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DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS
FORÇA PROBATÓRIA
Sumário
I- As declarações de rendimentos de pessoas singulares para efeitos fiscais (IRS) são documentos particulares em que o contribuinte é o declarante, a administração fiscal a declaratária, sendo as seguradoras terceiros. II- Os elementos que integram tais declarações, quando invocados por terceiros, estão sujeitos, quanto à força probatória, à regra da livre apreciação pelo tribunal. III- A norma do n.º 7 do art. 64º do DL n.º 291/2007, na redacção do DL n.º 153/2008, não exclui do regime de prova livre as declarações fiscais dos contribuintes, apesar de dever o julgador atribuir aos elementos probatórios nela referidos como que um valor reforçado, utilizando-os como suporte de partida e componente predominante da prova do facto, mas sem que, por isso, lhe seja vedado conjugar esses elementos com outros meios de prova, pois que não se estabelece aí qualquer vinculação àquele meio probatório, exigindo-o para prova do facto, nem quanto à sua força probatória, concedendo-lhe o privilégio de excluir a atendibilidade de outras.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. - AA, BB e CC intentaram acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra DD-“Companhia de Seguros A... Portugal SA”, reclamando desta, a título indemnizatório, o pagamento das quantias de 108.238,61€ à Autora AA, de 10.000,00€ à Autora BB e de 28.231,25€ à Autora CC, acrescidas de juros de mora à taxa legal a contar da citação.
Alegaram, em síntese, que no dia 11 de Fevereiro de 2002, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula UD-...-..., conduzido pela Autora AA, e o pesado de mercadorias com a matrícula SP-...-..., seguro na aqui Ré, cujo condutor seguia distraído e com velocidade excessiva e acabou por embater no veículo “UD”, esmagando a sua frente. Mais alegaram que, em consequência desse embate, sofreram as Autoras danos não patrimoniais que deverão ser fixados em 30.000,00€ para a A. AA, 10.000,00€ para a A. BB e 10.000,00€ para a A. CC. Que a A. AA ficou a padecer de uma IPP para o trabalho de 23,5%, devendo ser-lhe atribuída uma indemnização de 65.970,87€, e teve ainda diversas despesas. A A. CCfrequentava na altura o 7º ano de escolaridade e ficou a padecer de uma IPP de 7%, o que lhe reduz a capacidade futura de ganho, devendo ser-lhe atribuída uma indemnização de 18.021,25€, e teve também danos decorrentes da roupa e sapatos, que ficaram inutilizados.
A Ré contestou, impugnando por desconhecimento a generalidade dos factos.
Julgada a causa, foi proferida sentença em que se decidiu:
“a) Condenar a Ré a pagar à Autora AA a quantia de €1.684,79 (mil seiscentos e oitenta e quatro euros e setenta e nove cêntimos) a título de danos patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
b) Condenar a Ré a pagar à Autora AA a quantia que se vier a liquidar relativamente à indemnização devida pela perda de capacidade de ganho e à indemnização devida pelo rendimento que deixou de auferir durante o período em que esteve sem poder trabalhar;
c) Condenar a Ré a pagar à Autora AA a quantia de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a data da presente sentença;
d) Condenar a Ré a pagar à Autora BB a quantia de €20.000,00 (vinte mil euros) a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
e) Condenar a Ré a pagar à Autora CC a quantia de €10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a data da presente sentença;
f) Condenar a Ré a pagar à Autora BB a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar desde a data da presente sentença”.
A Ré apelou, mas a Relação confirmou o sentenciado.
Pede ainda revista a Seguradora para requerer fixação de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos pela Autora AA ou a baixa do processo ao Tribunal da Relação para ampliação da base factual e ainda a redução da indemnização por danos morais da mesma A..
Para o efeito, argumenta nas conclusões com que encerra a alegação: 1ª) Constam dos autos elementos documentais com força probatória bastante para o tribunal poder e dever fixar o salário auferido pela coAutora AA, progenitora das menores cuja reparação indemnizatória ora não vai em causa; 2ª) Deve, pois, o tribunal de recurso, em aplicação do disposto nos arts. 729º e 730º CPC, fazer baixar os autos ao tribunal a quo, para este produzir a decisão mais adequada ao caso, fixando a indemnização devida a essa Autora para reparação do seu dano patrimonial futuro (relativo à IPG de 15%) com base nesses elementos documentais; 3ª) Porventura mesmo, se assim se vier a decidir, como se espera, ao abrigo do disposto no art. 722°/2 CPC, em conjugação com a redacção actual do art. 64°/7 DL 291/2007, na redacção dada pelo DL 153/2008, uma vez devidamente interpretado e aplicado incasu; 4ª) A indemnização fixada para ressarcimento dos danos morais desta mesma Autora acha-se sobrestimada, dissentindo logo dos normais critérios jurisprudenciais que mais comummente aplicados a casos semelhantes pelos tribunais superiores, em geral, devendo ser reduzida em conformidade com tais critérios de maior normalidade decisória; 5a) Aliás, essa Autora padecia já de morbilidade cervical prévia ao sinistro e suas sequelas que não devem servir para fundar, duplicando-as, duas indemnizações - seja a patrimonial e a não patrimonial, como emerge do aresto que vai assim impugnado.
A Recorrida apresentou contra-alegações.
