REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA
PRINCÍPIO DA EXTRATERRITORIALIDADE
LEGITIMIDADE
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
DIREITO AO RECURSO
INTERESSE EM AGIR
CÚMULO JURÍDICO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PENA ÚNICA
NULIDADE
Sumário

I - O processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira é um processo especial, que se insere no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, mais concretamente quando para execução de uma sentença penal estrangeira, na sequência de pedido de transferência para Portugal de pessoa condenada – arts. 95.º, 100.º, 114.º, 115.º, 122.º e 123.º, da Lei 144/99, de 31-08.
II - No que respeita à questão da eficácia das sentenças estrangeiras, o sistema adoptado entre nós orienta-se de acordo com o princípio da extraterritorialidade, sendo um sistema misto: as sentenças estrangeiras só têm eficácia depois de revistas e confirmadas por um tribunal (superior), ou seja, a sentença estrangeira submete-se a um processo de revisão, destinado a verificar se deve ser concedido o exequatur, isto é, se a sentença está em condições de poder ser executada no território nacional. Embora sendo certo que a eficácia de sentença penal estrangeira, ou seja, a possibilidade de ser executada em Portugal, de acordo com a Lei 144/99, de 31-08, (Cooperação Judiciária em Matéria Penal) está dependente de pedido prévio de delegação ou de execução, cuja admissibilidade e deferimento estão subordinados à verificação de certas condições, entre elas a garantia por parte do Estado estrangeiro de que, cumprida a sentença em Portugal, considerará extinta a responsabilidade penal do condenado (al. h) do n.º 1 do art. 96.º), bem como da decisão do Estado Português a considerar admissível a execução da sentença em Portugal (n.º 4 do art. 99.º).
III - O pedido de revisão e confirmação de sentença penal condenatória estrangeira é regulado pela Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, feita em Estrasburgo, em 21-03-1983, pelos Estados membros do Conselho da Europa, incluindo o Estado Português e o Reino de Espanha, ratificada por Decreto do Presidente da Republica 8/93 e aprovada para ratificação pela Resolução da AR 8/93, (ambos publicados no DR, Série I-A, n.º 92, de 20-04-93), pelos arts. 95.º a 100.º – vide, art. 1.º, n.º 1, al. d), da Lei 144/99, de 31-08 – que aprova a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, com as alterações introduzidas pelas Leis 104/2001, de 25-08, 48/2003, de 22-08 e 48/2007, de 29-08 e pelos arts. 234.º a 240.º do CPP e eventualmente, ainda pelos arts. 1096.º, 1098.º e 1099.º do CPC na parte em que não se oponham às disposições específicas previstas naquelas referidas disposições legais.
IV - A Lei 144/99, de 31-08 ao transpor para a ordem interna o direito internacional acordado pela Convenção, ao referir-se às condições de admissibilidade de execução em Portugal de uma sentença penal estrangeira, refere que o pedido de execução, em Portugal, de uma sentença penal estrangeira só é admissível quando, para além das condições gerais estabelecidas neste diploma, se verificarem as seguintes: a) A sentença condenar em reacção criminal por facto constitutivo de crime para conhecer do qual são competentes os tribunais do Estado estrangeiro; b) Se a condenação resultar de julgamento na ausência do condenado, desde que o mesmo tenha tido a possibilidade legal de requerer novo julgamento ou de interpor recurso da sentença; c) Não contenha disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português; d) O facto não seja objecto de procedimento penal em Portugal; e) O facto seja também previsto como crime pela legislação penal portuguesa; f) O condenado seja português, ou estrangeiro ou apátrida que residam habitualmente em Portugal; g) A execução da sentença em Portugal se justifique pelo interesse da melhor reinserção social do condenado ou da reparação do dano causado pelo crime; h) O Estado estrangeiro dê garantias de que, cumprida a sentença em Portugal considerará extinta a responsabilidade penal do condenado; i) A duração das penas ou medidas de segurança impostas na sentença não seja inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não seja inferior a quantia equivalente a 30 UC’s processuais; j) O condenado der o seu consentimento, tratando-se de reacção criminal privativa de liberdade.
V -A execução de uma sentença estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa e as sentenças estrangeiras executadas em Portugal produzem os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses – art. 101.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 144/99 – sendo que, nos termos do art. 100.º desta lei, a força executiva da sentença estrangeira depende de prévia revisão e confirmação, segundo o disposto no CPP e o previsto nas al. a) e c), do n.º 2 do art. 6.º do referido diploma.
VI - A necessidade de revisão e confirmação encontra-se assinalada no n.º 1 do art. 234.º do CPP, assistindo legitimidade para pedir a revisão e confirmação de sentença penal estrangeira o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis, nos termos do art. 236.º do CPP.
VII - A revisão só pode ser negada se ofender os princípios fundamentais do ordenamento jurídico português, ou seja, os princípios da ordem pública internacional do Estado português (arts. 1096.º, al. f), do CPC, e art. 237.º, n.º 2, do CPP).
VIII - A lei portuguesa sobre os jovens delinquentes apenas vincula os tribunais portugueses quando tem de julgar jovens delinquentes, e não os tribunais estrangeiros, que manifestamente não a podem aplicar. Ao rever a sentença estrangeira o tribunal de execução não pode proceder a novo julgamento ou à aplicação de nova pena, e consequentemente, substituir-se ao tribunal do Estado da condenação para aplicar a lei nacional.
IX - Ainda que o princípio geral para a lei processual penal portuguesa seja o da recorribilidade, o direito ao recurso não é um direito absoluto e irrenunciável, pois que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir – art. 401.º, n.º 2, do CPP – e obedece a determinados requisitos – art. 412.º do CPP; não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação – art. 414.º, n.º 2, do CPP; a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior – n.º 3 do citado art. 414.º.
X - No caso de conversão da condenação aplica-se o processo previsto pela lei do Estado da execução – art. 11.º, n.º 1, da Convenção Relativa a Extradição de Pessoas Condenadas.
XI - Porém, a conversão da condenação decorrente necessariamente da revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, é limitada nos seus pressupostos, pois a regra geral é a de que no caso de continuação da execução, o Estado da execução fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação – art.10.º, n.º 1.
XII - Apenas quando a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução, ou se a legislação desse Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infracções da mesma natureza. Quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta no Estado da condenação, nem exceder o máximo previsto pela lei do Estado da execução – art. 10.º, n.º 2.
XIII - Não cabe ao Estado da execução exercer qualquer censura sobre o teor e os fundamentos da decisão revidenda, seja no âmbito da matéria de facto, seja quanto à aplicação do direito, nem tal juízo de censura se compreende no âmbito e finalidades do processo de revisão e confirmação da sentença estrangeira, mas cabe-lhe, no cumprimento daquela declaração de reserva e da norma legal contida no n.º 3 do art. 237.º CPP, tratando-se de pena que ofenda princípios fundamentais da CRP,“expurgá-la” na parte correspondente.
XIV - Por “máximo legal admissível” entende-se os limites máximos legais da pena de prisão consagrados nos n.ºs 1 e 2, do art. 41.º do CP, pois só em relação a estes limites gerais e abstractos faz sentido convocar o princípio constitucional da duração limitada das penas previsto no art. 30.º, n.º 1, da CRP.
XV - Tentar interpretar aquela expressão com outro significado, mormente para significar a pena máxima da moldura penal do crime concretamente em apreciação, ou a aplicação de regimes especiais previstos na ordem jurídica portuguesa comportaria uma distorção inadmissível do sistema, com base em especificidades do ordenamento jurídico-penal português, em confronto com os ordenamentos dos Estados estrangeiros, que como é sabido também adoptam sistemas de penas divergentes do cúmulo jurídico, como os sistemas da absorção, da agravação ou exasperação e da acumulação material das penas – neste sentido, Eduardo Correia, Direito Criminal, II, 1971 (reimpressão), págs. 211 a 215.
XVI - A entender-se de outro modo seria menosprezar-se ostensivamente a cooperação internacional acordada e restringir-se desadequadamente a revisão e confirmação da sentença penal estrangeira, pelo que, desde que verificadas as condições gerais estabelecidas na Lei 144/99, bem como as condições especiais de admissibilidade nada obstará ao exequatur da sentença penal estrangeira no Estado de execução.
XVII - No caso dos autos, embora as penas aplicadas não excedam as penas aplicáveis às ilicitudes penais resultantes dos factos provados, que, por sua vez, integram na lei portuguesa também o crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), e 204.º, n.º 2, al. f), do CP, verifica-se que a sentença revidenda não fixou um pena única a cumprir, parecendo resultar da liquidação da pena que haverá uma pena total correspondente ao somatório das penas parcelares, ou seja o somatório destas em que foi o recorrente condenado, seria o quantum da pena a cumprir, embora o dispositivo da sentença nada dissesse quanto ao recorrente.
XVIII - A inexistência de cúmulo jurídico colide com o ordenamento jurídico-penal português, neste aspecto se revelando incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado.
XIX - Donde, o acórdão recorrido ao não se pronunciar, sobre a adaptação da pena da sentença espanhola, face às regras imperativas da realização do cúmulo na legislação penal portuguesa, (sendo que a pena a executar em Portugal é no caso, necessariamente uma pena única que do cúmulo jurídico resulta) é nulo, por incorrer em omissão de pronúncia, geradora dessa nulidade, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por se tratar de questão de que o tribunal não pode deixar de conhecer, tanto mais que, e, em termos jurídico constitucionais no âmbito dos direitos fundamentais, a questão do cúmulo, tendo por objecto a fixação de uma pena única de prisão, contende com a restrição temporária do direito à liberdade, consubstanciado na duração da pena a cumprir.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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No Proc .nº 301/09.2TRPRT da 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto foi requerida pelo Ministério Público a Revisão da Sentença Penal Estrangeira nº 148/2008 de 30/4/2008, proferida pelo Tribunal Penal nº1 de Saragoça, Espanha e transitada em julgado, que condenou o arguido AA, solteiro, nascido em 9/3/88 na freguesia de São Pedro das Cova, concelho de Gondomar, filho de BB e de CC, com residência no ........e, nº ......, S. Pedro da Cova e actualmente preso no Centro Penitenciário de Saragoça Espanha, na pena de oito anos e doze meses de prisão, pela prática em co-autoria de três crimes de roubo com violência.
O Ministério Público pediu que, revista e confirmada a sentença, lhe fosse atribuída força executória para cumprimento em Portugal do remanescente da pena aplicada.
Alegou, para tal efeito e, em síntese, que:
Os factos a que respeita a condenação foram praticados em 24/12/07, e em 5/1/08 e são punidos, segundo o direito espanhol como delitos de roubo com violência, p.p. pelos artºs 237º e 242º1 e 2 CP Espanhol;
Os mesmos factos integram, segundo a lei portuguesa, o crime de roubo p. e p. nos artºs. 210º nº 1 e 2 al.b) e 204º2 al.f) CP Português;
Quer pela lei do Estado Espanhol quer pela lei Portuguesa o Tribunal Penal de Saragoça era competente, em razão do território, para o julgamento e condenação do arguido;
A decisão condenatória não contém disposições que violem os princípios do ordenamento jurídico português;
O Requerido encontra-se preso ininterruptamente à ordem daqueles autos desde 10/1/08 em cumprimento de pena, depois de ter estado em prisão preventiva durante 162 dias;
O termo da pena está previsto para 1/1/2017;
O detido solicitou em declaração o seu pedido de transferência
A Espanha não se opõe a essa transferência
Por despacho de Sª. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça foi admitida a transferência do arguido para cumprir o remanescente da pena;
O Requerido, após citação, aceitou a transferência, alegando porém, que a mesma viola o ordenamento jurídico português por não lhe haver sido garantido o direito ao recurso, e deve a pena ser reduzida ao limite adequado porque a fixação da pena efectuou-se sem a aplicação do regime dos jovens delinquentes.
O MºPº apresentou resposta, alegando a concordância do arguido com a decisão e consequentemente falta de interesse em agir para interpor recurso, e que o diploma dos jovens delinquentes apenas vincula os tribunais Portugueses e o Estado Português encontra-se vinculado pela decisão da condenação estrangeira não podendo ser considerada nula por omissão da apreciação de tal regime;

