CONTRATO DE COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA SUJEITA A CONTAGEM
VENDA POR CONTA PESO OU MEDIDA
PRÉDIO RÚSTICO
ERRO SOBRE O OBJECTO DO NEGÓCIO
REDUÇÃO DO PREÇO
Sumário


I - A venda ad corpus pressupõe um erro de cálculo com expressão na discrepância entre o número, peso ou medida das coisas efectivamente vendidas e a indicação constante do contrato outorgado (art. 888.º, n.º 2, do CC).
II - Está em causa uma divergência de ordem quantitativa e não qualitativa, respeitando esta a eventuais defeitos da coisa alienada.
III - Prescreve o art. 888.º, n.º 2, do CC que se “a quantidade efectiva diferir da declarada em mais de um vigésimo, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional” com isto se significando que a proporcionalidade se estabelece considerando a área declarada deduzida de um vigésimo, obtendo-se a partir desta a área tida em excesso (ou defeito) face à área real ou efectiva.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA e BB intentaram acção declarativa com processo ordinário contra CC, DD e mulher EE e FF pedindo a sua condenação no pagamento de 61.778,00€ (sessenta e um mil setecentos e setenta e oito euros) acrescidos de juros à taxa legal desde a data da presente acção até integral pagamento; a título subsidiário pediram a declaração de nulidade do negócio nos termos do artigo 251.º do Código Civil conjugado com o artigo 247.º do mesmo Código, condenando-se os réus a devolver aos autores a quantia de 150.000€ acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da celebração da escritura pública até integral pagamento.

2. Alegaram que outorgaram no dia 2-8-2002 escritura publica em que adquiriram aos réus o prédio rústico de pinhal, eucaliptal e mato com a área de 36.000m2, área que consta da escritura, pelo preço de 150.000€ que foi o preço acordado.

3. No entanto, regressando o autor definitivamente a Portugal, verificou que a área do prédio não era a que consta da escritura e que estava de acordo com as informações prestadas nos preliminares do negócio, mas era afinal apenas de 21.207m2.

4. Há, assim, uma diferença entre o preço pago pelo prédio 150.000€/36.000m2 e o preço que seria devido pela área efectiva 88.221€/21.207m2 [o valor por m2 vendido, considerada a área de 150.000 foi de 4,16], valor do enriquecimento sem causa dos réus à custa do autor (artigo 473.º do Código Civil).

5. Será sempre, a não se entender assim, anulável o negócio por erro sobre o objecto (artigo 251.º do Código Civil) visto que a área do prédio rústico foi absolutamente determinante para os autores celebrarem o negócio pois nunca pagariam aquele preço se soubessem que a área era menor do que a indicada.

6. Os réus contestaram alegando que o prédio foi entregue para venda a um promotor imobiliário que o mostrou aos interessados, que o prédio vendido é uma tapada, ou seja, com uma porção de terreno completamente tapada ou murada, com óptima exposição solar, com bons acessos, de configuração plana, dispondo de uma faixa de terreno com a área de 2.527,484m2 classificada no PDM em vigor no concelho como “ zona urbana complementar” com um índice de construção de 0,83m2 com cerca de 730m2 de superfície construtiva o que determina que só aquela área de 2527,484m2 tenha um valor nunca inferior a 125.000€ tendo o preço apurado levado em conta todas as características do prédio e nunca tendo sido determinado à razão de tanto por metro quadrado.

7. Não existe, assim, nem enriquecimento sem causa nem erro sobre o objecto do negócio.

8. A acção foi julgada improcedente na 1ª instância visto que os autores não provaram que o valor de compra do imóvel tenha sido determinado em função da respectiva área à razão de 4,16 por metro quadrado resposta negativa ao quesito 8.º), improcedendo, assim, o pedido principal; quanto ao pedido subsidiário, improcedeu igualmente porque os autores não lograram provar que (a) contrataram a aquisição do imóvel por estarem convictos de que essa era a sua área e (b) que nunca acordariam comprar o imóvel pelo preço indicado sabendo que a área era de 21.207m2 (resposta negativa aos quesitos 9.º e 10.º).

