PROVA TESTEMUNHAL
APRECIAÇÃO DA PROVA
ACÇÃO EXECUTIVA
FALÊNCIA
PENHORA
APREENSÃO
DIREITO REAL DE GARANTIA
VENDA EXECUTIVA
CADUCIDADE
CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO
CONTRATO - PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CLÁUSULA ACESSÓRIA
Sumário

I - A apreciação crítica de um depoimento testemunhal que se julgou insuficiente para afirmar a matéria de facto, que a parte pretende que esse depoimento provaria, situa-se no plano da matéria de facto que o STJ não pode sindicar.
II - Segundo o art. 824.º do CC, no processo de execução, vendidos os bens penhorados, ficam imediatamente extintas as penhoras que sobre eles incidam, transmitindo-se os direitos que lhe são inerentes – no caso, a preferência no pagamento –, para o produto da venda, o que ocorre automaticamente, sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido – a penhora traduz-se num direito real de garantia cuja caducidade a lei determina por efeito da venda.
III - Decorre do disposto nos arts. 175.º e 200.º, n.º 3, do CPEREF (DL n.º 132/93, de 23-04, na redacção do DL n.º 315/98, de 20-10) que, após a sentença declaratória da falência, procede-se imediatamente à apreensão de todos os bens susceptíveis de penhora, sendo certo que na graduação de créditos a efectuar no processo de falência não é atendida a preferência resultante da penhora. Tal significa que a apreensão efectuada, no processo de falência, absorve logo as penhoras anteriores que incidam sobre os bens apreendidos, deixando estas de produzir os seus efeitos típicos.
IV - Resulta do art. 888.º do CPC (entretanto revogado pelo DL n.º 116/2008, de 04-07) que os direitos de garantia que oneram os bens caducam logo com a venda executiva, por força do n.º 2 do art. 824.º do CC, no sentido de que se transferem para o produto da venda; mas o subsequente cancelamento dos registos carece de despacho judicial a proferir oficiosamente, servindo a certidão de tal despacho de fundamento para o cancelamento dos registos (e, se não for proferido despacho a ordenar o cancelamento, qualquer interessado poderá requerer a prolação desse despacho).
V - O art. 888.º do CPC limita-se a adjectivar o n.º 2 do art. 824.º do CC: a razão de ser do despacho a que se refere o art. 888.º do CPC encontra-se no princípio da legalidade e no princípio da instância registral, mas não tem a ver com a subsistência dos ónus após a venda e antes do cancelamento, até porque este ocorre exactamente porque os ónus se extinguiram prévia e substantivamente, nunca acompanhando os bens vendidos.
VI - Apesar de estar convencionado, num contrato-promessa, que competia à autora avisar a ré, por carta, da data, hora e local da escritura, nada impedia que ela fosse marcada, dentro do prazo estabelecido, por acordo verbal das partes. Tal alteração representa uma estipulação verbal posterior ao contrato-promessa, uma mera cláusula acessória – e não cláusula contrária ou adicional –, em relação à qual não se impõem as razões especiais de segurança jurídica que determinam a exigência de forma escrita para o contrato-promessa relativo a imóveis, e, por conseguinte, é perfeitamente válida como resulta do disposto no art. 221.º, n.º 2, do CC.

Texto Integral


Relatório

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Nas Varas Cíveis do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa,
AA-D... – Compra, Venda e Administração de Imóveis S.A.,
intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra
BB-A... – PROMOÇÕES IMOBILIÁRIAS S.A.,
pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 250.000€ a título de indemnização (cláusula penal acordada para a hipótese de não haver sinal passado), por esta se ter injustificadamente recusado a celebrar consigo o contrato de compra e venda de 2 imóveis (identificados nos autos), conforme se obrigara mediante prévio contrato-promessa.
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Alegou em fundamento e resumidamente que:
- em 09 de Janeiro de 2004, CC licitou e adquiriu, no processo de falência do Hospital Clínico das A..., dois imóveis, tendo depois, por contrato de 26 de Junho de 2006, cedido à Autora a respectiva posição contratual na dita adjudicação;
- por contrato de 08 de Maio de 2007, a Autora prometeu vender à Ré, e esta prometeu comprar-lhe, livres de quaisquer ónus ou encargos e devolutos de pessoas e bens, os ditos dois imóveis, pelo preço de € 3.200.000,00, sendo o sinal a prestar de € 1.000.000,00; e, caso esse sinal não fosse prestado, e algumas das partes viesse a incumprir as respectivas obrigações, o valor da indemnização devida à outra parte seria de € 250.000,00:
- a Autora, tendo acordado com a Ré que a escritura de compra e venda devida entre ambas seria celebrada na mesma data e em hora imediatamente anterior à que lhe cabia celebrar com a Sr.ª Liquidatária Judicial da falência do Hospital Clínico das A..., Lda, viria a marcá-la para o dia 26 de Julho de 2007, pelas 12.00 horas;
- contudo, no dia 23 de Julho de 2007, a Ré comunicar-lhe-ia que não iria outorgar a escritura de compra e venda, sob alegação de que, necessitando de recorrer a um empréstimo bancário para o efeito, o mesmo era-lhe recusado perante a permanência do registo de ónus e encargos sobre os prédios prometidos vender, contrapondo ainda uma redução do preço para € 2.500.000,00;
- mercê do exposto, a Autora deu sem efeito a marcação da escritura e prosseguiu negociações com a Ré, com vista a evitar o rompimento do contrato, tendo-se aquela proposto pagar o preço de € 2.700.000,00, o que não aceitou, por entender que, por mera força da prévia aquisição que fizesse à Massa da Falência, os ónus e encargos caducariam automaticamente;
- mantendo-se as partes intransigentes nas suas posições, a Autora viria a resolver o contrato por carta remetida à Ré em 24 de Setembro de 2007, tendo por isso direito à indemnização de € 250.000,00 pré-fixada na Cláusula 9a, n° 3 do contrato em causa.
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A Ré contestou, por excepção e por impugnação, e deduziu pedido reconvencional, impetrando a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00 a título de indemnização pelo incumprimento do contrato celebrado entre ambas, quantia aquela acrescida de juros de mora, calculados à taxa aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, contados desde a notificação à Autora do seu pedido reconvencional e até integral pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese:
- que só não pagou o sinal acordado de € 1.000.000,00 porque a Autora não conseguiu obter a garantia bancária prevista na Cláusula 5ª e no Anexo V do contrato-promessa celebrado, tendo-se apercebido depois que a mesma não dispunha dos € 1.800.000,00 de que necessitava para previamente os adquirir, pretendendo financiar-se junto de si (assim se explicando que as duas escrituras de compra e venda tivessem que ser celebradas na mesma data, em actos imediatamente subsequentes);
- que, não implicando a prévia aquisição a realizar pela Autora a automática inexistência de ónus ou encargos, como a mesma passara a sustentar, esteve na disposição de manter o acordado, mediante redução do preço (primeiro para € 2.500.000,00, e depois para 2.700.000,00), o que aquela não aceitou;
- que, por carta de 17 de Setembro de 2007, interpelou a Autora a marcar a escritura de compra e venda até 04 de Outubro de 2007, sob pena de perda de interesse na aquisição dos imóveis, só então recebendo a carta daquela, de 24 de Setembro de 2007, imputando-lhe o incumprimento do contrato e resolvendo o mesmo;
- que a Autora viria, porém, no dia imediatamente a seguir, 25 de Setembro de 2007, a comprar os dois imóveis à Massa Falida e, em acto imediatamente subsequente, vendê-los a terceiros, pelo preço global de € 2.400.000,00, com registo de ónus e encargos, que se mantinha em 21 de Dezembro de 2007.
Já em sede de fundamentação do pedido reconvencional, a Ré, alegando que cabia à Autora proceder à marcação da escritura de compra e venda devida entre ambas, e nunca o tendo feito, vendendo inclusivamente a terceiros os imóveis que lhe tinha prometido alienar, defendeu ter a mesma incumprido o contrato subscrito, pedindo por isso a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00, a título de indemnização.
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A Autora replicou, pedindo que se julgasse a reconvenção improcedente, por não provada, e a exigência formalizada no pedido reconvencional como consubstanciando um abuso de direito, ou como não sendo devida, por a Ré não ter tido qualquer prejuízo com o incumprimento contratual que lhe imputou
Alegou para o efeito e em síntese:
- ter a Ré aceite fazer a escritura de compra e venda dos dois imóveis com os ónus que impendiam sobre eles ainda registados, porque sabia que iriam caducar quando fossem previamente adquiridos por si à Massa Falida, sendo que só com o envio, em 17 de Julho de 2007, da documentação necessária à marcação das escrituras, a Ré se apercebeu que, a aqui Autora, iria ter um proveito no negócio de € 1.400.000,00 (já que compraria à Massa Falida por € 1.800.000,00, e lhe venderia por € 3.200.000,00);
- só então a Ré passou a obstacular a realização da escritura, agendada para 26 de Julho de 2007, admitindo celebrá-la mas apenas pelo preço de € 2.500.000,00 (pretendendo dividir em seu proveito o lucro do negócio que naquela altura conhecera), tendo consciência de que lhe seria difícil à A, pelo menos a curto prazo, obter um financiamento para pagar o preço à Massa Falida;
- que o contrato prometido só não foi concretizado porque a Ré, após ter acordado que as duas escrituras de compra e venda (pela Autora à Massa Falida, e pela Ré à Autora) se realizassem em simultâneo, levando a que ela própria não se financiasse para aquele efeito, se recusou depois a cumprir o acordado, pretextando que os ónus que impediam sobre os prédios não tinham sido previamente cancelados, sendo que os conhecia antes e que sabia que caducariam automaticamente com a primeira venda.
Defendeu, por isso, a Autora estar a Ré a actuar (ao exigir a indemnização prevista na Cláusula 9ª, n° 3 do contrato em causa) em abuso de direito, prevalecendo-se de uma situação criada por si artificiosamente, sendo que também não teria feito qualquer investimento, pelo que não teria tido qualquer prejuízo.
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A Ré treplicou, pedindo que se julgasse improcedente a defesa por excepção deduzida pela Autora ao seu pedido reconvencional, reiterando o mesmo.
