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ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO DO PROJECTO DE VENDA
REQUISITOS
EFICÁCIA
RENÚNCIA
Sumário
I - O preferente deve, na comunicação a que alude o art. 416.º do CC, identificar o terceiro interessado na aquisição. II - Se o não fizer, a comunicação é ineficaz e, por conseguinte, não releva, como renúncia, a declaração do preferente, designadamente aquela em que diz que “nas condições e preços comunicados, não pretendo exercer o direito de preferência que me assiste”.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA e BB intentaram em 1 de Outubro de 2007 a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra CC, DD e EE, para exercício do direito de preferência, pedindo que seja reconhecido o direito de haverem para si o imóvel vendido pelos 1.º e 2.º Réus à 3.ª Ré.
2. Alegam os AA, para o efeito, e em síntese, que são arrendatários da fracção que identificam, sua casa de morada de família. Essa fracção foi alienada pelos 1.º e 2.º réus à 3.ª ré, sem que fossem cumpridas as formalidades legais relativas ao exercício do direito de preferência que lhes assiste.
3. Foi proferida sentença no dia 1 de Abril de 2009 ( ver fls. 294 a 302) decidindo-se o seguinte:
«a) reconheço aos autores AA e BB o direito de preferência na venda da fracção autónoma designada pela letra «...», do prédio urbano sito na R. F... A... A..., n°..., descrito na ....a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº .../...., freguesia de S. J... de B..., feita pelos réus CC e DD à ré EE e formalizada pela escritura pública de 23/5/2007;
b) condeno a ré EE a abrir mão dessa fracção a favor dos autores, que, assim, a substituirão na posição de adquirentes na ajuizada compra e venda, bem como
c) atribuo a esta mesma ré a importância de € 150.000,00€, depositada a fls. 66.
Custas pelos réus CC e DD.
Registe e notifique.»
4. Os RR interpuseram recurso de apelação, tendo os 1.º e 2.º desistido do mesmo.
5. O Tribunal da Relação deu provimento ao recurso dos réus, julgando a acção improcedente.
6. Recorrem agora os AA, de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a minuta de recurso com as seguintes conclusões:
1- A recorrente mulher é arrendatária da fracção autónoma designada pela letra” ...” do prédio urbano sito na Rua F... A... A..., nº... em Lisboa.
2- No dia 23-5-2007 no Cartório Notarial de M... C... foi outorgada escritura pública de compra e venda relativa à fracção autónoma dos autos através da qual CC e DD venderam à ora recorrida a fracção autónoma acima referida.
3- Porém, não foi comunicado a qualquer dos recorrentes a data, o local e a hora da escritura acima referida.
4- Ora tal comunicação deveria ter sido feita nos termos do disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º do Código Civil por via do direito de preferência que assiste aos recorrentes nos termos do artigo 1091.º do mesmo Código.
6- Tal omissão, só por si, é condição bastante para os ora recorrentes lograrem obter provimento na pretensão que vieram deduzir através dos presentes autos.
7- Apesar de ter havido outras comunicações em nenhuma delas os primeiros réus informaram os ora recorrentes da totalidade das condições de venda.
8- Na verdade, a identidade da compradora nunca foi transmitida aos ora recorrentes.
9- Nas comunicações para efeitos de direito de preferência são essenciais todos os elementos ou factores do negócio.
9- A identidade do adquirente é um desses elementos essenciais.
10- Não tendo esse elemento sido transmitido pelos réus aos recorrentes, não tomaram estes conhecimento de uma condição essencial de alienação.
11- A recorrente mulher nunca renunciou ao direito de preferência que lhe assistia.
12- Informou, isso sim, que “ nas condições e preços comunicados” não pretendia exercer o direito de preferência.
13- As condições da transmissão comunicadas pelos réus aos ora recorrentes foram insuficientes e pecaram por defeito.
14- Quiçá, caso lhe tivessem sido comunicadas todas as condições do negócio, designadamente a identidade da sua nova senhoria, os recorrentes poderiam ter comunicado a sua intenção de exercer a preferência.
