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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
NECESSIDADE DE CASA PARA HABITAÇÃO
PRESSUPOSTOS
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
CITAÇÃO
Sumário
I - O requisito legal da possibilidade de satisfação das necessidades habitacionais imediatas pressupõe que (i) a residência tenha as divisões necessárias e seja satisfatório o seu estado de conservação e (ii) que ela esteja livre, disponível, isto é com possibilidades de ser ocupada pelo arrendatário. II - Uma vez que a fracção de que o réu marido é proprietário tem as divisões necessárias para que aí possam residir e porque está disponível, isto é, com possibilidade de ser ocupada pelos réus, já que não está onerada com uma qualquer obrigação contratual ou legal que os impeça de tomar posse do imóvel, quando entenderem, verifica-se também o requisito legal da possibilidade de satisfação das necessidades habitacionais imediatas dos réus. III - A lei não exige que o prédio esteja devoluto mas apenas que exista a possibilidade objectiva de se poder habitar o referido imóvel, pelo que o facto da mãe do réu se encontrar a habitar o referido imóvel, com autorização destes, não obsta à aplicação do disposto no art. 81.º-A do RAU ao caso em apreço. IV - Porque os réus não aceitaram que a fracção de que o réu marido é proprietário pudesse satisfazer as suas necessidades habitacionais imediatas, viu-se a autora forçada a recorrer ao tribunal, pelo que a citação do réu marido vale como comunicação, para efeitos da actualização obrigatória da renda nos termos dos arts. 33.º e 81.º-A do RAU. V - Tendo-se a citação do réu efectuado, pelo menos, em 20-12-2004, isto é, com mais de 90 dias de antecedência em relação à data da renovação do contrato, opera a eficácia da nova renda à data da renovação seguinte à da citação, ou seja, a 01-07-2005.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.
Na comarca de Cascais, AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB, pedindo a condenação do réu a ver a renda actualizada e a pagar o respectivo montante, nos termos do artigo 81º-A do RAU.
Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, que é dona do imóvel descrito no artigo 1º da petição inicial, o qual se encontra arrendado ao réu, desde Junho de 1975, com a renda actual de 100,43 €, sendo este proprietário de um imóvel situado a 500 metros do primeiro.
O réu contestou, alegando a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade e por falta de causa de pedir.
Foi depois citada a interveniente CC, mulher do réu, que contestou nos moldes em que o réu o havia feito.
Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida a sentença, julgando a acção procedente e, em consequência, relativamente ao arrendamento dos autos, condenou os réus no pagamento da renda actualizada, nos termos do artigo 81º-A, n.º 1 do RAU, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2005.
Inconformados, apelaram os réus para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 24/06/2010, confirmou a sentença recorrida.
De novo inconformados, recorreram os réus para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:
1ª – O acórdão recorrido erra na interpretação do artigo 81º - A do RAU quando julga verificado que a casa discutida na acção satisfaz as necessidades habitacionais imediatas dos réus;
2ª – Tendo-se provado que essa casa é a residência permanente da mãe do réu, deveria ter-se decidido que o pressuposto do direito accionado não existe;
3ª - Ainda que doutro modo se entenda, a renda condicionada nunca poderia ser devida desde 1 de Julho de 2005, como se julgou, mas apenas desde o trânsito em julgado da decisão final deste processo;
4ª – Decidindo, como decidiu, o acórdão impugnado violou nesta parte o artigo 81º - A (de novo) e o artigo 33º, ambos do RAU.
A autora/apelada contra-alegou, defendendo a confirmação da decisão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
2.
A Relação considerou provados os seguintes factos:
1º - O imóvel sito na Avenida ........., n.º ......., em Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º 0000, correspondente à fracção designada pela letra B, tem a aquisição inscrita a favor da autora, por doação de seus pais.
2º - DD e o réu BB outorgaram, em Junho de 1975, escrito particular, onde o primeiro declarou dar de habitação ao segundo o referido imóvel, mediante a contrapartida mensal do segundo ao primeiro de 5.500$00 (cinco mil e quinhentos escudos).
3º - A contrapartida mensal devida pelos réus é hoje de 100,43 € (cem euros e quarenta e três cêntimos).