Alegou para o efeito, de novo em síntese, não serem verdadeiros os factos invocados na réplica, para caracterizarem o seu alegado abuso de direito (nomeadamente, o ter tido conhecimento antecipado de que iria celebrar a sua escritura de compra e venda sem que o registo de ónus e encargos que impendia sobre os imóveis se mostrasse cancelado, e tê-lo aceite).
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Findos os articulados, o processo foi saneado, organizou-se a base instrutória e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 13/5/2009) que julgou a acção totalmente improcedente, e o pedido reconvencional, deduzido pela Ré contra a Autora, totalmente procedente, e, em consequência, decidiu:
A) Absolver a Ré do pedido formulado contra si pela Autora;
B) Condenar a Autora a pagar à Ré a quantia
- de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros, e zero cêntimos), a título de indemnização contratual devida por incumprimento do contrato-promessa de compra e venda de imóveis celebrado entre ambas;
- correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, apurados sobre a quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros, e zero cêntimos) referida no ponto anterior, calculados às sucessivas taxas aplicáveis aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, de 11,2% ao ano, no período que vai de 1 de Janeiro de 2008 até 30 de Junho de 2008, de 11,07% ao ano, no período que vai de 1 de Julho de 2008 até 31 de Dezembro de 2008, e de 09,50% ao ano, no período que vai de 1 de Janeiro de 2009 até 30 de Junho de 2009, sem prejuízo das suas posteriores alterações semestrais, contados desde 06 de Fevereiro de 2008 até integral pagamento.
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Inconformada recorreu a A., de facto e de direito, mas sem êxito, visto que a Relação manteve inalterada a matéria de facto impugnada, julgando improcedente a apelação, também quanto ao direito, confirmando integralmente a sentença recorrida.
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É deste acórdão que, novamente inconformada, volta a recorrer a A., agora de revista e para este S.T.J..
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Conclusões
Apresentadas tempestivas alegações formulou a recorrente as seguintes conclusões:
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Conclusões da Revista
1.° - O douto acórdão recorrido decidiu não alterar a resposta dada ao artigo 36 da b.i. sob a consideração de que a prova produzida o foi a título de contra prova e não emanou da parte a quem competia o ónus da prova.
2.° - Porém, no nosso sistema jurídico, vigora o princípio da aquisição processual, firmado no artigo 515.° do Código de Processo Civil, segundo o qual todas as provas produzidas em juízo devem poder servir a decisão do mérito da causa.
3.° - Não visando o presente recurso a reapreciação da prova produzida, é, porém, permitido requerer ao STJ que verifique se a Relação aplicou, ou não, nessa reapreciação, as normas legais que a regem.
4.° - Ao deixar de alterar a resposta ao artigo em causa alegando que a prova produzida emanou da contra parte a quem não cabia o ónus da prova, violou o douto Acórdão recorrido o artigo 515.° e 712.°, do CPCivil.
Por outro lado:
5.°- A venda dos prédios pela massa falida à Recorrente foi previamente autorizada pelo Senhor Juiz titular do processo de falência.
6.° - Com a venda dos prédios pela Massa Falida, por força do n°.2 do art°. 824°. do C.Civil, caducavam as penhoras que oneravam os prédios vendidos, norma que se acha violada pelo douto Acórdão recorrido.
7.° - Não existiam outros ónus relativamente aos prédios prometidos vender além dos que constavam registados nas respectivas certidões.
8.° - Não consta do contrato promessa a obrigatoriedade de as penhoras estarem canceladas na Conservatória.
9.° - Após a celebração da Escritura de Compra e Venda dos prédios da Massa Falida à Recorrente encontrava-se cumprida a obrigação acordada com a Recorrida de vender os prédios livres de ónus ou encargos.
10.° - A recusa da Recorrida em celebrar a escritura de compra e venda é ilegítima.
11.° - A Recorrida só se recusou a celebrar a Escritura de Compra e Venda a partir de 17 de Julho de 2007, data em que tomou conhecimento dos lucros que a Recorrente iria ter com o negócio e pretendeu beneficiar deles.
12.° - A Recorrida sabendo que a Recorrente não providenciou pela obtenção de meios financeiros para pagar o preço dos prédios à Massa Falida, passou a fazer exigências e a criar dificuldades à realização do negócio.
13.° - Com tal procedimento pretendia a Recorrida, na óptica da Recorrente, que a Recorrente reduzisse o preço acordado.
14.° - A Recorrida propôs-se realizar o contrato, sem que os ónus fossem cancelados por € 2.500.000,00 (Dois milhões e quinhentos mil Euros) e mais tarde por € 2.700.000,00 (Dois milhões e setecentos mil Euros) [v.d. pontos n.°s 36, 40 e 41 da matéria de facto].
15.° - As dificuldades criadas à Recorrente pela Recorrida destinavam-se a que esta reduzisse o preço dos prédios.
16.°- Tendo a Recorrente provado que a Recorrida aceitou celebrar a escritura com o registo dos ónus [ainda que de forma condicionada à redução do preço], competia à Recorrida alegar e provar factos de onde se pudesse concluir que a mesma se viu "forçada" a recusar tal outorga, por motivos que não lhe sejam imputáveis, e, assim, de concretizar a compra e venda de tal forma.
17.° - A conclusão da existência de recusa legítima na outorga da prometida escritura só poderá, no caso concreto e atendendo à aceitação pela Recorrida em celebrar a escritura com o registo dos ónus, decorrer da análise de factos que claramente revelem que a Recorrida se viu impedida (sem culpa) de outorgar a dita escritura por factos alheios à sua vontade, conclusão que não se extrai da matéria de facto julgada provada.
18.° - De outra forma, outras soluções, igualmente plausíveis, se afiguram ao Tribunal para justificar a recusa da Recorrida, e, designadamente, a hipótese não cabalmente demonstrada [mas não afastada pela factualidade julgada provada] de que a Recorrida, uma vez consciente da mais valia decorrente do negócio para a Recorrente, se terá querido prevalecer das dificuldades da Recorrente em obter financiamento e, assim, em obter cancelamento prévio dos ónus, para alcançar um ilegítimo desconto n preço acordado.
19.° - Ou seja, provado que a Recorrida aceitou celebrar a escritura com do registo dos ónus mediante uma redução do preço, cumpria à Recorrida / demonstrar que agiu sem culpa ao efectuar a recusa da outorga com o registo dos ónus, uma vez que a culpa pelo não cumprimento se presume (art.° 799.° do Código Civil).
20.° - Ao julgar em sentido contrário violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 762.° e 799.° do Código Civil.
Sem conceder:
21.° - O Tribunal pode reduzir equitativamente o valor da cláusula penal acordado pelas partes.
22.° - À Recorrida, seja qual for a sorte do presente pleito, cabe em elevado grau a culpa de não ter sido celebrado o contrato prometido.
23.° - Assim, e conforme dispõe o n.° 2 do artigo 812°., do C.Civil, o douto Acórdão recorrido devia sempre ter reduzido o valor da cláusula penal para um valor não superior a 75.000,00.
24.° - Ao julgar em sentido contrário violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 762.°, 812.° e 824.° do Código Civil.
Mas;
25.° - O contrato prometido não se realizou por culpa da Recorrida.
26.° - Com efeito, foi acordado realizar a escritura de compra e venda no dia 26 de Julho de 2007.
27.° - A Recorrida tinha perfeito e total conhecimento da situação jurídica do prédio e que a escritura de compra e venda se realizaria em simultâneo com a escritura de compra pela Recorrente à Massa Falida.
28.° - Dispondo-se a Recorrida até a emitir um cheque de € l.800.000,00 (Um milhão e oitocentos mil Euros) para a Recorrente pagar o preço dos prédios à Massa Falida.
29.° - Assim, e ao recusar-se fazer a escritura, violou o acordo feito com a Recorrente.
30.° - O douto Acórdão recorrido fez errada interpretação dos artigos 762.° e 810.° do C. Civil.



Em face do exposto, deve ser revogado o douto Acórdão sob recurso, julgando-se a Acção procedente e improcedente a Reconvenção.
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Nas suas contra-alegações defende a recorrida a confirmação do acórdão sob censura.
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Os Factos
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Foi a seguinte a matéria de facto fixada pela Relação:
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Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:
1 - No Processo n.° 14/2001, que corre termos no 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, por falência do Hospital Clínico das A..., Limitada, foram apreendidos os seguintes prédios (conforme certidão da 9a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, que é fls. 16 a 22 dos autos):
- prédio urbano sito na Rua P... S... da C..., n.°s ..., ...-A e ...-B, em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha n.° ..., da freguesia de S...I... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campolide sob o artigo ...°;
- prédio urbano sito na Rua A... do C..., n.°s ... e ..., em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha ..., da freguesia de S...I... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campolide sob o artigo ...°.
2 - Em leilão realizado no dia 9 de Janeiro de 2004, os imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1 (a alínea A) da Matéria de Facto Assente), foram adjudicados a CC, residente na E... N... .../..., P... de R... de M.... 3 - BBB-A L..., Limitada, enviou a DD, esta na qualidade de Liquidatária Judicial, que a recebeu, cuja cópia é fls. 23 dos autos, datada de 9 de Janeiro de 2004, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:
«(...)
- Falência de Hospital Clínico das ... Ldª.
Exmª. Senhora Doutora:
Com os nossos melhores cumprimentos vimos pela presente dar conhecimento a V. Exª. do resultado do leilão ao qual V. Exaª. esteve presente bem como cerca de 50 pessoas no qual prometemos vender os imóveis pelo valor de 1.800.000,00 € ao Sr. CC, Habilitante em substituição do anterior credor, Dr. EE (junta fotocópia de habilitação).
Não foi recebido qualquer sinal como principio de pagamento, visto o promitente comprador, na qualidade de credor alegar ir pedir a dispensa do depósito do preço da venda dos imóveis.
Juntamos anúncios publicados Mailling e lista de credores avisados.
Sem outro assunto de momento, somos, com a mais elevada consideração.
(...)»