Alega, no essencial, não ver inconveniente na fixação da indemnização que lhe é devida pelos danos patrimoniais, com recurso, quanto ao salário, aos documentos emanados da Segurança Social, propondo o respectivo critério e a verba de 55.000,00€ e, quanto ao dano não patrimonial, convoca as lesões descritas nas respostas aos quesitos 16º e seguintes, referindo, ao que interessa pôr em relevo, que “ficou a padecer, para toda a vida”, das elencadas nas respostas 16ª a 19ª.
Perante o alegado pela Recorrida em fundamentação da sua pretensão sobre danos morais, a Recorrente veio peticionar a sua condenação como litigante de má fé, em multa e indemnização, a pretexto de que a A. vem defender que a matéria das respostas aos quesitos 16º a 19º “representam a caracterização do estado de saúde em que ficou a mesma no post-sinistro (e por virtude dele)” bem sabendo que “ficou a padecer, quanto à matéria ora em causa, simplesmente de uma raquialgia residual …”.
A Recorrida não respondeu ao pedido de condenação em multa e indemnização.
2. - Como se extrai do conteúdo das conclusões da Recorrente e requerimento posterior, vem proposta a apreciação e decisão sobre as seguintes questões:
- Se, perante as declarações de IRS e certidão da Segurança Social juntas ao processo, deve considerar-se determinado o valor da retribuição auferida pela Recorrida, para efeito de fixação da perda de ganho e capacidade de ganho, ou determinar-se a ampliação da base factual, sempre tendo em conta a norma do n.º 7 do art. 64º do Dec.-Lei n.º 291/2007 (redacção introduzida/aditada pelo Dec.-Lei n.º 153/2008);
- Se é exagerado o montante atribuído à Recorrida como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, sendo de reduzi-lo a 15.000,00€; e,
- Se deve haver lugar à condenação da Recorrida como litigante de má fé, com fundamento no vertido nas suas contra-alegações.
3. - De entre a factualidade que vem assente, relevam, em função do objecto do recurso, os elementos que a seguir se transcrevem.
(…);
14. A autora AA nasceu no dia 1/10/1961 (Alínea L) da matéria de facto assente);
15. À data do embate a AA era saudável, fisicamente bem constituída, dinâmica e trabalhadora (Alínea M));
(…);
24. Em consequência do embate a autora AA sofreu traumatismo da coluna cervical, com contusão violenta e traumatismo da perna esquerda com escoriações (Alínea G));
25. Do local do embate, depois de desencarcerada, foi transportada para o S.U. do Hospital de S. Marcos – Braga (Alínea H));
26. No Hospital de S. Marcos foi assistida e submetida a estudo radiológico, sendo tratada conservadoramente (Alínea I));
27. Após o referido no artigo anterior teve alta, medicada com analgésicos e anti-inflamatórios, recolhendo a sua casa, onde se manteve em repouso (Alínea J) da matéria de facto assente);
28. Após o referido no artigo anterior, a autora AA sentia dores ao nível da coluna cervical e transição cervico-dorsal (Resposta ao quesito 8º);
29. Que se mantiveram e intensificaram (Resposta ao quesito 9º);
30. Recorreu aos Serviços Clínicos da Clínica Médico-Cirurgica de Santa Tecla – Braga e ao Centro de Saúde (Resposta ao quesito 10º);
31. Foi observada pelos Serviços de Ortopedia e Medicina Física e de Reabilitação na Clínica referida no anterior número 10º (Resp. 12º);
32. Onde lhe foi aplicado um colar cervical, que manteve até ao mês de Junho de 2002 (Resp. quesitos 13º e 14º);
33. No dia 8.3.2002 efectuou uma Ressonância Magnética da coluna cervical, que revelou rectilinização da coluna cervical (Resp. q.to 15º);
34. Discopatia em C5 – C6 com acentuada procidência discal difusa associada a osteofitose marginal que produz identação no cordão medular, comprimindo-o (Resposta ao quesito 16º);
35. Franca redução do diâmetro sagital do canal medular a nível de C5 – C6, visualizando-se uma medula comprimida e espalmada, com sinais de estenose foraminal bilateral (Resp. q.to 17º).