Após cumprimento do disposto no art. 1099º nº 1 do Código de Processo Civil, o Ministério Público e o Requerido alegaram pugnando pela revisão e confirmação da sentença, com atribuição de eficácia e força executória em Portugal, mantendo o condenado as suas alegações;

O Tribunal da Relação do Porto, proferiu acórdão, decidindo:
“- Declarar revista e confirmada a sentença nº 148/2008 de 30/4/2008, proferida pelo Tribunal Penal nº1 de Saragoça, Espanha e transitada em julgado, relativa ao arguido AA, solteiro, nascido em 9/3/88 na freguesia de São Pedro das Cova, concelho de Gondomar, filho de BB e de CC, com residência no ........, nº ......, S. Pedro da Cova e actualmente preso no Centro Penitenciário de Saragoça Espanha,
Para o cálculo do termo de prisão, será levado em conta todo o tempo de prisão sofrido em Espanha conforme, especificado a fls. 10 e 17 dos autos.
Sem custas;
Notifique.
Após trânsito, observe-se o disposto nos art. s 123º n° 2 e 102º da Lei 144/99, bem como no seu art. 103° n° 3.”
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Inconformado, recorreu o condenado, por “ entender que se impõe a modificação da decisão do tribunal “a quo” sobre várias omissões de pronúncia no Acórdão bem como de uma diferente interpretação da matéria de direito aplicável, nos termos do artº 412º, nº do C.P.P.”, - e requereu, nos termos do artº 411º nº 5 do C.P.P., audiência para discutir os pontos B) e C) da motivação - apresentando as seguintes conclusões na motivação do recurso:

