tendo o Supremo Tribunal de Justiça os seus poderes de cognição limitados em matéria de facto (artigo 722.º do C.P.C.), não lhe cumpre definir o sentido que para os próprios outorgantes assumem as estipulações, pois, fazendo-o, desrespeita os seus limites.
42. Essa natureza de facto é, aliás, sublinhada no acórdão recorrido quando refere que o recorrente considera
que cumpriu a obrigação de desanexação que se reportava à discriminação matricial se ambas as parcelas e não à obtenção de 2 prédios autónomos pela via da desanexação predial. Trata-se de questão resolvida em sede de julgamento da matéria de facto, mormente resultante das respostas dadas aos quesitos 4.º a 9.º, 14.º, 15.º 34.º, 35.º e 39.º, no sentido de que o contratualmente visado pelas partes era a “desanexação predial” (ou registral), única, aliás, a ter correspondência na letra do contrato-promessa (v. g., considerando 5.º “(…) desanexação (…) e consequente registo na Conservatória do Registo Predial”, cláus. 1.ª “Concluídos que estejam o processo de desanexação (…) e o respectivo registo junto da Conservatória do Registo Predial de Coimbra (…)”, 2.ª e 3.ª, igualmente a remeter para o registo).
43. É evidente que ocorreu no caso vertente uma ingrata situação: o pressuposto de que as partes partiram parece não estar certo, pois não constituía afinal impedimento ao registo de transmissão da escritura de compra e venda de qualquer das parcelas a prévia existência no registo predial de uma descrição autónoma (41, 42 e 43) visto que, no caso vertente, a venda de uma das parcelas não implicaria violação das regras que obstam ao fraccionamento das propriedades pois a separação das referidas parcelas resultara de um acto expropriativo, importando, porém, que essa realidade fosse demonstrada (Veja-se o parecer junto aos autos de fls. 908 a 950).
44. Assim sendo, ou seja, podendo suscitar-se a dúvida em sede de registo por se entender que tal realidade não estava demonstrada, compreende-se que as partes quisessem assegurar-se previamente à outorga da escritura mediante a efectivação de um registo em que a descrição da parcela estivesse autonomizada, o que não sucedeu. E não pode afirmar-se que as partes, com tal propósito, tinham em vista uma impossibilidade jurídica, pois demonstrou-se que “ as normas e prática registais permitiam que viesse a ser aberta nova descrição correspondente à parcela a desanexar” (59).
45. Gerou-se um impasse com o registo que o autor acabou por alcançar, registo esse em que as parcelas do imóvel não estavam descritas autonomizadamente e disso nos dá notícia a matéria de facto: ver 20, 21, 22, 23. A 2ª ré admite proceder à escritura, concluído o destaque (23), insiste em 23-12-2003 que a escritura não podia realizar-se sem que a cada artigo correspondesse uma descrição predial autónoma (26 e 28); o autor, por sua vez, também reconhece que a desanexação ainda não está concluída (24): tudo isto evidencia que as partes continuaram a pressupor que a autonomização registal constituía conditio sine qua non para outorga da escritura de compra e venda, pressuposto que se viu não estar certo (41, 42 e 43).
46. O autor não assumiu nenhuma atitude junto da ré no sentido de que a escritura poderia ser efectuada sem prévia descrição autonomizada da mencionada parcela 974 por não existir nenhum obstáculo a que, na sequência da escritura, se abrisse então descrição autónoma para a parcela alienada e, em boa verdade, quando interpela a ré para outorga da escritura em 22-12-2004 isso não significa que o entendimento que as partes assumiram no contrato-promessa tivesse sido alterado: é que, nesse momento, já tinha sido, no âmbito de um processo de loteamento, cedido em 28-6-2003 ao domínio público a dita parcela 973 (25). Foi, pois, por via desta cedência que deixou de subsistir o obstáculo que as partes tinham considerado impeditivo da prometida compra e venda.