15- Por outro lado, tendo em consideração a data da celebração da escritura pública de transmissão da fracção autónoma dos autos, dia 23 de Maio de 2007, o regime legal aplicável para o exercício do direito de preferência no presente caso é o previsto no NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro).
16- Tanto pela aplicação do novo regime de comunicabilidade previsto no artigo 1068.º do Código Civil, como pelo teor das normas constantes dos artigos 9.º e 21.º, n.º1, ambas do NRAU, era fundamental que o recorrente marido tivesse sido notificado das condições essenciais do negócio para efeitos do exercício do direito de preferência.
17- Nos termos do artigo 12.º do NRAU “ se o local arrendado constituir casa de morada de família as comunicações previstas no n.º 2 do artigo 9.º devem ser dirigidas a cada um dos cônjuges”.
18- Esta norma acautela, especificamente, a necessidade de “ as cartas dirigidas ao arrendatário” serem dirigidas a cada um dos cônjuges, no caso de o local arrendado constituir casa de morada de família.
19- Assim, é indubitável que a comunicação para o exercício do direito de preferência tem sempre que ser comunicada a cada um dos cônjuges.
20- O que, no caso dos autos, manifestamente não sucedeu, tanto quanto à data em que a escritura se veio a realizar, como quanto à identidade da adquirente, ora recorrida.
21- Ao decidir, como decidiu, o acórdão recorrido, violou o disposto nos artigos 9.º, 12.º, 416.º a 418.º, 1068.º, 1091.º e 1410.º, todos do Código Civil, e, ainda, os artigos 9.º, 12.º, 59.º do NRAU (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro)
7. Factos provados:
1- Mediante Ap. 2. de 2007/02/08, foi registada a aquisição por partilha de herança a favor dos réus CC e DD da fracção autónoma designada pela letra «...», do prédio urbano sito na R. F... A... A..., n°..., descrito na ...a Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº .../..., freguesia de S. J... de B... (A).
2- No dia 23/5/2007 e no Cartório Notarial de M... C... foi outorgada a escritura pública a que se refere a cópia de fls. 39 a 43, cujo teor aqui se dá por reproduzido, mediante a qual os réus CC e DD, representados por FF, venderam à co-ré EE, a fracção autónoma referida em A. pelo preço, já recebido, de 150.000.00€ (B).
3- Essa aquisição mostra-se registada na Conservatória do Registo Predial referida em A., mediante Ap. ... de 2007/05/21 (C).
4- A 1a ré enviou à autora o escrito de fls. 15, datado de 22/2/2007, recebido no dia seguinte, mediante o qual lhe comunicou “venho informá-la que me foi proposto o valor de €150.000,00 (...) para a venda do referido andar, que está actualmente a si arrendado. Caso pretenda exercer o direito de preferência, na venda do andar acima referido, solicito que mo confirme por escrito, no prazo de oito dias a contar da recepção da presente carta, sob pena de em conformidade com os processos legais, ficar preterido o referido direito” (D).
5- A autora respondeu à la ré, por escrito de fls. 17, datado de 1/3/2007, mediante o qual lhe comunicou:
“Venho pela presente informar V. Exa. que a comunicação datada de 22 de Fevereiro de 2007 que me dirigiu relativa ao assunto em epígrafe não corresponde à forma legalmente exigida para o efeito, designadamente art. 9°, n°5 do NRAU. Por outro lado, para efeito de exercício do direito de preferência, na qualidade de arrendatária, deveria V. Exa. ter-me dado conhecimento dos elementos essenciais do negócio, concretamente e para além do preço, as condições de pagamento, datas, projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato. Não sendo assim, reservo-me no direito de poder exercer o direito de preferência que legalmente me assiste, quando a respectiva comunicação for efectuada pela, forma legal preconizada para o efeito (E).