4º - O imóvel sito na Rua .........., Lote ........., Bairro do Rosário, em Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º 000000, correspondente ao terceiro piso, designado pela letra ......, tem aquisição inscrita a favor do réu BB, pela apresentação n.º 32 de 30/07/1991.
5º - O agregado familiar dos réus é composto apenas por eles próprios.
6º - Os réus são pais de cinco filhos.
7º - Todos os filhos dos réus são adultos, trabalham e auferem rendimentos próprios.
8º - O imóvel, propriedade dos réus, possui quatro assoalhadas, duas casas de banho, uma cozinha e uma arrecadação.
9º - A mãe do réu marido pernoita, toma refeições, conserva os seus pertences, recebe parentes e amigos no imóvel, que é propriedade do réu.
10º - Desde há vinte anos a esta parte.
3.
São as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvo as questões que são de conhecimento oficioso e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigos 660º, n. os 1 e 2, 288º, 514º, 684º, n.º 3, 690º, n.º 4, 713º, n.º 2 do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12, pelo DL 180/96, de 25/09, 183/200, de 10/08, pelo DL 38/2003, de 8/03 e DL 199/2003, de 10/09).
O vocábulo “questões” não abrange os argumentos, os motivos ou as razões invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, as concretas controvérsias centrais a dirimir.
Assim, tendo em conta as alegações da recorrente, são duas as questões que consubstanciam o objecto do recurso:
a) – A primeira consiste em saber se o imóvel de que o réu é proprietário satisfará ou não as suas necessidades habitacionais imediatas.
b) – A segunda consiste em determinar se a renda actualizada, nos termos preconizados, é devida, desde 1 de Julho de 2005, como se julgou, ou apenas a partir do trânsito em julgado da decisão final deste processo, como pretendem os réus.
4.
O acórdão recorrido considerou que a fracção de que o réu é proprietário satisfaz as necessidades habitacionais imediatas dos réus. Ao contrário do decidido, sustentam os réus que, habitando a mãe do réu a dita fracção, a mesma não se encontra livre, pelo que não satisfaz as suas necessidades habitacionais imediatas.
A questão é a de saber se a fracção de que o réu marido é proprietário pode satisfazer as necessidades habitacionais imediatas do casal, pelo facto de a sua mãe nela residir.
Dispunha o artigo 77º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro, conhecido como Regime de Arrendamento Urbano ou RAU, na redacção vigente à data da petição inicial, que “nos contratos de arrendamento para habitação podem estabelecer-se regimes de renda livre, condicionada e apoiada”.
No regime de renda livre, as partes podem convencionar não só o montante da renda, como também o seu regime de actualização anual. Vigora o princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º do Código Civil.
Porém, ainda que vigore o regime de renda livre, o artigo 81º-A do RAU reconhece ao senhorio o direito de aumentar a renda, até ao que seria o seu valor máximo no regime da renda condicionada, quando o inquilino disponha de outra habitação que possa satisfazer as suas necessidades habitacionais imediatas, quer esta seja de sua propriedade ou não. “A protecção do arrendatário, que de certa forma justifica a não actualização das rendas, não merece tutela quando este dispõe de outra residência na mesma comarca ou na mesma área metropolitana em que resida (1)”.
Com efeito, face ao disposto no n.º 1 do citado preceito, o senhorio pode suscitar, para o termo do prazo do contrato ou da sua renovação, uma actualização obrigatória da renda, isto é, independentemente do decurso de um ano desde a data em que se iniciou o pagamento da última actualização, até o que seria o seu valor em regime de renda condicionada:
1 – Quando o arrendatário resida na área metropolitana de Lisboa ou do Porto e, nas respectivas áreas metropolitanas, (i) tenha outra residência (ii) ou for proprietário de imóvel, (iii) desde que aquela ou este possam satisfazer as respectivas necessidades habitacionais imediatas;
2 – Quando o arrendatário resida no resto do País e (i) tenha outra residência nessa mesma comarca (ii) ou seja proprietário de imóvel nessa comarca, (iii) desde que aquela ou este possam satisfazer as respectivas necessidades habitacionais imediatas.