9. Interposto recurso pelos autores para o Tribunal da Relação, entendeu o acórdão, ora sob recurso, que não foi efectivamente feita prova da essencialidade do erro dadas as respostas negativas aos quesitos 8 a 10 da base instrutória, não tendo sido alegada matéria de facto de que os réus conheciam ou não deviam desconhecer a essencialidade da circunstâncias do erro.

10. Considera o acórdão que os autores pedem, subsidiariamente, a redução do negócio no que respeita ao montante do preço pago na proporcionalidade dos metros reais do prédio rústico, negócio que se enquadra no âmbito do artigo 888.º do Código Civil pois o preço não foi determinado à razão de tanto por unidade.

11. Considerando, assim, que a diferença entre a área declarada (36.000m2) e a real (21.207,3m2) é superior a um vigésimo da declarada, os autores têm direito a uma redução do preço na proporcionalidade do preço/m2 calculado a partir da divisão de 150.000€/36.000/m2=4,16, multiplicando-se o resultado obtido (4,16) pela diferença de área (14.797,7m2) o que implica uma redução de 61.537,6€.

12. Foi, assim, julgada parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogando-SE a decisão proferida, os réus foram condenados a pagar aos autores a quantia de 61.537,6€ com juros legais a partir da citação.

13. Na revista interposta pelos réus sustentam estes que está afastada a aplicação do artigo 251.º do Código Civil porque os autores não provaram que a área de 36.000m2 fosse factor determinante da sua vontade de contratar pelo preço de 150.000€, constituindo um risco do negócio não corresponder a área ao idealizado; por isso, um tal risco não fundamenta nem a anulação do negócio nem a redução do preço, tratando-se de um erro incidental sobre o objecto mediato do negócio jurídico celebrado.

14. O preço pago é aquele que foi globalmente acordado pois não foi fixado à razão de tanto por metro quadrado e, por isso, os compradores/recorridos devem sempre pagar o preço declarado e não outro, mostrando-se no caso indevidamente aplicado o artigo 888.º/2 do Código Civil e os artigos 405.º e 406.º do Código Civil que prevêem que as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, não podendo o Tribunal substituir-se à vontade das partes reduzindo o preço de uma venda à função de um quantitativo por m2 quando isso não foi acordado pelas partes.

15. A venda de um terreno com área que o comprador constatou ser inferior não corresponde a um defeito intrínseco da coisa vendida, não se provando qualquer facto que permitisse razoavelmente supor aos compradores que na intenção dos autores comprar se devia atender à área do prédio.

16. Ainda assim, a considerar-se que se impunha uma redução proporcional no preço, essa redução proporcional apenas é devida na venda ad mensuram contemplada no artigo 887.º do Código Civil pois quanto à venda ad corpus manda o n.º2 do artigo 888.º do Código Civil que o preço sofra uma redução ou aumento proporcional, ou seja, a redução proporcional deve ter sempre em conta a diversidade do terreno em si, imputando um valor para a área construtiva e outro para a zona florestal, não se devendo proceder à divisão do preço efectivamente pago pelo número de metros declarados, realidades distintas que devem ser valoradas de forma diferenciada, o que impõe ou a baixa do processo para tal efeito ou relegar-se para liquidação.

17. Alegam os recorrentes que a solução encontrada pelo acórdão é muito mais gravosa para eles do que a anulação do negócio pois pelo preço que resulta da redução operada pelo Tribunal da Relação nunca teriam vendido o prédio, dado que o seu valor de mercado é muito superior, cifrando-se em valor idêntico ao que os autores pagaram pois, como é consabido, o valor dos prédios depende essencialmente da sua área construtiva e essa, a faixa construtiva referida, existe e mantém-se inalterada e confina com o caminho, sendo o preço por m2 fixado pelo Tribunal absolutamente arbitrário.