6- Com data de 23/3/2007, os 1°s réus, por intermédio do seu advogado, enviaram à autora a carta de fls. 20, que esta recebeu em 27/3/2007, mediante a qual lhe comunicaram que a sua senhoria recebeu verbalmente uma “proposta de compra do andar a si arrendado, no valor de e 150.000, 00. (...) As condições de pagamento propostas são a pronto, isto é o preço é liquidado na integra na escritura de compra e venda, estando a data da mesma escritura agendada para as 11 horas do dia 20 de Abril do corrente, no cartório notarial de M... I... R... B... ( Solicito que as comunicações sejam efectuadas para o meu escritório, dado ser actualmente o representante legal da sua senhoria e a mesma se encontrar em França)(F).
7- A autora respondeu por carta de 4/4/2007, de fls. 23, mediante a qual comunicou: “venho pela presente informar que para efeitos de exercício do direito de preferência deveria V. Exa. ter dirigido a respectiva carta a cada um dos cônjuges nos termos do disposto no artigo 12° da NRAU, uma vez que o local arrendado constitui casa de morada de família como é do conhecimento de V. Exa. Assim e sem prescindir da mencionada formalidade legal, venho desde já informar que nas condições e preço comunicados, não pretendo exercer o direito de preferência que me assiste.”(G)
8- Os 1°s réus, por intermédio do seu advogado, enviaram ao autor o escrito datado de 12/4/2007, que este recebeu em 17/4/2007, de fls. 26, mediante o qual lhe comunicaram: “venho, na qualidade de procurador da proprietária do imóvel onde reside, informá-lo de proposta de compra do mesmo andar, pelo valor de 150.000,00€, pagos a pronto na outorga da escritura, sendo que as cláusulas da compra e venda serão as habituais de, formato notarial (H).
9- O autor não respondeu ao referido escrito (I).
10- A autora enviou ao procurador dos 1°s réus o escrito de fls. 28, datado de 11 de Maio de 2007, mediante o qual lhe comunicou: “venho pela presente reiterar o meu interesse na aquisição da fracção autónoma correspondente ao andar supra identificado, de que sou arrendatária, pelo preço de E 150.000,00 a liquidar no acto da escritura pública. Para tanto solicito que a respectiva escritura seja aprazada para 30 dias após a data da presente carta, tendo em vista ter tempo suficiente para poder disponibilizar os recursos necessários à transacção (J). 11- Os l°s réus, por intermédio do seu advogado, responderam à autora por escrito de fls. 31, datado de 15 de Maio de 2007, mediante o qual lhe comunicaram: “sou a informar que de acordo com a sua comunicação de 4 de Abril de 2007, não pretendendo exercer a preferência na compra do andar de que é inquilina pelo preço proposto, bem como a. falta de resposta no prazo legal do seu marido, à carta por mim enviada, preteriram a possibilidade da preferência no andar propriedade da minha cliente. A escritura que inicialmente estava marcada para 20 de Abril do corrente e como é do vosso conhecimento, foi adiada para 25 de Maio de 2007, no mesmo cartório e na mesma hora, em virtude da exigência do cumprimento do formalismo pelo seu marido, que apesar de viver em comunhão na mesma morada da senhora, exigiu ser pessoalmente notificado, não dando depois qualquer resposta à minha carta de 12 de Abril de 2007” (K). 12- Os l°s réus, por intermédio do seu advogado, enviaram aos autores o escrito de fls. 36, datado de 21 de Maio de 2007, onde comunicaram: “estarei indisponível para estar presente no dia 25 de Maio corrente, no Cartório inicialmente previsto, tendo solicitado à compradora que agendasse a mesma escritura para quarta ou quinta – feira. Hoje, ao final do dia, confirmou-me a mesma compradora que a escritura de compra e venda estava marcada para o Cartório Notarial da Dra. M... C..., em Lisboa, em frente à Conservatória do Registo Predial, depois de amanhã, dia 23, pelas 17H30 (L). 13- Desde data anterior a 1969 foi cedido temporariamente à autora o gozo da fracção referida em A., pelos anteriores proprietários, para sua habitação própria e do seu agregado familiar, constituído, para além da autora, pelo autor e por dois filhos, mediante contrapartida monetária mensal, actualmente de 77.00€ (1 e 2).