36. Discopatia mais acentuada à direita que pode justificar sofrimento radicular bilateral (Resp. 18º);
37. Discopatias incipientes a nível de C3 – C4 e C4 – C5, que não condicionam compressão medular ou radicular (Resp. 19º);
38. Teve indicação para fazer tratamento conservador e fisiátrico (Resp. ao quesito 20º);
39. Tratamento que efectuou na Clínica Médico-Cirurgica de Santa Tecla – Braga até ao fim do mês de Outubro de 2002 (Resp. ao q.to 21º);
40. Registou melhoria das cervicalgias e manteve rigidez do ombro esquerdo (Resposta ao quesito 22º);
41. Ficou a padecer de raquialgia residual (Resp. 24º);
42. A autora ficou a padecer definitivamente de stress pós-traumático (Resp. ao quesito 28º);
43. A autora, encarcerada no veículo que conduzia, manteve-se consciente. (Resp. 29º);
44. Entrou em pânico com o receio permanente de que o veículo se incendiasse a qualquer momento (Resposta ao quesito 30º);
45. Ficou a autora a padecer definitivamente de perturbações psico-afectivas com ansiedade (Resp. 31º);
46. Com ansiedade (sic) (Resp. ao quesito 32º);
47. Com insónias (Resposta ao quesito 36º);
48. Facilmente irritável e intempestiva com crises de cólera quer com familiares, quer com terceiros (Resp. 37º);
49. Em face do referido nos anteriores números a autora recorreu a um especialista em Psiquiatria, estando medicada com anti-depressivos e ansiolíticos (Resposta ao quesito 38º);
50. O referido nos anteriores artigos 41) e seguintes determinam à autora uma incapacidade parcial permanente para o trabalho de 15% (Resposta ao quesito 39º);
51. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas, tanto no momento do embate como no decurso do tratamento (Resp. ao q.to 40º);
52. As sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar (Resp. 41º);
53. Que a vão acompanhar durante toda a vida (Resp. ao q.to 42º);
54. Que se exacerbam com as mudanças de tempo (Resp. 43º);
55. As sequelas referidas provocaram-lhe o quantumdoloris quantificável no grau 3 numa escala de 1 a 7 (Resp. ao quesito 44º);
56. Não mais esqueceu a imagem do veículo SP a subir pelo veículo que conduzia levando a à sua frente (Resposta aos quesitos 49º e 50º);
57. As filhas da autora seguiam consigo como passageiras (Resp. 51º);
58. No momento do embate apenas passou pela cabeça da autora AA que ia morrer (Resposta ao quesito 52º);
59. Que as suas filhas iam assistir à sua morte (Resposta 53º);
60. A autora temeu pela vida das suas filhas (Resp. ao q.to 54º);
61. Em face do referido no anterior número 37º a autora AA tem momentos em que isola de tudo e de todos (Resposta ao quesito 55º).
(…);
87. A Autora AA exercia actividade profissional auferindo quantia não apurada (Resp. aos q.tos 95º e 96º);
88. Por causa das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter a autora sofreu período de incapacidade temporária profissional geral de 325 dias (Resposta ao quesito 97º).
89. A Autora AA cessou a relação laboral que mantinha ao tempo do embate (Resp. aos quesitos 98º, 99º, 100º e 101º).
4. - Mérito do recurso.
4. 1. - Alteração ou ampliação da matéria de facto.
4. 1. 1. - A Recorrente invoca a norma do art. 722º-2 CPC, em conjugação com “a boa aplicação ao caso dos autos do disposto pelo DL 153/2008”, para que, em conformidade com o que consta do “extracto de registos de remunerações” referentes à Recorrida emitido pela Segurança Social e declarações de IRS se proceda à fixação do salário para efeitos de reparação indemnizatória.
A Relação, apesar de confrontada com a questão, não a abordou directamente, limitando a discussão à decisão de relegar a fixação da indemnização para decisão ulterior, dando por assente a ausência de prova do salário sem se debruçar sobre a invocada repercussão dos documentos na alteração dos fundamentos de facto dessa decisão.
Tal não obstará, porém, a que este Tribunal aprecie a questão colocada, invocada, como vem, a violação da força probatória de prova documental, a coberto da excepção prevista no n.º 2 do art. 722º CPC.
4. 1. 2. - Antes de prosseguir, importa alinhar alguns elementos pertinentes ao enquadramento e melhor compreensibilidade do problema, a saber:
- A acção foi intentada em Julho de 2004 e o acidente ocorreu em Fevereiro de 2002;
- A A. AA articulou que exercia a profissão de empregada de balcão, com o salário mensal de 1.045,00€, 14 vezes por ano, matéria que passou a integrar os quesitos 95º e 96º;
- Na fase de julgamento, a A. fez juntar um “recibo de vencimentos”, referente ao mês de Janeiro de 2002, do mencionado montante líquido, após dedução de 114,95€ de Taxa Social Única, emitido por EE, em que aquela figura como empregada de balcão, que foi objecto de impugnação;
- A requerimento da Ré foram requisitadas as declarações de IRS relativas aos anos de 2001 a 2003 e o Tribunal requisitou também à S.S. informação sobre as contribuições da A. durante o ano de 2003;
- Aos ditos quesitos 95º e 96º o tribunal respondeu estar apenas provado que a A. “exercia actividade profissional, auferindo quantia não apurada”;
- No despacho de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, no tocante à resposta em causa consignou-se:
“Objecto de controvérsia e discussão em audiência foi a matéria relativa à situação profissional da autora AA ao tempo do embate.
Os elementos probatórios produzidos a este propósito são contraditórios e não conciliáveis entre si.
Por um lado, todas as testemunhas arroladas pela autora afirmaram que esta desempenhava, ao tempo do embate, actividade profissional, tendo as testemunhas FF (amiga da autora AA) e GG(seu irmão) referido que desempenhava tal actividade numa empresa de um irmão, tendo ainda a última precisado que auferia um vencimento superior a mil euros.
O documento de fls. 468 consubstancia um recibo de vencimento relativo a Janeiro de 2002, em que figura como empregador EE (irmão da autora) e como empregada a autora, dele constando o vencimento de liquido de 930,05 euros (após dedução da taxa social única de 11 %).
Porém, nas declarações para efeitos de IRS apresentadas pela autora e seu marido, relativas aos anos de 2001, 2002 e 2003, não consta que a autora tenha auferido nesses anos qualquer rendimento do trabalho.