“1ª - A, alias, douta, Sentença Espanhola, agride, de forma plena um princípio geral e inalienável, "a priori", consagrado no art. 32°, n.º1 da C.R.P., de forma explícita, pelo menos desde a 4ª revisão constitucional.
2ª - Visto que, ao transitar imediatamente em julgado, sem hipótese de recurso, logo viola o direito ao recurso que não pode ser previamente renunciado no nosso ordenamento jurídico.
3ª - Assim, o arguido, caso quisesse não podia recorrer.
4ª - Também contrariando a visão do M.P., que apontava para a possibilidade de recurso, só se fosse para a Corte Constitucional Espanhola, mas não é um recurso ordinário mas extraordinário, logo são contas de outro rosário.
5ª - Assim, discordamos do tribunal "a quo", quando aponta que não se pode assacar responsabilidades ao juiz Espanhol visto que o arguido quis e aceitou o acordo.
6ª - Na medida em que só aceitou tal acordo com receio de poder ser sujeito a uma pena mais pesada em julgamento.
7ª - Caso pudesse haver recurso, o aqui arguido não iria recorrer por receio da inexistência da proibição da "reformatio in pejus", no processo penal Espanhol, com temor a poder ser condenado a uma pena ainda maior.
8ª - Assim ofendendo, uma vez mais outro princípio fundamental do ordenamento jurídico processual penal Português, previsto no art. 32° C.R.P.
9ª - Discordamos, igualmente, do tribunal “a quo", nos termos do artº 412°, n.o do C.P.P., quando afirma que não se pode censurar uma sentença estrangeira por uma matéria que a lei Espanhola não prevê.
10• - Pois a lei Espanhola também não prevê o instituto do cúmulo jurídico, e se estivéssemos perante uma revisão de uma pena de 25 anos e um dia~ acreditamos que o Tribunal "a quo" censurava a sentença Espanhola.
11ª - Isto tudo para dizer que não é por um ordenamento jurídico não prever determinada matéria, existente em Portugal, que essa sentença não possa ser censurada.
12ª - Assim, a sentença viola o direito ao recurso quer na sua possibilidade quer na eventual não previsibilidade da "reformatio in pejus"
13ª - A mesma sentença viola o preceituado no Decreto-Iei 401/82 de 23/09, quando prevê uma atenuação especial da pena para jovens delinquentes.
14ª - O próprio preâmbulo deste decreto de lei consagra esta atenuação especial da pena como um princípio geral do direito penal Português e "exige" essa mesma atenuação, no ponto 4 do preâmbulo.
15º - Esta omissão da protecção aos jovens delinquentes pode e deve ser censurada não s6 aos olhos da nossa 6ptica da nossa lei penal, mas também nos olhos do Conselho da Europa e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, com diversas publicações nesse sentido.
16ª - No nosso parecer, nos termos do art. 1096°, al., f) do C.P.C, aplicável por força do art., 240º do C.P.P., e ao contrário da visão do tribunal "a quo", e nos termos do arte 412°, n.o do c.P.P., esta sentença viola um principio geral do direito internacional Português de protecção aos jovens menores.
17ª - "ln casu", e salvo melhor opinião, aplica-se a aI. b) do art. 9° da Resolução da Assembleia da República n.o 8/93 de 20/4, que permite a conversão da pena.
18ª - Contrariamente, ao M.P., que apenas quer aplicar a ai. a), e simplesmente executar a sentença estrangeira.
19ª - O tribunal "a quo", omitiu, de todo, a questão de qual alínea a aplicar, incorrendo, desta maneira, em omissão de pronúncia, que gera nulidade do Acórdão nos termos do arte 379º, n.°1 al. c) do C.P.P.
20ª - Esta omissão não é in6cua, pois que a al. b) remete para o artº 10° da mesma Resolução, onde se permite a adaptação da pena, "maxime" a sua redução quando o limite máximo fere, em concreto, a pena de prisão efectiva a ser suportada por um menor de 21 anos, não tão só ao limite máximo aplicável no crime correspondente no c6digo penal Português.
21ª - Visto, se nos parece que nove anos de pena efectiva para um jovem que à altura dos factos tinha 19 anos de idade um exagero, para um Estado que deseja e exige uma derradeira oportunidade de ressocialização do jovem delinquente.
22ª - Neste sentido, e podendo, na nossa óptica a pena ser adaptada deverá esta ser reduzida em 1/5, entre um ano e meio e dois anos.
23ª - O tribunal "a quo" também incorreu numa outra omissão de pronúncia, quando, e tendo competência para tanto, nos termos do art. 1020 da lei 144199, e foi requerido pelo arguido nas suas alegações, não se manifestou sobre o requerimento deste em cumprir o remanescente da sua pena no Estabelecimento Prisional do Porto, vulgo Custóias.
24ª - Assim, incorreu em omissão de pronúncia, que gera nulidade do Acórdão nos termos art. 37~, n.ol ai. c) do C.P.P.
25ª - No fim de contas, o aqui arguido deseja cumprir o restante da sua pena junto da sua família, apenas requer que seja a sua pena adaptada à tradição penal portuguesa em virtude de ter 19 anos aquando da comissão dos factos.
Assim se fazendo a costumeira Justiça!
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Respondeu o Exmo Magistrado do Ministério Público à motivação do recurso, apresentando as seguintes conclusões.
“1. Excepção feita à exigência da efectivação do cúmulo jurídico. determinada pelas disposições conjugadas do artº 100º, nº 1, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, e, indirectamente pelo artº 237º, nº 3
2. Deverá o recurso improceder quanto a tudo o mais”
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O Ministério Público junto deste Supremo teve vista dos autos.
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Cumprida a legalidade dos vistos, seguiu o processo para audiência, oportunamente designada pelo Exmo Presidente da Secção Criminal., vindo a realizar-se na forma legal.
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Consta do acórdão recorrido:
“Resultam dos autos os seguintes elementos de facto:
Por sentença penal proferida em 30/4/2008, transitada em julgado, pelo Tribunal Penal nº1 de Saragoça, foi o requerido AA condenado pela autoria de um delito de roubo com violência e dois delitos de roubo com intimidação em co autoria, p.p. aquele pelos artºs 247º e 242º1 CP Espanhol e estes pelos artºs 237º e 242º1 e 2 CP Espanhol na pena aquele em dois anos de prisão e estes na pena de três anos e seis meses de prisão cada um, ou seja na pena de 8 anos e 12 meses de prisão;
A referida condenação tem por base os seguintes factos:
“ Por volta das 18,30 horas do dia 24 de Dezembro de 2007 entraram no estabelecimento denominado “ Violeta Tu Complemento” localizado na Rua .................. , em S........ e dirigindo-se à funcionária , a Sr.ª DD um deles agarrou-a fortemente pelo pescoço e ambos num tom ameaçador exigiram-lhe que esta lhes entregasse o dinheiro, ficando com 400 Euros que se encontravam na caixa registadora;
“ Por volta das 16 horas do dia 5/1/2008 entraram no estabelecimento de “ Frutos Secos El Rincón” localizado no Paseo de Teruel em Saragoça e ameaçando um deles com uma faca a vendedora a Sr.ª EE, conseguiram assim apoderar-se de 115 euros;”
“ Por volta das 21,30 horas do dia 5/1/2008 entraram no estabelecimento de “ Frutos Secos El Rincón” localizado no Paseo de Teruel em Saragoça e ameaçando um deles com uma faca a vendedora a Sr.ª EE, conseguiram assim apoderar-se de 100 euros;”
Os factos descritos são punidos, segundo o direito Espanhol, como delitos de roubo com violência o 1º e como delitos de intimidação os demais previsto e punido nos art.s. 237º e 242ºnºs 1 e 2 CP Espanhol, e integram o crime de roubo p.p. pelos artºs 210º1 e 2 b) e 204º 2 f) CP Português
O Requerido encontra-se preso ininterruptamente à ordem daqueles autos desde 1/1/2008, sendo que esteve em prisão preventiva durante 162 dias, estando o respectivo termo de cumprimento da pena previsto para 1/1/2017
O requerido solicitou, em Espanha, a sua transferência para Portugal a fim de aqui cumprir o remanescente daquela pena;
O Reino de Espanha não se opõe à transferência do condenado para Portugal, para aqui ter lugar o cumprimento do remanescente da pena;
Por despacho de Sua Excelência o Ministro da Justiça datado de 24 de Agosto de 2009 foi admitida a transferência do requerido para cumprir em Portugal o remanescente daquela pena.”

