TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
Sumário

I - O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.ºdo DL 15/93, de 22-01, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art. 21.º, do citado DL 15/93.
II - Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. É pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade.
Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, no seu segmento objectivo, com destaque para o desvalor da acção e do resultado, deverá ser feita a partir de todas as circunstâncias que, em concreto, se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito, quer do ponto de vista da acção, quer do ponto de vista do resultado.
III - Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º do DL 15/93, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do art. 25º do DL 15/93, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir, como já atrás se consignou, os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime tipo.
IV - Com a tipificação do tráfico de estupefacientes se tutela primordialmente a saúde pública, através da protecção da saúde individual do consumidor, bem como a liberdade deste, consabido que o consumo de estupefacientes, em especial das denominadas “drogas duras”, provoca a devastação física e psíquica do consumidor, dando lugar a custos sociais elevados, que atingem toda a comunidade.
V -Vindo provada a reduzida dimensão do tráfico, bem reflectido na quantidade de substâncias apreendidas ao arguido A (0,31 g de heroína), e à arguida B (1,91 g de cocaína), bem como na não apreensão de qualquer substância daquela natureza à arguida, a conduta perpetrada por ambos é de subsumir à previsão do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, mostrando-se proporcionais e adequadas as penas de prisão efectiva de 4 anos e 6 meses de prisão para o primeiro, e de 4 anos de prisão, para a segunda.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 6929/09. 3TAVNG, da 2ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia, AA e BB, com os sinais dos autos, foram condenados como autores materiais do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, nas penas de 5 anos e 6 meses e 5 anos e 2 meses de prisão, respectivamente[1].

Interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça ambos os arguidos.

Na motivação apresentada o arguido AA formulou as seguintes conclusões:

1. Entende o recorrente dever ser condenado não pelo crime p.p. no artigo 21º mas pelo do artigo 25º, do D.L. 15/93, de 22-01.

In casu e face à factualidade provada de que o arguido detinha nas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o produto estupefacientes apreendido (0,31 gramas de heroína e 1,91 gramas de cocaína), o valor da quantia monetária (€ 111,70) proveniente da actividade ilícita, aliadas ao facto de à data da prática dos factos ser consumidor desse tipo de produto estupefaciente (teor do relatório social junto aos autos), sem o suporte de qualquer tipo de organização, a venda ser efectuada na rua, não terem sido apreendidos artefactos ligados ao doseamento e pesagem das substâncias, as pequenas quantidades que eram transaccionadas, e número de transacções apuradas, conjugado com a sua confissão parcial, estar a ser apoiado pela família, ter um comportamento adequado às regras institucionais no E.P., e manter-se abstinente do consumo de drogas, para se concluir que se está perante uma actividade de tráfico de menor gravidade relativamente à ilicitude típica do artigo 25º, do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.

2. Violou-se o disposto no artigo 25º do citado diploma legal.

3. A determinação da medida da pena parte do postulado de que as finalidades de aplicação das penas são, em primeiro lugar, a tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade, constituindo a medida da culpa o limita inultrapassável da medida da pena.

4. Na determinação concreta da medida da pena, o julgador atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 71º, do C.P.), ou seja, as circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a prevenção e para a culpa.

5. Face aos critérios legais (artigos 70º e 71º), o recorrente deveria ser punido, atentas as razões aduzidas na motivação do recurso, designadamente o tempo em que decorreu a actividade ilícita, cerca de 3 meses, as quantidades de droga transaccionadas, o poder-se qualificar a sua conduta como um mero “vendedor de rua”, a quantidade de droga apreendida, a condição económica modesta que tinha, não tendo viatura própria, vivendo em casa de familiares, o apoio familiar de que dispõe, o tempo de cadeia já cumprido, aliado ao facto de se encontrar abstinente do consumo de drogas, em medida não superior a 4 anos de prisão.

6. A decisão recorrida violou, nessa parte, os artigos 70º e 71º, do CP.

7. Sem prescindir, e mesmo entendendo que da conjugação dos factos provados e não provados, a conduta do arguido se subsume ao ilícito p.p. no artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, deveria o tribunal, atento ao circunstancialismo favorável apurado, designadamente, o já referido no ponto 6 das conclusões de recurso, ter aplicado a pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação de recurso da arguida BB:

1. A decisão recorrida fez errada subsunção jurídica dos factos ao qualificá-los como elementos que preenchem o tipo legal de crime previsto no artigo 21º, do DL 15/93.