Por outro lado, a segurança social informou nos autos (cfr. fls. 489), em cumprimento duma primeira solicitação, que a autora AA se encontrava inscrita na segurança social com o n° ... e não apresentava, relativamente ao ano de 2002, qualquer registo de remunerações (sendo certo que identificava nessa informação a autora como 'AA', com residência na Rua A... C..., ..., ...° Esq., S. L..., B... - a morada constante da petição inicial). Face a nova solicitação, mediante informação da autora de que o seu número de beneficiária tinha sofrido alteração (indicando como número de beneficiária o número ...), a segurança social informou que aquela (identificando-a agora como 'AA', residente na Rua A... C..., n° ..., ...°, S. L..., B...) se encontrava inscrita na segurança social e que o seu número de beneficiária era o ..., enviando os extractos dos registos das remunerações respeitantes ao período compreendido entre Janeiro de 2001 e Janeiro de 2003, identificando também a entidade empregadora e mencionando ainda que a autora tinha sido admitida ao serviço da entidade empregadora em Junho de 2000 (c&. fls.494 a 497) - entidade empregadora que é identificada como HH, e sendo certo que aí consta o valor de 880,00€ a título de remuneração permanente, não consta já dos registos qualquer hiato no pagamento dessa remuneração (designadamente no período em que, em consequência do acidente, a autora sofreu incapacidade temporária profissional total - atente-se no facto de, como resulta do relatório pericial de fls. 158 a 160, a autora ter sofrido, em consequência do evento, incapacidade temporária profissional total por um período de 325 dias).
Como se disse, estes elementos probatórios não são entre si conciliáveis - antes pelo contrário, contrariam-se e anulam-se mutuamente.
Do recibo de vencimento junto pela autora resulta que a sua entidade patronal é EE, aí constando também a realização de desconto relativo à taxa social única de 11 %, mencionando-se como número de beneficiária da autora na segurança social o n° ... .
O teor desse documento, além de não encontrar suporte nas declarações de IRS, não encontra também suporte na primeira informação da segurança social (que refere o número de beneficiária nele aludido), pois que aí se informa que a autora não apresenta registo de remunerações relativamente ao ano de 2002 (e o recibo respeita exactamente ao primeiro mês desse ano). Acresce que o teor desse recibo é contrariado pela segunda informação da segurança social, considerando que aí se informa que a entidade patronal da autora, desde Junho de 2000 até final de 2003, é pessoa diferente da que nesse recibo de vencimento consta - e realce-se que nenhuma das testemunhas aludiu ao facto de a autora ter dois empregos em simultâneo.
A segunda informação da segurança social é contrariada não só pelo documento (recibo de vencimento) junto aos autos pela autora, como também pelo depoimento das testemunhas por ela arroladas - que referiram que a autora, ao tempo do embate, trabalhava na empresa do seu irmão, em E..., B.... Mostra-se também essa segunda informação da segurança social inconsistente pelo facto de não reflectir o período de doença que a autora sofreu em consequência do acidente - facto este a que já acima se aludiu.
Esta inconsistência, inconciliabilidade e incompatibilidade dos elementos documentais assinalados não foi arredada pelos depoimentos das testemunhas, razão pela qual não pode o tribunal fundar sobre a matéria convicção segura, salvo no que se refere ao facto de a autora exercer actividade profissional - todas as testemunhas o referiram e a contradição acima exposta entre os elementos probatórios produzidos refere-se tão só à sua entidade patronal (e vencimento)”.
4. 1. 3. - Se bem interpretamos, a Recorrente entende, e pretende ver aqui declarado, que, por via do que se dispõe no n.º 7 do Dec.-Lei n.º 291/97 (redacção do DL 153/2008, de 6/8), a declaração de IRS e o extracto de remunerações remetido à Segurança Social devem ser tratados como documentos dotados de força probatória plena para efeitos de prova dos salários, isto é, como elementos de prova a que a lei fixa força probatória insusceptível de destruição por outros meios de prova ou sobre eles prevalecentes, ao abrigo dos disposto no 2º segmento do n.º 2 do dito art. 722º.
Por isso, e em consequência, poderia este Tribunal de revista utilizar o conteúdo desses documentos e, perante as declarações deles constantes, determinar um salário, assim alterando a matéria de facto, designadamente quanto ao que resulta da resposta aos quesitos 95º e 96º.
O recurso visa, em termos práticos, a alteração da matéria de facto com fundamento em erro das Instâncias quanto à valoração do conteúdo dos documentos, nos termos em que o n.º 7 do aludido art. 64º o prevê.
Ora, uma vez que, como é entendimento firmado, o Supremo só conhece, em regra, de matéria de direito, tendo os seus poderes limitados ao pressuposto da verificação de uma das situações excepcionadas no n.º 2 do art. 722º, ou seja, a violações de direito probatório material, tudo se reconduz a saber se a norma do convocado n.º 7 do art. 64º atribui força probatória plena ao conteúdo dos documentos a que alude.
Relativamente às declarações de IRS, está-se perante documentos particulares (arts. 369º e 373º-1 C. Civil).
É claro que, se os aludidos documentos forem dotados de força probatória plena contra a Recorrida, designadamente como medida dos seus proventos, então o referido ponto de facto tem de considerar-se não escrito na medida em que admita rendimentos de montante superior aos declarados nos documentos, para valer a declaração neles aposta. É o que resulta da conjugação do disposto nos arts. 393º-2 C. Civ. e 646º-4 e 659º-3, ambos do CPC.