Cumpre apreciar e decidir

1. O recorrente pretende a modificação da decisão do tribunal “a quo, entendendo que a sentença espanhola revidenda, “agride, de forma plena um princípio geral e inalienável, "a priori", consagrado no art. 32°, n.º1 da C.R.P., de forma explícita, pelo menos desde a 4a revisão constitucional. “, porque “ao transitar imediatamente em julgado, sem hipótese de recurso, logo viola o direito ao recurso que não pode ser previamente renunciado no nosso ordenamento jurídico.”, discordando do tribunal "a quo", “quando aponta que não se pode assacar responsabilidades ao juiz Espanhol visto que o arguido quis e aceitou o acordo. “
Diz que “só aceitou tal acordo com receio de poder ser sujeito a uma pena mais pesada em julgamento”, se pudesse haver recurso, face à inexistência da proibição da "reformatio in pejus", no processo penal Espanhol, “com temor a poder ser condenado a uma pena ainda maior.”
2..Discorda, igualmente, do tribunal “a quo", “quando afirma que não se pode censurar uma sentença estrangeira por uma matéria que a lei Espanhola não prevê, “que não é por um ordenamento jurídico não prever determinada matéria, existente em Portugal, que essa sentença não possa ser censurada”. Donde, a sentença violar o direito ao recurso “quer na sua possibilidade quer na eventual não previsibilidade da "reformatio in pejus" “
3. Aduz que a mesma sentença “viola o preceituado no Decreto-Iei 401/82 de 23/09, quando prevê uma atenuação especial da pena para jovens delinquentes. (…)Esta omissão da protecção aos jovens delinquentes pode e deve ser censurada não s6 aos olhos da nossa 6ptica da nossa lei penal, mas também nos olhos do Conselho da Europa e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, com diversas publicações nesse sentido, pelo que em seu parecer, considera que “nos termos do art. 1096°, al., f) do C.P.C, aplicável por força do art., 240º do C.P.P., e ao contrário da visão do tribunal "a quo", e nos termos do arte 412°, n do C.P.P., esta sentença viola um principio geral do direito internacional Português de protecção aos jovens menores.”
4. Mais aduz que:
"ln casu", e salvo melhor opinião, aplica-se a aI. b) do art. 9° da Resolução da Assembleia da República nº 8/93 de 20/4, que permite a conversão da pena. Contrariamente, ao M.P., que apenas quer aplicar a al. a), e simplesmente executar a sentença estrangeira. O tribunal "a quo", omitiu, de todo, a questão de qual alínea a aplicar, incorrendo, desta maneira, em omissão de pronúncia, que gera nulidade do Acórdão nos termos do arte 379º, n.°1 al. c) do C.P.P.” Esta omissão não é inócua, pois que a al. b) remete para o artº 10° da mesma Resolução, onde se permite a adaptação da pena, "maxime" a sua redução quando o limite máximo fere, em concreto, a pena de prisão efectiva a ser suportada por um menor de 21 anos, não tão só ao limite máximo aplicável no crime correspondente no c6digo penal Português.
Parece-lhe um exagero para um Estado que deseja e exige uma derradeira oportunidade de ressocialização do jovem delinquente, nove anos de pena efectiva para um jovem que à altura dos factos tinha 19 anos de idade, podendo, a pena ser adaptada, reduzida em 1/5, entre um ano e meio e dois anos.
5. Por último alega ainda que tribunal "a quo" também incorreu numa outra omissão de pronúncia - que gera nulidade do Acórdão nos termos art. 379º, n.1 al. c) do C.P.P.,quando, e tendo competência para tanto, nos termos do art. 102º da lei 144/99, e foi requerido pelo arguido nas suas alegações, não se manifestou sobre o requerimento deste em cumprir o remanescente da sua pena no Estabelecimento Prisional do Porto, vulgo Custóias.
Acaba por dizer que: - “No fim de contas, o aqui arguido deseja cumprir o restante da sua pena junto da sua família, apenas requer que seja a sua pena adaptada à tradição penal portuguesa em virtude de ter 19 anos aquando da comissão dos factos.”

O recorrente discute assim a amplitude da revisão e confirmação da sentença penal espanhola que o condenou, nomeadamente quanto á privação do direito ao recurso e conversão da medida da pena, assacando por outro lado omissões de pronúncia ao acórdão recorrido.

Analisando:

O processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira é um processo especial, que se insere no âmbito da cooperação internacional em matéria penal, mais concretamente quando para execução de uma sentença penal estrangeira, na sequência de pedido de transferência para Portugal de pessoa condenada – arts. 95.º, 100.º, 114.º, 115.º, 122.º e 123.º, da Lei 144/99, de 31-08. (v. Ac. deste Supremo e Secção de 23-06-2010, Proc. n.º 2113/09.4YRLSB.S1, in www.dgsi.pt.)
Como se referiu no Acórdão deste Supremo e desta Secção de 21-02-2007, Proc. n.º 250/07.in www.dgsi.pt: -No que respeita à questão da eficácia das sentenças estrangeiras, o sistema adoptado entre nós orienta-se de acordo com o princípio da extraterritorialidade, sendo um sistema misto: as sentenças estrangeiras só têm eficácia depois de revistas e confirmadas por um tribunal (superior), ou seja, a sentença estrangeira submete-se a um processo de revisão, destinado a verificar se deve ser concedido o exequatur, isto é, se a sentença está em condições de poder ser executada no território nacional.
Embora sendo certo que a eficácia de sentença penal estrangeira, ou seja, a possibilidade de ser executada em Portugal, de acordo com a Lei 144/99, de 31-08 (Cooperação Judiciária em Matéria Penal), está dependente de pedido prévio de delegação ou de execução, cuja admissibilidade e deferimento estão subordinados à verificação de certas condições, entre elas a garantia por parte do Estado estrangeiro de que, cumprida a sentença em Portugal, considerará extinta a responsabilidade penal do condenado (al. h) do n.º 1 do art. 96.º), bem como da decisão do Estado Português a considerar admissível a execução da sentença em Portugal (n.º 4 do art. 99.º)

O pedido de revisão e confirmação de sentença penal condenatória estrangeira é regulado pela Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, - feita em Estrasburgo, em 21 de Março de 1983, pelos Estados membros do Conselho da Europa, incluindo o Estado Português, e o Reino de Espanha, sendo, por isso aplicável - e, que foi ratificada por Decreto do Presidente da República nº 8/93 e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 8/93, (ambos publicados no Diário da República, Série I-A, nº 92, de 20 de Abril de 1993); pelos art.s 95º a 100º - vide artº 1º nº 1 al. d) - da Lei 144/99, de 31 de Agosto – que aprova a Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal - com as alterações introduzidas pelas Leis nº 104/2001, de 25.8, 48/2003 de 22.8 e 48/2007 de 29./8; e pelos art.s 234º a 240º do Código de Processo Penal e eventualmente, ainda pelos art.s 1096º, 1098º e 1099º do Código de Processo Civil na parte em que não se oponham às disposições específicas previstas naquelas referidas disposições legais.

A referida Convenção encontra-se desde logo legitimada pela Constituição da República Portuguesa, cujo artº 8º refere:
1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.

Essa Convenção foi acordada pelos Estados membros do Conselho da Europa e os outros Estados que a subscreveram, desejosos de incrementar a cooperação internacional em matéria penal, considerando que a finalidade do Conselho da Europa é conseguir uma união mais estreita entre os seus membros; que a cooperação deve servir os interesses de uma boa administração da justiça e favorecer a reinserção social das pessoas condenadas, que estes objectivos exigem que os estrangeiros que se encontram privados da sua liberdade em virtude de uma infracção penal tenham a possibilidade de cumprir a condenação no seu ambiente social de origem; que a melhor forma de alcançar tal objectivo é transferindo-os para o seu próprio país. (v. preâmbulo).
O artº2º da mesma Convenção, estabelece os princípios gerais da seguinte forma:
1.- As Partes comprometem-se a prestar mutuamente, nas condições previstas na presente Convenção, a mais ampla cooperação possível em matéria de transferência de pessoas condenadas
2. - Uma pessoa condenada no território de uma Parte pode, em conformidade com as disposições da presente Convenção, ser transferida para o território de uma outra Parte para aí cumprir a condenação que lhe foi imposta. Para esse fim pode manifestar, quer junto do Estado da condenação, quer junto do Estado da execução, o desejo de ser transferida nos termos da presente Convenção
3.- A transferência pode ser pedida quer pelo Estado da condenação quer pelo Estado da execução.

