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CONTRATO DE COMPRA E VENDA
FRACÇÃO AUTÓNOMA
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
ACTO DE TERCEIRO
CLÁUSULA CONTRATUAL
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
BOA FÉ
Sumário
I - Clausulado na escritura de compra e venda de 17-10-2005 que os efeitos do negócio, no tocante ao pagamento de parte do preço acordado, ficaram na dependência de dois factos a ocorrer em datas posteriores à celebração da escritura – até ao dia 30-11-2005, a obtenção por parte da autora de autorização do condomínio onde a fracção negociada se integra para colocação de reclames luminosos na fachada do imóvel, nos dois vãos correspondentes à loja, bem como para a realização de obras, e, até ao dia 31-03-2006, a obtenção, de novo por parte da autora, de outra autorização do mesmo condomínio para colocação de reclame luminoso no terceiro vão –, o negócio ajuizado foi uma compra e venda sob condição, sendo duas as condições e ambas suspensivas. II - As duas condições acordadas são de natureza mista – não inteiramente potestativas, isto é, dependentes da vontade de um dos sujeitos, nem inteiramente casuais, ou seja, de todo independentes dessa vontade. Com efeito, a sua verificação em concreto ficou a depender da vontade de terceiro – o condomínio do imóvel, que não se vinculou no negócio entre autora e réu e não estava obrigado, por isso, a preencher as condições – mas também, simultâneamente, da vontade da autora, primeira interessada, por definição, em concorrer por sua iniciativa para que as autorizações se conseguissem até às datas designadas, diligenciando junto do condomínio, activamente, nesse sentido, para assim tornar eficaz o seu direito a receber duas parcelas do preço ajustado. III - Não sendo a condição uma obrigação, no sentido visado pelo art. 398.º do CC, mas sim uma cláusula que afecta a eficácia de obrigações contratuais, há que aplicar o regime jurídico previsto nos arts. 270.º e segs., referente à condição e ao termo, e não o das obrigações, designadamente o da impossibilidade de cumprimento imputável ao credor (arts. 813.º e segs.).
IV - Considerando que as condições não se verificaram, já que até às datas de comum acordo fixadas a autora não obteve as autorizações do condomínio do prédio, e não resultando dos factos provados que, na sua pendência, o réu tenha agiu de modo contrário aos ditames da boa fé, comprometendo a integridade do direito da contraparte (art. 272.º do CC) e, sobretudo, tenha impedido, de novo contra as regras da boa fé, a verificação das condições (a obtenção das referidas autorizações), não devem estas ter-se por verificadas nos termos do art. 275.º, n.º 2, do CC.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Síntese dos termos essenciais da causa e dos recursos S... - Investimentos Imobiliários, Ldª, propôs umaacção ordinária contra o Banco ..., SA, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 378.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4% desde 9.12.05 até integral pagamento.
Alegou que por escritura pública de 17.10.05 vendeu ao réu a fracção autónoma identificada na petição inicial pelo preço total de 1.178.000,00 €, dos quais 800.000,00 € pagos no acto da escritura. Do remanescente do preço, o pagamento das parcelas de 318.000,00 € e 60.000,00 € ficou condicionado à obtenção de determinadas autorizações por parte do condomínio do prédio, uma até 30.11.05 e a outra até 31.3.06. O réu, porém, sob a alegação de que as condições não se verificaram, não pagou as duas referidas parcelas do preço, o que a autora contesta, por considerar que a não obtenção das autorizações do condomínio ficou a dever-se ao comportamento do réu, que negou a colaboração indispensável para o efeito, tudo com o intuito de se subtrair aos pagamentos devidos.
O réu contestou, impugnando os factos em que a autora baseia a alegação de ter sido por falta de cooperação sua que não obteve a autorização de que dependia o pagamento de 318.00,00 €, e atribuindo às condições contratualmente estabelecidas natureza resolutiva (e não, como a parte contrária, suspensiva). Em reconvenção pediu a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 261.777,78 € a título de redução do preço, acrescida de juros de mora desde a notificação da contestação, bem como indemnização pelos prejuízos resultantes da abertura do balcão com um atraso de mais de 3 meses, a liquidar em execução de sentença. Para tanto alegou que ao iniciar obras no interior da fracção deparou com a oposição do condomínio, que o contactou afirmando ser necessária a sua autorização, dependente da aceitação do respectivo projecto, prometido pela autora, e que tinha havido obras clandestinas na fracção, com ocupação e incorporação de partes comuns, antigamente destinadas a carvoeiras. Por isso, e a fim de conseguir a autorização do condomínio, celebrou com ele um acordo em 27.3.06 que envolveu a restituição da parte comum, com a área de 70 m2, ficando deste modo a fracção comprada como tendo a área de 315 m2 reduzida a 245 m2. Daí que o preço deva ser proporcionalmente reduzido, o que pede com base naquele que foi fixado na escritura.
Na réplica a autora defendeu a improcedência da reconvenção, alegando que vendeu a fracção tal como a adquiriu, nunca tendo tido conhecimento de qualquer ocupação de partes comuns, ocorridas há muitos anos sem oposição de ninguém. E afirmando que, se for condenada no pedido reconvencional, tem direito de regresso sobre quem lhe vendeu a fracção autónoma, requereu a intervenção acessória provocada de Se... – Sociedade de Empreendimentos Imobiliários e Urbanísticos, SA, e do condomínio do prédio.
Indeferido o chamamento do condomínio e deferido o da Se..., SA, esta contestou, alegando que também adquiriu a fracção no estado em que antes se encontrava ao Fundo de Investimento Imobiliário Fechado Imorenda, gerido por ... - Gestão de Fundos de Investimentos, SA, sem ter feito obras ou alterações, e defendendo, por isso, a improcedência de qualquer direito de regresso sobre si. Pediu, por seu turno, a intervenção acessória provocada deste Fundo, que, citado, alegou ter igualmente adquirido a fracção no estado em que se encontrava, concluindo, assim, pela improcedência do reconhecimento de qualquer direito de regresso da autora.
Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção.
Ambas as partes apelaram.
Por acórdão de 10/5/10 a Relação decidiu: 1º) Julgar a apelação da Autora parcialmente procedente; assim, alterou a sentença na parte em que esta julgara improcedente o pedido por não verificação da 2ª condição estipulada na escritura de compra e venda de 17.10.05, e condenou o réu a pagar à autora a quantia de 60.000,00 €, com juros de mora à taxa legal desde 31.3.06 até integral pagamento; 2º) Julgar improcedente a apelação do réu/reconvinte.
De novo inconformadas, autora e réu recorreram para o STJ.
A autora insiste na condenação do réu nos termos definidos na petição inicial; o réu, por seu turno, sustenta que deve ser absolvido do pagamento de 60.000,00 € decretado pela Relação e a autora condenada a pagar-lhe 261.177,78 €, com juros legais de mora desde a data da contestação/reconvenção.
Autora e réu apresentaram contra alegações, defendendo a improcedência do recurso da parte contrária.
Tudo visto, cumpre decidir.
II. Fundamentação
As conclusões úteis - úteis no sentido de aptas, se procedentes, a determinarem modificação mais ou menos extensa do acórdão recorrido - são, em resumo, as seguintes: Revista da Autora: 1ª) De diversa correspondência junta aos autos e em particular dos factos 1), 6) e 8) resulta, logicamente, que em caso algum a condição suspensiva do pagamento poderia conduzir ao não pagamento integral do preço de 1.1178.000,00 €; 2ª) Segundo a interpretação do contrato que se impõe à luz dos artºs 236º e 237º do CC, as condições suspensivas estabelecidas na escritura de 17/10/05 não poderiam nunca conduzir ao não pagamento do remanescente do preço, mas apenas, quando muito, ao atraso nesse pagamento (a ocorrer, em tal caso, quando as condições se verificassem ou estivessem reunidos os pressupostos equivalentes ao respectivo cumprimento); 3ª) Eram meramente indicativos os prazos constantes da escritura de 17/10/05 para a obtenção das autorizações do condomínio, já que ambas as partes sabiam que as condições acabariam por verificar-se, como veio a suceder e se retira do acordo que o réu celebrou com o condomínio em 27/3/06, junto a fls 178/180; 4ª) O réu agiu contra a boa fé porque congeminou uma actuação ao arrepio de toda a conduta anterior e logo em 5/12/05 comunicou à recorrente que iria tomar em mãos o processo de autorização do condomínio para a colocação de reclamos e alteração da fachada; 5ª) Ao proceder conforme se refere na conclusão anterior e ao comunicar a uma das condóminas que a recorrente já não o representava, o réu impediu-a de cumprir a condição respeitante ao pagamento de 378.000,00 €, que deve, assim, ter-se por verificada, nos termos do artº 275º, nº 2, do CC; 6ª) Caso não prevaleça o entendimento expresso nas precedentes conclusões deverá reconhecer-se que a desproporção entre o preço que as partes fixaram por acordo ao longo das negociações e o efectivamente pago traduz uma situação de abuso do direito (artº 334º do CC). Revista do Réu: 1ª) A recorrida não alegou nem provou que tenha efectuado qualquer diligência para o cumprimento da segunda condição, ou que o recorrente, por qualquer forma, tenha obstaculizado essa sua actuação; 2ª) O acórdão recorrido conclui que o recorrente impediu a verificação da segunda condição, mas não que agiu de modo contrário à boa fé, como exige o artº 275º, nº 2, do CC, questão a respeito da qual é de todo omisso; 3ª) A situação ajuizada configura uma venda de bem parcialmente alheio, uma vez que a autora o vendeu como bem próprio, impondo-se, por isso, a aplicação do regime previsto no artº 902º do CC e, por remissão deste, do artº 292º do mesmo diploma; 4ª) Assim, estando provado que o negócio seria sempre concluído apesar da parte viciada, e uma vez que o recorrente, tendo comprado uma fracção com 315 m2 de área, a viu reduzida em 70 m2, deve ser-lhe restituído o valor de 261.777,78 €, correspondente à redução proporcional do preço.
Dado que as questões postas nas conclusões dos recursos são em grande medida comuns, vamos apreciá-los conjuntamente, para evitar repetições inúteis, e seguindo a ordem por que as sintetizámos, que é a lógica. a)Matéria de Facto 1) No seguimento de negociações, em 6/7/05, o réu apresentou à autora uma proposta de compra, pelo preço de 1.240.000€, da loja com cave e rés-do-chão, correspondente à fracção "B" do prédio situado em Lisboa, no gaveto da Praça de Londres, nº 3 a 3-E, com a Avenida de Roma, nº 2 a 2-E. 2) Nessa proposta, o réu referia ser essencial para o Banco a obtenção, pela autora, da declaração de condóminos com a assinatura de pelo menos 2/3 da permilagem do prédio e correspondente a, pelo menos, 50% dos condóminos. 3) Essa proposta adiantava ainda que era condição essencial a efectivação da escritura pública até ao dia 26/7/05. 4) A declaração dos condóminos enviada pelo Banco réu à autora tinha a seguinte redacção: “Os condóminos abaixo identificados (...) declaram que autorizam o Banco ... S.A. (...) a executar na fracção autónoma designada pela letra "B" correspondente a Loja, e destinada a comércio, de acordo com as licenças que para o efeito obtiver, por sua conta e risco, sem prejuízo da segurança e estabilidade do prédio, as obras exteriores consideradas necessárias para instalar e desenvolver na mencionada fracção a sua actividade, de modo a manter a funcionalidade e imagem comercial actualizada, nomeadamente a adaptação das respectivas fachadas do edifício ao nível da referida fracção, substituição de vidros, colocação de caixilharias, pela colocação nos vãos da zona ocupada pela loja supra identificada de reclamos luminosos horizontais monoface e bifaces de seu nome e comércio, bem como a instalação de máquinas de operações bancárias, cofre nocturno, grelhas de ventilação e componentes do sistema de ar condicionado no local tido tecnicamente como mais adequado. Os condóminos signatários desde já manifestam vontade de que o conteúdo desta declaração venha a ser exarado na acta referente à próxima Assembleia de Condóminos” . 