2. Na verdade, a matéria de facto dada como provada, apesar do acórdão considerar que a ilicitude não resulta diminuída, expressa um curto período de tempo da actividade delituosa, expressa também uma parca descrição da actividade delituosa, demonstra a inexistência de apreensão de produto estupefaciente e a inexistência de intercepção de compradores (há referência apenas a um comprador), dá como provado que a recorrente não actua em comunhão de esforços com terceiros, não resultando da busca efectuada qualquer particular sinal de riqueza ou de manuseamento habitual de produtos estupefacientes, certo sendo que no espaço em que se encontrava nem vestígios ou sinais da actividade de tráfico existiam.

3. Por isso, entende a recorrente que a qualificação jurídica adequada à realidade fáctica só pode ser a que decorre do artigo 25º, do DL 15/93, com a consequente expressão na pena que lhe vier a ser aplicada.

4. A decisão recorrida violou, nesta parte, os artigos 21º e 25º, do DL 15/93.

5. Para além disso, mesmo que não vença a tese da recorrente quanto à qualificação jurídica, a pena aplicada nunca deveria ser superior a 4 anos de prisão, face ao que quanto a si foi dado como provado.

6. Pese embora as circunstâncias que negativamente pesam contra a recorrente especificadas no acórdão, não nos podemos alhear que o acórdão marca o dia 26 de Outubro de 2009 com a descrição da entrega de embalagens a um co-arguido e marca este dia como episódio isolado, sem continuidade e, depois, descreve uma venda ocorrida em 18 de Fevereiro de 2010, mas dá como lapso de tempo da actividade delituosa da recorrente o mês de Fevereiro de 2010, até ao dia 19 de Fevereiro, data da busca e detenção.

7. O acórdão coloca a recorrente a actuar de forma isolada, sem recurso a ajuda de terceiros e, para além de não conseguir produto estupefaciente ou identificar adquirentes desse produto, não consegue ligar a recorrente a qualquer vestígio especificamente decorrente do tráfico, como seja os utensílios mais usados, plásticos ou apontamentos, apenas ligando a quantia monetária, sem que esta tenha correspondência com a descrição material de actos de venda de droga com contrapartida económica.

8. Por isso, a recorrente pugna pela diminuição da pena nos termos sobreditos, invocando a violação do artigo 71º, do CP.

Não foi apresentada resposta.

Nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu circunstanciado parecer no qual se pronuncia no sentido de que a matéria de facto dada como provada, por genérica, não permite seja imputado à arguida BB comportamento delituoso. Mais defende que a terem-se aqueles factos por suficientes para a sua incriminação, devem os mesmos ser subsumidos à norma do artigo 25º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, o mesmo sucedendo relativamente aos factos perpetrados pelo arguido AA, visto que reflectem uma ilicitude consideravelmente diminuída, devendo ser este arguido condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e a arguida na pena de 2 anos de prisão.

Defende, ainda, que mantendo-se a qualificação jurídica assumida na decisão recorrida seja aplicada ao arguido AA a pena de 4 anos e 6 meses de prisão e à arguida BB a pena de 4 anos e 2 meses de prisão.

Os recorrentes não responderam.

Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

                                        

São duas as questões que os recorrentes submetem à apreciação deste Supremo Tribunal:

a) Incorrecta qualificação jurídica dos factos;

b) Desajustada dosimetria das penas.

Para além destas questões, outra vem suscitada pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta, ao defender que a arguida BB deve ser absolvida por a matéria de facto provada, face à sua vaguidade e insuficiência, é insusceptível de fundamentar a sua incriminação.