47. O autor, precisamente porque o registo não tinha sido efectuado com a descrição autonomizada das parcelas 973 e 974, não declarou à M... que a desanexação e registo estavam realizados nos termos acordados, interpelando-a para proceder à marcação da escritura em conformidade com o estipulado no contrato-promessa; as partes acordaram que a escritura fosse outorgada com terceiro adquirente indicado pelo autor e marcada pelo autor, o que se constata pela troca de correspondência de fls. 756/758, tudo isto evidenciando que os interessados reconheciam que a escritura não iria já ser outorgada nas precisas condições exaradas no contrato-promessa.
48. Verifica-se, no entanto, que a ré M..., não obstante o decurso do aludido prazo de seis meses, não se negou a transmitir ao autor o imóvel, rectius a parcela 974, disponibilidade que manifestou em 1-10-2003 (23) inclusivamente já depois de ter alienado em 11-7-2003 os prédios 973 e 974 para a ré M...16 (29). E nesse momento, em 1-10-2003, a ré já estava ciente da necessidade de ser ocupada alguma área do artigo matricial 974 com a implantação da rede viária no local exigida pela Câmara Municipal de Coimbra no âmbito da aprovação da operação de loteamento do complexo comercial “F...C...” (71).
49. Não se provou que, quando o autor pretende proceder à escritura no dia 7-1-2005 (28) a sociedade que tinha adquirido a parcela ainda fazia parte do Grupo Multidevelopment (30 e 49) e, aceitando-se o que é referido em alegações (ver fls. 3098), nesse momento já tinha sido ocupada da parcela 974 com a área de 9.413m2 uma parcela com a área de 334,2m2 sendo inconclusivo se tal situação já se tinha verificado quando a M... em 1-10-2003 ainda se mostrava disposta a outorgar o contrato de compra de venda, disponibilidade que cessou em 23-12-2003 ( 26).
50. Esta carta revela uma conduta contraditória por parte da 2ª ré pois se ela entendia que, pelo decurso do prazo de seis meses o contrato-promessa tinha sido definitivamente não cumprido, não se compreende a razão por que em momento ulterior ao decurso desses seis meses ( v.g. em 1-10-2003: ver 23) se disponibilizava para outorgar a escritura de compra e venda.
51. Dir-se-á que afinal para a M... o decurso do prazo de seis meses seria apenas preclusivo para o efeito de estar obrigada a não alienar nem ceder por qualquer forma a parcela 974 e preclusivo da responsabilidade que a esse título lhe fosse exigida, mas não preclusivo da subsistência do contrato-promessa com a obrigação de restituição da referida parcela enquanto tal se mostrasse viável.
O eventual abuso do direito
52. E, a seguir-se esta linha de pensamento, quando a ré M... envia a carta de 23-12-2003 declarando que o contrato-promessa cessara por estar expirado o prazo de desanexação, tal declaração não passaria afinal de um pretexto destinado a não restituir a referida parcela Seria, então, à luz da figura do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil) traduzido no comportamento da ré M... que criara no autor a convicção de que o contrato-promessa continuava a vinculá-los, apenas obstando à concretização da prestação de facto convencionada a ausência de descrição predial autónoma, que o litígio se resolveria, ou seja, considerar-se-ia o contrato subsistente tanto mais que era já viável a escritura de compra e venda naquela data de 23-12-2003 porque ocorrera a pretendida desanexação da parcela 973 cedida que fora ao domínio público desde 28-6-2003.
53. Afinal se o objectivo das partes outro não tinha sido com a celebração da dita escritura senão o de conseguir com o mencionado processo de desanexação permitir que os prédios se pudessem alienar separadamente (35) a que título a ré se recusava agora (23-12-2003: 26 supra) a outorgar a escritura de compra e venda?
54. A ré adquirira o imóvel na totalidade porque a parcela que lhe interessava ( 973), a de menor área, não estava ainda desanexada e, por conseguinte, não era possível proceder à sua venda separadamente. A ré não pagara quantia alguma pela parcela com as área de 9413m2 (974) e, por isso, obrigara-se a restitui-la. A referida parcela 973 tinha entretanto sido desanexada. Ora que obstáculo havia em 23-12-2003 que impedisse a ré de proceder à restituição da parcela observando os ditames da boa fé, evitando locupletar-se à custa de outrem?