5) O alçado a que se refere a proposta de compra referida em 1) é o representado a fls 29 dos autos. 6) A autora confirmou a aceitação da proposta de compra, pelo montante de 1.240.000,00 €, por fax de 14/7/05, e afirmou já estar na fase de obtenção das assinaturas para a publicidade. 7) Em 7/10/05 o réu enviou um fax à autora referindo ser essencial para o Banco: “A obtenção de declaração de condóminos, com a assinatura de um mínimo de 2/3 da permilagem do prédio e correspondente a, pelo menos 50% dos condóminos, que confira autorização expressa para a alteração de fachada (colocação de reclamos, alteração dos vãos e da localização de porta que permite o acesso à loja) conforme minuta e alçados já remetidos; a manutenção da reserva de 5% relativa ao montante total da compra/venda, como condição de obter, junto dos condóminos, o acordo para a colocação de reclamo no vão contíguo e comum à loja e à porta de acesso às traseiras do prédio. O Banco condiciona a celebração da escritura à verificação destes elementos.”. 8) A autora aceitou proceder a uma reserva de 5% do montante total da compra e venda como condição de obter junto dos condóminos o acordo para a colocação do vão contíguo e comum à loja e à porta de acesso às traseiras do prédio, fixando-se o montante a pagar no acto da escritura em €1.178.000,00. 9) Em 11/10/05 a Autora comunicou ao réu que “Em complemento ao fax de 7/10/05 onde informámos a data da escritura para o próximo dia 14 à tarde, somos a informar o seguinte: Não é possível realizar a assembleia do condomínio necessária à aprovação da publicidade, visto a Administração do Condomínio exigir para a convocação da mesma, seja em 2 ou 3 vãos, a prova da propriedade da mesma. (...) Para concluir este processo, solicito que a seu tempo (após a escritura da propriedade) seja emitido pela T... uma procuração específica para que o gerente da S... vá à assembleia onde o assunto vai ser discutido e votado, defender a solução de publicidade, preferencialmente dos 3 vãos. A S... manifesta novamente a total disponibilidade para não receber 5% do valor até que o assunto seja resolvido, o que sucederá este ano. (...)”. 10) E em 11/10/05 a autora enviou à ré um fax recebido, nessa mesma data, do condomínio, do seguinte teor: “Na qualidade de Administração do Prédio sito na Pr. de Londres, nº 3, em Lisboa, vimos pelo presente fax esclarecer e informar do seguinte: O imóvel até 1997 pertencia à Império Imobiliária, a qual por sua vez arrendou a fracção “B”- Loja a uma entidade bancária, tendo autorizado a colocação de publicidade nas fachadas do edifício, ao nível da referida fracção. A publicidade na fachada manteve-se, mesmo depois de o imóvel ter passado a propriedade horizontal, e algumas das fracções terem sido vendidas. Posteriormente, quando contactados pelo Banco T... e tendo solicitado aos Condóminos a assinatura de um abaixo assinado autorizando a colocação de publicidade na fachada, de imediato a C... foi contactada telefonicamente por alguns condóminos do Prédio, que se negavam a assinar a declaração, em virtude da mesma considerar a publicidade também por cima da porta de serviço do imóvel, ou seja, um espaço comum, sendo essa a razão porque não assinavam. (...)”. 11) Por escritura pública outorgada em 17/10/05 no Cartório Notarial do Dr. P...A...R..., a fracção foi vendida pelo valor total de €1.178.000,00, e o pagamento processar-se-ia da seguinte forma: “a) Com a outorga da presente escritura, o montante de oitocentos mil euros; b) o pagamento do remanescente do preço será condicionada a: 1 - Quanto a trezentos e dezoito mil euros, até ao dia trinta de Novembro de dois mil e cinco, mediante a obtenção pela sociedade vendedora, até ao dia trinta de Novembro de dois mil e cinco, de autorização por parte do condomínio do identificado prédio, nos termos legais, com a assinatura no mínimo de dois terços da permilagem do prédio e correspondente a pelo menos cinquenta por cento dos condóminos, que confira autorização expressa da alteração da fachada, para a colocação de reclamos luminosos na fachada do prédio nos dois vãos correspondentes à loja, bem como para a realização de obras; 2 - Quanto a sessenta mil euros até ao dia trinta e um de Março de dois mil e seis, mediante a obtenção pela sociedade vendedora, até à referida data, de autorização expressa do condomínio do prédio nos termos legais, para colocação na fachada do prédio de reclamo luminoso no terceiro vão”. 12) A autora enviou ao réu uma minuta, com o seguinte texto: “Delegação de Poderes de Condómino para o representar em Assembleia Geral Exmo(s).
Sr(s). Presidente da mesa da Assembleia de Condomínio
Condomínio..., proprietário da fracção...do prédio sito no local supra referido em regime de propriedade horizontal, delega em..., portador do BI. nº ..., todos os poderes suficientes para o representar na Assembleia de Condomínio, marcada para o dia...de...a realizar às...horas, atendendo-se à impossibilidade de nela estar presente.