18. Sempre se impunha considerar o vigésimo tolerado (1.800m2) e, por conseguinte, a diferença a considerar seria de 34.200/m2 - 21.207,3 = 12.992,7, devendo aplicar-se a esta área o valor que for posteriormente apurado em sede de avaliação na 1ª instância, dado não existirem nos autos elementos necessários para o cálculo de eventual redução e, assim sendo, os juros apenas serão devidos a partir do trânsito em julgado da decisão que fixar o valor líquido devido (artigo 805.º/3 do Código Civil).

19. Concluem os réus a sua minuta considerando que deve ser revogado o acórdão da Relação na parte em que aplicou o artigo 888.º/2 do Código Civil e, em consequência, devem ser os réus absolvidos de pagar aos autores a quantia de 61.537,6€ e juros legais a partir da citação.

20. Factos provados:

1- No dia 8 de Agosto de 2002, na cidade de Braga e 2.º Cartório Notarial, CC, outorgando por si e como procurador de DD e mulher e FF, declarou que «ele e os seus constituintes são os legítimos possuidores do seguinte imóvel: prédio rústico denominado “T........", de pinhal, eucaliptal e mato, com a área de trinta e seis mil metros quadrados, a confrontar do caminho, do Sul com GG e outro, do Nascente com HH e outro, e do Poente com II, sito no Lugar do........, da referida freguesia de Besteiros, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz sob o artigo 234 (…)» e «que pela presente escritura e nas qualidades em que outorga, vende ao segundo outorgante o referido prédio, pelo preço de cento e cinquenta mil euros, que já recebeu.»; tendo AA, aí «segundo outorgante», declarado que «aceita esta venda nos termos exarados» (A).
2- Da certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Amares relativa ao prédio inscrito sob o artigo 234.º da matriz rústica da freguesia de Besteiros, consta a área de 36.000 m2 (B).
3- À data em que foi apresentado o negócio que, posteriormente, foi concretizado com o acordo referido no anterior facto 1º, o autor encontrava-se emigrado na Suíça (1).
4- O JJ, cunhado do autor, em representação deste, visitou o terreno e assinou o contrato-promessa (2).
5- Os preliminares do negócio foram conduzidos por KK, funcionário da Imobiliária Era, empresa de mediação imobiliária, que os réus contrataram com vista à venda do imóvel referido no anterior facto 1 (3).
6- Há cerca de oito meses (considerando a data da propositura da acção) o autor diligenciou pelo levantamento topográfico do terreno, comportando o prédio referido no anterior facto 1º a área de 21.207,3 m2 (5).
7.- O KK enviou ao autor marido, a solicitação deste, certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Amares, da qual constava que a área do imóvel era de 36.000 m2 (7).
8- Em data anterior à celebração do contrato -promessa celebrado entre autores e réus com vista à venda do imóvel referido no facto 1º (acordo junto a fls. 24 e seguintes), o kk foi mostrar o prédio ao JJ, cunhado do autor, representante deste, tendo percorrido todo o prédio, não tendo havido asseveramento de áreas (11 e 12).
9- O prédio referido no facto 1º é uma tapada, com exposição solar, dotada de acessos (13 e 14).
10- Parte do prédio tem configuração plana, e a parte restante tem configuração em declive (15).
11-Do prédio referido no facto 1º faz parte uma faixa de terreno de 2.527,484 m2 que tem um índice de ocupação de solo de 0.8m3/m2, a que corresponde uma área de construção de 730m2 (16).
12- A área referida na resposta ao anterior facto tem valor não concretamente apurado (17).

Apreciando:

21. Neste litígio discute-se a questão de saber se, constando da escritura de compra e venda que um determinado terreno com indicada área foi vendido por determinado preço e verificando-se, por medição ulterior do terreno, que a sua área efectiva difere em mais de um vigésimo da área declarada, não é aplicável o disposto no artigo 888.º/2 do Código Civil que prescreve que “ o preço sofrerá redução ou aumento proporcional” porque, a ser assim, os vendedores não teriam querido vender o imóvel; e, a aplicar-se o preceito, se a redução obriga a que se determine o preço do imóvel à luz do custo de mercado da parte da área que o integra com aptidão construtiva, não sendo correcto o cálculo da redução efectuado a partir da área e preço declarados na escritura em confronto com a área real; por último, suscita-se a questão de saber se a redução do preço não deve incluir o vigésimo indicado na referida disposição legal.