4 - CC cedeu a AA-D... - Compra, Venda e Administração de Imóveis, S.A., aqui Autora, a posição contratual que lhe adveio da adjudicação no leilão referido no facto enunciado sob o número 2 (artigo anterior), conforme documento que é fls. 24 a 27 dos autos um documento, epigrafado «CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITOS», datado de 26 de Junho de 2006, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê que CC, identificado como «Primeiro Contratante» e AA-D... - Compra, Venda e Administração de Imóveis, S.A., representada por FF, identificada como «Segundo Contratante», acordaram nos seguintes termos:
Entre os ora Contratantes é celebrado um Contrato de Cessão de Créditos que se rege pelos Considerandos e Cláusulas seguintes:
- O Primeiro Contratante é titular dos seguintes créditos no processo de falência n.° .../... do 1º Juízo do tribunal do comércio de Lisboa:
a) - €: 3.291.549,70 (Três milhões duzentos e noventa e um mil quinhentos e quarenta e nove euros e setenta cêntimos), já reconhecido; e
b) -€: 253.345,73 (Duzentos e cinquenta e três mil trezentos e quarenta e cinco euros e setenta e três cêntimos), oportunamente reclamado, créditos cedidos pelo Sr. Dr. EE, relativo a créditos ordinários do primeiro credor sobre a falida.
2-
a) -€. 34.105,91, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, D.ª GG, emergente do contrato de trabalho celebrado entre a credora e a falida.
b) -€: 35,723,00, já reconhecido e que lhe foi cedida pela trabalhadora / credora, D." HH, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
c) -€: 37.777,54, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, D." II, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
d) -€: 21.965,22, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, Sr.ª Dr.ª JJ.
e) -€: 20,964,40, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora D.ª LL, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
f) -€: 35.826,51, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora D.ª MM, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
g) -€: 41.667,50, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora D.ª NN, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
h) -€: 32.462,25, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credor Sr. OO, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
i) -€: 8.682,76, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credor Sr. PP, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
j) -€: 32.268,87, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credor, Sr. QQ, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
I) -€: 40.142,94, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credor, Sr. RR, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
3-
a) - €: 17.496,35, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora D.ª SS, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e a falida.
b) - €: 21.290,23, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, TT, emergente do contrato de trabalho celebrado entre credora e\ afalida.
I - €: 37.684,14, já reconhecido e que lhe foi cedido pela trabalhadora / credora, D.ª. UU, emergente do contrato de trabalho celebrado entre a credora e a falida.
Acordam os ora Contratantes:

O 1º Contratante cede ao 2° Contratante o crédito acima identificado, e reconhecido no processo de falência da Sociedade por quotas denominada "Hospital Clínico das A..., Lda.", com sede na Rua P... S... C..., n.° ... - LISBOA, NIF n.° ..., declarada falida por sentença já transitada no processo n.° 14/2001 que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal do comércio de Lisboa.
2º.
O preço da cessão é de € 710.049,75 (Setecentos e dez mil quarenta e nove Euros e setenta e cinco cêntimos) e será paga logo que a representada da 2ª Contratante seja julgada habilitada como titular dos créditos ora cedidos e da transmissão de Proponente de aquisição de imóveis à massa falida, posição contratual que lhe foi transmitida por contrato de transmissão de posição contratual nesta data celebrado entre os Contratantes.
5- A Autora possui um Administrador único, função exercida por CC no triénio de 2004 / 2006, não se mostrando registado até 21 de Dezembro de 2007 a sua substituição em tal cargo (conforme certidão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, que é fls. 75 a 77 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
6- A Autora propunha-se adquirir por escritura pública, por € 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros, e zero cêntimos) os prédios referidos no facto enunciado sob o número 1 (alínea A) da Matéria de Facto Assente) (conforme certidão judicial do 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, cuja cópia é fls. 78 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
7 - BB-A... - Promoção Imobiliária, S.A., aqui Ré, representada pelos seus Administradores, VV e XX, designada como «Primeira Outorgante», acordou com a Autora, representada pelo seu Administrador, CC, designada como «Segunda Outorgante», nos termos do documento epigrafado «CONTRATO PROMESSA de COMPRA E VENDA», datado de 7 de Maio de 2007, que é fls. 28 a 34 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(...)
Considerando que:
(A)
Declara, pessoalmente, o signatário da AA-D... ter licitado e ter-lhe sido adjudicada, em leilão realizado, no dia 09 de Janeiro de 2004, no âmbito do Processo de Falência n.° 14/2001 do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, em que é requerido o "Hospital Clínico das A...", a propriedade dos seguintes prédios urbanos (doravante, os "Imóveis"):
1- Prédio urbano sito na Rua P... S... da C..., n. °s ... a ...-B, freguesia de S... I..., em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ..., da dita freguesia e inscrito na matriz urbana da freguesia de S... I... sob o Artigo ...;
2 - Prédio urbano sito na Rua do A...do C..., n.°s ... e ..., freguesia de S... I..., em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° ..., da dita freguesia e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S... I... sob o Artigo ... .
(B)
Depois de rubricadas pelas PARTES, são juntas ao presente Contrato como seus Anexos I e II, dele passando afazer parte integrante, as Certidões de Registo Predial dos Imóveis, bem como, como Anexos III e IV, as respectivas Cadernetas Prediais urbanas;
(C)
Declaram a AA-D... e o seu signatário, pessoalmente, ter este cedido àquela o seu direito à propriedade dos Imóveis, sendo ela a única e actual titular do mesmo;
(D)
Declara a AA-D... que não conhece qualquer obstáculo ou impedimento à transmissão dos direitos de propriedade sobre os Imóveis;
(E)
Declara a AA-D... que os Imóveis foram adjudicados livres de quaisquer ónus ou encargos e devolutos de pessoas e bens;
(F)
A realização da Escritura Pública de transmissão para a AA-D... do direito de, propriedade do Imóveis encontra-se, apenas e ainda, a aguardar o despacho e a emissão da respectiva certidão de adjudicação da propriedade e que autoriza o Gestor da Falência a outorgar a mesma;
(G)
Estima a AA-D... que a Escritura Pública atrás referida, possa vir a ser outorgada no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias contados da presente acta;
(H)
Pretendem as PARTES transaccionar entre si os Imóveis logo que a propriedade dos mesmos seja transmitida para a AA-D... .
Foi livremente e de boa fé, dentro dos pressupostos acima enunciados, convencionado e reduzido a escrito entre as PARTES o presente Contrato de Promessa de Compra e Venda, o qual se fica a reger pelas seguintes CLÁUSULAS:
PRIMEIRA
(Objecto)
1. Pelo presente Contrato e nos seus precisos termos, a AA-D... promete vender à BB-A... e esta, por sua vez, promete comprar os Imóveis, livres de quaisquer ónus ou encargos e devolutos de pessoas e bens.
2. As presentes Promessas de Compra e Venda dos Imóveis são efectuadas deforma una e indissociável sobre o conjunto dos dois prédios objecto deste Contrato.
SEGUNDA
(Preço)
1. O Preço global da Compra e Venda dos Imóveis é fixado pelas PARTES em 3.200.000,00 € (três milhões e duzentos mil euros), sem prejuízo do disposto no número 2 da Cláusula seguinte.
2. Para efeitos contabilísticos e de realização da Escritura Pública de Compra e Venda prometida de cada um dos Imóveis, é atribuído ao prédio na Rua P... S... da C... o valor de 2.880.000,00 € (dois milhões oitocentos e oitenta mil euros) e ao prédio da Rua do A... do C..., o valor de 320.000,00 € (trezentos e vinte mil euros).
TERCEIRA
(Pagamento do Preço)
1. O preço será pago pela BB-A... da seguinte forma:
a)-a titulo de Sinal e principio de pagamento do Preço, a quantia de 1.000.000,00 € (um milhão de euros;
b) - o remanescente do Preço, ou seja, 2.200.000,00 € (dois milhões e duzentos mil euros), será pago na data e com a realização da Escritura Pública de Compra e Venda prometida dos Imóveis.
2. Caso o Sinal não seja prestado pela BB-A... nos termos atrás referidos, o Preço da Compra e Venda prometida será acrescido de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), a título de compensação financeira à AA-D....
QUARTA
(Sinal)
1. O Sinal estabelecido na Cláusula anterior será entregue pela BB-A... no prazo máximo de 30 (trinta) dias contados da presente data.
2. A BB-A... avisará a AA-D... por escrito e com, pelo menos, 5 (cinco) dias de antecedência de qual o dia que pretende prestar o Sinal.
3. É devida e expressamente convencionado entre as PARTES que a entrega do Sinal pela BB-A... fica condicionada à entrega simultânea pela AA-D... da Garantia Bancária prevista na Cláusula seguinte.
QUINTA
(Garantia Bancária)
1. A AA-D..., em garantia do seu bom e integral cumprimento do presente Contrato, entregará à BB-A... uma Garantia Bancária, no valor de 1.000.000,00 € (um milhão de euros), emitida nos termos da Minuta que, depois de rubricada pelas PARTES, vai ficar junta ao presente Contrato como seu Anexo V, dele passando afazer parte integrante.
2. É expressamente convencionado entre as PARTES que a entrega da Garantia Bancária pela AA-D... foca condicionada à entrega simultânea pela BB-A... do sinal previsto nas Cláusulas anteriores.
3. A BB-A... poderá accionar a dita Garantia logo que a AA-D... se constitua em mora relativamente a qualquer obrigação por si assumida nos termos do presente Contrato, nomeadamente, a obrigação de entrega por esta àquela de qualquer quantia, a qualquer título.
SEXTA
(Direitos de Preferência legais)
1. A Escritura Pública de Compra e Venda prometida será realizada no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, mas não antes de decorridos 60 (sessenta) dias da presente data.
2. A marcação da Escritura Pública ficará a cargo da AA-D..., a qual deverá avisar, por escrito e com a antecedência mínima de 8 (oito) dias, a BB-A... do dia, hora e Cartório Notarial de realização da mesma, sendo este, preferencialmente mas não obrigatoriamente, o Cartório Notarial do Dr. C... A..., sito na Avenida D... de C..., n.°...-..., em Lisboa.
3. A BB-A... fará a entrega no Cartório, até 3 (três) dias antes da data prevista para a realização da Escritura, todos os elementos e documentos que, da sua parte, se mostrem necessários à elaboração e outorga da Escritura.