                              

É do seguinte teor a decisão de facto proferida (factos provados e não provados)[2]:

1) No dia 26 de Outubro de 2009, entre as 08h00 e as 13h30, foram vistos na Rua .., junto de uma casa com o n.º ..., da Escarpa da ......., os co-arguidos BB e AA.---

2) Durante esse período a co-arguida BB entregou várias embalagens, em plástico, ao co-arguido AA, bem como este último procedeu à entrega das mesmas a vários indivíduos que o foram contactando na rua, recebendo dos mesmos, em troca, várias quantias em dinheiro.---

3) No dia 14 de Janeiro de 2010, entre as 14h30 e as 17h15, alguém cuja identidade não se apurou foi abordado por várias pessoas que, a troco de várias quantias monetárias que entregavam a esse individuo cuja identidade não se apurou, recebiam deste embalagens, em plástico, contendo um produto de cor esbranquiçada.---

4) Entre as pessoas que adquiriam a esse individuo cuja identidade não se apurou as referidas embalagens, encontravam-se CC e DD. Estes DD e CC, logo após o acto da compra e ainda encontrando-se os mesmos na zona da escarpa da ......., foram abordados pela PSP. Na sequência desta intervenção, aquela CC, foi surpreendida na posse de uma embalagem, em plástico, contendo 0.22 gramas de cocaína, e aquele DD, na posse de uma embalagem contendo 0.18 gramas de cocaína.---

5) No dia 18 de Fevereiro de 2010, entre as 08h00 e as 13h30, foram vistos junto à porta da casa n.º ..., sita na Rua ...., da Escarpa da ....... os co-arguidos AA e BB.---

6) Nesse mesmo dia 18 de Fevereiro de 2010, pelas 12h31, 12h37 e 12h50, o co-arguido AA procedeu a três vendas de cocaína a várias pessoas que o abordavam e que, a troco de dinheiro que entregavam a este co-arguido, recebiam do mesmo várias embalagens em plástico, contendo no seu interior o aludido produto.---

7) Nesse mesmo dia 18 de Fevereiro de 2010, pelas 12h39, a co-arguida BB procedeu a uma venda de cocaína a um individuo que a abordou e que, a troco de dinheiro que entregou a esta co-arguida, recebeu da mesma uma embalagem em plástico, contendo no seu interior o aludido produto.---

8) Nesse mesmo dia 18 de Fevereiro de 2010 o co-arguido EE abordou no local potenciais compradores, encaminhando-os para o co-arguido AA para aqueles lhe comprarem cocaína.---

9) No dia 19 de Fevereiro de 2010, entre as 13h00 e as 15h27, o arguido AA, entre as 14h02 e as 14h07, vendeu uma embalagem em plástico, contendo no seu interior cocaína, tendo recebido em troca por parte do comprador uma nota de 10 (dez) euros e vendeu uma outra embalagem em plástico, contendo um produto idêntico ao já referido, recebendo, em troca, do novo comprador, uma outra nota de 10 (dez) euros.---

10) Nesse mesmo dia 19 de Fevereiro de 2010, no mesmo local, entre as 14h09 e as 15h17 vários consumidores ao chegarem ao local, dirigiram-se ao co-arguido EE que os levou junto do co-arguido AA, tendo este entrado na casa ..., da Rua...., da Escarpa da ....... e passado breves momentos entregue várias embalagens de plástico contendo cocaína ao co-arguido EE, o qual, por sua vez, entregou as embalagens aos consumidores que o tinham solicitado, recebendo em troca várias quantias em dinheiro, quantias estas que foram entregues pelo co-arguido EE ao co-arguido AA, e este, por sua vez, entregou a terceiro não identificado, que se encontrava dentro da identificada casa n.º ....

11) Entre os consumidores que adquiriam, nesta dia, produto estupefaciente aos co-arguidos EE e AA, encontrava-se FF. Esta FF, logo após o acto da compra e ainda encontrando-se a mesma na zona da escarpa da ......., foi abordada pela PSP e, na sequência desta intervenção, aquela FF foi surpreendida na posse de embalagens, em plástico, contendo 0.28 gramas de cocaína.---

12) Nesse mesmo dia 19 de Fevereiro, pelas 15h45, junto à casa ...., da ....., da Escarpa da ......., o co-arguido AA foi detido, tendo o mesmo sido surpreendido na posse da quantia monetária global de € 111,70, dividida em várias notas e moedas do BCE.---

13) Na mesma ocasião e local foi detido o co-arguido EE, tendo o mesmo sido surpreendido na posse da quantia global de € 50,70, dividida em notas e moedas do BCE, bem como de um telemóvel da marca Sony Ericsson.---