14- No decurso do mês de Abril de 2007 e após a recepção do escrito referido em H., o autor contactou por via telefónica o procurador dos l°s réus, comunicando-lhe que «os autores pretendiam exercer a preferência» (3).
15- Após a recepção do escrito referido em H., o procurador dos l°s réus indicou aos autores, pessoalmente, a nova data da celebração da escritura, em 25 de Maio seguinte, no mesmo Cartório e à mesma hora (4).
16- No dia 22 de Maio de 2007, pelas 16.51 horas, a advogada dos autores comunicou ao procurador dos 1°s réus, por telecópia, que os seus clientes se apresentariam no dia 25 seguinte, para a celebração da escritura, no Cartório Notarial da Dra. M...I... B... (5).
17- Pelas 17.01 horas do mesmo dia, o referido procurador dos 1°s réus respondeu àquele «fax», informando que a escritura seria antecipada para o dia 23 de Maio, pelas 17.30 horas, no Cartório Notarial da Dra. M... C..., em Lisboa e que essa informação já teria sido transmitida aos autores (6).
18- A carta referida em L. foi enviada no dia 22 de Maio de 2007, após as 21.00 horas e recebida no dia seguinte (7).
19- No dia 25 de Maio de 2007, pelas 11.00 horas, os autores deslocaram-se ao Cartório Notarial da Dra. M... I... B..., para a realização da escritura pública (8).
20- Tendo sido informados que a escritura em causa não estava elaborada por falta de documentação e porque não constava da agenda (9).
21- Os autores contraíram casamento, entre si, em 29/4/1956, declarando que o faziam em «regime de comunhão de bens», nos termos constantes do documento de fls. 213 a 215, cujo teor se dá por reproduzido.
Apreciando:
8. A questão essencial que se suscita no presente litígio é a de saber se na comunicação que o obrigado à preferência deve dirigir, nos termos do artigo 416.º do Código Civil, ao preferente legal, deve ser identificado o comprador e a data da escritura; e ainda se, caso tais elementos tenham sido omitidos, pode verificar-se uma renúncia válida e eficaz pelo preferente.
9. No caso vertente, pode considerar-se assente o seguinte:
- Que o obrigado à preferência nunca identificou o comprador ( ver supra 4, 6, 8da matéria de facto doravante referenciada apenas pelos números)).
- Que o obrigado à preferência na segunda comunicação ( ver supra 6) que dirigiu à preferente indicou o dia 20-4-2007 como data de escritura.
- Que os AA vieram a ter mais tarde (pelo escrito de fls 31, se não mesmo antes - supra 11 e 15) conhecimento pelo obrigado à preferência de que a escritura de compra e venda estava designada para o dia 25-5-2007; que lhes foi comunicada a antecipação da escritura para 23-5-2007 por carta de 22-5-2007 que foi por eles recebida no dia seguinte (18) e que por fax enviado para a advogada dos AA no dia 22-4-2007 foi dada informação da antecipação da escritura (17) mas os AA compareceram no dia 25-5-2007 (19) tendo sido informados que a escritura em causa não estava elaborada por falta de documentação e porque não constava da agenda (20).
10. A A. é arrendatária e, por conseguinte, assiste-lhe direito legal de preferência nos termos do artigo 1091.º do Código Civil.
11. Por isso, querendo o proprietário vender a terceiro o imóvel arrendado à A. , que é sua casa de morada de família (13 supra), impunha-se-lhe comunicar “o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato” (artigo 416.º do Código Civil).
12. A doutrina e jurisprudência maioritárias consideram que a identificação do comprador é um elemento que integra o projecto de venda.