(...)
NONA
(Cláusula Penal e Execução Específica)
1. Em caso de incumprimento do presente Contrato pela BB-A..., a AA-D... fará seu, a título de indemnização, o Sinal prestado.
2. Em caso de incumprimento do presente Contrato pela AA-D..., fica esta obrigada a devolver à BB-A..., fica convencionado entre as PARTES que o valor da indemnização a pagar pela PARTE infractora à outra PARTE será 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros).
3. Não tendo sido prestado Sinal pela BB-A..., fica convencionado entre as PARTES que o valor da indemnização a pagar pela PARTE infractora à outra PARTE será de 250.000,00 € (duzentos e cinquenta mil euros).
4. Em alternativa ao recebimento da indemnização, poderá a PARTE cumpridora optar pela Execução Específica do presente Contrato, a qual ambas as PARTES expressa e mutuamente se concedem.
DÉCIMA
(Comunicações)
1. Quaisquer comunicações ou notificações escritas a realizar entre as PARTES serão consideradas válidas e eficazes desde que remetidas por carta registada com aviso de recepção para as moradas constantes do intróito do presente Contrato, salvo se, entretanto, a PARTE destinatária tiver anteriormente e também por escrito indicado diferente morada.
2. Em alternativa à carta referida no número anterior, a PARTE remetente poderá optar pelo envio de fax para os seguintes números, excepto se anteriormente e por escrito tiver sido indicado número diferente:
«(...)
a) -para a BB-A...: n. ° ...
b) -para a A-D... : n.°... (a/c Sr. Dr. ZZ)
3. Em caso de devolução de carta registada por a mesma não ter sido recebida ou levantada pelo destinatário na morada indicada para o efeito, os prazos previstos no presente contrato começarão a contar a partir da data do envio da carta devolvida.
(...)»
8 - A Ré não prestou o sinal referido no acordo reproduzido no facto enunciado sob o número 7.
9 - A Ré só não pagou o sinal de € 1.000.000,00 (um milhão de euros, e zero cêntimos) à Autora, porque esta não conseguiu obter a garantia bancária prevista na cláusula 5ª, e no Anexo V, do acordo reproduzido no facto enunciado sob o número 7.
10- A Ré tinha perfeito conhecimento de que os imóveis referidos no facto enunciado sob o número l estavam onerados no processo de falência e o tipo de ónus, por tal lhe ter sido transmitido aquando da realização do acordo reproduzido no facto enunciado sob o número 7.
11 - Era do conhecimento da Ré que a Autora diligenciou por fazer a escritura com a rapidez possível, encurtando, tanto quanto lhe foi possível, o prazo previsto no acordo reproduzido no facto enunciado sob o número 7.
12- Com o decorrer do tempo, a Ré foi-se apercebendo que a Autora não dispunha do valor necessário à aquisição dos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1.
13 - A Autora e a Ré ponderaram realizar a escritura de venda dos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1, a favor da Ré, em 26 de Julho de 2007.
14- Foi acordado entre a Autora e a Ré que a escritura de compra e venda pertinente aos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1 seria realizada no dia 26 de Julho de 2007, pelas 12.00 horas, no Cartório Notarial de C... A..., sito na Avenida D... de C..., n.° ... -..., em Lisboa.
15- Na mesma ocasião referida no facto enunciado sob o número 14, foi acordado entre Autora e Ré que se realizaria na mesma data, hora e local, as escrituras de compra e venda da Massa Falida com a Autora, e desta com a Ré (em referência aos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1).
16- Foi mercê do referido no facto enunciado sob o número 12, que a Autora pretendeu que a escritura pertinente aos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1, a ocorrer por € 3.200.000,00 (três milhões e duzentos mil euros, e zero cêntimos), ocorresse na mesma data, num acto imediatamente subsequente, à compra a efectuar por ela própria, para, assim, se poder financiar junto da Ré.
17- A Ré trabalha habitualmente com o Cartório Notarial de C... A..., tendo aí arquivada toda a documentação relativa a si própria.
18- Mercê do referido nos factos enunciados sob os números 14 e 15, a Autora obteve toda a documentação necessária à outorga da escritura, nomeadamente:
- declarações de renúncia à preferência por parte do IPPAR e da Câmara Municipal de Lisboa;
- certidão extraída do processo n.° 14/2001 que corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa;
- certidão da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, relativa aos prédios prometidos vender;
- cadernetas prediais;
- certidão da Conservatória do Registo Comercial, pertinente à Autora.
19 - Os documentos referidos no facto enunciado sob o número 18, foram obtidos directamente pela Autora, através do Ilustre Mandatário da Autora, Sr. Dr. ZZ, por intermédio da funcionária da empresa BBB-A L..., Limitada, AAA, e por intermédio de FF.
20 -Obtida a documentação referida no facto enunciado sob o número 18, a mesma foi transmitida para análise da Ré.
21 - A Ré, ao receber a certidão extraída do Processo n.° 14/01, do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, teve conhecimento do preço pelo qual a Autora iria adquirir os prédios à Massa Falida do Hospital Clínico das A... .
22- Tendo sido remetida, pela Autora à Ré, toda a documentação necessária, verificado que a mesma estava toda reunida, e que se podiam realizar as escrituras, foi acordado entre a Autora, a Ré e a Administradora da Massa Falida, DD, que as Escrituras seriam realizadas em 26 de Julho de 2007, pelas 12.00 horas no Cartório Notarial de C... A..., em Lisboa (isto é, imediatamente antes da escritura de compra e venda coma Ré, ambas no dia 26 de Julho de 2007, pelas 12.00 horas).
23- A escritura de compra e venda prevista no documento reproduzido no facto enunciado sob o número 7 foi agendada para o dia 26 de Julho de 2007, pelas 12.00 horas, no Cartório Notarial de C... A..., sito na Avenida D... de C..., n.° ... -..., em Lisboa, por acordo entre a Autora e a Ré, com a colaboração de BBB-A L..., Limitada, com sede na Rua T... R..., n.° ..., em Lisboa, e, em particular, com a funcionária daquela empresa, AAA, e da colaboradora da Autora, FF.
24 - As diligências de agendamento das escrituras, referidas no artigo anterior, foram do conhecimento e feitas com a colaboração da sociedade BBB-A L..., Limitada, do escritório do Ilustre Mandatário da Autora, Sr. Dr. ZZ, e da colaboradora da Autora, FF.
25- A Autora diligenciou junto da Ré, no sentido de ser emitido um cheque no valor de €1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros, e zero cêntimos) em nome da Massa Falida, e outro em nome da Autora, o que não foi acolhido, sendo acordado que seriam emitidos dois cheques, um de € 1.800.000,00 (um milhão e oitocentos mil euros, e zero cêntimos) e outro de € 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil euros, e zero cêntimos), ambos a seu favor.
26- Em data posterior à celebração do acordo reproduzido no facto enunciado sob o número 7, a Autora passou a sustentar que os ónus e encargos incidentes sobre os imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1 caducavam, automaticamente, com a sua aquisição, no âmbito do processo judicial.
27- Em data anterior ou coincidente com 23 de Julho de 2007, a Ré transmitiu à Autora que, atendendo ao facto de constar do contrato de compra e venda que os imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1 seriam vendidos livres de quaisquer ónus ou encargos, não outorgaria a escritura de compra e venda, enquanto os imóveis em causa se encontrassem onerados com os ónus que constam das respectivas certidões da Conservatória do Registo Predial, a saber:
- sobre o urbano sito na Rua P... S... da C..., n.°s ..., ...-... e ...-B, em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha n.° ..., da freguesia de S... I... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de C... sob o artigo ...°: três penhoras registadas pelas inscrições F, apresentação 32, de 5 de Novembro de 1999; apresentação 22, de 18 de Abril de 2000; e apresentação 27, de 8 de Fevereiro de 2001; e um registo de apreensão de bens em processo de falência, correspondente à apresentação 4, de 7 de Fevereiro de 2002;
- sobre o prédio urbano sito na R... A... do C..., n.°s ... e ..., em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha ..., da freguesia de S... I... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campolide sob o artigo ...°: duas penhoras registadas pelas inscrições F, apresentação 32, de 5 de Novembro de 1999; e apresentação 29, de 6 de Junho de 2001; e um registo de apreensão de bens em processo de falência, correspondente à apresentação 4, de 7 de Fevereiro de 2002.
28- A Ré, para a realização da escritura de compra e venda, exigiu que os ónus e encargos que impendiam sobre os imóveis em causa fossem cancelados.
29- A Ré estava consciente que à Autora era difícil obter um financiamento, através do recurso ao crédito bancário ou outro, para pagar o preço dos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1, ao menos a curto prazo, e pôs como condição de realização da escritura de compra e venda que cancelasse previamente os ónus que impendiam sobre os referidos imóveis.
30- A Ré sabia que a Autora, em data posterior ao contrato-promessa de compra e venda, disse e defendia que, com a realização da escritura de compra por si, à Massa Falida, dos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1, os ónus ainda existentes sobre eles caducariam.
31- Na ocasião referida no facto enunciado sob o número 27, a Ré referiu à Autora que pretendia recorrer a um empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos, e que a existência do registo dos ónus referidos no mesmo facto lhe inviabilizaria a obtenção do pretendido empréstimo.
32- A Ré informou a Autora que a Caixa Geral de Depósitos só lhe disponibilizaria um empréstimo para aquisição dos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1, com os ónus que incidiam sobre os mesmos cancelados, e mediante aval ou fiança dos accionistas da Ré.
33- A Ré veio até suscitar ter existido uma investigação criminal na qual terá sido envolvido a tramitação do processo de Falência do Hospital Clínico das A... .
34- O referido no facto anterior já havia sido noticiado em meados de Maio de 2004 e, eventualmente, sucedido em data ulterior.
35- A Ré disse à Autora que a Caixa Geral de Depósitos não iria proceder ao financiamento por si pretendido, para a compra do prédio, com os registos das penhoras a favor de credores da falida Hospital Clínico das A..., Limitada e da apreensão da Massa Falida, sendo que admitia fazer aquela escritura mas pelo preço de € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros, e zero cêntimos).