14) Na mesma ocasião foi efectuada uma busca domiciliária à casa n.º ...., da ....., da Escarpa da ......., residência do co-arguido AA, tendo sido apreendidas e, segundo indicações do próprio co-arguido AA, três embalagens que se encontravam ocultadas numa parede, contendo 0,31 gramas de Heroína. Ainda na residência deste co-arguido foram apreendidas (onze) embalagens contendo 1,91 gramas de cocaína, bem como ainda foi apreendido um pedaço de plástico.---

15) Nesse mesmo dia 19 de Fevereiro de 2010, pelas 16h30, foi efectuada busca domiciliária na casa com o n.º ..., situada também na rua...., da escarpa da ......., propriedade de familiares dos arguidos AA e BB. Nesta residência foi apreendida a quantia de € 479,55, em notas do BCE, dentro de uma bolsa pertença da co-arguida BB, um telemóvel e, ainda, numa estante a quantia de € 30.00 (trinta euros).---

16) Os produtos estupefacientes apreendidos referidos no ponto 14) dos factos provados destinavam-se a ser vendidos pelo co-arguido AA, com a participação do co-arguido EE a consumidores que se dirigissem ao local para esse efeito.---

17) A casa com o n.º ...., da Escarpa da ....... era utilizada pelo co-arguido AA pelo menos como depósito dos produtos estupefacientes a cuja venda se dedicava.---

18) Todas as quantias monetárias apreendidas aos co-arguidos eram produtos da vendas de produto estupefaciente que os mesmos foram fazendo, não tendo nenhum deles ocupação profissional.---

19) O co-arguido AA vinha actuando como o descrito pelo menos desde 26 de Outubro de 2009, por forma ininterrupta, até ao dia 19 de Fevereiro de 2010, data em que o mesmo foi detido.---

20) A co-arguida BB actuou como o descrito pelo menos em 26 de Outubro de 2009 e durante o mês de Fevereiro de 2010 e até ao dia 19 desse mesmo mês, data em que a mesma foi detida.---

21) O co-arguido EE actuou como o descrito pelo menos nos dias 18 e 19 de Fevereiro de 2010, data em que o mesmo foi detido.---

22) O co-arguido EE estava encarregado de guiar os potencias consumidores até ao co-arguido AA, sendo este que normalmente procedia à venda do produto.---

23) Pelo menos os co-arguidos EE e AA agiram em comunhão de esforços, na execução de um plano que a todos era comum.---

24) Todos os co-arguidos actuaram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser proibida a sua actuação.---

25) O arguido AA não ultrapassou o nível do 1º ciclo do ensino básico.---

Aos 16 anos de idade começou a trabalhar na construção civil.---

Entretanto iniciou comportamento aditivo com estupefacientes.---

Esteve a trabalhar em Inglaterra como empregado de armazém desde início de 2007 até Agosto de 2008, data em que regressou a Portugal.---

À data dos factos vivia sozinho em casa dos seus tios e encontrava-se desempregado.---

Refere estar abstinente desde a sua reclusão.---

A postura do arguido no estabelecimento prisional onde se encontra preso preventivamente à ordem destes autos tem sido cordata com o normativo institucional.

Não releva motivação para desempenhar no estabelecimento prisional uma actividade de carácter laboral.---

Recebe visitas dos primos.---

26) A arguida BB possui o 4º ano de escolaridade.---

Tem cinco filhos, dois deles de um primeiro relacionamento e três do actual companheiro com que reside há cerca de 9 anos.---

À data dos factos a arguida residia com o companheiro e quatro filhos e recebia o rendimento de inserção social no valor de € 420,00.---

Actualmente, recebe o rendimento de inserção social no valor de € 600,00.---

27) O arguido EE concluiu o 1º ciclo do ensino básico.---

Frequentou curso de formação profissional de mecânica auto.---

Iniciou o consumo de haxixe.---

Vive com os pais e dois irmãos, um sobrinho e um tio materno.---

Beneficia de rendimento social de inserção.---

Encontra-se inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional.---

Iniciou processo de revalidação, verificação e certificação de competências com vista a obter o 6º ano de escolaridade.---