55. A boa fé não é uma expressão de retórica. Meneses Cordeiro assinala que se
torna fundamental ter presente que a boa fé surge tão-só como uma via para permitir, ao sistema, reproduzir, melhorar, corrigir e completar as suas soluções. Apenas o uso da História e do Direito comparado nos pode explicar esta dimensão. Além disso, o recurso à boa fé só é pensável para uma dogmática não conceptualista. Criticar a boa fé ou descobrir a sua inutilidade parece-nos tão descabido como fulminar ad nutum todos os avanços da Ciência do Direito no último século. Quais são as alternativas?
A boa fé e o abuso do direito não são compatíveis com as análises racionalistas - ou aparentemente racionalistas, já que a Razão , para o ser, examina o real não funcionando, apenas, sobre si própria. Exigem valorações e um atendimento ao poder dos factos. É perfeitamente surrealista reclamar ‘valorações materiais’ e, depois, recusar os institutos onde, dogmaticamente, tais valorações poderiam ser postas em prática” (Tratado de Direito Civil Português, 2005, Tomo IV, pág. 374/375)
56. A ré tinha perfeita consciência de que a referida parcela deveria ser restituída sem encargos ao autor, pois a sua aquisição tivera por objectivo a integração no processo de licenciamento da parcela 973 e tais objectivos tinham sido plenamente atingidos em Junho de 2003; a ré estava contratualmente legitimada a alienar a parcela, mas, é bom que se diga, a alienação visada primacialmente era a destinada à ré M...16 que fazia parte do mesmo grupo económico, não existindo, por esse facto, nenhum óbice à restituição ao autor como está bem evidenciado em 23 supra. Ou seja, atingido o fim proposto, não se vê, de acordo com os ditames da boa fé, que a ré, quer por via da alienação a terceiro fora do agrupamento, quer por via de uma recusa sem contrapartidas, devesse criar uma situação obstativa da restituição.
O enriquecimento sem causa
57. Estamos em crer que a ré, decorrido o assinalado prazo de seis meses, ao admitir e aceitar restituir a parcela, atitude que deixou de assumir em 23-12-2003, não quis prevalecer-se da ineficácia do contrato-promessa porque, ainda que o fizesse, sempre ficava de pé o seu enriquecimento à custa do autor (artigo 473.º do Código Civil).
58. O contrato-promessa de compra e venda constituiu tão somente um instrumento jurídico de que as partes se serviram para ser assegurada a restituição da referida parcela (974) ao autor; por isso, ficando sem efeito o contrato, não cessa o locupletamento e tudo se passa agora, como não pode deixar de ser, como se as partes nada tivessem previsto. Em tal circunstância, o autor poderia reclamar o valor dessa parcela se não fosse já possível a sua restituição em espécie.
59. Não ficou clausulado no contrato-promessa ou na escritura de compra e venda nem consta de nenhum dos considerandos que, não procedendo o autor à desanexação no aludido prazo de seis meses, o valor resultante da integração da parcela no património da 2ª ré se considerava pago pelo preço suportado com a aquisição da outra parcela. Não há nenhuma renúncia por parte do autor, expressa ou tácita, ao valor dessa parcela que apenas alienou tendo em vista uma restituição a ocorrer em momento ulterior logo que efectivado o processo de desanexação. E crê-se que as partes não deixariam de ter consignado ou declarado que, se o autor falhasse no prazo de seis meses o registo definitivo em descrição predial autónoma da parcela 973, isso implicava a perda definitiva da parcela sem qualquer contrapartida.
60. O enriquecimento da ré não tem causa pois o contrato de compra e venda não implicou o pagamento de nenhum preço pela referida parcela; por isso, o contrato-promessa visava evitar o enriquecimento do réu à custa do autor pela via da restituição do imóvel. A partir do momento em que a condição se não verificou, o empobrecido deixou de poder exigir a restituição ou o valor da coisa ao abrigo do contrato-promessa e, por isso, do que se trata agora - e daí a razão do pedido subsidiário - é o de obter por via do enriquecimento sem causa, não a restituição do imóvel ou a indemnização estipulada por cláusula penal que já não se afiguram possíveis, mas o valor correspondente à parcela que passou a integrar o património da 2ª ré.