13. E, ponto importante para a questão de saber se, quando não indicada, releva o juízo do obrigado à preferência, face à atitude do preferente, de que a este é indiferente a identificação do comprador, Menezes Cordeiro refere que
a decisão do preferente é puramente subjectiva: ele decidirá, como entender, na base de raciocínios económicos, estéticos, sociais ou outros. Muitas vezes o próprio, mesmo culto e informado, não poderá explicar o porquê último dos seus actos. Não vemos como o obrigado à preferência se possa arvorar em juiz do interesse “objectivo” do preferente. Se , a este, for indiferente a identidade do terceiro interessado, ele decidirá sem ter isso em conta. Isto dito, uma das funções históricas da preferência, é, justamente, o poder de exclusão de (certos) terceiros das relações negociais. Além disso, sem se indicar o terceiro interessado, não é possível configurar uma proposta concreta, nem muito menos, sindicá-la.” (Tratado de Direito Civil Português, 2010, II, Direito dos Obrigações, Tomo II, pág. 498/499).
14. Veja-se neste sentido Almeida Costa, 2009, Direito das Obrigações, pág. 446(nota 3), Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 2003, Vol I, pág. 254/257 que nos dá notícia dos vários entendimentos e que incisivamente refere que efectivamente, a função do pacto de preferência é permitir que o titular da preferência possa optar por contratar com o obrigado, em igualdade de condições com as que este conseguiu numa negociação com terceiro. Daí que, se a comunicação não indicar o nome do terceiro, não há qualquer hipótese de o titular da preferência verificar a veracidade das condições comunicadas, não fazendo qualquer sentido que ele possa exercer a preferência nessa situação. Propendemos, por isso, a considerar que o titular da preferência não tem que exercer o seu direito se na comunicação para preferência não for indicado o nome do terceiro.
15. Na jurisprudência importa relevar o Ac. do S.T.J. de 19-11-2002 (Silva Paixão) C.J., 3, pág. 133 (com indicação ampla de doutrina e jurisprudência), o Ac. de 5-7-2001 (Neves Ribeiro) (revista n.º 1765/01 -7ª secção) em que se refere:
III - A comunicação levada ao conhecimento do titular da preferência deve conter todos os elementos essenciais à venda que possam influir na formação da vontade do preferente.
IV - Assim, essa comunicação deverá mencionar, designadamente, o preço da coisa a alienar, as condições de pagamento, o prazo em que será celebrada a escritura, se haverá contrato-promessa prévio, dentro de que prazo e qual o valor do sinal, e quais os possíveis compradores que se apresentam, nomeadamente se gozarem de direito de denunciar o arrendamento (por exemplo, tratando-se de preferência legal decorrente de um arrendamento, especialmente, se este for urbano, destinado à habitação).
16. No mesmo sentido o Ac. do S.T.J. de 18-5-2004 (Silva Salazar) (revista n.º 1418/04 - 6ª secção) assim sumariado:
I - Para cumprir a obrigação de dar preferência ao arrendatário de prédio urbano na compra e venda ou dação em cumprimento do prédio locado, deve o senhorio comunicar-lhe, previamente as tais venda ou dação, não uma simples intenção de alienar, mas a existência de um projecto de contrato com terceiro ou terceiros, com determinadas cláusulas.
II - Dessas cláusulas deve o senhorio dar a conhecer ao arrendatário as que incluem os elementos essenciais do contrato, ou seja, aqueles elementos susceptíveis de determinar a formação da vontade do titular do direito de preferência no sentido de decidir se irá ou não exercer tal direito.
III - Tais elementos são os que respeitam não só à identificação do prédio e à indicação do preço a praticar, mas também à modalidade do pagamento deste e à identificação do interessado na aquisição.
IV - Não sendo feita comunicação nesses termos, não há caducidade do direito de preferência nem renúncia ao seu exercício, renúncia esta que, se tiver lugar sem eficaz comunicação prévia do projecto de alienação, é também ineficaz.
V - Não há, assim, renúncia ao direito de preferência se no decurso de uma conversa um proprietário manifesta ao titular desse direito a sua intenção de vender determinado imóvel e o mesmo titular manifesta desinteresse na compra.
VI - Não revela, só por si, abuso de direito, o facto de o titular do direito de preferência o exercer após ter manifestado tal desinteresse.