No art. 376º-1 e 2 C. Civ. dispõe-se que o documento particular cuja autoria seja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (...), considerando-se provados os factos compreendidos na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
A norma transcrita deve ser interpretada no sentido de que a prova plena do documento particular, quanto aos factos compreendidos nas declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que sejam contrárias aos interesses do declarante, se restringe ao âmbito das relações entre o declarante e o declaratário, ou seja, quando invocadas por este contra aquele.
Quer dizer, os factos contidos no documento hão-de considerar-se provados na medida em que, como declaração confessória, possam ser invocados pelo declaratário contra o declarante – emanação dos princípios da confissão, com a inerente eficácia probatória plena do documento restrita às relações inter-partes. Relativamente a terceiros – os não sujeitos da relação jurídica a que respeitam as declarações documentadas -, a eficácia probatória plena cederá, para ficar a valer a declaração apenas como elemento de prova a apreciar livremente (vd. BMJ 268º-204 e 318º-415; CJ XIII-5º-197; e VAZ SERRA, RLJ. 114º-287).
No caso, a Recorrida é autora das declarações constantes dos documentos mas, seguramente, o declaratário é a administração fiscal, tendo as declarações em causa sido prestadas ao Fisco, no âmbito duma relação jurídica fiscal.
O declaratário é o Fisco, que não a Recorrente. Esta é, relativamente às relações da Recorrida com a administração fiscal, terceiro.
Daí que, perante tais princípios e regime legal, o conteúdo dos documentos que integram as declarações fiscais de IRS, estejam sujeitos, quanto à força probatória, à regra da livre apreciação do tribunal (art. 361º C. Civ.), não podendo reclamar-se eficácia probatória de valor superior.
A esta luz, vedado está este Tribunal de revista proceder à alteração da matéria do sobredito ponto de facto.
O conteúdos das declarações de IRS, face ao alegado e provado pela Autora, mostra já não ser verdadeiro o nelas declarado, pois que foi omitido o percebimento de qualquer rendimento (não sendo caso de actuar o disposto no art. 132º CIRS dado o lapso temporal já decorrido).
A omissão, porém, deverá encontrar repercussão e produzir eventuais efeitos na sede que lhe é própria, isto é, na relação contribuinte – Fisco, e só nela, estranha que é à que se discute neste processo.
4. 1. 3. - A Recorrente não invoca nenhum valor probatório especial no tocante ao extracto das remunerações constantes da informação da Segurança Social.
Não está em causa a fidedignidade da autoria do documento nem a correspondência à verdade do que dele fez constar a entidade pública que o emitiu.
O que acontece é que, ao que ora releva, se está perante um registo que se limita a reflectir a declaração prestada mensalmente por uma entidade empregadora relativa ao montante salarial pago ao seu empregado.
Para efeitos probatórios, não é de questionar a declaração prestada pelo funcionário da SS que subscreve o documento ou factos por ele percepcionados, mas já o será o conjunto de sucessivas declarações enviadas à SS por outrem, terceiro em relação às Partes, na alegada qualidade de empregador da beneficiária (art. 371º-1 C.C.).
Fica, pois, adquirido que, para efeito de prova de réditos percebidos, os registos de remunerações encontram-se subraídos à força probatória plena, quer por via do art. 371º quer do art. art. 376º, ambos do C. Civil.
4. 1. 4. - Aqui chegados, resta averiguar se o recentemente introduzido n.º 7 e ss. do art. 64º do Regime do Seguro Obrigatório é susceptível de alterar o quadro factual atendível, por via de modificação da força probatória dos documento a que alude.
As normas, inseridas no preceito sobre “Legitimidade das partes e outras regras”, são do seguinte teor:
“7 - Para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal.
8 - Para os efeitos do número anterior, o tribunal deve basear-se no montante da retribuição mínima mensal garantida (RMMG) à data da ocorrência, relativamente a lesados que não apresentem declaração de rendimentos, não tenham profissão certa ou cujos rendimentos sejam inferiores à RMMG”.
Ora, não se vê no conteúdo transcrito a atribuição de força probatória plena aos documentos que titulem o cumprimento das obrigações fiscais dos lesados, maxime as declarações para efeito de liquidação do IRS.
O que resulta das normas sob interpretação é que o tribunal deve atribuir a esses elementos probatórios como que um valor reforçado, utilizando-os como suporte de partida e componente predominante da prova do facto, mas sem que, por isso, lhe seja vedado conjugar esses elementos com outros meios de prova, pois que não se estabelece aí qualquer vinculação àquele meio probatório, exigindo-o para prova do facto, nem quanto à sua força probatória, concedendo-lhe o privilégio de excluir a atendibilidade de outras.