22. Os autores deduziram um pedido principal de condenação dos réus no pagamento da diferença de preço entre a área putativa de 36.000m2 constante da escritura de compra e venda e a área efectiva de 21.207m2 - que fundaram em enriquecimento sem causa, assim subsumindo o caso ao disposto no artigo 473.º do Código Civil - e deduziram um pedido subsidiário de anulação do negócio com base em erro sobre o objecto, alegando que a área do prédio rústico foi absolutamente determinante na sua vontade de aquisição do imóvel, pois comportando o prédio a área de 21.207m2 nunca por ele teriam pago o preço que pagaram.

23. As instâncias não consideraram provados os factos 9 e 10 que permitiriam julgar procedente o pedido subsidiário (facto 9: a área do prédio foi determinante na vontade dos AA adquirirem o imóvel; 10- pela área de 21.207m2 os autores não acordariam o valor de 150.000€) e, por isso, esta pretensão foi julgada improcedente.

24. Estamos, como se disse, face a um pedido subsidiário ao qual apenas se deverá atender se não proceder o pedido principal e, quanto a este, a acção foi julgada procedente, posto que o Tribunal da Relação tivesse qualificado (artigo 664.º do C.P.C.) a pretensão dos autores com base no artigo 888.º/2 do Código Civil e não com base na figura do enriquecimento sem causa, instituto que tem natureza subsidiária, pois a ele se deve recorrer quando a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído ( artigo 474.º do Código Civil).

25. Não está neste momento em discussão o pedido subsidiário mas se a ele nos referimos é porque os recorrentes, nas suas alegações de revista, afirmam o seu prejuízo, sustentando que a pretensão dos autores de redução do preço, tal como foi decidida, não pode vingar porque nunca eles teriam vendido o imóvel pelo preço agora fixado, alegação que os compradores similarmente enunciaram na petição quando, fundamentando o pedido subsidiário, mencionaram que pelo preço de 150.000€ nunca teriam adquirido o imóvel com a área inferior à declarada na escritura.

26. Esta pretensão dos recorrentes/vendedores não merece atendimento pois não se baseia em quaisquer factos provados nem tão pouco deduziram eles pedido reconvencional visando a anulação do contrato de compra e venda com base em erro próprio quanto à área do prédio que alienaram susceptível de preencher as previsões constantes dos artigos 247.º e 251.º do Código Civil.

27. No entanto, o facto de não se provar a existência de erro susceptível de permitir a anulação do contrato nos termos indicados não significa que, existindo um erro de cálculo na venda de coisas determinadas em que o preço é fixado globalmente - venda ad corpus - não possa ser exigida redução ou aumento proporcional. Saliente-se que não basta a mera discrepância objectiva entre a indicação do número, peso ou medida das coisas vendidas, importando que haja um erro de cálculo, in casu quanto à medida ( área) considerada do imóvel alienado, pois, como se salienta, no Ac. do S.T.J. de 7-4-2005 (Lucas Coelho) in www.dgsi.pt também publicado na C.J.,1, pág. 156 a doutrina transalpina

tem divisado a ratio do regime definido nesses preceitos num «erro presuntivo de cálculo de ambas ou de uma só das partes», subjacente às discrepâncias acerca da «quantidade» ou dimensão das coisas alienadas […]
A razão apontada transcenderia inclusive o plano dos motivos inspiradores da disciplina em exame. Radicando esta, na verdade, em um «presuntivo erro de cálculo», não estaria necessariamente excluída a prova do erro vício, susceptível de conduzir à anulação do contrato.
Como quer que seja, a lei não se deixou motivar «pela mera divergência objectiva entre a quantidade indicada no contrato e a quantidade real», estando nas hipóteses dos aludidos artigos sempre pressuposto «um erro, ou de ambos os contraentes ou pelo menos de um deles, mais frequentemente o comprador, mas podendo ser do vendedor unicamente» (5)[(5)Domenico Rubino, La Compravendita, «Trattato di Diritto Civile e Commerciale diretto dai Professori Antonio Cicu/Francesco Messineo», vol. XXIII, Giuffrè Editore, Milano, 1971, págs. 104/105, que momentaneamente se segue].

