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TRABALHO SUPLEMENTAR
LIQUIDAÇÃO
Sumário
I - O trabalho suplementar corresponde ao trabalho prestado fora do horário de trabalho: cabem aqui todas as situações de desvio ao programa normal de actividade do trabalhador, como seja o trabalho fora do horário em dia útil e o trabalho em dias de descanso semanal e feriados. II - Resultando provado que a trabalhadora prestou trabalho suplementar, mas fracassando a prova dos dias e do número exacto de horas em que trabalhou, para além do período normal de trabalho, deve o respectivo apuramento – e, consequentemente, o apuramento dos valores a esse título devidos – ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo do disposto no art. 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra BB - Sociedade Hoteleira e Turismo, Ldª, pedindo que seja a Ré condenada a pagar-lhe:
a) € 995,50, de retribuição do mês de Setembro de 2006 (correspondente a € 968,00 de remuneração de base e € 27,50 de subsídio de alimentação);
b) € 1.227,78, de retribuição de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2006 e reportadas ao ano civil anterior;
c) € 582,42, da parte ainda em dívida do subsídio de férias correspondente ao referido na alínea anterior;
d) € 920.83, de retribuição de férias proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação do contrato de trabalho (2006);
e) € 920,83, de subsídio de férias correspondente ao referido na alínea precedente;
f) € 350,14, de parte ainda em dívida do subsídio de Natal de 2006 (parte proporcional ao tempo de serviço prestado esse ano);
g) € 7.794,21, de retribuição correspondente às horas de trabalho suplementar prestado pela A. em dias normais de trabalho;
h) € 9.731,52, de retribuição correspondente às horas de trabalho suplementar prestado pela A. em dias de descanso semanal complementar,
i) € 1.618,20, de retribuição correspondente à prestação de trabalho suplementar em 13 dias feriados;
j) Indemnização de antiguidade (a calcular), por despedimento ilícito, correspondente a 45 dias de retribuição de base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial, num mínimo de três meses de retribuição base;
K) Retribuições (a calcular) que deixou e deixará de auferir desde trinta dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal;
l) Juros de mora vincendos, à taxa legal, sobre todas as quantias acima referidas, até integral pagamento,
m) Juros compulsórios previstos no art. 829º-A, nº 4 do CC, à taxa de 5% ao ano, desde o trânsito da sentença e até ao pagamento integral.
Nesse sentido e em síntese, alegou que outorgou com a Ré um contrato de trabalho para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de 2ª caixeira, que a Ré, sem precedência de processo disciplinar, fez cessar, o que configura um despedimento ilícito, com as consequências ressarcitórias que reclama.
A Ré contestou por impugnação, contrariando a factualidade trazida aos autos pela A. e afirmando, nomeadamente, que não a despediu, tendo-lhe, antes e na sequência da sua ausência injustificada ao serviço, comunicado o seu abandono do posto de trabalho.
Saneado o processo, sem fixação da matéria de facto assente e da base instrutória, procedeu-se a julgamento, posto o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à A.:
a) € 8.440,00, acrescidos de € 527,50 por mês, e a serem liquidados em sede de execução de sentença desde 17/4/08 até trânsito em julgado da decisão que defina o pleito, tudo a título de retribuição mensal;
b) € 2.100,00, a título de indemnização substitutiva;
c) € 11.624,96, a título de trabalho suplementar não pago;
d) € 1.272,95, acrescido de € 500,00, por mês, a serem liquidados em sede de execução de sentença desde 1/01/07 e até trânsito em julgado da decisão que defina o pleito, tudo a título de férias não gozadas e subsídio de férias em falta;
e) € 40,58, a título de duodécimo de subsídio de Natal, não pago;
f) € 527,50, a título de salário de Setembro de 2006, não pago;
g) montante a ser liquidado também em execução de sentença e respeitante a juros de mora, à taxa legal até integral pagamento, contados:
- desde a data da notificação da presente decisão no que respeita exclusivamente à indemnização substitutiva da reintegração;
- desde a data da citação em relação a todos os restantes montantes líquidos já vencidos;
- desde a data do respectivo vencimento em relação aos vincendos.