17. E ainda: Ac. do S.T.J. de 19-3-2009 (Alberto Sobrinho) (P. 445/2009) 09B0445 in www.dgsi.pt.
18. Alguma jurisprudência tem sustentado, dentre os elementos que devem ser comunicados, impor-se distinguir os que são essenciais daqueles que assim não deve ser considerados, incluindo nestes últimos o nome do comprador, o local e a data da realização do contrato projectado; quanto a estes impor-se-ia atender às “especificidades concretas do caso”: Ac. do S.T.J. de 6-5-1998 (Miranda Gusmão) C.J., 2, pág. 72; foi este também o entendimento seguido no acórdão recorrido em que se menciona expressamente o Ac. do S.T.J. de 2-10-1997 (Lúcio Teixeira) publicado em www.dgsi.pt e assim sumariado:
III - A eficácia da renúncia não é prejudicada por não se ter dado conhecimento de quem era o futuro comprador se não se provar que tal circunstância era essencial para a decisão do preferente.
19. Não se vê razão para uma tal distinção pois, como acentua Carlos Lima,
a comunicação deve conter todos os elementos essenciais do contrato projectado e tudo o mais que integra o respectivo conteúdo, e não apenas como se tem entendido - aquilo que se julgue poder influenciar a decisão do titular do direito de preferência no sentido de exercer ou não.
Aliás, mesmo em relação a elementos que objectivamente pareçam marginais, pode acontecer que, em concreto, em relação ao titular do direito de preferência, tenham significativa relevância na perspectiva da posição a tomar.
Assim, não cabe ao vinculado à preferência - e pode ser juridicamente arriscado - fazer distinções no conteúdo e comunicação, permitindo-se antecipar juízos sobre o que pode relevar, ou não, na decisão do titular do direito de preferência quanto a exercê-lo ou não” (“ Direitos Legais de Preferência. Estrutura” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, IV Volume, Novos estudos de Direito Privado, pág. 501).
20. Constata-se que mesmo aqueles autores que sustentam admitir-se casuística diferenciando as situações em que o conhecimento da identidade do comprador corresponde a um interesse do preferente digno de protecção legal daquelas outras em que não se vislumbra esse interesse, eles reconhecem que esse interesse ocorre “nos casos de compropriedade, arrendamento ou venda de um bem familiar com valor estimativo para o beneficiário ( como sucederá muitas vezes na preferência legal instituída a favor dos co-herdeiros em caso de venda a estranhos do quinhão hereditário, nos termos do artigo 2130.º)”: ver João Redinha, “ Natureza Jurídica da Obrigação de Preferência e Consequências do seu Incumprimento” in Estudos de Homenagem a Cunha Rodrigues, pág. 610(nota 15).
21. No caso vertente verifica-se que os autores não centraram a sua pretensão no incumprimento da obrigação de identificação do interessado adquirente, mas na circunstância de ter havido má fé dos obrigados à preferência com a alteração da data da escritura. É que os autores consideraram ter exercido tempestivamente a preferência na sequência da comunicação que foi enviada ao marido da arrendatária e, por isso, de algum modo essa questão estava prejudicada.
22. No entanto, esse pressuposto foi posto em causa. Primeiro, porque se entendeu que a autora renunciou com a sua resposta datada de 4-4-2007 ( ver supra 7)ao exercício da preferência; e depois porque, não se impondo a comunicação ao marido da arrendatária mas apenas à própria dada a incomunicabilidade do arrendamento, não relevava a aceitação ulterior decorrente dessa comunicação cuja tempestividade também se suscitaria face à prova produzida dadas as regras do ónus da prova (cf. 8 e 14 supra).
23. Ora o acórdão recorrido, aceitando que importa distinguir, face à posição assumida pelo preferente, a essencialidade ou não da identificação do comprador, concluiu no sentido de que in casu não era essencial , para os autores, o conhecimento da identidade do interessado na aquisição do imóvel até porque os autores, na petição ( cf. artigo 7.º), referiram, face à comunicação recebida ( ver supra 6) que “ a autora teve conhecimento dos elementos essenciais do negócio e da data e local da realização da escritura de compra e venda no dia 27-3-2007 através da carta datada de 23-3-2007 […] [ conforme documentos que se juntam)”.