61. No sentido de que, mesmo que não tenha sido utilizada acção de anulação por qualquer motivo, nomeadamente negligência, pode ser utilizada acção com base em enriquecimento sem causa, veja-se o Ac. do S.T.J. de 25-6-2002 (Lemos Triunfante) (revista n.º 1983/02 -1ª secção) in www.dgsi.pt; assim sendo, por maioria de razão, não obsta à procedência do pedido de enriquecimento sem causa a demonstração da inviabilidade do pedido de indemnização devido por incumprimento de contrato-promessa da responsabilidade do empobrecido.
A subsidiariedade da acção de enriquecimento sem causa
62. O acórdão recorrido, acompanhando a posição dos réus, afasta a possibilidade de o autor se ressarcir da perda patrimonial com base no enriquecimento sem causa visto que esta figura pressupõe que não haja outros meios de reacção e, no caso vertente, embora o autor procurasse obter a restituição da referida parcela com base no contrato-promessa outorgado, se tal não sucedeu foi por razão imputável ao próprio que não procedeu ao registo conforme o acordado no prazo de seis meses. Acresce que era risco do próprio contrato o de, com a perda da propriedade, não ter a ré de efectuar qualquer pagamento adicional.
63. Prescreve o artigo 474.º do Código Civil que “ não há lugar à restituição por enriquecimento sem causa, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
64. Não nega a lei, no caso, o direito à restituição da referida parcela, objecto de contrato-promessa.
65. Sucede, porém, que o autor, decorrido o prazo de seis meses, deixou de poder exigir à ré a restituição da fracção e, por isso, como já referimos, o abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil), que adviria do facto de a ré, decorrido esse prazo, se ter disponibilizado a outorgar a escritura de compra e venda, não deve ser reconhecido visto que os comportamentos subsequentes da ré devem ser vistos noutra perspectiva; a 2.ª ré ré estava efectivamente livre, decorrido esse prazo, para alienar o imóvel, como alienou, à 1ª ré que podia ser, de seguida, ela própria vendida a um terceiro investidor (47).
66. Essa outra perspectiva resulta da circunstância de a ré M... ter enriquecido o seu património sem causa - a parcela 974 não foi objecto de qualquer pagamento quando da escritura de compra e venda visto que iria ser restituída em conformidade com o contrato-promessa celebrado na mesma data - e, por conseguinte, a ré não deixava de ter interesse, precisamente para evitar o pedido de pagamento com base no enriquecimento, de restituir o imóvel.
67. Do contrato-promessa de compra e venda não resultava senão a obrigação de restituição do imóvel; por isso, negado o direito à restituição e obviamente à indemnização com base na cláusula penal, não podia o autor valer-se da acção de enriquecimento sem causa para obter a restituição do imóvel. Quanto ao pedido de restituição ocorre efectivamente o obstáculo ditado pela natureza subsidiária da acção de enriquecimento sem causa.
68. O autor o que pretende, porém, uma vez inviabilizada a restituição do imóvel seja por via do contrato-pormessa, seja por via da recusa assumida pela ré, é que lhe seja atribuída com base no enriquecimento sem causa a quantia correspondente ao mencionado terreno pela qual não houve qualquer pagamento porque nada foi acordado nesse sentido dada a pressuposição da sua restituição ulterior.
69. Quer isto dizer que o autor não pode intentar nenhuma outra acção contra a ré para obter esse pagamento visto que o contrato de compra e venda que foi celebrado é um contrato válido, não sendo invocável sequer a sua anulabilidade ou nulidade por este motivo. Ora em relação a esta pretensão não ocorre o obstáculo considerado no artigo 474.º do Código Civil.
70. O risco que do contrato adveio para o autor foi outro, e não pouca monta: ficar sem a totalidade da sua propriedade por não conseguir no prazo estipulado de seis meses o registo autónomo das parcelas que integravam o imóvel. Como já se disse (ver 59.) não resulta dos facto que as partes considerassem que desse incumprimento resultava ainda a perda do valor correspondente à parcela perdida, valor que não se afigura irrisório: ver 73.