Imediatamente aplicáveis são, pois, as disposições da Convenção, sendo que igualmente a lei ordinária - a Lei 144/99, de 31 de Agosto – estabelece no seu art. 3º nº1:
1- As formas de cooperação a que se refere o artigo 1º, regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma.
2- São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal.

O artº 3º da referida Convenção, referindo-se às condições de transferência de condenados, explicita no art. 3º, nº 1, e no que interessa ao caso presente, que “uma transferência apenas pode ter lugar nas seguintes condições:
a) Se o condenado é nacional do Estado da execução;
b) Se a sentença é definitiva;
c) Se, na data da recepção do pedido de transferência, a duração da condenação que o condenado tem ainda de cumprir é, pelo menos, de seis meses ou indeterminada;
d) Se o condenado tiver consentido na transferência;
e) Se os actos ou omissões que originaram a condenação constituem uma infracção penal face à lei do Estado da execução ou poderiam constituir se tivessem sido praticados no seu território; e
f) Se o Estado da condenação e o Estado da execução estiverem de acordo quanto à transferência.
Como dá conta o acórdão recorrido, mostram-se verificadas "todas as condições previstas no nº 1 do art. 3º da aludida Convenção”, pois que:
“No caso em apreciação consta dos elementos dos autos que:
a) O condenado é cidadão português, nascido em São Pedro da Cova, Gondomar e tem aqui residência e se encontrava em Espanha;
b) A sentença condenatória transitou em julgado;
c) À data do pedido de transferência, o condenado tinha ainda para cumprir mais de seis meses de prisão;
d) O condenado não só consentiu na sua transferência para Portugal como foi o próprio a solicitá-la (fls. 9);
e) Os factos que levaram à sua condenação em Espanha, pelos crimes de roubo com violência e intimidação são igualmente punidos em Portugal pelo tipo de crime previsto nos art.s 210º 1 e 2 b) e 204º 2 f) CP Português;
f) O Estado da condenação (Reino da Espanha) e o Estado Português, através dos respectivos órgãos competentes, deram o seu acordo quanto à transferência;”

A lei nº 144/99 ao transpor para a ordem interna o direito internacional acordado pela Convenção, ao referir-se às condições de admissibilidade de execução em Portugal de uma sentença penal estrangeira, refere no nº 1 do art. 96º que: - “ O pedido de execução, em Portugal, de uma sentença penal estrangeira só é admissível quando, para além das condições gerais estabelecidas neste diploma, se verificarem as seguintes:
a) A sentença condenar em reacção criminal por facto constitutivo de crime para conhecer do qual são competentes os tribunais do Estado estrangeiro;
b) Se a condenação resultar de julgamento na ausência do condenado, desde que o mesmo tenha tido a possibilidade legal de requerer novo julgamento ou de interpor recurso da sentença;
c) Não contenha disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português;
d) O facto não seja objecto de procedimento penal em Portugal;
e) O facto seja também previsto como crime pela legislação penal portuguesa;
f) O condenado seja português, ou estrangeiro ou apátrida que residam habitualmente em Portugal;
g) A execução da sentença em Portugal se justifique pelo interesse da melhor reinserção social do condenado ou da reparação do dano causado pelo crime;
h) O Estado estrangeiro dê garantias de que, cumprida a sentença em Portugal considerará extinta a responsabilidade penal do condenado;
i) A duração das penas ou medidas de segurança impostas na sentença não seja inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não seja inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual;
j) O condenado der o seu consentimento, tratando-se de reacção criminal privativa de liberdade. “
Mostra-se correcta a mencionada fundamentação do acórdão recorrido e, ainda quando refere:
“As condições ora referidas nas al.s e), f), i) e j) identificam-se com as previstas no nº 1 do art. 3º da Convenção já atrás analisadas.
Em relação às demais condições, cremos que todas elas se mostram também verificadas, pois que
a) Face à lei processual penal portuguesa a competência para o julgamento do crime por que foi condenado o requerido cabia ao Tribunal Espanhol que proferiu a condenação ( como local do facto criminoso; locus dellicti);
b) O Requerido esteve presente e foi ouvido em julgamento e foi aí assistido por defensor e concordou com a pena aplicada e renunciou ao recurso;
c) A decisão não se baseia em disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português;”
-
A execução de uma sentença estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa e as sentenças estrangeiras executadas em Portugal produzem os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses. - artº 101º nºs 1 e 2 da Lei nº144/99.
Porém, nos termos do art 100º desta Lei, a força executiva da sentença estrangeira depende de prévia revisão e confirmação, segundo o disposto no Código de Processo Penal e o previsto nas alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 6º do presente diploma.
Este artº 6º ao dispõe sobre os requisitos gerias negativos de cooperação internacional, e refere – entre outros - que “o pedido de cooperação é recusado quando:
“a) O processo não satisfizer ou não respeitar as exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950, ou de outros instrumentos internacionais relevantes na matéria, ratificados por Portugal;”
b) (…)
c) Existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na alínea anterior.” (ou seja perseguição ou punição em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado)
A necessidade de revisão e confirmação encontra-se assinalada no nº 1 do artº 234º do CPP: - “Quando, por força da lei ou de tratado ou convenção, uma sentença penal estrangeira dever ter eficácia em Portugal, a sua força executiva depende de prévia revisão e confirmação”, apenas não tendo aplicação “quando a sentença penal estrangeira for invocada nos tribunais portugueses como meio de prova”- nº2 do preceito.
Têm legitimidade para pedir a revisão e confirmação de sentença penal estrangeira o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis. (Artº 236º do CPP).

O artº 237º do CPP referindo-se ao requisitos da confirmação, determina:
1 - Para confirmação de sentença penal estrangeira é necessário que se verifiquem as condições seguintes:
a) Que, por lei, tratado ou convenção, a sentença possa ter força executiva em território português;
b) Que o facto que motivou a condenação seja também punível pela lei portuguesa;
c) Que a sentença não tenha aplicado pena ou medida de segurança proibida pela lei portuguesa;
d) Que o arguido tenha sido assistido por defensor e, quando ignorasse a língua usada no processo, por intérprete;
e) Que, salvo tratado ou convenção em contrário, a sentença não respeite a crime qualificável, segundo a lei portuguesa ou a do país em que foi proferida a sentença, de crime contra a segurança do Estado.
2 - Valem correspondentemente para confirmação de sentença penal estrangeira, na parte aplicável, os requisitos de que a lei do processo civil faz depender a confirmação de sentença civil estrangeira.
3 - Se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa não prevê ou pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado. Não obsta, porém, à confirmação a aplicação pela sentença estrangeira de pena em limite inferior ao mínimo admissível pela lei portuguesa.
Verificando-se todos os requisitos necessários para a confirmação, mas encontrando-se extintos, segundo a lei portuguesa, o procedimento criminal ou a pena, por prescrição, amnistia ou qualquer outra causa, a confirmação é concedida, mas a força executiva das penas ou medidas de segurança aplicadas é denegada. – artº 238º

Como refere, a propósito a decisão recorrida:

“Ora estes requisitos das al.s a), b), c) e d) identificam-se com os exigidos para a transferência e execução da pena em Portugal do condenado, previstos no nº 1 do art. 3º da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas e no nº 1 do art. 96º da Lei 144/99 de 31 de Agosto, já apreciados e que se mostram verificados, e quanto à al. e), já se viu que os crimes são de roubo que não constitui de crime contra a segurança do Estado. “