Inconformada, desta decisão apelou a Ré, tendo o Tribunal da Relação de Évora, na procedência parcial do recurso, decidido:
1) revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar à A. a quantia de € 11.624,96, a título de trabalho suplementar não pago;
2) condenar a Ré a pagar à A. a quantia de € 10.434.55, a título de trabalho suplementar;
3) manter a sentença na parte restante, ou seja, a condenação da Ré a pagar à A.:
a) a quantia de € 2.100,00, a título de indemnização em substituição da reintegração;
b) € 8.440,00, acrescido de € 527,50 por mês, e a serem liquidados em sede de execução de sentença, desde 17/4/08 até trânsito em julgado da decisão que defina o pleito, tudo a título de compensação a que alude o art. 437º, 1 do CT (a esta compensação devem ser deduzidas as importâncias que a A. tenha comprovadamente obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento; o montante do subsídio de desemprego eventualmente auferido pela trabalhadora será deduzido na compensação, devendo, se for caso disso, a Ré entregar essa quantia à segurança social);
c) € 1.272,95, a título de férias não gozadas e subsídio de férias em falta;
d) € 40,58, a título de duodécimo de subsídio de Natal, não pago;
e) € 527, 50, a título de salário de Setembro de 2006, não pago;
f) Juros de mora nos termos definidos.
De novo inconformada, traz a Ré a presente revista em que, na atenção do núcleo conclusivo recursório - art. 690º, 1 do CPC -, questiona tão só o pagamento à A. de € 10.434,55, a título do trabalho suplementar, cuja prestação efectiva, na sua óptica, a A. não logrou provar, como lhe competia.
Por não vir impugnada, em sede de revista, a factualidade fixada pelas instâncias, com a correcção produzida pela Relação, limitamo-nos a remeter, nesta vertente, para os termos do acórdão que decidiu tal matéria, ao abrigo do disposto no art. 713º, 6 do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 726º do mesmo Código, sem prejuízo de se coligirem, em sede de apreciação jurídica, os factos que, no caso, se mostrarem relevantes.
O trabalho suplementar que, na linguagem comum, é muitas vezes chamado “trabalho extraordinário” é, no dizer da própria lei o trabalho “prestado fora do horário de trabalho” (art. 197º, 1 do CT/2003, aplicável à situação sub judicio).
Cabem aqui todas as situações de desvio ao programa normal de actividade do trabalhador, como seja o trabalho fora do horário em dia útil e o trabalho em dias de descanso semanal e feriados.
“Em suma, estar-se-á perante trabalho suplementar se a actividade for realizada em dia de trabalho fora do horário, mesmo que compreendido no período normal, ou se for prestada em dia de descanso” (Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 5ª ed., pág. 581).
A questão, todavia, não tem a ver com o conceito jurídico do trabalho suplementar, mas, como se deixou enunciado, com a prova e respectivo ónus da prestação deste.
A recorrente, louvando-se no Ac. deste Supremo Tribunal de 03-05-2000 (CJ, STJ, VIII, II, 257), adianta que à A. não bastava provar que sempre praticou um determinado horário de trabalho, impondo-se-lhe, ainda e necessariamente, a alegação e prova, em concreto, dos dias e horas em que o trabalho foi efectivamente prestado.
Incontroverso que o pagamento de trabalho suplementar pressupõe a prova da sua prestação, bem como da determinação expressa da entidade patronal para a execução do mesmo - ambos os factos constitutivos desse direito e a provar por quem a ele se arroga (art. 342º, 1 do CC) -, se bem que, quanto ao último, a jurisprudência tenha vindo a evoluir no sentido de que bastará, para o efeito, que a entidade patronal tenha conhecimento e não se oponha a essa execução (cfr., v.g., o Ac. deste Supremo Tribunal de 07-10-2010, no Processo nº 459/05OTTFAR.S1, 4ª secção).
Posto isto, não se acompanha a recorrente quando diz que tal prova não fez a A..
É que, para tanto, tem de se olhar de perto toda a factualidade provada e não apenas aquela em que se acoberta a recorrente.
Ora, provou-se que “por imposição e no interesse da Ré, a Autora sempre praticou o seguinte horário de trabalho: das 10h às 22h, com uma hora de intervalo para o almoço”, mas também que, “durante todo período em que exerceu a sua actividade laboral para a Ré a Autora por imposição e no interesse da Ré, só teve um dia de descanso por semana” e mais decisivamente que “a Ré nunca pagou à Autora qualquer importância a título de retribuição por trabalho suplementar realizado, quer em dias de trabalho normal, quer em dias de descanso semanal”.