Que assim será afigura-se-nos indubitável se atendermos à motivação do legislador expressa no preâmbulo do Dec.-Lei, onde fez constar:
(…)
“Uma das medidas previstas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 172/2007, de 6 de Novembro, diz respeito à «revisão do regime jurídico aplicável aos processos de indemnização por acidente de viação, estabelecendo regras para a fixação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados para servir de base à definição do montante da indemnização, de forma que os rendimentos declarados para efeitos fiscais sejam o elemento mais relevante». Com efeito, hoje sucede que a determinação do valor dos rendimentos auferidos pelos lesados em processos de indemnização por acidente de viação, na medida em que contribuem para a definição do quantum indemnizatório por danos patrimoniais, gera litígios evitáveis, uma vez que as seguradoras, em regra, baseiam o respectivo cá1culo nos rendimentos declarados pelos lesados à administração tributária, ao passo que os sinistrados, não raras vezes, invocam em juízo rendimentos bastantes superiores, sem qualquer correspondência com as respectivas declarações fiscais. Trata-se, portanto, de uma área que, em razão da potencial litigiosidade que lhe está associada, requer a aprovação de regras mais objectivas, que baseiem o cálculo da indemnização, quanto aos rendimentos do lesado, na declaração apresentada para efeitos fiscais. Assim, não obstante o avanço trazido pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que veio fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal, toma-se imperioso pôr cobro ao potencial de litigiosidade que aquela situação encerra, procurando, por um lado, contribuir para acentuar a tendencial correspondência entre a remuneração inscrita nas declarações fiscais e a remuneração efectivamente auferida - sinalizando-se também aqui, o reforço de uma ética de cumprimento fiscal -, e, por outro, aumentar as margens de possibilidades de acordo entre seguradoras e segurados, evitando o foco de litigância que surge associado à dissemelhança de valores que estas situações comportam. A introdução desta regra contribui igualmente para que nestas matérias exista mais objectividade e previsibilidade nas decisões dos tribunais, criando também condições para que a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa”.
Vê-se, em confirmação do que acima se propôs, que o que se pretende é que o Tribunal utilize “os rendimentos declarados para efeitos fiscais” como “o elemento mais relevante”, buscando uma maior objectividade e aproximação entre a remuneração declarada ao Fisco e a efectivamente auferida, assim “contribuindo para acentuar a tendencial correspondência” e que “a produção de prova seja mais fácil e célere e a decisão mais justa”, o que tudo pressupõe a admissão do concurso de outras provas, todas no campo da livre apreciação, sem prejuízo de o suporte de arranque mais relevante dever ser a declaração fiscal.
Assim sendo, mais uma vez tem de concluir-se que está fora dos poderes deste Tribunal de revista, a coberto das normas da 2ª parte do n.º 2 do art. 722º, interferir na matéria de facto que vem fixada pelas Instâncias, no uso das respectivas competências de valoração da prova de livre apreciação, nomeadamente quanto ao ponto específico da determinação da remuneração da Recorrida, mediante utilização da declaração de IRS, por não excluída do regime de prova livre pelo n.º 7 do art. 64º do DL 291/2007 (redacção do DL n.º 153/2008).
4. 1. 5. - Resta dizer que, mesmo que se aderisse ao entendimento da Recorrente, sempre seria de considerar inaplicáveis as normas em referência neste processo.
A estar-se, como propõe a Recorrente, perante preceito cujo conteúdo será o de determinar o valor de certo meio de prova, no caso a declaração fiscal da remuneração, a norma terá a natureza de direito probatório material.
Depois, o documento constitui uma prova pré-constituída, pois que não se forma no processo em que é utilizada
Acresce que a norma não tem por objecto dispor, com carácter geral, sobre a admissibilidade de um meio de prova, mas, antes, disporia sobre a força probatória de meio já anteriormente admitido, concedendo-lhe força probatória especial, do mesmo passo que a retiraria a outros meios concorrentes até aí de valor semelhante. O caso será, então, de introdução de alterações ao direito probatório material relativamente a factos especialmente considerados.
Ora, assim sendo, restringir-se-á o campo dos meios de prova admissíveis, reconduzindo-os, de modo exclusivo ou privilegiado, na medida da desconsideração dos restantes meios de prova, ao documento que encerra a declaração fiscal.
Por isso, conclui-se, enquanto norma de direito probatório material, relativa a prova documental, dispondo sobre uma específica categoria de factos, se interpretado como restritivo dos meios de prova anteriormente admissíveis o preceito contido no n.º 7 do DL n.º 291/2007 não será de aplicação imediata aos processos pendentes, sendo-lhe antes aplicável o princípio tempus regit actum – art. 12º C. Civil (cfr. sobre o ponto, ANSELMO DE CASTRO, “Lições de Processo Civil”, 1970, I, 116 e ss.; M. ANDRADE, “Noções Elementares”, 47).
Remontando, como aludido, a instauração da acção a Julho de 2004, a pretensão da Recorrente não merece acolhimento.
4. 2. - A Recorrente pede também a baixa do processo para ampliação da base factual, com base nos elementos documentais já identificados, nos termos do art. 729º CPC.
Não se encontra fundamento para deferimento da pretensão.
O preceito invocado prevê, no seu n.º 3, que, excepcionalmente, o Supremo reenvie o processo às Instâncias para ampliação da matéria de facto quando entenda que essa ampliação se torna necessária para a aplicação do direito.
O Supremo não conhece, também aqui, da matéria de facto, mas determina, quando tal se imponha, a sua apreciação pelo tribunal recorrido, sem se imiscuir na respectiva fixação, apenas como objectivo de lhe aplicar o devido regime jurídico.
Pressupõe a aplicabilidade da norma que o Tribunal de revista constate a alegação de matéria de facto pelas partes que não tenha sido devidamente considerada e submetida a produção de prova e apreciação.