Por sua vez, segundo o artº 240º do CPP.: - No procedimento de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira seguem-se os trâmites da lei do processo civil em tudo quanto não se prevê na lei especial (….)
O Artigo 1096.ºdo CPC estabelece os Requisitos necessários para a confirmação da seguinte forma
Para que a sentença seja confirmada é necessário:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado

A autenticidade da decisão revidenda e a sua proveniência do Tribunal estrangeiro competente que a proferiu, não vêm postos em causa, nem a sua inteligibilidade, sendo certo que a mesma transitou em julgado.
Como aliás assinalou a decisão recorrida:
“Dos requisitos previstos no art. 1096.º do Código de Processo Civil apenas tem aqui aplicação o referido na al. a), sobre a autenticidade dos documentos de que consta a sentença revidenda e sobre a inteligibilidade da decisão. Ora, nenhuma dúvida se suscita, e também não foi suscitada, nem quanto à autenticidade dos documentos apresentados nos autos contendo a certidão da sentença condenatória proferida pelo Tribunal Espanhol nem quanto à inteligibilidade da decisão condenatória proferida. “

Em suma, como consta da mesma decisão:

“No caso em apreciação consta dos elementos dos autos que:

a) O condenado é cidadão português, nascido em São Pedro da Cova, Gondomar e tem aqui residência e se encontrava em Espanha;

b) A sentença condenatória transitou em julgado;

c) À data do pedido de transferência, o condenado tinha ainda para cumprir mais de seis meses de prisão;

d) O condenado não só consentiu na sua transferência para Portugal como foi o próprio a solicitá-la (fls. 9);

e) Os factos que levaram à sua condenação em Espanha, pelos crimes de roubo com violência e intimidação são igualmente punidos em Portugal pelo tipo de crime previsto nos art.s 210º 1 e 2 b) e 204º 2 f) CP Português;

f) O Estado da condenação (Reino da Espanha) e o Estado Português, através dos respectivos órgãos competentes, deram o seu acordo quanto à transferência”
Volvendo ao objecto de recurso:
As questões suscitadas pelo recorrente de se vincular a sentença revidenda às ordenamento jurídico português, nos termos em que aponta, quer, quanto ao direito ao recurso, quer quanto à aplicação do regime dos jovens delinquentes, não relevam de resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado.
Como assinala a decisão recorrida:
“Em primeiro lugar e desde logo, a revisão só pode ser negada se ofender os princípios fundamentais do ordenamento jurídico português ou seja os princípios da ordem pública internacional do Estado português ( artº 1096º f) CPC e 237º2 CPP), o que não é o caso, e depois porque tal alegação não é verdadeira, pois consta da sentença revidenda que o arguido e o MºPº e a defesa, concordaram “com os factos, a qualificação do crime e com as penas requeridas contra os arguidos”, e que “ notificada a sentença ás partes, manifestaram a vontade de não recorrer assim se declara transitada”, o que desde logo constitui uma renuncia ao recurso, instituto jurídico que o Ordenamento Jurídico Português (quer na parte civil quer na parte criminal) prevê a par de outros, como a desistência do recurso ( artº 415ºCPP), ou até a sua inadmissibilidade por falta de interesse em agir ( artº 401º2CPP), como adianta o ilustre PGA na sua Resposta.
Assim não apenas a situação concreta, não se traduz numa inadmissível contracção do direito de defesa, ofensiva da Ordem Publica do estado Português, como o Ordenamento jurídico português na sua globalidade prevê situações iguais e similares, não desconhecendo e antes aceitando o instituto da renuncia ao recurso.
Acresce que a situação descrita é similar, com o único caso que em Portugal a decisão penal é fixada por acordo, que é o processo sumaríssimo, nos termos do qual a decisão “ vale como sentença condenatória e transita imediatamente em julgado” – artº 397º2 CPP, pelo que não só não se trata de um instituto alheio á Ordem Jurídica Portuguesa, como se trata de um instituto aceite por ela, pelo que nunca a poderia ofender.
Improcede por isso este fundamento.
No que respeita ao regime dos jovens delinquentes, importa desde logo referir que Portugal apenas pode reduzir a duração da pena, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa, nos termos da reserva que formulou quando se obrigou pela convenção supra (e artº 237º3 CPP), o que manifestamente não é o caso, e
Depois a lei portuguesa sobre os jovens delinquentes apenas vincula os tribunais portugueses quando tem de julgar jovens delinquentes, e não os tribunais estrangeiros, que manifestamente não a podem aplicar, e ao rever a sentença estrangeira o tribunal de execução não pode proceder a novo julgamento ou á aplicação de nova pena, e consequentemente substituir-se ao tribunal e Estado da condenação para aplicar a lei nacional;”

Na verdade, face à lei processual penal portuguesa nem todas as decisões judiciais admitem recurso – artº 400º do CPP
Ainda que o princípio geral seja o da recorribilidade, o direito ao recurso não é um direito absoluto e irrenunciável, pois que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir – artº 401º nº 2 do CPP; obedece a determinados requisitos – aetº 412º do CPP; não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação- artº 414º n2 do CPP; a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior- cnº 3 do citado artº 414..
Acresce que, salvo os casos previstos na lei não há um princípio de obrigatoriedade de interposição de recurso da decisão.
Quando o artº 32º nº1 da CRP determina que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa , incluindo o recurso, apenas pretende significar que as garantias de defesa se mantêm no recurso, se este for admissível e interposto.
Acresce ainda que, o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis podem desistir do recurso interposto, até ao momento de o processo ser concluso ao relator para exame preliminar, desistência que até ode ser feita por requerimento ou por termo no processo e é julgada em conferência – art´. 415º ns 1 e 2
O direito ao recurso, sendo um direito renunciável, é de natureza disponível, e nesta conformidade ocorreu também na sentença penal revidenda do Juzgado de lo Penal nº 1 de Zaragoza e su partido judicial, em que não foram postergados direitos de defesa, pois como dela se respiga no ponto terceiro dos “Antecedentes de Hecho” (antecedentes de facto) :
“”Na audiência de discussão e julgamento, antes de que fosse produzida a prova, o Ministério Público, e as defesas, conjuntamente com os arguidos que expressaram o seu acordo, requereram ao juiz que exarasse sentença em estrita conformidade com o despacho de acusação que continha pena de maior gravidade ou com o que viesse a ser apresentado em audiência, não podendo este referir-se a factos diferentes nem a qualificação mais grave que a descrita no despacho de acusação.
Perante a concordância manifestada pelas as partes com os factos, qualificação do crime, e com as penas requeridas contra os arguidos, o Meritíssimo Juiz proferiu sentença in voce no mesmo acto de audiência, declarando-a transitada em julgado, sem possibilidade de recurso, tendo as partes presentes sido logo notificadas”
O tribunal espanhol proferiu a sentença nos termos do artigo 787º da Lei processual penal espanhola “em estrita conformidade com a aceite pelas partes” e concordância expressa pelos arguidos
Desta forma o arguido ora recorrente, perdeu o interesse em agir, não podendo recorrer.

De igual modo o regime especial previsto no Decreto-Iei nº 401/82 de 23/09, quando prevê uma atenuação especial da pena para jovens delinquentes, apenas é privativo da legislação portuguesa, quando a lei penal portuguesa for a competente para julgar e punir.
E, como se sabe, a aplicação da lei portuguesa a factos praticados fora do território nacional só terá lugar quando o agente não tiver sido julgado no país da prática do facto ou se houver subtraído ao cumprimento total ou parcial da condenação - artº 6º nº 1 do C.Penal Português.
Aliás o poder-dever que o juiz tem de atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal não é automaticamente obrigatório em função da idade do agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos, mas sim, verificado este hiato etário “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.- artºs 1º e 4º do mencionado diploma..