71. Importa, portanto, saber qual o valor do empobrecimento do autor que há-de corresponder ao valor de venda de mercado da mencionada parcela, cumprindo salientar que o valor de 5.000€ constante da declaração do autor referida na alínea f) das declarações de garantia ao contrato de compra e venda ( ver fls. 43) que deu origem ao quesito 54.º - não provado - era um valor meramente simbólico, não lhe tendo sido atribuído relevância porque o terreno era para reverter para o autor (ver motivação das respostas aos quesitos a fls. 2123).
72. O autor atribuiu a esse terreno o montante de 914.986,77€ considerando o valor por m2 pelo qual foi transaccionado a parcela de 3.510m2, a única do imóvel do autor que efectivamente se quis vender.
73. No âmbito dos autos foram apresentados relatórios de avaliação desse terreno, um pela ré ( ver fls. 786) em que lhe é atribuído o valor de 47.000€ e outro pelo autor (ver fls. 2036/2041) em que lhe é atribuído o valor de 1.734.453,00€.
74. Estamos, como é evidente, diante de elementos probatórios que conjugados ou não com demais prova produzida podem relevar ou deixar de relevar em sede de matéria de facto.
75. Verifica-se que os quesitos formulados tendo em vista esta questão - qual o valor efectivo da dita parcela de terreno - foram os quesitos 54.º, 55.º, 56.º e 57.º não se tendo provado o 54.º e provando-se os quesitos 55.º, 56.º e 57.º conforme se verifica de 64, 65 e 67.
76. Não foi todavia formulado nenhum quesito tendo em vista saber se o valor de venda desse terreno é efectivamente o alegado de 914.968,77€ por lhe serem aplicáveis os critérios de valorização que resultaram para o cálculo do valor da parcela de 3.510m2 ou se tal valor é inferior por se impor na sua determinação critérios outros.
77. Importa, assim, atento o disposto no artigo 729.º/3 do C.P.C., ampliar a matéria de facto - uma vez definido pela presente decisão que houve enriquecimento sem causa da 2ª ré à custa do autor (artigo 730.º/1 do C.P.C.) - a fim de se determinar qual o valor de mercado da referida parcela com a inscrição matricial 974 e área de 9.413m2, aditando-se o seguinte quesito:
78. A parcela com a área de 9.413,10m2, à data em que foi alienada para a 2ª ré, tinha o valor de mercado de 914.968,77€ ?
Desconsideração da personalidade jurídica da 1ª ré
79. A desconsideração da personalidade jurídica poderia interessar se estivessem em causa , não o pedido de enriquecimento sem causa, mas a execução específica do contrato-promessa ou a restituição. Tal não sucede, como se viu. Seja como for, não está provado, e o ónus da prova competia ao autor (artigo 342.º do Código Civil), que as sociedades estivessem integradas no mesmo agrupamento sendo os mesmos os representantes de ambas quando a ré deixou em Outubro de 2003 de se disponibilizar para outorga da escritura de compra e venda.
Pedido com base no aumento do índice de edificabilidade
80. Quanto ao pretendido pedido de condenação da ré face a um índice de edificabilidade superior, certo é que o índice de edificabilidade que resultou provado foi o mencionado em 67 e 69. A recorrente considera que devia ter sido dado como provado índice de edificabilidade não inferior a 0,5. Está, porém, provado que o índice atribuído a essa parcela é inferior: facto 69 que não foi objecto de impugnação em sede de matéria de facto. Quanto à relevância do aludido documento que, por si, não afasta a resposta, vejam-se páginas 36/37 do acórdão a que correspondem fls. 2889/2890 dos autos.
Pedido reconvencional
81. Os poderes de cognição do S.T.J. em sede de facto estão limitados conforme decorre do disposto no artigo 722.º do C.P.C. Desse preceito decorre que a fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista “ salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”; ora isso não ocorre com o facto referenciado em 8 que remete para o teor das declarações de garantia ( questão sobre a qual houve reclamação a fls. 612, objecto de decisão a fls. 667 e de pronúncia no acórdão); não ocorre com o facto referenciado em 62 (resposta aos quesitos 50 e 51) visto que, sobre a questão atinente às áreas efectivas dos imóveis é admissível prova testemunhal e o Tribunal da Relação entendeu manter as respostas conforme resulta do acórdão.