Ora, como resulta do exposto no ponto anterior, não se depara com tal situação.
A matéria pertinente foi levada à base instrutória, foi objecto de prova e as provas foram objecto de valoração como facilmente se constata do completo despacho de fundamentação da decisão de facto.
Nada há, pois, a ampliar, designadamente a sugerir a devolução do processo nas Instâncias para tal fim.
4. 3. - Danos não patrimoniais.
4. 3. 1. - A Recorrente queixa-se do valor fixado como compensação pelos danos morais, que considera sobrestimado, dissentindo, por um lado, dos normais critérios jurisprudenciais comummente aplicados a casos semelhantes, sendo que, por outro lado a Autora padecia já de morbilidade cervical prévia ao sinistro e suas sequelas que não devem servir para fundar, duplicando-as, a indemnização patrimonial e a não patrimonial.
4. 3. 2. - Antes de mais, impõe-se reafirmar que a este Tribunal está vedada qualquer reapreciação da matéria de facto não excepcionalmente abrangida pela previsão da 2ª parte do n.º 2 do CPC, havendo de limitar-se, quando não esteja em causa violação de normas sobre direito probatório material, com desrespeito pela prova vinculada, a aplicar aos factos fixados pelas Instâncias o regime jurídico tido por adequado (art. 729-1 CPC).
Vem isto a propósito da convocação, pela Recorrente, do relatório pericial relativo às lesões sofridas pela Recorrida no acidente, suas sequelas e da alegada existência de lesões cervicais anteriores com sequelas a que as provocadas pelo acidente terão vindo sobrepor-se de que tal relatório dará conta.
Ora, qualquer que seja o conteúdo do relatório pericial e a interpretação que melhor lhe caiba, certo é que sobre ele, como elemento de prova, recaiu apreciação dos julgadores para responder à base instrutória sendo, como outros elementos eventualmente considerados, um meio de prova de livre apreciação e, consequentemente, de valoração exclusivamente reservada às instâncias – arts. 389º C. Civil e 591º CPC.
Não poderá, portanto, este Tribunal ater-se a outros factos que não sejam apenas os que vêm assentes, nos exactos termos que acima se transcreveram.
4. 3. 3. - A indemnização por danos não patrimoniais destina-se a, na medida do possível, proporcionar ao lesado uma compensação que lhe permita satisfazer necessidades consumistas que constituam um lenitivo para o mal sofrido.
Deve uma tal compensação abranger as consequências passadas e futuras resultantes das lesões emergentes do evento danoso –art. 496º-1 C. Civ..
Trata-se, num e noutro caso de prejuízos de natureza infungível, em que, por isso, não é possível uma reintegração por equivalente.
Na Jurisprudência vem sendo acentuada a ideia de que tais compensações devem ter um alcance significativo, e não meramente simbólico.
O critério legal de fixação é o recurso à equidade, atendendo ao grau de culpa do responsável, situação económica do lesante e do lesado e, entre as circunstâncias do caso, à gravidade do dano a que a compensação deve ser proporcionada, lançando mão, tanto quanto possível, de um critério objectivo (arts. 496º e 494º C. Civ.).
Para tanto, não podem deixar de ser ponderadas circunstâncias como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas sofridas e internamentos, o quantum doloris, o período de doença, situação anterior e posterior do ofendido em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver – seu diferencial global -, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras.
Como elemento a ponderar, concorre ainda a prática jurisprudencial na compensação de situações análogas.
Tais elementos - que a lei não define nem alude, pois que se queda por um conceito, também ele aberto ou indeterminado de “gravidade merecedora da tutela do direito”, a ser, a um tempo, medida da ressarcibilidade do dano e do respectivo quantum – foram devidamente convocados e ponderados pelas instâncias, no seu necessário confronto com a factualidade provada.
O quadro fáctico que reflecte a situação da Recorrida mostra claramente que em todos esses aspectos ela ficou muito severamente atingida.
A A. sofreu, em sede de lesões corporais, traumatismo da coluna cervical e traumatismo da perna esquerda, sendo que as lesões da coluna foram causa de várias discopatias, impuseram-lhe fortes dores, uso de colar cervical e tratamentos vários, durante cerca de nove meses, tendo ficado a padecer, como sequela permanente, de raquialgia residual; mais ficou a sofrer a recorrida de stress pós-traumático e de perturbações psico-afectivas, insónias e ansidedade; sofreu pânico, por ter ficado encarcerada e ter medo que o veículo se incendiasse; sofreu dores, quantificáveis no grau 3, e as mencionadas sequelas (raquialgia, stress e demais perturbações psico-afectivas) reflectem uma IPP de 15%; temeu pela vida das filhas que transportava na viatura acidentada, onde ficou encarcerada.
Revela-se, enfim, um quadro bastante gravoso com manifestações e reflexos no bem-estar físico e psíquico, passado e futuro, na vida de relação, familiar e social.
Crê-se, apesar disso, que o montante que vem atribuído se revela, efectivamente, excessivo e algo desproporcionado quando confrontado com os valores que a Jurisprudência vem praticando perante situações análogas.