36- Foi em consequência do referido nos factos enunciados sob os números 27 e 31 que a Ré propôs à Autora a redução do preço de venda dos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1, de € 3.200.000,00 (três milhões e duzentos mil euros, e zero cêntimos), para € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros, e zero cêntimos).
37- A Autora, porque interessava, de todo, realizar o negócio, acabou por solicitar à Administradora da Falência referida no facto enunciado sob o número 3 o adiamento da escritura referida no facto enunciado sob o número 13.
38- Perante a recusa da Ré em celebrar a escritura de compra e venda pertinente aos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1, foi o agendamento da mesma dado sem efeito.
39- A Autora diligenciou convencer a Ré a celebrar o negócio em causa nos autos, fazendo duas escrituras em simultâneo, no convencimento, que mantém, que tecnicamente, com a celebração da referida escritura de compra à Massa Falida, os ónus que incidem sobre os imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1 caducam, sendo o despacho de cancelamento a proferir pela Mma. Juiz do processo um acto que confirma a respectiva caducidade.
40- CC, enviou a VV, que o recebeu, o original do fax cuja impressão é fls. 45 e 46 dos autos, datado de 3 de Agosto de 2007, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(...)
Sr. VV:
O Sr. Dr. ZZ, transmitiu-me a proposta que a BB-A... lhe fez à AA-D... através do Sr. Dr. CCC, de reduzir o preço para €2.500.000,00 (Dois milhões e quinhentos mil euros), em virtude de os prédios prometidos vender terem hipotecas e penhoras.
O Dr. ZZ diz-me que, por lei, quando a AA-D... comprar os prédios à Massa Falida aquelas penhoras e hipotecas caducam.
Em face disso a AA-D... no momento da venda tem os prédios livres de ónus ou encargos.
Na reunião que tive conjuntamente com o meu advogado, com o Sr. Dr. CCC e com o Sr. Director Financeiro explicamos isso mesmo.
Por isso, não vejo qualquer motivo para reduzir o preço da venda a € 2.500.000,00.
Tentei resolver o problema, mas não vejo possibilidade de cancelar o ónus antes da escritura com a Massa Falida a que se seguirá a escritura com a BB-A...,
Posto isto, pretendo fazer o negócio com os Senhores, mas não posso reduzir o preço.
Agradeço que reaprecie esta questão e me diga alguma coisa.
(...)»
41- Em resposta ao fax reproduzido no facto anterior, VV enviou a CC, que o recebeu, o original do fax cuja impressão é fls. 48 dos autos, datado de 13 de Agosto de 2007, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(...)
Exmo. Senhor CC
Damos em nosso poder o seu fax datado de 03.08.07, que desde já agradecemos.
Sem querer pôr em causa a douta opinião do seu Advogado, Dr. ZZ, entendemos, contudo e pela nossa parte, que, como haverá de convir, um imóvel só se pode dizer "livre de quaisquer ónus ou encargos" se tais ónus ou encargos se encontrarem, à data da venda, cancelados junto da respectiva Conservatória do Registo Predial e tal cancelamento se encontrar devidamente averbado na ficha predial com referência a cada um dos ónus e encargos.
Os ónus e encargos existentes, portanto e com o devido respeito, não "caducam com a venda.
Após a Escritura de venda pela Massa Falida a V. Exas., o preço terá de ser depositado no Tribunal; o Tribunal (o respectivo Juiz) da Insolvência terá de confirmar o recebimento do preço, decidir e emitir despacho a ordenar o cancelamento de tais ónus ou encargos; ser emitida certidão desse despacho e ser essa certidão levada ao registo predial com vista ao cancelamento dos mesmos.
Tudo isto no âmbito de um processo judicial, ainda por cima de Insolvência, no qual não participamos e o qual não dominamos.
Mantemos, por isso, a nossa anterior proposta, veiculada pelo Dr. CCC, caso V. Exa. a entenda aceitar ou contra propor, sem prejuízo do integral cumprimentos dos termos do Contrato Promessa de Compra e Venda dos Imóveis entre nós outorgada.
42- A Ré referiu à Autora que estaria na disposição de adquirir os prédios com ónus ou encargos ainda formalmente registados, mas mediante uma redução do preço de 3.200.000,00 (três milhões e duzentos mil euros, e zero cêntimos), para € 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros, e zero cêntimos) - primeira proposta -, ou para € 2.700.000,00 (dois milhões e setecentos mil euros, e zero cêntimos) - segunda proposta.
43- A Autora enviou à Ré, que o recebeu, o original do fax cuja impressão é fls. 49 dos autos, datado de 23 de Agosto de 2007, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
«(...)
ASSUNTO: Reunião referente ao Hospital Clínico das A...
Exmos. Senhores,
Na sequência da proposta feita por V. Exas. através do Sr. Dr. CCC ao nosso advogado, Sr. Dr. ZZ e da posterior proposta de € 2.700.000 (dois milhões e setecentos mil euros), veiculada pelo nosso intermediário, Sr. DDD, vimos confirmar a nossa disponibilidade para reunirmos dia 4-9-07 pelas 11:00 horas, com vista ao reajustamento do preço de venda dos imóveis.
Assim, e em face das dúvidas suscitadas por V. Exas. relativamente à questão dos ónus e encargos dos prédios, não iremos marcar as escritura para o dia 5 de Setembro de 2007, sugerindo que a mesma seja marcada em data a acordar na nossa reunião.
44- A Autora ainda diligenciou por celebrar a escritura com a Gestora Judicial da Falência referida no facto enunciado sob o número 3, mas entendendo que os ónus que incidem sobre os prédios caducam com a venda judicial, entendeu não ter de suportar aquele esforço.
45- O entendimento da Autora referido no facto anterior foi explicado à Ré, que não o aceitou.
46- Tentando não romper o contrato promessa reproduzido no facto enunciado sob o número 7, a Autora provocou uma reunião com a Ré, no dia 4 de Setembro de 2007, pelas 11.00 horas.
47- VV enviou a CC, que o recebeu, o original do fax cuja impressão é fls. 51 dos autos, datado de 29 de Agosto de 2007, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê:
Exmos. Senhores
Damos em nosso poder o V. fax de 23.08.07, sobre o assunto da Venda do "Hospital Clínico das a... ", confirmando a n. disponibilidade para nos reunirmos com V. Exas. no próximo dia 04.09.07, pelas 14:30 horas, nas nossas instalações, conforme ali veiculado.
Gostaríamos ainda, de ver esclarecida por V. Exas. nessa reunião, a questão da investigação criminal, recentemente noticiada da Comunicação Social, alegadamente pendente sobre o processo de insolvência da "Clínica das A... " e da venda dos imóveis, de que o nosso Advogado vos deu conta, a confirmar-se, lança sérias e graves dúvidas sobre o negócio que V. Exas. nos propuseram.
48- Não foi possível obter qualquer acordo, porquanto a Autora entendeu que o ónus caduca por força de lei com a realização da escritura de compra à Massa da Falência; e que, aquando da venda por si à Ré, os imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1, se encontravam livres dos ónus que os oneravam.
49- Ao entendimento apresentado pela Autora, a Ré contrapunha que havia prometido adquirir os imóveis livres de quaisquer ónus ou encargos e a aquisição dos imóveis pela Autora não implicava, automaticamente, sem mais, a inexistência de tais ónus ou encargos.
50- Mercê do referido nos dois factos anteriores, a reunião realizada no dia 4 de Setembro de 2007 entre a Autora e a Ré foi inconclusiva, tendo a primeira diligenciado por fazer a escritura a seu favor dos imóveis referidos no documento reproduzido no facto enunciado sob o número 1, antes de fazer a escritura a favor da Ré.
51- CC enviou a VV, que o recebeu, o original do fax cuja impressão é fls. 52 dos autos, datado de 13 de Setembro de 2007, que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê
Referência: Hospital Clínico das A...
Sr. VV:
No seguimento da nossa conferência de 04/09/07, confirmo-lhe que não posso aceitar a V. proposta de fazer a escritura por € 2.750.000,00.
Traduz-se numa redução do preço de €'500.000,00 que é inaceitável para mim.
Estou a diligenciar no sentido de fazer a escritura de compra e venda com vista a cancelar os ónus.
52- JA Ré remeteu à Autora, que a recebeu, o original da carta cuja cópia é fls. 81 e 82 dos autos, datada de 17 de Setembro de 2007, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:
Nos termos do n.° 1 da Cláusula SEXTA do Contrato de Promessa de Compra e Venda (sobre os Prédios conhecidos por "Clínica das A...") celebrado com V. Exas. no passado dia 07.05.2007, foi convencionado o "prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias, mas não antes de decorridos 60 (sessenta) dias da presente data" para a realização da Escritura Pública da Compra e Venda prometida.
Nos termos do n.°2 da mesma Cláusula atrás referida "a marcação da Escritura Pública ficará a cargo da AA-D..., a qual deverá avisar, por escrito e com a antecedência mínima de 8 (oito) dias, a BB-A..., do dia, hora e Cartório Notarial de realização da mesma ".
Aquele prazo findou no passado dia 04.09.2007, sem que, até essa data, a BB-A... fosse avisada, por qualquer modo, por V. Exas. do dia, hora e Cartório Notarial de realização da Escritura Pública de Compra e Venda prometida.
Referiram-nos entretanto e já em 13.09.2007, V Exas. que, afinal, não dispunham das verbas necessárias à aquisição, por vosso turno, dos ditos Prédios à Massa Falida proprietária dos mesmos e, assim, ao consequente cancelamento do ónus ou encargos que sobre eles impendem, tendo sido prometida por V. Exas. à BB-A... a venda "livre de quaisquer ónus ou encargos", conforme vertido no n.° 1 da Cláusula PRIMEIRA daquele Contrato.
Tendo a BB-A... por actividade a Promoção imobiliária, com especial enfoque na compra de prédios antigos em Lisboa, sua restauração / reconstrução e venda, mercado esse especialmente aguerrido, não pode manter-se na indefinição dos investimentos que tem, forçosa e obviamente, de seleccionar e efectuar. A indefinição da realização ou não de um dado investimento acaba por preterir e inviabilizar a realização de outro ou outros negócios.