28) O arguido AA foi anteriormente condenado pelos seguintes ilícitos:---

a) No processo 52/03.1PEVNG da 2ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia, por decisão de 23.02.2006, transitada em julgado em 10.03.2006, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 18 meses de prisão, suspensa por 4 anos, tendo sido declarada extinta;---

b) No processo 2/05.0PEVNG da 1ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia, por decisão de 18.03.2009, transitada em julgado em 27.04.2009, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova.---

29) A arguida BB foi anteriormente condenada pelos seguintes ilícitos:---

a) No processo 56/99.7TAVNG da 1ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia, por decisão de 09.01.2003, transitada em julgado em 11.05.2004, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 3 anos e 6 meses, tendo sido declarada extinta;---

b) No processo 2/05.0PEVNG da 1ª Vara Mista do Tribunal de Vila Nova de Gaia, por decisão de 18.03.2009, transitada em julgado em 27.04.2009, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova.---

30) O arguido EE não tem antecedentes criminais.---

2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA ---

Não se provaram todos os demais factos constantes da acusação os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.---

Deste modo, não se provou nomeadamente:---

- que no dia 14 de Janeiro de 2010, entre as 14h30 e as 17h15, os co-arguidos AA e BB foram abordados por várias pessoas que, a troco de várias quantias monetárias que entregavam aos mesmos, recebiam destes embalagens, em plástico, contendo um produto de cor esbranquiçada;---

- que no dia 18 de Fevereiro de 2010 o co-arguido EE encaminhou potenciais compradores para a co-arguida BB e que o mesmo desempenhou funções de vigilante contra eventuais “investidas” policias;---

- que os produtos estupefacientes apreendidos e referidos no ponto 14) dos factos provados também se destinavam a ser vendidos pela co-arguida BB;---

- que a casa com o n.º .., da escarpa da ....., também era utilizada pela co-arguida BB como depósito e local embalamento dos produtos estupefacientes a cuja venda se dedicavam;---

- que o pedaço de plástico aludido no ponto 14) dos factos provados servia para proceder ao “embalamento” do produto estupefaciente;---

- que a quantia monetária de € 30 apreendida e aludida no ponto 15) dos factos provados era produto da vendas de produto estupefaciente;---

- que a co-arguida BB vinha actuando como o descrito de forma ininterrupta desde 26 de Outubro de 2009 e até ao dia 19 de Fevereiro;---

- que o co-arguido EE vinha actuando como o descrito de forma ininterrupta desde 26 de Outubro de 2009 e até ao dia 19 de Fevereiro;---

- que a co-arguida BB guardava o dinheiro e transportava até ao local da venda o produto estupefaciente;---

- que a arguida BB agiu em comunhão de esforços com os demais arguidos, na execução de um plano comum.---

                                       O Ministério Público entende que a arguida BB deve ser absolvida, com o fundamento de que a matéria de facto provada, no que a ela concerne, constitui um conjunto de imputações genéricas, insusceptível de suportar a sua condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes.

Como este Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo[3], a imputação e prova de factos genéricos são insusceptíveis de fundamentar a aplicação de uma pena, visto que a individualização e clareza dos factos objecto do processo são indispensáveis para que o arguido possa valida e eficazmente contraditar a acusação ou a pronúncia, única forma de se poder defender.

O princípio ou cláusula geral constante do n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República, segundo o qual o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, impõe que ao arguido, como sujeito processual, sejam assegurados todos os direitos, mecanismos e instrumentos necessários e adequados para que possa, em plena liberdade da vontade, defender-se, designadamente para que possa contrariar a acusação ou a pronúncia, através de um julgamento imparcial, realizado como total independência do juiz, em procedimento leal e justo[4].

Por isso, perante a imputação e prova de factos não concretizados, temporal e espacialmente não demarcados, em que o arguido é colocado numa posição de não os poder contraditar, ou seja, de deles se não poder defender, não é admissível a incriminação e a condenação.

Vejamos pois se no caso vertente estamos ou não perante uma tal situação.

 Vem provado:

 «No dia 26 de Outubro de 2009, entre as 08h00 e as 13h30, foram vistos na Rua ..., junto de uma casa com o n.º ..., da Escarpa da ......., os co-arguidos BB e AA.