Assim, o Senhor Procurador poderá discutir e deliberar de acordo com o que melhor achar, pelo que lhe delego todos os poderes para a representação de acordo com o regulamento do Condomínio e a Lei Geral”. 13) O réu respondeu nos termos seguintes: “Na sequência do fax remetido por V.Exª, dia 19/10/05, com o texto que deverá constar de procuração a emitir pelo Banco, a conferir a V.Exª os poderes suficientes para representar o Banco em assembleia geral de condóminos, de modo a obter autorização para colocação de reclamos nos vãos correspondentes à fracção em assunto, e após análise por parte do nosso Departamento Jurídico, solicitamos: - Cópia da convocatória para a Assembleia de Condóminos, onde deverá constar a ordem de trabalhos da mesma. Salientamos ainda que: O Banco pretende estar presente na mencionada Assembleia; A aprovação que está em causa terá que ser efectuada sem qualquer contrapartida da nossa parte”. 14) A autora respondeu em 24/10/05, nos termos seguintes: “Quando concluímos o negócio da Praça de Londres, foi-me entregue um documento para recolha de assinaturas. Quando falámos da recolha de assinaturas (nos termos desse documento), afirmei necessitar um documento Vosso para “mostrar” se for pedido pelos condóminos, aos mesmos. Não me cabe fazer o documento, enviei um modelo que tenho padronizado, mas preciso dele para cumprir a minha parte no negócio, e, quanto mais cedo o tiver, melhor. Já gastaram uma semana e o documento não apareceu, registe-se. Assim, reafirmo, não me cabe fazer o documento, espero por ele, mas quem está em falta é o banco. A eventual assembleia será marcada quando a Administração entender, mas o documento existente substitui a sua realização, apenas deverá depois ser vertido o texto e as assinaturas para a acta. O documento enviado não traduz o que foi combinado, e, comento-o em parte apenas. O nº 2 do vosso fax não comento. O nº 1 não tem a ver com todas as assembleias, onde legitimamente o Banco como proprietário terá que estar, mas, havendo reservas na escritura a ... também tem direito a estar, enquanto não forem removidas. (...)”. 15) Em 25/10/05 o réu enviou à autora uma credencial autorizando “através do seu sócio-gerente, Sr. L...J...P...L..., a proceder à recolha junto dos condóminos (...) das assinaturas necessárias na proporção mínima de 2/3 da permilagem total do prédio e de 50% dos condóminos, a autorizar a adaptação das respectivas fachadas do edifício ao nível da referida fracção, para substituição de vidros, colocação de caixilharias, pela colocação nos vãos da zona ocupada pela loja supra identificada de reclamos luminosos horizontais monoface e bifaces de seu nome e comércio, bem como a instalação de máquinas de operações bancárias, cofre nocturno, grelhas de ventilação e componentes do sistema de ar condicionado no local tido tecnicamente como mais adequado, conforme alçados constantes de documento anexo”. 16) A autora tomou conhecimento do auto de vistoria de 3/7/96, homologado pela Câmara Municipal de Lisboa, tendo-o enviado ao réu em 5/12/06, auto onde consta o seguinte parecer: “A Comissão compareceu no local e verificou tratar-se de um edifício com cerca de quarenta e cinco anos de existência, composto de cave, rés-do-chão, onze andares e piso casa das máquinas. Ao nível de rés-do-chão, localizam-se: com o nº ... a entrada de serviço que estabelece ligação com a escada de serviço existente a tardoz que sobe até ao sétimo andar e desce até à cave; com os nºs 2-D e 2-C uma ocupação dependência bancária de cave e rés-do-chão; com os nºs 2-B, 2-A, 2 da Avenida de Roma tornejando para a Praça de Londres nºs 3-A, 3-B, 3-C, 3-D e 3-E localiza-se outra dependência bancária; com o nº 3 o vestíbulo do edifício de onde parte uma escada geral comum que desce à cave onde se localiza uma habitação de porteira, um compartimento para a caldeira e outro para o combustível e doze carvoeiras, e sobe até ao piso casa das máquinas e dois elevadores que sobrem até ao 11° andar, (...)”. 17) Em 5/12 a Autora enviou ao réu a missiva do seguinte teor: “Vimos pela presente enviar documentos importantes para o T... poder desenvolver as obras que pretende fazer sem prejuízo de continuarmos a recolher as assinaturas combinadas, mesmo que os nossos advogados considerem esse acto dispensável por o espaço já ser agência bancária desde há muito, nomeadamente em 1996 quando foi feita a vistoria para a propriedade horizontal, sem indicação de qual seria o Banco. Assim, banco é banco, tendo sido o Banco Comercial de Macau passou por outras designações sem qualquer oposição dos condóminos, até chegar ao T.... Temos em nossa posse documento autenticado (de que enviamos cópia) que nos permite dizer que qualquer banco que nesse espaço se instale está autorizado. A publicidade no desenho actual tem “apenas” que alterar a localização da bandeira T... e um dos projectores que na versão actual deve ficar limitada à zona da fachada onde o banco tem a "sua" propriedade. A posterior localização da placa do T... será proposta na assembleia anual, onde proporemos o terceiro vão ao condomínio, como previsto. O original do auto de vistoria da Câmara onde está a indicação do uso em 1996 (data da vistoria), assim como todas as actas e respectivas convocatórias para averiguar se houve alguma limitação ao uso das lojas manifestada em assembleia, tendo constatado que o condomínio aprovou a colocação de antena específica para o canal BCP inclusive (ver acta de 25/9/01). Assim, prosseguimos na recolha das assinaturas, agora devidamente documentadas, mas, sem qualquer limitação ao uso das lojas, para agência bancária, como consta do auto de vistoria, pelo que o T... deve dar seguimento às obras previstas entretanto”. 18) Em 5/12/05 a autora promoveu a recolha da assinatura junto do novo condómino Exclusivos B... Publicidade, Ldª, e solicitou à administração do condomínio a declaração conjunta de todos os proprietários de fracções. 19) Em 5/12, a Autora recebe missiva do réu em que este lhe comunica: “Com referência à escritura lavrada no dia 17/10/05 no Cartório Notarial do Dr. P...N...R..., em Lisboa, relativa à fracção autónoma designada pela letra “B” correspondente à loja com C/V e R/C, com entrada pelos n °s 2C e 2D, do prédio urbano sito na Praça de Londres, nºs 3 a 3E, e Av. Roma nºs 2 a 2E, em Lisboa, vimos informar que em face do não cumprimento por parte dessa sociedade, enquanto vendedora da dita fracção, da condição constante do nº 1, al. C) da dita escritura, este Banco se considera desobrigado do pagamento da quantia de 318.000,00 € (trezentos e dezoito mil euros) aí consignada, dando aqui por concluído o negócio quanto a esta parte”. 20) A autora respondeu ao réu no dia 6/12, estranhando a decisão tomada, alertando para o facto de ainda não ter recebido o projecto de publicidade para dois vãos e de não ser necessário licenciamento específico para o uso da fracção, face à licença de habitação, e ainda afirmando não poder proceder à recolha de assinaturas enquanto não lhe for entregue projecto que implique apenas a ocupação da fachada da fracção. 