É certo que no caso de conversão da condenação aplica-se o processo previsto pela lei do Estado da execução - artº 11 nº 1 da Convenção Relativa a Extradição de Pessoas Condenadas. Porém, a conversão da condenação decorrente necessariamente da revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, é limitada nos seus pressupostos, pois a regra geral é a de que no caso de continuação da execução, o Estado da execução fica vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação – artº10º nº 1 da mesma Convenção.
Apenas quando “a natureza ou a duração desta sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução, ou se a legislação desse Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infracções da mesma natureza. Quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto pela lei do Estado da execução. – artº10º nº 2 da citada Convenção.

Por outro lado, conforme artº 11º nº 2 da mesma Convenção, quando o Estado de execução efectuar a conversão, a autoridade competente:
a) Ficará vinculada pela constatação dos factos na medida em que estes figurem explicita ou implicitamente na sentença proferida no Estado da condenação
b) Não pode converter uma sanção privativa de liberdade numa sanção pecuniária,
c) Descontará integralmente o período de privação da liberdade cumprido pelo condenado, e
d) Não agravará a situação penal do condenado nem ficará vinculado pela sanção mínima eventualmente prevista pela lei do Esatdo da execução para a infracção ou infracções cometidas.
Bem se compreendem tais limites porquanto o que está em causa não é a imposição da legislação em vigor no Estado da execução, correspondentemente aplicável ao caso concreto já decidido no Estado da condenação, mas a eficácia no Estado da execução no reconhecimento e exequibilidade da sentença penal estrangeira através da revisão e confirmação, embora sem prejuízo das garantias de defesa do arguido em processo justo e equitativo, de forma a que não pode haver agravamento da pena aplicada na sentença penal estrangeira, nem modificação substancial da pena privativa de liberdade para outra de natureza pecuniária, nem se pode discutir a matéria de facto provada pela sentença estrangeira, que assim fica definitivamente assente.
Este desiderato é aliás confirmado pelo nº 2 do artº 1o0º da Lei nº 144/99 que dispõe
“Quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal:
a) Está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira;
b) Não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária
c) Não pode agravar, em caso algum, a reacção estabelecida na sentença estrangeira”

O Estado Português, ao aprovar, para ratificação, a mencionada Convenção, formulou algumas declarações de reserva, mas, como salientou o Dig.mo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto, Portugal não optou pela conversão da decisão estrangeira numa condenação portuguesa (substituindo a sanção do estado de condenação por uma sanção prevista e adaptada ao Estado da Execução - antes fez declaração relativa á continuação da execução - e tendo feito a única ressalta relativa á redução da pena “ se superior ao máximo legal admissível.”
Na verdade, Portugal não subordinou a eficácia da revisão e confirmação da sentença penal estrangeira ma aplicação da Convenção à conformidade plena com as disposições legais do seu ordenamento jurídico-penal, pois que, a Resolução da Assembleia da República supra citada que aprovou, para ratificação, a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas, apenas formulou no que aqui importa, ao texto da convenção, as seguintes declarações:
a) Portugal utilizará o processo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 9º, nos casos em que seja o Estado de execução;
b) A execução de uma sentença estrangeira efectuar-se-á com base na sentença de um tribunal português que a declare executória, após prévia revisão e confirmação;
c) Quando tiver de adaptar uma sanção estrangeira, Portugal, consoante o caso, converterá, segundo a lei portuguesa, a sanção estrangeira ou reduzirá a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa.
(…)”

Por sua vez, o nº 3 do artº 237º do CPP concretizou a declaração constante da alínea a) da citada Resolução da Assembleia da República, nos seguintes termos:
“Se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa não prevê ou pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado. Não obsta, porém, à confirmação a aplicação pela sentença estrangeira de pena em limite inferior ao mínimo admissível pela lei portuguesa.

Refere a decisão recorrida, citando acórdãos daquela Relação, que o nº 3 do artº 237º do CPP, “visa acautelar a observância dos princípios fundamentais do nosso Direito Penal consagrados na Constituição da República Portuguesa ( vg. art.s 29º e 30º ) e, por isso, de carácter imperativo ( Cfr. TRP Ac. 26.02.97, proc. 933/96, em www.dgsi.pt sob o n.º 9610933.) em especial em matéria de restrição automática de direitos, na medida em que o art. 30º nº 4 CRP preceitua que “nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”, e foi por causa disso que Portugal ao aprovar, para ratificação, a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas a que temos vindo a fazer referencia, formulou essa declaração de reserva.
Mas como mencionado também não cabe ao Estado da execução exercer qualquer censura sobre o teor e os fundamentos da decisão revidenda, seja no âmbito da matéria de facto, seja quanto à aplicação do direito, nem tal juízo de censura se compreende no âmbito e finalidades do processo de revisão e confirmação da sentença estrangeira, mas cabe-lhe, no cumprimento daquela declaração de reserva e da norma legal contida no nº 3 do art. 237º CPP tratando-se de pena que ofenda princípios fundamentais da CRP “expurga-la” na parte correspondente.
Mas por “máximo legal admissível” entende-se os limites máximos legais da pena de prisão consagrados nos nºs 1 e 2 do art. 41º do Código Penal ( Cfr TRP Ac. 30.1.08, no proc. 0714604, em www.dgsi.pt.), pois só em relação a estes limites gerais e abstractos faz sentido convocar o princípio constitucional da duração limitada das penas do art. 30º nº 1 CRP; tentar interpretar aquela expressão com outro significado mormente para significar a pena máxima da moldura penal do crime concretamente em apreciação, ou a aplicação de regimes especiais previstos na Ordem Jurídica Portuguesa comportaria uma distorção inadmissível do sistema, com base em especificidades do ordenamento jurídico-penal português, em confronto com os ordenamentos dos Estados estrangeiros, que como é sabido também adoptam sistemas de penas divergentes do cúmulo jurídico, como os sistemas da absorção, da agravação ou exasperação e da acumulação material das penas (cf. Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1971 (reimpressão), págs. 211 a 215)”

É certo que, como resulta do acórdão deste Supremo e desta Secção, de 19-05-2010, Proc. n.º 2666/09.7TBGDM.P-A1.S1, in www.dgsi.pt, a revisão de sentença penal estrangeira, instituto que tem em vista o exequatur, ou seja, a atribuição de força executória a uma sentença estrangeira, não constitui um novo julgamento, em nada contendendo com o objecto do processo, o qual está definitivamente apreciado e julgado.
De acordo com o sistema de revisão e confirmação vigente no nosso ordenamento jurídico, o qual decorre do CPP (arts. 234.º a 240.º), do CPC (arts. 1094.º a 1102.º), da Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da AR n.º 8/93, de 18-02 – arts. 9.º a 11.º) e da LCJI (Lei 144/99, de 31-08 – arts. 100.º a 103.º), não compete aos nossos tribunais sindicar ou exercer qualquer censura sobre a decisão estrangeira, seja no âmbito da matéria de facto, seja na aplicação do direito.

A entender-se de outro modo seria menosprezar-se ostensivamente a cooperação internacional acordada e restringir-se desadequadamente a revisão e confirmação da sentença penal estrangeira, pelo que, desde que verificadas as condições gerais estabelecidas na citada Lei nº 144/99 bem como as condições especiais de admissibilidade nada obstará ao exequatur da sentença penal estrangeira. no Estado de execução.
Aliás, a Resolução da Assembleia da República supra citada, não aderiu ao disposto na alínea b) do art.9º da Convenção: “Converter a condenação, mediante processo judicial ou administrativo, numa decisão desse Estado, substituindo assim a sanção proferida no Estado da condenação por uma sanção prevista pela legislação do Estado da execução para a mesma infracção, nas condições previstas no artigo 11º”.