Durante esse período a co-arguida BB entregou várias embalagens, em plástico, ao co-arguido AA, bem como este último procedeu à entrega das mesmas a vários indivíduos que o foram contactando na rua, recebendo dos mesmos, em troca, várias quantias em dinheiro.

…No dia 18 de Fevereiro de 2010, entre as 08h00 e as 13h30, foram vistos junto à porta da casa n.º ..., sita na Rua ...., da Escarpa da ....... os co-arguidos AA e BB.

Nesse mesmo dia 18 de Fevereiro de 2010, pelas 12h31, 12h37 e 12h50, o co-arguido AA procedeu a três vendas de cocaína a várias pessoas que o abordavam e que, a troco de dinheiro que entregavam a este co-arguido, recebiam do mesmo várias embalagens em plástico, contendo no seu interior o aludido produto.

Nesse mesmo dia 18 de Fevereiro de 2010, pelas 12h39, a co-arguida BB procedeu a uma venda de cocaína a um indivíduo que a abordou e que, a troco de dinheiro que entregou a esta co-arguida, recebeu da mesma uma embalagem em plástico, contendo no seu interior o aludido produto.

Nesse mesmo dia 19 de Fevereiro de 2010, pelas 16h30, foi efectuada busca domiciliária na casa com o n.º ..., situada também na rua...., da escarpa da ......., propriedade de familiares dos arguidos AA e BB. Nesta residência foi apreendida a quantia de € 479,55, em notas do BCE, dentro de uma bolsa pertença da co-arguida BB, um telemóvel e, ainda, numa estante a quantia de € 30.00 (trinta euros).

Todas as quantias monetárias apreendidas aos co-arguidos eram produto das vendas de produto estupefaciente que os mesmos foram fazendo, não tendo nenhum deles ocupação profissional.

A co-arguida BB actuou como o descrito pelo menos em 26 de Outubro de 2009 e durante o mês de Fevereiro de 2010 e até ao dia 19 desse mesmo mês, data em que a mesma foi detida.

Todos os co-arguidos actuaram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo ser proibida a sua actuação».

O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto[5], razão pela qual qualquer uma das actividades ou condutas previstas no artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, sem mais, desde que o respectivo agente não se encontre para tanto autorizado, e suposto o dolo em qualquer uma das suas modalidades, são integrantes do crime[6].

Ora, perante o quadro factual transcrito é evidente que carece de fundamento o entendimento defendido pelo Ministério Público segundo o qual a arguida BB foi condenada com base em factos genéricos ou indeterminados, consabido vir provado que a mesma não só procedeu a uma venda de cocaína no dia 18 de Fevereiro de 2010, pelas 12 horas e 39 minutos, a um indivíduo que a abordou, mas também que aquando de busca domiciliária efectuada no dia 19 de Fevereiro, pelas 16 horas e 30 minutos, a residência de familiares da arguida e do arguido AA, foi apreendida a quantia de € 479,55, em notas do BCE, dentro de uma bolsa àquela pertencente, quantia proveniente da venda de produto estupefaciente.

                                      

Qualificação Jurídica dos Factos

Vem alegado por ambos os recorrentes que os factos pelos quais foram condenados se revelam insuficientes para a sua subsunção à norma do artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, que prevê e pune o crime de tráfico de estupefacientes, devendo antes ser subsumidos à norma do artigo 25º daquele diploma legal.

Decidindo, dir-se-á.

O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25º, do DL 15/93, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do artigo 21º, do DL 15/93[7].

Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude do facto, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude do facto, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações. É pois a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude nele pressuposta, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade[8].

Tal aferição, consabido que a ilicitude do facto se revela, essencialmente, na sua vertente objectiva, com destaque para o desvalor da acção e do resultado, deverá ser feita a partir de todas as circunstâncias que, em concreto, se revelem e sejam susceptíveis de aumentarem ou diminuírem a quantidade do ilícito, quer do ponto de vista da acção, quer do ponto de vista do resultado[9].

Assim e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do artigo 25º, do DL n.º 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais circunstâncias susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) ao tipo privilegiado do artigo 25º, do DL 15/93, como vem defendendo este Supremo Tribunal[10], torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir, como já atrás se consignou, os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo[11].