Dessa forma, comunicamos a V. Exas. que, não sendo marcada por V. Exas. e realizada a Compra e Venda dos Prédios prometidos até ao próximo dia 04.10.2007 (30 dias para além do prazo estipulado para o efeito no referido Contrato Promessa), esta Sociedade perderá o interesse na aquisição dos mesmos.
53- A Autora enviou à Ré, que a recebeu, a carta que é fls. 54 e 55 dos autos, datada de 24 de Setembro de 2007, que aqui se dá por integralmente reproduzida e onde nomeadamente se lê:
«(...)
Marcamos por acordo a escritura de compra e venda dos prédios denominados Hospital Clínico das A..., para o dia 26 de Julho de 2007, pelas 12:00 horas no 5o Cartório Notarial de Lisboa. Nessa mesma data deveria a AA-D... comprar os prédios à Massa Falida do Hospital Clínico das A... .
No dia 23/7/07 foi-nos comunicado que atendendo ao facto de no contrato promessa constar que os prédios seriam vendidos livres de quaisquer ónus ou encargos a BB-A... não celebraria a escritura se não fossem canceladas as hipotecas e penhoras que as oneram.
Em reunião realizada nos vossos escritórios entre o Administrador desta sociedade e o nosso advogado por um lado, e o vosso advogado Sr. Dr. CCC e o V. director financeiro, foi explicado que com a celebração da escritura de compra e venda por esta sociedade com a Gestão da Massa Falida, os ónus que oneram os prédios, se extinguiam.
Porém, como referiram, porque V. Exas. pretendiam recorrer ao crédito para pagar o preço dos prédios, não podiam aceitar que os ónus em causa não fossem cancelados previamente, para lhes permitir recorrerem ao crédito, concretamente junto da CG.D..
Em consequência foi desmarcada a escritura de compra e também a Escritura marcada para essa mesma data, hora e local com a Gestora da Falência.
Em 24 de Julho de 2007 V. Exas. propuseram-me adquirir os prédios em causa na situação registral em que se encontravam, mas reduzindo o preço para €: 2.500.000,00 (Dois milhões e quinhentos mil euros), proposta que não quisemos aceitar.
Melhoraram V. Exas. aquela proposta para 2.700.000,00 (Dois milhões e setecentos mil euros) o que para nós é inaceitável.
Diligenciamos, ainda, no sentido de obter o cancelamento dos ónus, nomeadamente através da compra imediata dos prédios e posterior cancelamento dos ónus para os vender como desejavam, com os ónus cancelados.
Porém, tal implica para esta Sociedade esforço financeiro acrescido que não pretende fazer e que, em nosso entende, não deve suportar.
Assim, e pelo facto de V. Exas. não desejarem fazer a escritura na situação registral em que se encontra e em simultâneo com a escritura de compra à Massa Falida, vimos comunicar que não nos interessa manter o presente contrato, que declaramos resolvido.
Deixamos, claro que mantivemos a nossa disposição de vender os prédios em escritura de compra à massa falida do Hospital Clínico das A..., o que V. Exas. não aceitaram.
Sem outro assunto de momento,
54- Até 29 de Janeiro de 2008, a Autora nunca endereçou à Ré qualquer carta donde conste a marcação da escritura pública de compra e venda dos imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1.
55- Em 25 de Setembro de 2007, no Cartório Notarial da Sra. Dr.ª EEE, em Lisboa, a Autora comprou os imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1 (conforme documento epigrafado «Compra e Venda», cuja certidão é fls. 84 a 108 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
56- Em acto imediatamente subsequente à compra e venda referida no facto anterior, na mesma data e no mesmo Cartório Notarial, a Autora vendeu os imóveis referidos no facto enunciado sob o número 1 a treze pessoas colectivas e a onze pessoas singulares, com os seguintes ónus ou encargos:
- sobre o urbano sito na Rua P... S... da C..., n.°s ..., ...-A e ...-B, em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha n.° ..., da freguesia de S...I... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campolide sob o artigo ...°: três penhoras registadas pelas inscrições ..., apresentação ..., de 5 de Novembro de 1999; apresentação ..., de 18 de Abril de 2000; e apresentação ..., de 8 de Fevereiro de 2001; e um registo de apreensão de bens em processo de falência, correspondente à apresentação 4, de 7 de Fevereiro de 2002;
- sobre o prédio urbano sito na Rua A... do C..., n.°s ... e ..., em Lisboa, descrito na ...ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha ..., da freguesia de S...I... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Campolide sob o artigo ...°: duas penhoras registadas pelas inscrições ..., apresentação ..., de 5 de Novembro de 1999; e apresentação ..., de 6 de Junho de 2001; e um registo de apreensão de bens em processo de falência, correspondente à apresentação..., de 7 de Fevereiro de 2002.
57 - Os ónus ou encargos referidos no facto anterior, até 21 de Dezembro de 2007, pelo menos, ainda não se encontravam cancelados (conforme certidão da ...a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, que é fls. 109 a 118 dos autos, e que aqui se dá por integralmente reproduzida).
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Fundamentação
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Como se vê das conclusões, são duas as questões suscitadas na revista.
Por um lado, trata-se de saber se a Relação ao não alterar a resposta ao quesito 36 da base instrutória, violou ou não o disposto no Art. 515º do C.P.C.;
Por outro lado, discute-se se, perante a factualidade provada, não terá sido antes a Ré que incumpriu o contrato-promessa, ao contrário do decidido pelas instâncias.
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1ª Questão
A A. alegou na réplica, a respeito do pedido reconvencional, além do mais, que a Ré não fez nenhum investimento pelo que não teve qualquer prejuízo.
Assim, a cláusula penal contratualmente estabelecida devia ser dada sem efeito nos termos do Art.º 811 de C.C..
Com base em tal alegação, formulou-se o quesito 36º, com a seguinte redacção “A Ré não fez qualquer investimento nem teve qualquer prejuízo com a não concretização do negócio prometido no acordo reproduzido na alínea F) da matéria de facto assente?”.
Após discussão da causa respondeu-se a este quesito: NÃO PROVADO.
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Como a sentença condenou a A. no pedido reconvencional, designadamente a pagar à Ré o valor da cláusula penal, em sede de apelação a A. impugnou alguns pontos de facto, entre eles, a resposta dada ao quesito 36, acima referida.
Pretende que uma testemunha da apelada (Ré) fez prova que esta teve um prejuízo de 75.000€.
Portanto, entende a A. que se deve alterar a dita resposta de não provado, devendo a resposta ao quesito 36 dar conta de que a Ré fez investimentos no total de 75.000 € e que, em consequência da não realização do negócio prometido, teve um prejuízo que ascendeu a 75.000 €.
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A Relação manteve inalterada a resposta de não provado, referindo que “... o mero facto de a apelada ter feito alguma contra-prova do facto indagado no quesito 36 da B.I. não é suficiente para se considerar provado um facto cujo ónus do probatório pertencia a ora apelante”.
Insurge-se a recorrente contra o assim decidido, porquanto, na sua opinião a Relação recusou rever este ponto da matéria de facto, não porque não dispusesse de prova bastante para o alterar, mas porque essa prova emanou da Ré e não da A. a quem competia o ónus da prova, o que viola o princípio da aquisição processual estabelecido no Art.º 515º do C.P.C..
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Não lhe assiste razão.
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É verdade que não podendo o S.T.J. censurar a matéria de facto reapreciada pela Relação, a não ser nos casos excepcionais do Art.º 722º n.º 2 do C.P.C., que aqui não ocorrem, pode apreciar se a Relação no desempenho dos poderes que a lei lhe concede no âmbito da matéria de facto, violou ou não regras de direito material probatório, caso em que está em causa matéria de direito e não matéria de facto.
Porém, no caso concreto é evidente que não pode concluir-se que a Relação não alterou o ponto de facto em questão apenas pela circunstância de a prova existente, apesar de ser suficiente para permitir a alteração pretendida, foi carreada para o processo pela parte não onerada com o ónus da prova. Como resulta claramente da decisão da Relação, tal prova, embora tendo funcionado como contra-prova de facto alegado (aliás pela própria A. ...), não era suficiente para considerar provado a factualidade pretendida pela A., o que é substancialmente diferente do que alegou a recorrente.
Estamos aqui no âmbito da apreciação crítica de um depoimento que se julgou insuficiente para afirmar a matéria de facto que a A. pretende que esse depoimento provaria, o que se situa de pleno no plano de matéria de facto que este Supremo Tribunal não pode sindicar.
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De qualquer modo, nunca haveria de lançar-se mão do princípio da aquisição processual previsto no Art. 515º do C.P.C., que aqui não está em causa.
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Como se viu, o que se perguntava no quesito era se a Ré não tinha feito qualquer investimento e por isso não teve qualquer prejuízo com a não concretização de negócio prometido.
Pretender agora que se tenha por provado que a Ré fez investimentos no total de 75.000€ e em consequência da não realização do negócio teve um prejuízo no referido montante, significa uma resposta exactamente contrária à matéria questionada, o que equivaleria a uma resposta manifestamente excessiva porque exorbitaria manifestamente do que foi perguntado, o que implicaria que se tivesse por não escrita.
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De resto, face à solução que se irá definir quanto à questão essencial do cumprimento/incumprimento, é indiferente a resposta ao dito quesito 36.
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2ª Questão
Vejamos agora a questão essencial que é a de saber quem incumpriu o contrato-promessa, se a A., como decidiu o acórdão recorrido, se a Ré como pretende a recorrente.
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A este propósito convém ter presente a factualidade provada e que se descreve nos pontos de facto sob os n.ºs 1, 2, 4, 6, 7, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 18, 20, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55 e 56 e que aqui se tem por reproduzida.
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Perante a factualidade descrita o acórdão recorrido concluiu que o não cumprimento do contrato deve ser imputado à A. (promitente vendedora), pretendendo esta que, ao contrário, foi a Ré a incumpridora.
Assim a questão essencial colocada no recurso resume-se em determinar se deve imputar-se o inadimplemento à A. ou a Ré.
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Salvo melhor opinião estamos em crer que a questão não pode ser equacionada com a linearidade enunciada no acórdão recorrido.