Porém, como estabelece o artº 101º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto: - A execução de uma sentença estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa (nº 1), e executada em Portugal produz o efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses (nº 2)
Determina o artº 237º nº 1 do CPP para confirmação de sentença penal estrangeira é necessário que se verifiquem as condições ali assinaladas, dispondo-se logo na alínea a) Que, por lei, tratado ou convenção, a sentença possa ter força executiva em território português.

Sendo certo que, in casu, embora as penas aplicadas não excedam as penas aplicáveis às ilicitudes penais resultantes dos factos provados, que, por sua vez, integram na lei portuguesa também o crime de roubo p. e p. pelos artigos 210º, nºs 1 e 2 al. b), e 204º, nº 2 al. f) do CP português, verifica-se, contudo, que a sentença revidenda não fixou um pena única a cumprir, parecendo resultar da liquidação da pena que haverá uma pena total correspondente ao somatório das penas parcelares, ou seja o somatório destas em que foi condenado, seria o quantum da pena a cumprir, embora no dispositivo da sentença nada dissesse quanto ao ora recorrente, apenas tendo fixado limite máximo do “cumprimento efectivo” constante da condenação do co-arguido Hugo, (que resulta também em acumulação material.)
A inexistência de cúmulo jurídico colide com o ordenamento jurídico-penal português, neste aspecto se revelando incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado.
Conforme artº 16º da CRP: - Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional (nº1 ) e, os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (nº 2)
A Declaração Universal dos Direitos do Homem consagra, além do mais, que toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei (artº 8º).
O artº 18º nº 1 da CRP estabelece que: - “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.”.
Por sua vez, o artº 20º nº 5 da Lei Fundamental, refre que : -“Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

Na lei penal portuguesa, existe o instituto do cúmulo, tradicionalmente apelidado de “jurídico”, em que nos termos do artº 77º nº1 do C.Penal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena” e, na medida da pena são considerados em conjunto os factos e personalidade do agente, tendo a pena aplicável, conforme o nº 2 do preceito, como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Ora a força executiva da sentença para cumprimento de pena de prisão referente a vários crimes, em cúmulo, pressupõe necessariamente a definição da pena única a cumprir, pois que, conforme artº 468º do CPP:- “Não é exequível decisão penal que:
a) Não determinar a pena ou a medida de segurança aplicadas ou que aplicar pena ou medida inexistentes na lei portuguesa;
b) Não estiver reduzida a escrito; ou
c) Tratando-se de sentença penal estrangeira, não tiver sido revista e confirmada nos casos em que for legalmente exigido.

Por outro lado e face ao disposto no nº 3 do mesmo artº 237º do CPP, se não obsta, porém, à confirmação a aplicação pela sentença estrangeira de pena em limite inferior ao mínimo admissível pela lei portuguesa, já se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa não prevê ou pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado.
Conforme artº 11º nº 1 da Convenção supra citada, no caso de conversão da condenação aplica-se o processo previsto pela lei do Estado da execução. Ao efectuar a conversão, a autoridade competente:
a) Ficará vinculada pela constatação dos factos na medida em que estes fiquem explícita ou implicitamente na sentença proferida no Estado da condenação;
b) Não pode converter uma sanção privativa da liberdade numa sanção pecuniária;
c) Descontará integralmente o período de privação da liberdade cumprido pelo condenado; e
d) Não agravará a situação penal do condenado nem ficará vinculada pela sanção mínima eventualmente prevista pela lei do Estádio da execução para a infracção ou infracções cometidas.

Aliás, aderindo Portugal ao artº 9º nº 1 al. a) da Convenção, pela Resolução nº 8/93,supra referida, da Assembleia da República, ficou legitimado que se a duração da sanção tal como resulta da condenação for incompatível com a legislação do Estado da Execução, ou, se a legislação deste Estado o exigir – e que é o caso previsto no artº 77º do CP -, o Estado de execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa – em Portugal só por decisão judicial -, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infracções da mesma natureza.
Os limites da adaptação da pena concretizam-se em que “quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não poderá agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto pela lei do Estado da execução.”
A realização do cúmulo nos termos do artº 77º do CP é alias mais favorável ao arguido, pois a pena única a aplicar situar-se entre o mínimo da pena parcelar mais elevada e o máximo resultante da soma das parcelares,
Se atendermos, por outro lado, que no procedimento de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira, seguem-se os trâmites da lei do processo civil em tudo quanto não se prevê na lei especial, segue-se que o critério da adaptação da pena às regras do cúmulo encontra ainda arrimo no disposto no Artigo 110.º do CPC, (v. ainda artº 237º nº 2 do CPP), que preconiza uma solução jurídica mais favorável:
1 - O pedido só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer dos requisitos mencionados no artigo 1096.º ou por se verificar algum dos casos de revisão especificados nas alíneas a), c) e g) do artigo 771.º
2 - Se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa.
O acórdão recorrido ao não se pronunciar, sobre a adaptação da pena da sentença espanhola, face às regras imperativas da realização do cúmulo na legislação penal portuguesa, sendo que a pena a executar em Portugal é no caso, necessariamente uma pena única que do cúmulo (jurídico) resulte, incorreu em omissão de pronúncia, geradora de nulidade nos termos do artº 379º nº 1 al c) d CPP, por se tratar de questão de que o tribunal não pode deixar de conhecer, tanto mais que, e, em termos jurídioo-constitucionais no âmbito dos direitos fundamentais, a questão do cúmulo, in casu, tendo por objecto a fixação de uma pena única de prisão, contende com a restrição temporária do direito à liberdade, consubstanciado na duração da pena a cumprir.

Sobre a omissão de pronúncia relativamente ao cumprimento do remanescente da pena em Portugal “num estabelecimento prisional perto da sua residência, de preferência no Estabelecimento Prisional do Porto, em Custóias” a mesma não ocorre, uma vez que não implica decisão de mérito e resulta oficiosamente da lei.
Na verdade, é o artº 102º nº 1 da Lei nº 144/99 que determina:
Transitada em julgado a decisão que confirma a sentença estrangeira e que implique o cumprimento de reacção criminal privativa de liberdade, o Ministério Público providencia pela execução de mandado de condução ao estabelecimento prisional mais próximo do local da residência ou da última residência em Portugal do condenado.

Do exposto conclui-se que é de declarar nulo o acórdão recorrido quanto à omissão de pronúncia sobre a adaptação da pena constante da sentença espanhola à pena aplicável em Portugal, devendo converter-se a pena aplicada naquela que ao caso couber segundo a lei portuguesa, nomeadamente reduzindo-a, se for caso disso ao limite adequado, nos termos dos artºs 237º nº 3 do CPP e 77º nº 1 e 2 do CP, mantendo-se a decisão recorrida quanto ao demais.
Termos em que decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª secção – em dar parcial provimento ao recurso e, consequentemente, declaram nulo o acórdão recorrido nos termos do artº 379º nº 1 al c) do CPP, quanto à omissão de pronúncia sobre a adaptação da pena constante da sentença do Tribunal de Saragoça, à pena aplicável em Portugal, devendo converter-se a pena aplicada naquela que ao caso couber segundo a lei portuguesa, nomeadamente reduzindo-a, se for caso disso ao limite adequado, nos termos dos artºs 237º nº 3 do CPP e 77º nº 1 e 2 do CP, mantendo-se a decisão recorrida quanto ao demais.
Sem custas
Honorários da tabela ao Exmo Defensor
Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Fevereiro de 2011
Elaborado e revisto pelo relator


Lisboa, 2 de Fevereiro de 2011

Pires da Graça (Relator)
Raul Borges
Pereira Madeira