Certo é que com a tipificação do tráfico de estupefacientes se tutela primordialmente a saúde pública, através da protecção da saúde individual do consumidor, bem como a liberdade deste, consabido que o consumo de estupefacientes, em especial das denominadas “drogas duras”, provoca a devastação física e psíquica do consumidor, dando lugar a custos sociais elevados, que atingem toda a comunidade[12].

Analisando a matéria de facto provada resulta estarmos perante actividades de tráfico sem qualquer suporte organizacional, levadas a cabo na rua, através da venda a consumidores de doses individuais, actividades que perduraram por curtos períodos de tempo.

Deste modo, atenta a reduzida dimensão do tráfico, bem reflectida na quantidade de substâncias estupefacientes apreendidas ao arguido AA, 0,31 gramas de heroína e 1,91 gramas de cocaína, bem como na não apreensão de qualquer substância daquela natureza à arguida BB, há que requalificar os factos perpetrados pelos arguidos, subsumindo-os à norma do artigo 25º, do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

                                 Medida das Penas

Requalificados os factos há que determinar a medida das penas.

Culpa e prevenção, constituem o binómio que o julgador tem de utilizar na determinação da medida da pena – artigo 71º, n.º 1, do Código Penal.

A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – artigo 40º, n.º 2, do Código penal[13].                                                                                       

Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[14].

Como já se deixou consignado, o crime de tráfico de estupefacientes tutela a saúde pública em conjugação com a liberdade da pessoa.

As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num aumento da criminalidade e na degradação social de parte da comunidade.

Os últimos dados conhecidos, fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística, referem um aumento constante, desde o ano de 2006, do número de mortes ocorridas por uso de drogas, em especial por overdose.

Por outro lado, o número de condenações no âmbito da Lei da Droga mantém-se elevado, bem como o número de reclusos detidos por tráfico. De acordo com o relatório de 2009 do Instituto da Droga e da Toxicodependência, naquele ano registaram-se 1360 processos-crime findos, envolvendo 2000 pessoas, tendo sido condenadas 1684, 82% por tráfico, 17% por consumo e 1% por tráfico-consumo. No final de 2009 estavam presas 2026 pessoas condenadas por tráfico, mais 10% que no ano de 2008, representando 23% da população prisional.

O arguido AA e a arguida BB já foram censurados jurídico-penalmente pela prática de crimes de tráfico, o primeiro nas penas de 18 meses de prisão suspensa por 4 anos e de 4 anos e 3 meses de prisão suspensa por igual período, com regime de prova, a segunda nas penas de 2 anos de prisão suspensa por 3 anos e 6 meses e de 4 anos e 3 meses de prisão suspensa por igual período, com regime de prova.

Certo é que os crimes objecto dos autos foram perpetrados encontrando-se ambos os arguidos em regime de prova, na sequência da sua condenação nas penas de suspensão da prisão referidas.

Tudo ponderado, tendo em conta que o crime de tráfico de menor gravidade cometido pelos arguidos é punível com pena de 1 a 5 anos de prisão, entende-se fixar em 4 anos e 6 meses de prisão e 4 anos de prisão as penas a impor aos arguidos AA e BB, respectivamente.

                                    Atento o quantum de pena fixado a ambos os arguidos, não superior a 5 anos de prisão, há que ponderar a eventual aplicação do instituto da suspensão.

Pressuposto material básico do instituto da suspensão da execução da pena é a expectativa objectivamente fundada de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o condenado da criminalidade.

A par de considerações de prevenção especial coexistem considerações de prevenção geral, sendo que a pena de suspensão de execução da prisão só é admissível quando não coloque em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

Ora, perante o passado criminal dos arguidos e a circunstância de os crimes haverem sido cometidos encontrando-se ambos em regime de prova, é evidente estar afastado, de todo em todo, o uso do instituto da suspensão da execução da pena.

                             Termos em que se acorda conceder parcial provimento aos recursos, absolvendo os arguidos do crime de tráfico de estupefacientes e condenando-os como autores materiais do crime de tráfico de menor gravidade, o arguido AA na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e a arguida BB na pena de 4 (quatro) anos de prisão, confirmando-se no mais a decisão recorrida.