Os factos provados permitem concluir que o réu é arrendatário da fracção designada pela letra B do prédio urbano sito na Avenida ........., n.º ......., em Cascais, sendo a autora dona do referido imóvel, por doação de seus pais, tendo o réu outorgado o contrato de arrendamento, em 1975, com o pai da autora. E é também dono da fracção designada pela letra D, correspondente ao terceiro piso do prédio urbano sito na Rua .........., Lote ............, Bairro do Rosário, em Cascais. Ou seja, sendo o réu arrendatário de uma fracção de um prédio urbano sito em Cascais, é também proprietário de um imóvel sito na mesma cidade.
Apurou-se, ainda, que, embora os réus sejam pais de cinco filhos, todos eles são adultos, trabalham e auferem rendimentos próprios, pelo que o seu agregado familiar é composto apenas por eles próprios. E a fracção de que o réu marido é dono possui quatro assoalhadas, duas casas de banho, uma cozinha e uma arrecadação. Porém, a mãe do réu marido pernoita, toma refeições, conserva os seus pertences, recebe parentes e amigos nessa fracção, desde há vinte anos a esta parte.
Defendem os recorrentes que, tendo-se provado que essa casa é a residência permanente da mãe do réu, deveria ter-se decidido que um dos pressupostos do direito accionado não existe.
A divergência do réu em relação ao decidido assenta na interpretação do segmento da norma, que exige, ainda, como requisito, “desde que aquela ou este possam satisfazer as respectivas necessidades habitacionais imediatas”.
Tem-se, com efeito, entendido que o requisito legal da possibilidade de satisfação das necessidades habitacionais imediatas pressupõe que (i) a residência tenha as divisões necessárias e seja satisfatório o seu estado de conservação e (ii) que ela esteja livre, disponível, isto é com possibilidades de ser ocupada pelo arrendatário.
Porém, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, também este requisito se verifica, pois a fracção de que o réu marido é proprietário tem as divisões necessárias para que aí possam residir e está disponível, isto é, com possibilidade de ser ocupada pelos réus, uma vez que não está onerada com uma qualquer obrigação contratual ou legal que os impeça de tomar posse do imóvel, quando entenderem.
O facto da mãe do réu se encontrar a habitar o referido imóvel com autorização destes não obsta à aplicação do disposto no artigo 81º-A do RAU ao caso em apreço.
A não ser assim, poderia sempre o réu ser proprietário de vários imóveis na mesma área metropolitana de Lisboa e, desde que os fosse emprestando a familiares ou amigos, impediria a aplicabilidade da aludida norma, o que constituiria um absurdo.
Não foi, com certeza, esta a intenção do legislador.
A lei não exige que o prédio esteja devoluto mas apenas que exista a possibilidade objectiva de se poder habitar o referido imóvel.
A possibilidade a que a lei se refere não se compadece com a vontade dos réus não quererem viver com a mãe ou de não quererem solicitar à mãe que liberte o imóvel, não existindo qualquer obrigação legal ou contratual que a isso obste.
Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, n.º 3 do Código Civil).
Assim, considerando as dimensões do imóvel, o número de pessoas que constituem o agregado familiar dos réus e o facto do mesmo se encontrar habitável, tanto é assim que vive lá a mãe do réu, é inegável que estão preenchidos todos os pressupostos para a senhoria poder ter exigido, como exigiu, uma actualização da renda da fracção arrendada aos réus, ao que não obsta a circunstância de a mãe dos réus aí residir com autorização destes, a título de favor, pois, não estando a fracção onerada com uma qualquer obrigação contratual ou legal, nada os impede de habitarem o imóvel, quando e se assim entenderem.
A segunda questão consiste em saber se a renda “condicionada” é devida, desde 1 de Julho de 2005, como se julgou, ou apenas a partir do trânsito em julgado da decisão final deste processo, como pretendem os réus.
Estabelece o n.º 2 do artigo 81º-A do RAU que, “na comunicação para efeitos da actualização obrigatória da renda cabe ao senhorio identificar com rigor as residências ou imóveis que satisfaçam as exigências do número anterior”, ou seja, as necessidades habitacionais imediatas do arrendatário.
Acrescenta o n.º 3 deste artigo que a actualização se rege pelo artigo 33º, com as adaptações consignadas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 81º-A.