24. O acórdão considerou-os, assim, inteirados dos elementos essenciais do negócio. Ora, ainda segundo o acórdão, se não lhes foi comunicada a identidade do comprador e eles se consideram inteirados “ dos elementos essenciais do negócio” é bom de ver que tal elemento não era essencial. Daí que a resposta constante do doc. n.º 6 ( ver supra 7) traduza uma renúncia efectiva uma vez pressuposto que houve uma comunicação válida e eficaz nos termos do artigo 416.º do Código Civil. Seguidamente, impor-se-ia analisar, como sucedeu, a questão de saber se o marido da autora deveria ter sido notificado para o exercício da preferência, como foi, mas reconhecendo o acórdão que tal comunicação não era devida e, por conseguinte, não podia por esta via ter-se por válida a aceitação.
25. Situamo-nos no âmbito de questão de direito com importância decisiva na sorte do litígio saber se afinal houve ou não houve uma comunicação efectiva nos termos do artigo 416.º do Código Civil não obstante a omissão da identificação do comprador.
26. Já se vê, pelo exposto, que não se nos afigura dever introduzir aqui distinções pois o que se pretende é que o preferente disponha de todos os elementos que se consideram necessários para o exercício da preferência cumprindo-lhe então decidir esclarecidamente.
27. Assim não sucedendo, a comunicação não produz efeitos e não tem qualquer relevância a atitude que o preferente venha a assumir, ressalvando-se sempre situações que possam configurar um abuso do direito.
28. No caso vertente, atente-se ainda em dois aspectos:
- A autora nunca afirmou ser-lhe indiferente o comprador, pois referiu tão somente que "assim e sem prescindir da mencionada formalidade legal, venho desde já informar que nas condições e preço comunicados, não pretendo exercer o direito de preferência que me assiste"
- A autora, quando admite estar inteirada com a carta de 23-3-2007 (supra 6) dos elementos essenciais do negócio, refere-se naturalmente àqueles elementos essenciais que lhe foram indicados, nada refere quanto ao elemento essencial que é a identificação do comprador.
29. Veja-se ainda, avançando no plano da casuística - reconhecendo-se que se em muitos casos ela atenua o rigor da lei, ela é em muitos outros factor de insegurança jurídica - que afinal os autores iriam ver a sua pretensão soçobrar dado o exercício intempestivo do seu direito, a considerar-se não se impor junto do marido da autora a comunicação a que alude o artigo 416.º do Código Civil, e isto apesar de os obrigados à preferência terem considerado que se justificava essa comunicação; e depois viam soçobrar a sua pretensão porque não tinham assumido desde logo que não estavam devidamente informados de todos os elementos essenciais do negócio, elementos que cumpria ao obrigado à preferência indicar ( é dele o ónus da prova de que comunicou todos os elementos: ver artigo 342.º do Código Civil) porque partiram do pressuposto de que a preferência fora exercida tempestivamente com a terceira comunicação, esta dirigida ao marido da arrendatária.
30. A sentença de 1ª instância, no plano da apreciação de direito, considerou que a notificação deficiente é equiparável à falta de notificação, significando isto que “ a autora, enquanto arrendatária habitacional desde antes de 1969, manteve o seu direito de preferência na compra e venda realizada em 23-5-2007, tudo se passando como se nenhuma notificação ou comunicação lhe houvesse sido feita” e , deste modo, resultam prejudicadas as excepções de renúncia, abuso e caducidade do direito. E assim se deve entender.
Concluindo:
I- O preferente deve, na comunicação a que alude o artigo 416.º do Código Civil, identificar o terceiro interessado na aquisição.
II- Se o não fizer, a comunicação é ineficaz e, por conseguinte, não releva, como renúncia, a declaração do preferente, designadamente aquela em que diz que “ nas condições e preços comunicados, não pretendo exercer o direito de preferência que me assiste”
Decisão: concede-se a revista, subsistindo, consequentemente, a sentença de 1ª instância.