Sem tributação.

                             Encontrando-se o arguido AA preso preventivamente e a arguida BB submetida à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, tendo em vista o prazo de duração daquelas medidas de coacção, consignado se deixa que, face à requalificação dos factos e redução das penas cominadas aos arguidos em 1ª instância, o prazo máximo de duração daquelas medidas, atento o disposto no n.º 6 do artigo 215º, é o de metade das penas ora impostas, ou seja, de 2 anos e 3 meses e de 2 anos, respectivamente.

                                  
Lisboa, 13 de Abril de 2011

Oliveira Mendes (Relator)
Maia Costa

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[1] - O co-arguido EE foi condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade na pena de 7 meses de prisão suspensa pelo período de 1 ano.
[2] - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis ao do acórdão impugnado.
[3] - Cf. entre outros, os acórdãos de 07.01.17 e de 08.11.20, proferidos nos Processos n.ºs 3644/06 e 3269/08.

[4] - Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Anotada, 202/203 e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 354.
[5] - Os crimes de perigo abstracto, factos típicos cuja consumação se basta com o risco presumido de lesão do bem jurídico que visa proteger, ou seja, em que a tutela dos bens jurídicos é antecipada, surgem perante a necessidade de protecção reforçada de certos bens e interesses jurídicos, o que constitui fundamento legitimador e razão de ser de qualquer sistema integrado num Estado de direito democrático, a significar que é a própria defesa do Estado de direito que impõe a criação de crimes desta natureza – Rui Carlos Pereira, O Dolo de Perigo, 22/23.

[6] - Ressalva-se, obviamente, a possibilidade de subsunção daquelas actividades ou condutas às normas dos artigos 25º e 26º, caso se verifiquem as condições nas mesmas previstas.
[7] - Com efeito, com a previsão do crime de tráfico de menor gravidade quis o legislador abranger os casos e as situações que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo.
 
[8] - Constitui jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal o entendimento de que o privilegiamento do crime de tráfico dá-se, exclusivamente, em função de uma considerável diminuição da ilicitude do facto – entre outros, os acórdãos de 05.05.12, 05.05.19 e 05.07.12, proferidos nos Processos n.ºs 1272/05, 1751/05 e 2432/05, bem como o acórdão de 03.12.12, publicado na CJ (STJ), XI, I, 191, no qual se dá conta da diversíssima jurisprudência sobre a definição de tráfico de menor gravidade.
[9] - O texto legal ao incluir nos factores exemplificativos da diminuição da ilicitude do facto as circunstâncias da acção, não pretende abranger os elementos subjectivos conformadores do tipo de ilícito (motivação delituosa, atitude interna do agente), antes os elementos objectivos. Assim, circunstâncias da acção serão os meios ou formas concretamente utilizados pelo agente, tendo em vista a maior ou menor capacidade e possibilidade de afectação do bem jurídico tutelado.

[10] - Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 99.12.07 e de 02.20.03, proferidos nos Processos n.ºs 1005/99 e 4013/01.
[11] - Cf. entre outros, os acórdão de 07.11.14 e de 10.03.17, proferidos nos Processo n.ºs 3410/07 e 291/09. 1TBALM.L1.S1.

[12] - Com efeito o consumo de drogas duras, concretamente de cocaína e de heroína, para além de afectar a pessoa do consumidor, produz efeitos colaterais graves, gerando a desorganização social e a necessidade de assistência médica – cf. Fernando Sequeros Sazatornil, El Trafico de Drogas Ante El Ordenamiento Jurídico, 87/88 –, constituindo um dos factores criminógenos mais importantes, sendo causador da maior parte da criminalidade violenta contra a propriedade, como nos dá conta Arroyo Zapatero, “Aspectos penales del tráfico de drogas”, Poder Judicial n.º 11, Junho de 1984, 22.
[13] - A pena da culpa, ou seja, a pena adequada à culpabilidade do agente, deve corresponder à sanção que o agente do crime merece, isto é, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade – Cf. Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.

[14] - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. Na esteira desta doutrina, entre muitos outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.10.21, na CJ (STJ), XII, III, 192.