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Estamos de acordo com o acórdão quando refere que há-de ser no momento em que se celebra a escritura que os eventuais ónus ou encargos não devem existir, daí que não possa a promitente compradora recusar-se a celebrar a escritura antes da data para ela designada pelo facto de existirem ónus incidentes sobre o imóvel prometido vender, desde que haja a possibilidade de eles deixarem de existir no momento aprazado para a escritura.
Mas já não aderimos à conclusão de que a A. teria informado a Ré de que os ónus existentes à data do contrato-promessa ainda não estariam removidos na data aprazada para a escritura, só vindo a sê-lo posteriormente, se e quando fosse proferido despacho a ordenar o cancelamento de tais ónus nos termos do Art. 824º n.º 2 do C.C., e que, por isso mesmo, perante tal declaração da A., podia a Ré legitimamente recusar-se a outorgar a escritura, como o fez.
Esta última posição do acórdão pecará, salvo melhor opinião, por um excesso de formalismo que de modo algum se justifica, além de esquecer todo o contexto factual provado e que esteve na base da recusa da Ré.
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Vejamos melhor.
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Está adquirido que a A. e a Ré celebraram o contrato-promessa documentado nos autos.
Além do mais, estabeleceram que o contrato prometido seria realizado no prazo máximo de 120 dias contados da data do contrato-promessa competindo à A. a marcação do dia, hora e Cartório Notarial para a celebração da escritura de compra e venda, a quem devia avisar com a antecedência de 8 dias.
Convencionaram, ainda, que os prédios seriam transmitidos à Ré livres de ónus e encargos.
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Trata-se de prédios que haviam sido apreendidos no processo de falência do Hospital Clínico das A... Ld.ª, em 27/12/2001 (registo da apreensão efectuado em 7/2/2002).
Sobre tais prédios existiam registadas diversas penhoras anteriores à apreensão para a massa falida.
Em leilão realizado no dia 9/1/2004, no âmbito do processo de falência, os prédios ora em causa foram adjudicados a CC, o qual cedeu à aqui A. a posição contratual que lhe adveio da dita adjudicação.
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A e Ré acordaram que a celebração da escritura definitiva se realizaria em 26/7/2007. Acordaram ainda que, na mesma ocasião e imediatamente antes da escritura entre a A. e a Ré, teria lugar uma outra escritura de compra e venda entre a A. e a administradora da massa falida, por via da qual esta venderia à A. pelo preço da adjudicação os referidos prédios.
Tudo isto foi acordado não só entre a A. e a Ré, mas também com a administradora da massa falida, e nessas condições foram agendadas as escrituras para o dia 26/7/2007 pelas 12h no Cartório Notarial de C... A... em Lisboa.
Porém antes dessa data (provavelmente em 23/7/2007) a Ré transmitiu à A. que, atendendo ao facto de constar do contrato-promessa que os imóveis lhe seriam vendidos livres de quaisquer ónus e encargos, não outorgaria a escritura de compra e venda enquanto os imóveis em causa se encontrassem onerados.
Surge então a polémica jurídica entre a A. e a Ré, defendendo a 1ª que, com a transmissão da propriedade para o A. pela escritura a celebrar com a massa falida, caducariam automaticamente o ónus, enquanto a Ré insistia que estes se mantinham enquanto não fossem cancelados no registo predial.
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A questão é essencial para a decisão, razão porque a teremos que abordar.
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Nos termos do disposto no Art. 824º do C.C. a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sob a coisa vendida, ocorrendo tal transmissão livre dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia ..., sendo que os direitos de terceiros que caducam se transferem para o produto da venda dos respectivos bens.
No caso dos autos apenas estão em causa penhoras registados sobre os imóveis, além da própria apreensão em processo de falência.
Como é por demais óbvio, no processo de execução, vendidos os bens penhorados ficam extintas imediatamente as penhoras que sobre eles incidiam, transmitindo-se os direitos que lhe são inerentes, no caso, a preferência no pagamento, para o produto da venda, o que ocorre automaticamente, sem necessidade de qualquer despacho nesse sentido, (recorde-se que a penhora se traduz num direito real de garantia cuja caducidade a lei determina por efeito da venda).
Portanto, a caducidade das penhoras, vendidos os bens penhorados, deriva directamente da lei.
Acresce, no caso concreto, que os imóveis penhorados foram subsequentemente apreendidos em processo de falência.
Ora, como decorre do disposto no Art. 175º e 200º n.º 3 do C.P.E.R.E.F. (D.L. 132/93, na redacção do D.L. 315/98), à data aplicável, após a sentença declaratória da falência (que, no caso, foi proferida e transitou como está certificado) procede-se imediatamente à apreensão de todos os bens susceptíveis de penhora, mesmo que já penhorados seja em que processo for, que assim passam a integrar a massa falida, sendo certo que na graduação de créditos a efectuar no processo de falência não é atendida a preferência resultante da penhora.
Tal significa que a apreensão efectuada em processo de falência, absorve desde logo as penhoras anteriores que incidam sobre os bens apreendidos, deixando estas de produzir os seus efeitos típicos.
A apreensão extingue, portanto, as penhoras anteriores que deixam de ter existência jurídica sob o ponto de vista substancial.
Ora, como a venda dos bens apreendidos para a massa falida é feita segundo as regras do processo de execução, tem aqui plena aplicação o disposto no Art. 824º n.º 2 do C.C..
Consequentemente, efectuada a venda dos bens apreendidos, no caso, dos imóveis em questão, tais imóveis seriam transmitidos para o comprador (a aqui A.) livres de quaisquer ónus ou encargos, por força de lei expressa nesse sentido, (aliás, como se salientou, as penhoras registadas tinham já perdido o seu efeito por via da apreensão e o ónus da própria apreensão extingue-se logicamente logo que efectuada a venda nos termos autorizados judicialmente).
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É verdade que, apesar do que acaba de dizer-se, o cancelamento dos ónus registados na Conservatória do Registo Predial não opera automaticamente com a venda dos imóveis penhorados ou apreendidos na falência.
Como se diz no Art.º 888º do C.P.C. (na redacção aplicável ao caso) “Após o pagamento do preço e do imposto devido pela transmissão, são oficiosamente mandados cancelar os registos dos direitos reais que caducam, nos termos do n.º 2 do artigo 824º do Código Civil, entregando-se ao adquirente certidão do respectivo despacho” (actualmente rege o Art. 900º do C.P.C.).
Portanto, confirmando o que já acima se deixou referido, resulta do preceito adjectivo que a caducidade dos direitos de garantia que oneram os bens caducam logo com a venda executiva, por força do n.º 2 do Art. 824º do C.C., no sentido de que se transferem para o produto da venda. Mas o subsequente cancelamento dos registos carece de despacho judicial a proferir oficiosamente, servindo a certidão de tal despacho de fundamento para o cancelamento dos registos (e, se não for proferido despacho a ordenar o cancelamento, qualquer interessado poderá requerer a prolação desse despacho).
O Art. 888º do C.P.C., limita-se, pois, a adjectivar o n.º 2 do Art.º 824º do C.C..
A razão de ser do despacho a que se referia o Art. 888º do C.P.C. encontra-se no princípio da legalidade e no princípio da instância registral, mas não tem a ver com a subsistência dos ónus após a venda e antes do cancelamento, até porque este ocorre exactamente porque os ónus se extinguiram prévia e substantivamente, nunca acompanhando os bens vendidos.
De resto, como é sabido, o registo não confere direitos, limitando-se a publicitá-los.
Por conseguinte há que distinguir estes dois planos diferentes:
Substantivamente os ónus caducam automaticamente com a venda executiva, seja esta singular ou universal, pelo que o comprador adquire os bens livres dos ónus ou encargos a que se refere a lei.
O posterior cancelamento dos registos não passa de um mero acto procedimental e formal, destinado a conformar o registo com a realidade substantiva.
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Assim sendo, como nos parece, pode dizer-se que, no caso concreto, a A. logo que adquirisse a propriedade dos prédios (prometidos vender à Ré), da massa falida, adquiri-los-ia livres dos ónus que sobre eles impendiam (penhoras e apreensão para a massa) e por isso estava em condições de os transmitir à Ré livres de ónus ou encargos, como se comprometera, caso as duas escrituras se realizassem nos termos acordados em 26/7/2007.
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Por outro lado, como se lê do considerando “F” do contrato-promessa “A realização da escritura pública de transmissão para a AA-D... do direito de propriedade dos imóveis encontra-se, apenas e ainda, a aguardar o despacho e a emissão da respectiva certidão de adjudicação da propriedade e que autorize o gestor da falência a outorgar a mesma”.
E no considerando “H” diz-se que “Pretendem as partes transaccionar entre si os imóveis logo que a propriedade dos mesmos seja transferida para a AA-D...”.
Consta ainda do considerando “B” que fazem parte integrante do contrato promessa, além do mais, as certidões do Registo Predial dos prédios, dos quais constam os ónus aqui em causa.
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Portanto, era do total conhecimento da Ré toda a situação jurídica dos imóveis em causa, designadamente dos ónus registados.
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Ora, se as partes pretendiam que a transacção prometida se concretizasse logo que a propriedade dos imóveis fosse transmitida para a A., sendo certo que tal transmissão ocorreria por força da escritura de compra e venda a celebrar entre a A. e a massa falida, representada pela sua administradora, é bom de ver que não estava em causa o cancelamento dos registos dos ónus que só em momento posterior, após despacho a ordená-lo, podia concretizar-se.
Talvez, por isso mesmo, não conste do contrato-promessa a obrigação da A. em ter cancelado o registo dos ónus na data da escritura definitiva, mas apenas a de transmitir à Ré os imóveis livres de ónus e encargos, situação em que se encontrariam efectivamente, logo que outorgada a escritura de compra e venda, entre a A. e a massa falida, como acima se deixou explicado.
Não admira, por isso, que a A. pretendesse realizar simultaneamente (com evidente precedência da escritura com a massa) as duas escrituras.
Mas, seja como for, o certo é que foi exactamente essa celebração simultânea que a A., a Ré e a administradora da massa falida acordaram como está exuberantemente provado.