21) Simultâneamente a autora solicitou ao réu o pagamento da quantia de 318.000,00€ no prazo de cinco dias, bem como a entrega, no mesmo prazo, dos projectos em falta, oferecendo disponibilidade para ajudar na recolha de assinaturas. 22) O réu nada mais pagou à autora nem apresentou qualquer outro projecto ou documento. 23) Em 9/12, o réu remeteu à autora missiva por fax, comunicando que “fica essa sociedade devidamente informada de que não iremos proceder ao pagamento das quantias reclamadas, por a mesma não ser devida, bem como de que vamos tomar em nossas mãos o processo de autorização do condomínio para a cobrança de reclamos e para alteração da fachada”. 24) As obras na fracção iniciaram-se, a mando do réu, em 2/12/05, o que significa que o réu já tinha programado o início dos trabalhos antes de 30/11. 25) Em 5/12/05 a autora já tinha recolhido assinaturas de condóminos correspondentes a 402%. 26) Em 13/12/05 a autora comunicou ao réu que já tinha recolhido mais assinaturas, mas que tinha sido obrigada a parar por falta de elementos. 27) Em 12/12/05 a autora recebeu um fax da condómina B...S...M..., comunicando que tinha sido informada pelo réu que a autora já não representava aquele Banco, pelo que já não lhe iria responder. 28) Por fax de 13/12/05 a autora comunicou ao réu que, como tinha inviabilizado a recolha de assinaturas, tinha de proceder ao pagamento não só da prestação de 318.000,00 €, mas também da de 60.000,00 €, pagamento que a autora voltou a exigir do réu por missiva enviada em 20/12/05. 29) Em 20/12/05 o réu comunicou à autora que, apesar de considerarem incumprida a primeira das condições, iriam aguardar até 31/3/06 para que pudessem proceder à segunda e, nesse caso, pagarem os 60.000€. 30) O réu recebeu da “C...”, administradora do condomínio, uma carta datada de 6/12/05, solicitando-lhe informação sobre a natureza das obras levadas a cabo no interior da fracção, pois além do processo para obtenção de autorização para alteração da fachada também se encontrava por concluir o “processo para obtenção do consentimento da unanimidade dos condóminos” para as obras de alteração da tipologia interior da fracção, relativamente ao qual tinha sido pedido o respectivo projecto. 31) A autora assumira compromisso junto do condomínio do prédio, nos termos do qual os condóminos também tinham de autorizar as obras no interior da fracção, e prometera entregar-lhes o respectivo projecto para esse efeito. 32) Por escritura pública outorgada em 17/10/05 no Cartório Notarial do Dr. P...A...R... a fracção foi vendida pela sociedade Se... - Sociedade de Empreendimentos Imobiliários e Urbanísticos, SA, à “...- Investimentos Imobiliários, Ldª, pelo valor total de 713.605,00 €. 33) Em 4/11/05 a administração do condomínio comunicou à autora que um grupo de condóminos do prédio solicitou o envio do plano de obras a realizar na fracção e uma cópia do licenciamento do avançado. 34) Em 29/11/05 a autora solicitou à administração do condomínio (exercida pela C..., Ldª) todas as actas desde a constituição, bem como a escritura de constituição da propriedade horizontal. 35) O réu apresentou um projecto/alçado, mantendo o projector e a bandeira “T...”. 36) No dia 7/12/05 a autora comunicou à administração do condomínio estar à espera da versão correcta do alçado para ir reunir com a condómina do 11º andar e continuar a diligenciar para obter o projecto final da fachada, que entregaria assim que o tivesse. 37) O condomínio havia exigido da autora, por missiva datada de 4/11/05 “cópia do licenciamento do avançado”, o que jamais deu a conhecer ao réu. 38) Na cave da fracção “B” foi efectuada uma ampliação, ocupando área anteriormente destinada a doze carvoeiras. 39) Assim que tomou conhecimento de que poderia haver partes comuns na cave, em 16/12/05, o réu mandou parar as obras na fracção. 40) O espaço “comum” situado na cave tinha 70m2. 41) Em 27/3/06 o réu e o condomínio do prédio chegaram a acordo, nos termos do qual o réu terá de devolver a “parte comum” de 70m2 e repô-la nos termos da planta e condições técnicas constantes de fls.. tais, e em contrapartida este autorizava o réu a prosseguir com obras no interior e exterior da fracção, ali colocando a sua publicidade, na parte correspondente à fracção, e ainda que o condomínio autorizava a colocação de reclamo luminoso para publicidade na área de fachada da Avª de Roma correspondente à bandeira do vão de porta de acesso da zona comum mediante a contrapartida anual de nove mil euros (11º). 42) A Autora vendeu ao réu a fracção autónoma identificada na escritura referida na alínea K), fracção que o réu tinha visitado em data anterior à da escritura e apresentava uma área de 315m2. 43) O réu só conseguiu abrir o seu balcão em Abril de 2006. b)Matéria de Direito 1 - Atendendo ao que ficou expressamente clausulado na escritura de 17/10/05 (facto 11), quer a sentença, quer o acórdão recorrido consideraram que o negócio ajuizado foi uma compra e venda sob condição. E tendo em conta a definição fornecida pelo artº 270º do CC -“As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução; no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”- nenhuma dúvida resta de que a qualificação operada pelas instâncias se mostra inteiramente acertada. No caso, as condições foram duas, e ambas suspensivas, por isso que os efeitos do negócio, no tocante ao pagamento de parte do preço acordado, ficaram na dependência de dois factos a ocorrer em datas posteriores à celebração da escritura: até ao dia 30/11/05 - 1ª condição - a obtenção por parte da autora de autorização do condomínio onde a fracção negociada se integra para colocação de reclames luminosos na fachada do imóvel, nos dois vãos correspondentes à loja, bem como para a realização de obras; até ao dia 31/3/06 - 2ª condição - obtenção, de novo por parte da autora, de outra autorização do mesmo condomínio para colocação de reclame luminoso no terceiro vão. É de notar que as duas condições acordadas são de natureza mista- não inteiramente potestativas, isto é, dependentes da vontade de um dos sujeitos, nem inteiramente casuais, ou seja, de todo independentes dessa vontade. Com efeito, a sua verificação em concreto ficou a depender da vontade de terceiro - o condomínio do imóvel, que não se vinculou no negócio entre autora e réu e não estava obrigado, por isso, a preencher as condições - mas também, simultâneamente, da vontade da autora, primeira interessada, por definição, em concorrer por sua iniciativa para que as autorizações se conseguissem até às datas designadas, diligenciando junto do condomínio, activamente, nesse sentido, para assim tornar eficaz o seu direito a receber as duas mencionadas fatias do preço ajustado. Disto resultou, naturalmente, um risco acrescido para a autora, que na qualificação jurídica do conjunto dos factos que a este STJ compete fazer não pode deixar de ser ponderado: na verdade, sujeitar a eficácia do pagamento de parte do preço a condições suspensivas dependentes de terceiros (os condóminos do imóvel), que a autora poderia tentar convencer, mas não obrigar a conceder as autorizações a que se aludiu, implicava para ela a assunção dum risco elevado, justamente o de não ver satisfeita essa parte do preço se porventura as condições não estivessem verificadas nas datas estabelecidas.