82. Os recorrentes sustentam que da cláusula 13 das declarações de garantia não resulta que o autor tivesse assumido qualquer responsabilidade pela diferença de áreas.
83. Veja-se, porém, que, tal como se salientou no acórdão,
a tal argumentação cumpre salientar que quer da letra das Declarações de Garantia da escritura, mormente das declarações quanto às áreas dos prédios e da cláusula 12.º de B., alínea b), as áreas fizeram (também) parte da garantia de conformidade com as áreas reais, irrelevando qualquer reclamação possível dos proprietários confinantes, nenhuma questão existindo com o perímetro dos prédios, apenas com a sua área real.
Por outro lado, a tal interpretação e na busca de alcançar a vontade real das partes, não obstaria o carácter solene do negócio em causa a possibilidade de em sede interpretativa se lançar mão do contrato em causa, ao abrigo, aliás, do n.º 2 do art.º 238.º do CC.
E, daí a conclusão que elemento essencial da venda era a dimensão exacta dos prédios que, assim, se tratou de venda “ad mensuram” (art.º 887.º do CC).
84. Tenha-se ainda em atenção que na réplica o A. alegou que no desenrolar do processo negocial que antecedeu a área dos terrenos nunca esteve em causa (artigo 16.º da réplica) e alegou ainda que através das declarações complementares as rés só pretenderam acautelar que as estremas não seriam objecto de litígio com os vizinhos, nem o uso dos terrenos seria prejudicado por servidões ou exercício de direitos de preferência (artigo 18.º da réplica) e que só a partir de 17-12-2003 as rés concluíram que de todos os terrenos que compraram a todos os antigos proprietários resultava uma área total que, correspondendo aos terrenos que efectivamente quiseram comprar não era a necessária para a realização do empreendimento sendo muito superior ao imóvel do autor (artigos 24.º e 40.º da réplica) sendo que a essa data o conjunto dos terrenos comprados já estava materialmente unificado, com a destruição física dos marcos divisórios existentes e de outros sinais de delimitação dos prédios (artigo 41.º da réplica) o que forçou os réus a repercutirem o seu erro no único terreno (974) que tornaram disponível, indisponibilizando-se a revendê-la ao autor (artigo 49.º da réplica. Estes factos deram origem, respectivamente, aos quesitos 63.º, 64.º, 65.º, 66.º, 67.º, 68.º; desses quesitos não se provaram os 63.º, 64.º, 65.º, 66.º, respondendo-se ao quesito 67.º nos termos que constam do facto 71 e remetendo o Tribunal a resposta ao quesito 68.º para o que consta das respostas aos quesitos 2.º e 30.º (32 e 50). O recorrente pretende com base no documento junto a fls. 789. e segs. que respeita a contrato-promessa que precedeu a escritura de compra e venda dos imóveis dele resultar que as partes sabiam existir desconformidade em termos reais entre as áreas registais e reais, importando atentar no clausulado do contrato-promessa para se compreender o alcance do clausulado na escritura de compra e venda.
85. Do exposto logo se infere que afinal existe uma diferença entre as áreas declaradas nas escrituras e as áreas reais dos prédios como se consignou em 62 da matéria de facto. Do que se trata, portanto, é de saber se à luz do condicionalismo que precedeu a aludida escritura de compra e venda o alcance de facto da cláusula 12 iria no sentido, por ser essa a vontade e efectiva das partes, de excluir da responsabilização dos vendedores as declarações atinentes às áreas. Ora, quanto a este ponto, o autor não provou o que alegou conforme já se referiu e os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça não se estendem, como é jurisprudência corrente e firme, à interpretação das declarações ou cláusulas contratuais: cf. referindo apenas os arestos mais recentes, o Ac. do S.T.J. de 22-3-2007 (Pires da Rosa) (revista n.º 383/07), Ac. do S.T.J. de 18-9-2007 (Silva Salazar) (revista n.º 1968/07 -6ª secção), Ac. do S.T.J. de 11-10-2007(Ferreira de Sousa) (revista n.º 2511/07 -7ª secção), Ac. do S.T.J. de 24-1-2008 (João Bernardo) (revista n.º 3916/07 -2ª secção), Ac. do S.T.J. de 19-2-2008 (Nuno Cameira) (revista n.º 4529/07 -6ª secção), Ac. do S.T.-J. de 20-1-2009 (Fonseca Ramos) (revista n.º 3817/08 -6ª secção), Ac. do S.T.J. de 18-6-2009 (Oliveira Rocha),C.J.,2, pág. 122. Não pode, assim, proceder o recurso no que respeita ao pedido reconvencional.