E que a A. tinha dificuldades de financiamento para adquirir previamente os prédios à massa falida era igualmente do conhecimento da Ré, tendo sido essa a razão por que pretendia a realização conjunta das duas escrituras, propondo à Ré que emitisse um cheque no valor de 1.800.000 € em nome da massa falida (preço da adjudicação) e outro de 1.400.000 € a seu favor.
E, se é verdade que, como se provou, a Ré não aceitou emitir o cheque em nome da massa falida, aceitou, porém, emitir dois cheques, um de 1.800.000 € e outro de 1.400.000 € ambos a favor da A., sendo o 1º destinado a pagar o preço da compra à massa, como é evidente e resulta da mais elementar interpretação da prova disponível.
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Todavia, apesar de A. e Ré terem acordado entre si e com a administradora da massa falida celebrarem as duas escrituras em 26/7/2007, depois de a Ré ter tido acesso a todo a documentação necessária e verificado que estava em condições para a concretização do negócio, é claro que a Ré não podia, de boa-fé, esperar que na data agendada estivessem cancelados os ónus inscritos no registo.
Tal cancelamento, como a Ré bem sabia (tanto que o disse expressamente à A. na sua carta de 13/8/2007), só em momento posterior à escritura entre a A. e a massa falida podia ser accionado, como resultava do regime legal em vigor que a Ré não podia ignorar.
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Assim, perante este quadro factual queda incompreensível que escassos dias antes da data agendada para as escrituras, a Ré se tenha recusado outorgar a escritura nos termos que previamente acordara com a A., com perfeito conhecimento de todas as circunstâncias em que duas escrituras se iriam concretizar.
O argumento utilizado pela Ré para tal recusa, não podia, como se disse já, ser dela desconhecido quando acordou realizar simultaneamente as duas escrituras, e não passa de fundamento meramente formal, não se vendo que, no caso concreto, a celebração da escritura com os ónus registados (mas já substantivamente extintos ou caducados) lhe pudesse causar qualquer prejuízo, até porque nenhum alegou.
De resto, perante a prova produzida afigura-se-nos evidente que nenhum risco, quanto à segurança jurídica do negócio, a Ré antecipou, já que se dispunha a outorgar a escritura com os ónus registados se o preço fosse reduzido para 2.700.000 €.
Aliás a Ré não fundamentou a sua recusa em qualquer eventual risco de negócio, mas no argumento formal de que os ónus se mantinham registados, pura e simplesmente e, por outro lado, o incumprimento contratual que a Ré imputa à A., não passa verdadeiramente pelo não cancelamento dos ónus, fundamentando o seu pedido reconvencional tão somente no facto de a Ré não ter cumprido a cláusula 6ª n.º 2 do contrato-promessa, isto é, não ter marcado a escritura prometida no prazo convencionado e ter vendido a terceiros os imóveis em causa ainda dentro do prazo suplementar que lhe concedeu.
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Ora, face à factualidade provada, não restam dúvidas que a A. marcou a escritura para o dia 26/7/2007 pelas 12h no Cartório Notarial do Dr. C... A... (ao contrário do que falsamente alegou a Ré na sua contestação), simultaneamente com a escritura (prévia) a celebrar com a massa falida e tudo com o acordo expresso entre a A., a Ré e a administradora da falência.
Mas, apesar de ter acordado outorgar a escritura nas condições acima referidas, foi a Ré que recusou celebrá-la na data agendada por não estarem cancelados os ónus que sabia estarem registados e que não podiam ser canceladas antes da escritura com a massa falida, o que anteriormente não a impediu de ter chegado com a A. ao referido acordo, como não a impedia de outorgar a escritura se o preço fosse reduzido ...
Notar-se-á também que, apesar de estar convencionado no contrato-promessa que competia à A. avisar a Ré, por carta, da data, hora e local da escritura, nada impedia que ela fosse marcada, dentro do prazo estabelecido por acordo verbal das partes.
Tal alteração representa uma estipulação verbal posterior ao contrato-promessa, uma mera cláusula acessória (e não cláusula contrária ou adicional), em relação à qual não se impõem as razões especiais de segurança jurídica que determinam a exigência de forma escrita para o contrato-promessa relativo a imóveis, e, por conseguinte é perfeitamente válida como resulta do disposto no Art. 221º n.º 2 do C.C..
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Há, portanto, que concluir que não existiu por parte da A. qualquer incumprimento culposo do contrato-promessa.
Quem impediu a realização da prestação, ou seja, a celebração da escritura definitiva, foi claramente a Ré ao recusar-se a outorgá-la na data agendada por acordo das partes, sem razão justificativa.
De qualquer modo, atento o quadro factual descrito, a recusa da Ré sempre seria manifesta e grosseiramente abusiva, violando os princípios da boa-fé, designadamente o princípio da confiança, traduzindo-se nem manifesto “venire contra factum proprium”, o que sempre lhe retiraria qualquer eficácia legal.
Assim, a recusa da Ré em outorgar a escritura no dia 26/7/2007, nas condições em que ocorreu e já por demais referidos, traduz-se num comportamento revelador de não querer cumprir o contrato, o que, desde logo conferiria à A. motivo para resolver o contrato, porquanto, como é jurisprudência assente, é equiparável ao incumprimento definitivo a declaração ou conduta que expressa ou tacitamente revele a vontade de não querer cumprir.
Porém, o contrato não se extinguiu desde logo por que a A. mantinha manifesto interesse na concretização do negócio, razão porque desmarcou a escritura já agendada e entrou em negociações com a Ré.
No âmbito dessas negociações a Ré propôs-se realizar o negócio desde que a A. baixasse o preço para 2.500.000 € e posteriormente para 2.700.000 €, caso em que outorgaria a escritura mesmo mantendo-se registados os ónus, descaracterizando, assim, o programa negocial acordado.
Continuou a A. a procurar convencer a Ré que, uma vez celebrada a escritura com a massa falida os ónus caducariam (e já se viu que tinha razão), mas não logrou convencer a Ré, que só estaria disposta a outorgar a escritura com os ónus registados desde que a A. baixasse o preço, como se vê da correspondência trocada entre as partes e junta aos autos, designadamente, das cartas de 3/8/2007 e 13/8/2007.
Na sequência das negociações, foi marcada uma reunião conjunta entre a A. e a Ré (proposta pela A. foi aceite pela Ré).
Tal reunião ocorreu em 4/9/2007, e por isso a A. não marcou a escritura para o fim do prazo contratual (que seria nesse dia) disso informando a Ré (cof. carta de 23/8/2007 – ponto 43 da matéria de facto).
Porém, foi inconclusiva a reunião, continuando a Ré a exigir o cancelamento dos ónus, sabendo bem que a A. não teria possibilidades de se financiar para adquirir previamente os imóveis à massa falida, a não ser com o preço a pagar pela Ré, como inicialmente estava acordado para 26/7/2007.
*
Foi, então, que a Ré remeteu à A. carta de 17/9/2007, concedendo à A. um prazo suplementar para marcar a escritura sob pena de perder o interesse no negócio (cof. ponto 52 da matéria de facto provada).
Ora, apesar de nessa carta a Ré referir que o prazo para a realização da escritura terminará em 4/9/2007 sem que a A. a tenha avisado, por qualquer modo, do dia, hora e Cartório Notarial para a realização da escritura definitiva, bem sabia a Ré que tal não correspondia à verdade, pois que, como se provou, a escritura entre a A. e a Ré, bem como a prévia escritura entre a A. e a mesma falida, estiveram agendadas, por acordo entre todos os intervenientes, para o dia 26/7/2007, tendo sido a Ré quem se recusou a outorgá-la pelas razões já explicitadas (contra o que havia, ela própria, acordado com a A.), e sabia também por que razão não foi marcada a escritura para data posterior, como se viu.
Dissemos também já, que toda a conduta da Ré não tinha justificação substancial, sendo em qualquer caso abusiva.
Quer dizer, a A. não se encontrava em mora, daí que a carta da Ré de 17/9/2007 não pode ser vista como qualquer interpelação admonitória, até porque não existia mora da A. para converter em incumprimento definitivo, nem para justificar a perda de interesse alegado pela Ré.
*
Consequentemente, dada toda a situação fáctica criada pela Ré, uma vez que após a sua recusa de outorgar a escritura marcada para o dia 26/7/2007 e apesar das negociações posteriormente ocorridos entre as partes, a Ré continuava a recusar-se efectuar a escritura sem que previamente fossem cancelados os ónus registados, propondo, até, a diminuição do preço convencionado (que a A. não aceitou, nem tinha de aceitar, visto que, como se disse, se encontraria em condições de transmitir à Ré os imóveis livres dos ónus, apesar de não estarem ainda cancelados), caso em que o registo do ónus já não impediam de outorgar a escritura, é claro que toda a situação se mantinha na mesma, sendo a conduta da Ré a expressão clara de não querer cumprir o contrato-promessa nas condições que acordara com a A. e com base nos quais foi agendada a escritura para 26/7/2007.
Assim sendo, e como resulta de tudo quanto se deixou dito, a Ré colocou-se em situação de incumprimento definitivo, o que autorizava a A. a resolver o contrato, como fez por carta de 24/9/2007, razão por que podia vender os imóveis a terceiros sem incorrer em incumprimento.
*
Portanto, o pedido reconvencional não pode proceder.
*
Concluindo-se pelo incumprimento culposo da Ré e sabendo-se que, embora convencionado sinal, este não foi pago, funciona a cláusula penal também estabelecida, exactamente para o caso de não se ter concretizado o pagamento de sinal.
Consequentemente, deve a Ré ser condenada a pagar à A. o valor da cláusula penal estabelecida, isto é, 250.000€
Não se condena em juros de mora, porquanto tal não foi pedido pela A..
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Decisão
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Termos em que acordam neste S.T.J. em julgar procedente a revista da A. e consequentemente:
- Revogam o acórdão recorrido.
- julgam procedente a acção e improcedente a reconvenção.
- Condenam a Ré a pagar à A. o valor da cláusula penal, ou seja –250.000€ -.
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Custas pela recorrente (também nas instâncias).
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Lisboa, 11 de Janeiro de 2011.

Moreira Alves (Relator)

Alves Velho

Moreira Camilo