Não obstante a clareza do que antecede a autora continua a insistir na tese de que as duas condições mais não são do que cláusulas contratuais cujo escopo foi o de estabelecer um prazo para o pagamento duma parte do preço total acordado, diferindo-o no tempo, já que os fixados na escritura de 17/10/05 para a obtenção das autorizações do condomínio assumiram carácter meramente indicativo. E assim, conscientemente ou não, “descaracteriza”, enquanto tais, as duas condições formalizadas naquele documento, transformando-as em estipulações de natureza inteiramente distinta destas cláusulas acessórias típicas, cujo traço distintivo essencial, como se referiu, consiste no facto de se traduzirem num acontecimento futuro e incerto a cuja verificação as partes subordinam os efeitos negociais, e não em obrigações (vínculos jurídicos) de cumprimento susceptível de ser judicialmente exigido pela parte a quem interessam. Semelhante interpretação, contudo, é de todo em todo contrariada pelo texto do contrato (facto 11), redigido de tal modo que qualquer declaratário normal, colocado na posição da autora, não poderia senão entender que as partes contratantes quiseram, ao acordar na estipulação que ali consta, não em bom rigor estabelecer prazos para cumprimento da obrigação de pagamento do preço, mas sim, diversamente, condicionar, subordinar a produção desse efeito do contrato, no que se refere a duas “fatias” (de 318,000 e de 60.000,00 €, respectivamente), à obtenção de outras tantas autorizações que lá se especificam (uma até 30/11/05 e outra até 31/3/06). Tão claras são as coisas neste ponto, e tão patente é, no caso, o sentido da declaração negocial à luz da doutrina da impressão do destinatário - aquela que reconhecidamente está na base do artº 236º do CC - que o recurso à norma do artº 237º, regendo para os casos duvidosos, se torna totalmente injustificado. Para além disto, a interpretação defendida pela autora nunca poderia ser considerada porque se está perante um negócio formal e o sentido que propugna para a declaração não tem um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, como se exige no artº 238º. De igual modo, mostra-se despiciendo o recurso àquilo que foi ocorrendo entre as partes no decurso das negociações que conduziram à realização da escritura de 17/10/05, quer porque a vontade negocial que importa apurar é, apenas e só, a que ficou plasmada nesse documento, quer porque não se trata, na presente acção, de analisar e julgar os factos à luz do instituto da responsabilidade pré-contratual, causa de pedir que não foi alegada por nenhuma das partes. Em suma, e como bem se observa na sentença (fls 633): “Se a vontade das partes fosse a de estipular que o preço seria todo pago, desse por onde desse, não constaria da escritura uma subordinação a uma condição! Se a vontade das partes fosse unicamente um pagamento faseado teriam escrito isso mesmo, o que não fizeram. A vontade das partes foi no sentido de que só se se verificassem as condições é que a autora teria direito às duas tranches do preço, e é por isso que elas constam da escritura”.
Improcedem, consequentemente, as conclusões 1ª, 2ª e 3ª da revista da autora. 2 - Do exposto decorre que, não sendo a condição uma obrigação, no sentido visado pelo artº 398º do CC, mas sim uma cláusula que afecta a eficácia de obrigações contratuais, há que aplicar o regime jurídico o previsto nos artºs 270º e sgs, referente à condição e ao termo, e não o das obrigações, designadamente o da impossibilidade de cumprimento imputável ao credor (artºs 813º e sgs). Ora, sendo certo que as condições não se verificaram, já que até às datas de comum acordo fixadas a autora não obteve as autorizações do condomínio do prédio, a questão que agora se coloca - conclusões 4ª e 5ª da revista da autora e 1ª e 2ª da revista do réu - é a de saber se na sua pendência o réu agiu de modo contrário aos ditames da boa fé, comprometendo a integridade do direito da contraparte (artº 272º), e, sobretudo, se impediu, de novo contra as regras da boa fé, a verificação das condições (vale por dizer, a obtenção das referidas autorizações), devendo estas, por isso, ter-se por verificadas, como determina o artº 275º, nº 2. O julgamento das instâncias foi convergente no que toca à 1ª condição, isentando o réu de qualquer responsabilidade pela falta da sua verificação, mas divergente no que se refere à 2ª, tendo a Relação considerado que, neste ponto, havia lugar à actuação da regra contida no artº 275º, nº 2, dando por verificada a condição, com a consequente obrigação do réu pagar à autora a quantia de 60.000,00 €.