86. Do exposto resulta que é negada a revista no que respeita ao pedido de condenação das rés quanto ao montante da cláusula penal constante do contrato-promessa; nega-se igualmente quanto ao pedido de condenação da quantia de 378.170,21€ considerada no ponto C das Declarações Complementares ao Contrato de Compra e Venda; nega-se a revista no que respeita ao pedido reconvencional, mantendo-se o acórdão que confirmou a decisão de 1ª instância que condenou solidariamente o A. e intervenientes a compensar a ré da quantia que vier a ser liquidada como correspondente à área de edificabilidade que lhe resultou antes da aprovação final do loteamento do complexo comercial “ F...C...” face à menor área real dos prédios adquiridos aos ditos, em função do supra exposto e valor médio de 273,00€ m2; nega-se também a revista no que respeita à condenação da 1ª Ré M...16.
87. Não se vê que haja qualquer obstáculo a que os créditos venham a ser objecto de compensação, a isso nao obstando a iliquidez do crédito da ré, mas esta é questão a tratar em momento ulterior.
Concluindo:
I- Há enriquecimento sem causa do comprador de um imóvel que apenas paga uma parte do seu valor, correspondente a uma parcela do mesmo, comprometendo-se a restituir a outra parcela de terreno por contrato-promessa onde se visava essa restituição e que veio a ficar sem efeito por não se ter verificado uma condição de eficácia a que as partes o subordinaram.
II- Com efeito, porque afinal a compra tinha em vista apenas uma das parcelas, única paga e única que interessava à imobiliária adquirir e que só não foi adquirida autonomamente por não estar completo o processo de desanexação e registo, um tal contrato-promessa tinha em vista que a efectiva vontade das partes quando da venda assumisse expressão jurídica coincidente.
III- Ficando sem efeito o contrato-promessa e não aceitando já o adquirente restituir a parcela de 9.413,10m2 que adquirira nos termos mencionados, dá-se um enriquecimento do adquirente e um empobrecimento do vendedor correspondente ao valor da referida parcela.
IV- O pedido de enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária (artigo 474.º do Código Civil) que, no caso, se verifica considerando que o autor não dispõe de nenhum outro meio para se ressarcir do valor correspondente a uma das parcelas alienadas com base em contrato de compra e venda insusceptível de ser invalidado por vício de forma ou de vontade ou outro.
Decisão:
Concede-se a revista no que respeita ao pedido de absolvição da 2ª Ré M...-Utilidades, Equipamentos e Investimentos Imobiliários Lda. reconhecendo-se que assiste à autora o direito a receber a quantia, com base no enriquecimento sem causa desta ré, correspondente ao valor, nos termos mencionados, do lote de terreno com a área de 9.413,10m2; quanto ao demais, nega-se a revista.
No entanto, porque não foi formulado quesito tendente a apurar esse valor, os autos devem prosseguir com o aditamento à base instrutória do facto relevante para esse efeito supra mencionado.
Os autos devem baixar ao Tribunal da Relação para conhecimento dos agravos interpostos que não apreciou (ver 13 e 16 supra) pois, face ao prosseguimento dos autos, pode vir a interessar o depoimento das referenciadas testemunhas.
Custas pela recorrente na parte em que decaiu totalmente e, quanto à parte em que os autos devem prosseguir, serão elas suportadas pela parte a final vencida.
Lisboa, 16 de Dezembro de 2010
Salazar Casanova (Relator) *
Azevedo Ramos
Silva Salazar
______________________________
* Sumário elaborado pelo relator