28. Afigura-se que, tanto na venda ad mensuram como na venda ad corpus, previstas respectivamente nos artigos 887.º e 888.º do Código Civil, não é uma questão de erro sobre a qualidade da coisa vendida o que se suscita, mas apenas um erro sobre a quantidade que as partes tiveram em vista quando contrataram, erro comprovado pela verificação de que o número, peso e medida das coisas vendidas e a indicação não corresponde à realidade (artigo 888.º/1 do Código Civil; veja-se o Ac. do S.T.J. de 16-9-2008 - Fonseca Ramos - P. 2265/2008 in www.dgsi.pt onde se considera que o facto de a área ser menor não constitui defeito intrínseco da coisa).

29. Assim, Antunes Varela salienta que

a nossa inclinação, em face da lei portuguesa, é no sentido de não considerar, em princípio, incluídas no conceito legal de qualidades da coisa vendida os factores externos traduzidos no número, peso ou medição da coisa.
Os primeiros elementos que a doutrina e a jurisprudência alemãs integram geralmente no conceito ( legal) de qualidades da coisa são as propriedades naturais ou intrínsecas da substância de que a coisa é formada ( como a solidez, a flexibilidade, a dureza, a secura, a ductibilidade, a permeabilidade, a resistência ao frio e ao calor, a elasticidade, a leveza, etc.) bem como o estado ou situação em que a coisa se encontra ( não usada ou em primeira mão; já usada ou em segunda mão; com muito ou pouco uso; desgastada ou não desgastada; nova ou antiga) ou a sua aptidão para determinado fim.
Outros elementos que a riquíssima jurisprudência alemã e italiana têm englobado no núcleo das qualidades da coisa dizem já respeito, não à constituição intrínseca da coisa, mas ao seu relacionamento com o meio exterior ou ambiente como certos factores de valorização dela ( casa de praia, casa na serra, casa junto ao lago, casa junto à estação do metro ou da prestação de camionagem, etc.).
Uma realidade, porém, é a leveza ou a densidade da substância ou material de que a coisa é feita e nela reside, sem dúvida, uma qualidade da coisa; e outra realidade ou factor bem diferente é o peso da coisa vendida, independentemente do material ou substância de que ela é feita, porque dependente apenas da quantidade de coisas que foi encomendada pelo comprador ou entregue pelo vendedor […] não sendo neste segundo caso a qualidade da coisa, mas apenas a quantidade (o peso ou a medida) dela que está em causa” (Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 119.º,1986/1987, pág. 344).

30. Tem-se entendido, aliás em conformidade com o disposto no artigo 888.º do Código Civil, que a redução no caso de venda de coisas determinadas - tal o caso da venda de imóvel rústico em que a área real não corresponde à área declarada - face ao número, peso ou medida das coisas vendidas pressupõe que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e essa indicação não corresponda à realidade, referência esta que postula que haja sido introduzida no acto uma qualquer indicação (cf. Ac. do S.T.J. de 26-4-2007 - Gil Roque - P. 698/2007 in www.dgsi.pt com voto de vencido (Salvador da Costa) em que se admite a interpretação extensiva do preceito com base em circunstâncias concretas reveladoras de omissão de dever de informação.

31. No caso vertente, porém, não se suscita qualquer dúvida de que os autores queriam adquirir o imóvel com a área de 36.000m2 ( factos supra 5 e 7), tendo sido exarada na escritura de compra e venda que a área do imóvel era de 36.000m2.