Vejamos.
Conforme refere José Alberto Vieira em anotação ao artº 275º do CC, citando Menezes Cordeiro, no nº 2 deste preceito aflora uma concepção objectiva de boa fé, impondo às partes que “se abstenham de comportamentos que possam induzir a verificação ou não da condição em violação da confiança suscitada na contraparte com a celebração do negocio jurídico”(1) . E acrescenta: “A condição representa, por definição, um acontecimento futuro e incerto, cuja ocorrência não está na dependência das partes, mas sujeita às contingências do devir em causa. Ora, actuar segundo a boa fé significa que nenhuma das partes pode comportar-se de modo a alterar a seu favor a álea própria desse devir, o curso normal dos acontecimentos, provocando a ocorrência do evento ou afastando a sua verificação. Se o fizer, actua de má fé” (2) . Em sentido idêntico, Paulo Mota Pinto e António Pinto Monteiro ensinam: “Comporta-se contra a boa fé quem não se comporta como se pode esperar, segundo o sentido do contrato, de um contraente que pense com lealdade; não é preciso que o contraente vise dolosamente a verificação da condição; basta que o seu comportamento, de uma forma reconhecível para ele, não corresponda ao que a outra parte, segundo a boa fé, tem legitimidade para esperar dele”(3) .
Ora, analisando à luz das precedentes considerações a actuação do réu na pendência da primeira condição, isto é, entre 17/10/05 e 30/11/05, não se vê que dela transpareça o propósito de, por acção ou omissão, dificultar, obstaculizar, “sabotar” as diligências a levar a efeito pela autora em ordem à obtenção da autorização do condomínio. É manifesto que os factos coligidos não mostram, objectivamente, que o réu tenha congeminado uma actuação visando o impedimento da verificação da condição; e deve salientar-se que as comunicações que fez à autora em 5 e 9/12/05 (factos 19 e 23) de nenhum relevo se mostram neste contexto uma vez que a data limite fixada para a verificação da condição já se encontrava então ultrapassada. Por idêntica razão, também os factos 25) e 26) são irrelevantes, tanto mais sendo certo que podendo o problema da obtenção das assinaturas dos condóminos, aparentemente, ter sido resolvido em assembleia, nada se provou a respeito da sua convocação, não tendo a autora sequer alegado que contactou condóminos até ao dia 30/11/05 para conseguir as necessárias assinaturas. Por outro lado, não consta do processo que alguma vez o réu tivesse entregue um desenho de alçado que se limitasse a prever a colocação de sinais publicitários nos dois vãos servindo exclusivamente a loja em que projectava instalar a sua agência bancária. Contudo, não pode considerar-se que tal facto, ou o também alegado facto de a credencial entregue em 25/10/05 à autora ter uma redacção mais ampla do que o estrito teor das condições estabelecidas no contrato, sejam suficientes para se concluir que houve da parte do réu uma actuação contrária à boa fé (isto é, à lisura, à decência, à lealdade, ao espírito de colaboração que deve presidir às relações entre os contraentes), apta a dificultar ou impedir a verificação da 1ª condição. Como bem se refere no acórdão recorrido (e também na sentença), “a prova seria tirada em assembleia de condóminos em que estes fossem, a fim de deliberarem sobre a proposta do R., colocados perante os objectivos desta, e a forma gradual como pretendia realizá-los, sendo a credencial em si pouco decisiva (aliás, quem confere podres para o mais para o menos) e podendo os alçados ser alvo de explicação aos condóminos no próprio acto. Sendo a verificação da condição suspensiva um facto aleatório por essência, unicamente a actuação desenvolvida no sentido de incidir e interferir sobre o iter formativo da condição por forma a de modo causalmente adequado impedir essa verificação poderia determinar a aplicação do nº 2 do artigo 275º do Código Civil”.
No que se refere à 2ª condição, entendeu a Relação que devia dá-la por verificada, nos termos do artº 275º, nº 2, porque o réu conseguiu mediante o acordo com o condomínio a que se refere o ponto 41) da matéria de facto autorização para colocar reclame luminoso na área da fachada correspondente à bandeira do vão da porta de acesso à zona comum (o 3º vão mencionado na escritura de 17/10/05); este acordo data de 27/3/06 - é anterior, portanto, à data pré-fixada para a verificação da condição; sendo assim, acrescenta-se no acórdão recorrido, “não pode considerar-se....que a autora não teria podido alcançar a verificação da condição”, concluindo-se a seguir que “...ao estabelecer antes dessa data (31/3/06) o acordo abrangendo esse vão, sempre o R. teria impossibilitado a verificação da condição com a actuação da autora” (fls 775).
Nesta parte não podemos acompanhar o entendimento da Relação, antes nos parecendo que valem aqui, mutatis mutandis, as considerações acima expostas acerca da 1ª condição e, designadamente, da total ausência de prova da má fé do réu, que, desde logo, não transparece nem pode deduzir-se do simples facto da celebração do acordo acima referido (facto 41). Concede-se que, objectivamente, tal acordo poderá ter impedido a verificação da condição com o concurso da autora nos escassos cinco dias que ainda faltavam para o efeito; não se vê, porém, em que medida seja lícito retirar da sua concretização a conclusão de que o réu agiu deslealmente para com a autora, “torpedeando” as diligências que esta pudesse estar levando a cabo junto do condomínio para obter até ao último dia de Março de 2006 a pretendida autorização. No mais, remetemos para tudo o que a respeito do assunto se diz na sentença da 1ª instância, em especial quanto à clara irrelevância dos factos 23) e 27), por nenhum deles constituir impedimento à verificação da condição. O primeiro porque o conteúdo da carta de 9/12/05 se reporta ainda à condição cujo “prazo” de verificação expirara em 30/11/05, sendo em tal contexto que as afirmações que dela constam são produzidas; e o segundo porque se desconhece, efectivamente, se aquilo que a condómina comunicou à autora corresponde à verdade; além disso, mesmo que o facto comunicado fosse verdadeiro, dele não poderia inferir-se nada acerca da má fé do réu porque a autora “nunca teve poderes de representação do réu, nunca lhos pediu, nem ficou consignado na escritura que teriam de lhe ser conferidos” (fls 637).