De notar que a compensação devida pelo sofrimento psíquico associado às sequelas psico-afectivas valoradas na determinação do grau de incapacidade parcial permanente geral atribuído, na medida em que inclua tais consequências permanentes, também poderá ser contemplada na indemnização pelo denominado dano biológico, pois que não estará directamente associada ao exercício de qualquer concreta profissão.
Assim, ponderados todos esses elementos, tem-se por equitativa, por mais ajustada e adequada, a compensação de 20.000,00€, em substituição da de 25.000 que vinha atribuída.
4. 4. - Má fé.
4. 4. 1. - A Recorrente veio, em requerimento complementar, reclamar a condenação da Recorrida como litigante de má fé com fundamento em que esta vem defender que a matéria das respostas aos quesitos 16º a 19º “representam a caracterização do estado de saúde em que ficou a mesma no post-sinistro (e por virtude dele)” bem sabendo que “ficou a padecer quanto à matéria ora em causa, simplesmente de uma raquialgia residual”.
A Recorrida escreveu na sua alegação, reproduzindo o facto 24. que a A. sofreu traumatismo da coluna cervical, com contusão violenta, acrescentando, precedendo a transcrição do ponto 34 (resposta ao ponto 16), as expressões “«E ficou a padecer, para toda a vida» (itálico e sublinhado nossos) de discopatia em C5-C6 (…)”.
Numa palavra, a Recorrida afirmou que ficou a padecer para toda a vida das discopatias que a matéria de facto dá como verificadas na ressonância magnética efectuada em 8-3-2002 entendendo a Recorrente que isso é falso, pois que ficou a padecer apenas duma raquialgia residual, como consta do ponto 50 dos factos em que se dá como provado que o facto de padecer de raquialgia residual, stress, pânico e perturbações psico-afectivas determinam uma IPP de 15%, tendo, consequentemente deduzido oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar.
4. 4. 2. - As alegações das Partes, quanto ao ponto sob apreciação, incidem, ou deveriam incidir, sobre a factualidade relevante para valoração dos danos não patrimoniais, nos termos explanados no ponto anterior.
Nada tem de estranho, por isso, que a Recorrida, em sua contra-alegação, tenha convocado os pontos de facto relevantes para o efeito, acrescentando-lhes a interpretação que deles faz.
Aí em causa, diferentemente do que parece entender a Recorrente, está, não tanto a IPP - e as maleitas que a determinam e serviram de cálculo à respectiva fixação, pois que para este efeito apenas entram as sequelas incapacitantes -, mas as doenças que se sofreram, curadas ou não, mantenham ou não manifestações ou sintomas, com o sem reflexo na capacidade laboral.
Ora, percorrida a matéria de facto na sua globalidade, dela se colhe que: - a A. sofreu traumatismo da coluna cervical, com contusão violenta; - passou a ter dores na coluna cervical que se intensificaram; - efectuou a ressonância, que revelou as discopatias; - fez tratamentos e obteve melhoria das cervicalgias; - ficou a padecer de raquialgia residual.
Sabido que as discopatias são doenças nos discos intercervicais que, no caso, ao que, em sede de causalidade, induz a matéria de facto, foram provocadas pelo traumatismo/contusão violenta no acidente, e a raquialgia se traduz em dor na coluna vertebral (ráquis cervical) devida a alterações funcionais, traduzindo aqui raquialgia discal, não se nos afigura que a afirmação da Recorrida seguramente contenha extrapolação que a matéria de facto não suporte.
Com efeito, ao que do apurado se colhe, a sequela permanente “raquialgia residual”, considerada para efeito de fixação da IPP, é, ela mesma, a manifestação ou sintoma das discopatias, que são a doença que provoca as dores. Porque as discopatias não foram completamente curadas, mantendo-se uma parte residual da doença, terá ficado um também residual estado doloroso, a “raquialgia residual”
Consequentemente, a raquialgia residual permanente e definitiva, causada pelas discopatias com origem na contusão, pressupõe que seja também permanente e definitiva a doença de que ela é sintoma, ou seja, a discopatia.
Assim sendo, como parece ser, carecerá de fundamento, quanto a este ponto, ter, sem mais, por adquirida a imputação de falsidade à afirmação da Recorrida de se manterem para toda a vida as discopatias, sob pena de, em função da factualidade provada, se ficar sem saber qual a proveniência da raquialgia, como sequela para toda a vida.
Não se vislumbra, por isso, na expressão aditada, oposição infundada por parte da Autora, deduzida com dolo ou negligência grave, pelo que não se mostra tipificada conduta que, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 456º CPC, pelo motivo invocado, justifique a peticionada condenação por litigância de má fé.
4. 4. 3. - Uma nota final para deixar assinalado que, por não ter cabimento nesta fase do processo, em que só há lugar à apreciação da conduta das Partes na instância de recurso, fica necessariamente de fora a avaliação de outras alterações da verdade, como acontece quanto à questão da situação profissional e remuneratória da A., apesar da, aí sim, patente ausência de probidade, como acima se deixou notado a propósito das provas.
5. - Decisão:
Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
- Conceder parcialmente a revista e, consequentemente,
- Alterar a decisão recorrida na parte em que fixou em 25.000,00€ a compensação por danos não patrimoniais a pagar pela Recorrente à Recorrida, reduzindo-se essa quantia para 20.000,00€ (vinte mil euros);
- Condenar nas custas Recorrente e Recorrida, na proporção de ¾ e ¼, respectivamente.