Da conjugação desta factualidade, ressalta à evidência que a A. logrou provar a prestação de trabalho suplementar, tal como supra ficou caracterizado, em dias úteis e em dias de descanso semanal, não assumindo qualquer relevância a observação da recorrente de que a A. alegou e não provou que “…não faltou injustificadamente ao serviço desde a data da sua admissão e até ao dia da cessação do contrato de trabalho”, até porque o que se não provou foi algo de diferente, isto é, não se provou “que a Autora tenha faltado injustificadamente durante a vigência do contrato”.
Assente, pois, que a A. fez a prova, que lhe competia, da prestação efectiva de trabalho suplementar, já o mesmo não se pode dizer no que tange ao seu real valor, ou seja, ao montante dos acréscimos que lhe são devidos a esse título, pois fracassou na prova dos dias e do número exacto de horas em que trabalhou, para além do seu período normal de trabalho (40 horas semanais).
Perante tal e tendo a A., a este título, formulado um pedido específico, deve deste o tribunal absolver pura e simplesmente a Ré, como esta pretende, ou, antes, relegar para que os montantes devidos pela prestação do trabalho em referência sejam apurados em sede de liquidação em execução de sentença (art. 661º, 2 do CPC)?
Mau grado alguma controvérsia jurisprudencial à volta desta questão, não parece, à luz da justiça material, que se possa premiar aquele que formula ab initio um pedido genérico e penalizar o que apresenta, desde logo, um pedido específico, sendo, por isso, de condenar no que se liquidar em execução de sentença tanto no caso de ter sido formulado pedido genérico, como no de ter sido formulado um pedido específico e não ter sido possível determinar o objecto ou a quantidade da condenação (cfr., neste sentido, Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, 71 e Rodrigues Bastos, Notas, III, 232/233).
É este, de resto, o caminho que ultimamente tem vindo as ser trilhado por este Supremo Tribunal e, nomeadamente, por esta Secção, sendo oportuno referir o que a respeito do problema se escreveu no Ac. de 08-03-2006, no recurso nº 3846/05 - 4ª Secção:
«O art.º 471.º [do Código de Processo Civil] regula a petição inicial e, situando-se no dealbar da acção - em que imperam proeminentes razões de certeza - percebe-se que estipule, como regra, a dedução dum pedido específico.
O art.º 661.º-2, por sua vez, já disciplina uma parte adjectiva final, subsequente à instrução e discussão da causa, e previne a situação em que se provou a existência do direito, sucedendo apenas que o tribunal se encontra impossibilitado de proferir decisão específica por não ter logrado alcançar o objecto e a quantidade que corporizam esse já reconhecido direito.
Neste caso, é de aceitar por evidentes razões de justiça e de equidade, que o tribunal se abstenha de absolver o réu - porque demonstrada a existência da obrigação - muito embora se perceba também a inconveniência - porque arbitrária - de uma condenação quantificada.
Ora, existindo uma regra como a do art.º 661º-2, faz sentido que ela deva funcionar (também) na assinalada situação» (no mesmo sentido, podem ver-se ainda os Acs. deste Tribunal de 03-05-2006, recurso nº 572/06, de 25-06-2008, recurso nº 4384/07, de 17-122009, recurso nº 713/05.OTTGMR.S1 e de 28-04-2010, recurso nº 182/07.OMAI.S1).
Em conclusão, só a completa inconcludência probatória da existência do direito é que conduzirá à improcedência da respectiva pretensão, devendo proferir-se condenação ilíquida, perante a simples ausência de elementos suficientes para determinar o montante em dívida, contanto que demonstrado fique o incumprimento da obrigação contratual.
E é o caso, pois se provou que a A. prestou trabalho suplementar, mas não se apurou em que dias e por que períodos tal sucedeu.
E, sendo assim, se à recorrente não assiste razão quando propugna pelo desatendimento da pretensão da A. no pagamento do trabalho suplementar que prestou, também não pode acompanhar-se o acórdão sindicando quando condena numa prestação líquida a este título, porque a matéria de facto que, a respeito, se provou, tal não permite, minime, com a necessária segurança.
Nestes termos, concedendo parcialmente a revista, decide-se alterar o acórdão recorrido na parte em que condena a Ré a pagar à A. a quantia de € 10.434,55, correspondente a trabalho suplementar por esta prestado, ficando a mesma condenada a pagar à A. o que, a este título, se vier a apurar em sede de liquidação, mantendo-o em tudo o mais nele decidido.
Custas provisórias pela recorrente e pela recorrida em partes iguais, cujo rateio definitivo deverá ser feito após a liquidação.