Improcedem, assim, as conclusões 4ª e 5ª da revista da autora, procedendo a 1ª e 2ª da revista do réu. 3 - A finalizar sustenta a autora - conclusão 6ª - que, caso improcedam as restantes conclusões do seu recurso, deverá então reconhecer-se que a desproporção entre o preço fixado por acordo ao longo das negociações e o efectivamente pago pelo réu traduz uma situação de abuso do direito, contrária ao disposto no artº 334º do CC. É patente, todavia, que não lhe assiste razão. Como já se explicou na sentença (fls 632), uma coisa são as negociações pré-contratuais e outra o contrato propriamente dito. No caso presente, por isso, antes da escritura de 17/10/05 apenas é lícito falar em propostas de preço e em projecto de negócio, não em negócio definitivo; e não tendo a fase da negociação preliminar que a este conduziu, consequentemente, carácter vinculativo, não faz sentido dizer-se, como diz a recorrente, que as partes fixaram o preço da venda em 1.240.000,00 € (facto 1), daí partindo para a conclusão de que há uma chocante desproporção entre esse valor e aquele que o réu efectivamente pagou, que foram 800.000,00 €. O preço a considerar, na verdade, é o que ficou a constar da escritura de 17/10/05 (facto11), pagável pelo réu nas condições ali estabelecidas; e traduzindo esse preço, como é próprio de qualquer contrato de compra e venda validamente celebrado, o mútuo consenso a que as partes livremente chegaram, o que pode constituir abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, será, precisamente, a invocação duma inexistente (e juridicamente inócua) desproporção entre o preço que se aventou nas negociações preliminares e o que as partes definitivamente ajustaram. 4 - Resta apreciar as conclusões 3ª e 4ª do recurso do réu, relativas à decretada improcedência do pedido reconvencional, contra a qual se insurge.
O recorrente defende que há lugar à aplicação do regime previsto no artº 902º do CC, que, sob a epígrafe “nulidade parcial do contrato”, dispõe o seguinte: “Se os bens só parcialmente forem alheios e o contrato valer na parte restante por aplicação do artigo 292º, observar-se-ão as disposições antecedentes quanto à parte nula e reduzir-se-á proporcionalmente o preço estipulado”. Na tese do réu, se uma parte do bem vendido pela autora como sendo bem próprio, concretamente 70 m2 que são parte comum do edifício, não lhe pertencia, não há dúvida de que se está perante uma venda de bem parcialmente alheio; e como ficou provado que o negócio seria sempre concluído apesar da parte viciada, tem que limitar-se a venda a parte do seu objecto, reduzindo proporcionalmente o preço em função da redução da área operada (315 m2 – 70 m2), o que implica que devam ser-lhe restituídos 261.777,78 €.
Entende-se que esta argumentação não procede pela razão simples, mas decisiva, de que não se fez prova cabal no processo de que os referidos 70 m2 fossem parte comum e não pertença da fracção vendida pela autora ao réu em 17/10/05. Com efeito, vê-se da escritura de constituição de propriedade horizontal (junta a fls 574/579) que “um pátio ao nível da cave com 12 carvoeiras” é parte comum, dela não constando, no entanto, a área da fracção, nem ao nível do rés do chão, nem da cave; e dos factos 38, 40, 41 e 42 também não é possível extrair com segurança qual a área da fracção. E a dúvida quanto a este ponto sai reforçada quando se leve em consideração que o próprio acórdão recorrido não deixou de colocar entre as aspas a qualificação do referido espaço de 70 m2 como sendo “comum”, o que não pode senão significar que não deu esse facto por adquirido (facto 40). No mesmo sentido depõe o acordo a que o réu chegou com o condomínio em 27/3/06 (doc. de fls 178 e sgs), mencionado no facto 41), pois da sua cláusula 2ª resulta claramente que o recorrente se reservou o direito de obter a condenação do condomínio a reconhecer que os 70 m2 em questão fazem parte da fracção que adquiriu à autora (4) .
Pode extrair-se dos factos apurados, quando muito, que se estará perante uma situação enquadrável na previsão do artº 251º do CC - erro sobre o objecto do negócio - uma vez que a “autora só vendeu a fracção-loja (e não as carvoeiras), que pensava ter a área de 315 m2, tal como o réu, quando comprava a mesma fracção, pensava que a mesma tinha a área de 315 m2” (fls 782). Todavia, porque esse erro é determinante, apenas, da anulabilidade do negócio, que não foi invocada pelo recorrente como causa de pedir e não é de conhecimento oficioso, impossível se torna atender a pretensão do recorrente quanto à redução do preço.
Improcedem, assim, as conclusões 3ª e 4ª da revista do réu.
III. Decisão
Nos termos expostos acorda-se em negar a revista da autora e em conceder parcialmente a revista do réu; assim, revoga-se a condenação deste no pagamento à autora de 60.000,00 € e juros legais de mora a contar de 31/3/06 decretada pela Relação, mantendo-se no mais o acórdão recorrido.
A autora suportará as custas do recurso que interpôs; as do recurso do réu ficarão a cargo de ambas as partes, na proporção de vencido.
(1) Negócio Jurídico, Anotação ao Regime do Código Civil, pág. 92 (Coimbra Editora, 2006)
(2) Obra cit. na nota anterior.
(3) Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, pág. 572.
(4) A cláusula é do seguinte teor: “O condomínio e o Banco Santander Totta são livres de obter, por via judicial, o reconhecimento de direitos relativamente à zona da cave não licenciada, quer entre si, quer relativamente a terceiros, respeitando até ao trânsito em julgado dessa decisão o compromisso resultante da cláusula anterior”.