Assim, quando pretender efectuar a actualização obrigatória da renda, o senhorio deve enviar uma comunicação por escrito ao arrendatário, com a antecedência mínima de 90 dias em relação ao termo do prazo do contrato ou da sua renovação, onde (i) identifique, com rigor as residências ou imóveis que satisfaçam as necessidades habitacionais imediatas do arrendatário e (ii) informe do novo montante da renda e o coeficiente e demais factores relevantes, utilizados no seu cálculo.
A actualização pretendida não pode ultrapassar o que seria o valor da renda em regime de renda condicionada.
Deste modo, se o arrendatário não aceitar a 1ª parte da comunicação [alínea a], não se chega a entrar na fase da actualização propriamente dita, restando ao senhorio o recurso aos tribunais.
Terá sido isso o que ora aconteceu. Porque os réus não aceitaram que a fracção de que o réu marido é proprietário pudesse satisfazer as suas necessidades habitacionais imediatas, viu-se a autora forçada a recorrer ao tribunal, tendo as instâncias considerado que, apesar da falta de comunicação aos réus, não pode deixar de se considerar como tal a citação do réu marido para a presente acção, o que ocorreu, pelo menos, em 20/12/2004.
A data da renovação do contrato ocorreu em 1/07/2005.
Com base em tais factos vêm os réus defender que a actualização, a existir, só poderia funcionar a partir do trânsito em julgado da decisão final e não a partir da data renovação do contrato, como decidido, uma vez que, segundo eles, não teriam sido discriminados os factores relevantes utilizados no seu cálculo para determinação da renda.
Não assiste manifestamente razão aos recorrentes
Neste caso, a petição inicial funciona como a comunicação a que se refere o artigo 33º do RAU. E, contrariamente ao alegado pelos Réus, nela constam todas as operações materiais de cálculo da nova renda (cf. artigo 7º da petição inicial), como os réus bem entenderam.
A contestação do réu, essa sim, não pode funcionar como a não aceitação a que se reporta o artigo 35º do RAU, pois não comporta os elementos essenciais aí consignados para essa não aceitação.
Assim, concluindo que a citação do réu foi efectuada com mais de 90 dias de antecedência em relação à data da renovação do contrato, opera a eficácia da nova renda à data da renovação seguinte à da citação, ou seja, a 1 de Julho de 2005.
Concluindo:
1ª - O requisito legal da possibilidade de satisfação das necessidades habitacionais imediatas pressupõe que (i) a residência tenha as divisões necessárias e seja satisfatório o seu estado de conservação e (ii) que ela esteja livre, disponível, isto é com possibilidades de ser ocupada pelo arrendatário.
2ª – Uma vez que a fracção de que o réu marido é proprietário tem as divisões necessárias para que aí possam residir e porque está disponível, isto é, com possibilidade de ser ocupada pelos réus, já que não está onerada com uma qualquer obrigação contratual ou legal que os impeça de tomar posse do imóvel, quando entenderem, verifica-se também o requisito legal da possibilidade de satisfação das necessidades habitacionais imediatas dos réus.
3ª – A lei não exige que o prédio esteja devoluto mas apenas que exista a possibilidade objectiva de se poder habitar o referido imóvel, pelo que o facto da mãe do réu se encontrar a habitar o referido imóvel, com autorização destes, não obsta à aplicação do disposto no artigo 81º-A do RAU ao caso em apreço.
4ª - Porque os réus não aceitaram que a fracção de que o réu marido é proprietário pudesse satisfazer as suas necessidades habitacionais imediatas, viu-se a autora forçada a recorrer ao tribunal, pelo que a citação do réu marido vale como comunicação, para efeitos da actualização obrigatória da renda nos termos dos artigos 33º e 81º-A do RAU.
5ª – Tendo-se a citação do réu efectuado, pelo menos, em 20/12/2004, isto é, com mais de 90 dias de antecedência em relação à data da renovação do contrato, opera a eficácia da nova renda à data da renovação seguinte à da citação, ou seja, a 1 de Julho de 2005.
5.
Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 24 de Março de 2011
Granja da Fonseca (Relator)
Pires da Rosa
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
__________________
(1) Cfr. Preâmbulo do DL n.º 278/93, de 10 de Agosto, que introduziu alterações ao RAU.