32. Assim sendo, os autores pagaram um preço estipulado globalmente (venda ad corpus) com base em informaçao prestada pelo agente da imobiliária, a quem os vendedores encarregaram de negociar a transacção do imóvel, de que era de 36.000m2 a área do imóvel, tendo sido exarado na escritura que o imóvel tinha a referida área de 36.000m2, não estando de modo algum em causa que o imóvel com o espaço adquirido não fosse aquele preciso imóvel que está murado.

33. Tanto na venda ad mensuram como na venda ad corpus há lugar a alteração do preço com a diferença de que, no caso da segunda, essa alteração apenas se admite quando a quantidade efectiva difira da declarada em mais de um vigésimo desta ( artigo 888.º/2 do Código Civil).

34. É o caso.

35. Os réus entendem que sofrem prejuízo com a redução porque se impõe atender ao valor de mercado do imóvel ponderando a parte que tem aptidão edificativa e a parte que tem aptidão florestal, não podendo a redução proporcional ser feita sem previamente em incidente de liquidação se determinar o valor do imóvel nestas duas vertentes.

36. Quer isto dizer que os réus, face a um preço globalmente fixado em que relevou a respectiva área do imóvel atenta a expressa inequívoca declaração constante da escritura em que foi indicada a respectiva área, pretendem agora a fixação de um preço considerado à luz da área real, sendo certo que a diferença a ter em conta é, como se disse, de natureza quantitativa porque os elementos de ordem qualitativa não estão em causa. Por outras palavras, o que os recorrentes pretendem agora é uma nova fixação de preço ponderando não a área do imóvel mas a sua parcial aptidão edificativa, ponto que não podia deixar de ter sido levado em atenção quando foi estipulado o preço de venda e, se o não foi, não é essa questão que aqui tenha de ser considerada.

37. No que respeita à redução, acompanhamos o entendimento de Antunes Varela quando refere que

no caso de existir, realmente, diferença entre a quantidade efectiva e a declarada em mais de um vigésimo desta ( seja para mais ou para menos), cabe naturalmente perguntar se o aumento ou redução do preço previstos na lei se destinam nesse caso a cobrir toda a diferença que exceda o vigésimo tolerado na disposição. Parece que a solução mais razoável e harmónica com a ratio legis é a segunda, considerando a diferença até ao vigésimo da quantidade declarada como uma espécie de carência imposta supletivamente às partes pela lei” (Código Civil Anotado, 1997, Vol II, 4º edição, pág. 180).

38. Apenas neste ponto se diverge do acórdão sob recurso que subsumiu, a nosso ver com toda a justeza, a qualificação do litígio sub judice ao normativo constante do artigo 888.º/2 do Código Civil.

39. Por isso a proporcionalidade deve ser estabelecida a partir da regra de três simples assim equacionada: se a 150.000€ / 34.200m2= x/12.992m2 o que perfaz o quantitativo de 56.986,00€ por arredondamento; evidencie-se que 12.992m2 correspondem à diferença entre os 34.200m2 ( estes por sua vez resultantes da diferença entre os 36.000m2 e o respectivo vigésimo de 1800m2) e os 21.207,3m2.

Concluindo:

I- A venda ad corpus pressupõe um erro de cálculo com expressão na discrepância entre o número, peso ou medida das coisas efectivamente vendidas e a indicação constante do contrato outorgado (artigo 888./2 do Código Civil).
II- Está em causa uma divergência de ordem quantitativa e não qualitativa, respeitando esta a eventuais defeitos da coisa alienada.
III- Prescreve o artigo 888.º/2 do Código Civil que se “ a quantidade efectiva diferir da declarada em mais de um vigésimo, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional” com isto se significando que a proporcionalidade se estabelece considerando a área declarada deduzida de um vigésimo, obtendo-se a partir desta a área tida em excesso ( ou defeito) face à área real ou efectiva.

Decisão: concede-se revista parcial, condenando-se os réus a pagar aos autores a quantia de 56.986,00€ (cinquenta e seis mil novecentos e oitenta e seis euros) com juros à taxa legal desde a citação.

Custas por AA e RR na medida do respectivo decaimento.

Lisboa, 7 de Abril de 2011

Salazar Casanova (Relator)
Fernandes do Vale
Marques Pereira