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CONTRATO DE APRENDIZAGEM
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
Sumário
I - O regime legal da aprendizagem, constante do DL n.º 205/96, de 25 de Outubro, surge como uma modalidade de formação profissional que visa a articulação dos objectivos específicos da formação inserida no mercado de emprego e os objectivos educativos para que esta, igualmente, contribui. II - Detendo o Réu uma licenciatura em Engenharia, obtido, através de curso que frequentou nos Estado Unidos, licença comercial de piloto e exercido já funções como co-piloto de Boeing 767, resulta claro que o “acordo” que celebrou com a Autora não pode ser enquadrado no regime jurídico da aprendizagem, pois que este visa abranger jovens sem escolaridade mínima ou que a detinham mas sem qualquer qualificação profissional, antes devendo ser enquadrado no regime geral da formação profissional. III - A cláusula penal consiste numa estipulação negocial pela qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não a cumprir exactamente nos termos devidos, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária previamente fixada. IV - Em princípio, nada obsta a que, num “acordo de formação”, pelo qual a Autora se obrigou a proporcionar ao Réu acções de formação profissional com vista a habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de linha aérea, e este se obrigou a dar o melhor do seu esforço no decorrer das referidas acções de formação, com vista a obter o aproveitamento exigido, possam as partes estabelecer uma cláusula penal de € 50.000,00, para a eventualidade de, durante o período de formação, ocorrer a cessação do acordo devido a absentismo injustificado do Réu ou abandono deste das acções de formação ou outro motivo que lhe possa ser imputável. V - Atendendo aos gastos que a empresa iria suportar com as acções de formação no seu todo, esta cláusula penal não se pode considerar desproporcionada, não padecendo assim da invalidade prevista no artigo 19.º, alínea c), do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações constantes do DL n.º 220/95, de 31 de Agosto, diplomas que estabelecem o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais. VI - Tendo o Réu deixado de frequentar, por sua iniciativa, as acções de formação sem justificação, incorreu em incumprimento contratual, previsto no referido “acordo”, constituindo-se, por isso, na obrigação de indemnizar a Autora. VII - No entanto, ao abrigo do artigo 812.º, ns.º 1 e 2, do Código Civil, e considerando que o Réu acabou por não frequentar todas as acções de formação programadas, é justo que se reduza o montante da indemnização ao montante dos custos efectivamente suportados pela Autora com as acções de formação ministradas ao Réu.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
Processo nº 455/08.5TTLSB.L1.S1- 4ª secção
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TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A., que também usa TAP – AIR PORTUGAL, intentou em 31/1/2008, uma acção com processo comum, contra
AA, pedindo que se condene o R. a pagar-lhe a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até integral pagamento.
Alegou para tanto e em suma, que celebrou com o R um acordo de formação, nos termos do qual se obrigou a proporcionar-lhe um conjunto de acções de formação profissional e o R. se obrigou a frequentá-las; contudo o R, violando tal acordo, não frequentou todas as acções de formação a que se obrigara, fazendo-o cessar através de carta em que invocou fundamentos para a sua rescisão, mas que são falsos.
Por isso e como foi acordado que a sua quebra constitui o R. na obrigação de a indemnizar pelos encargos decorrentes da formação, vem reclamar o montante de € 50.000, valor da cláusula penal contratualmente aceite.
Como a audiência de partes não derivou em conciliação, veio o R contestar, sustentando, em resumo, que o acordo denominado de "formação", deve sujeitar-se ao Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL 446/85, de 25/10 (RGCCG).
Por isso, as cláusulas 8ª, 12ª, e 14ª do referido acordo, que consagram uma cláusula penal de € 50.000 são nulas, nos termos do seu art. 19º, al. c), por consagrarem indemnização desproporcionada aos danos a ressarcir.
Por outro lado, as cláusulas 12ª e 14ª do mesmo acordo contêm uma promessa unilateral de trabalho, que só vincula o R, sendo assim nula nos termos previstos no art. 94º do Código do Trabalho.
Além disso, no decurso das acções de formação que frequentou, o R foi por diversas vezes insultado, humilhado e maltratado pelos seus formadores, razão pela qual resolveu o contrato, com justa causa.
A A. apresentou articulado de resposta, concluindo como na P.I.
Notificado deste articulado, o R. requereu que parte da matéria alegada no mesmo fosse considerada não escrita, pretensão que foi satisfeita, pois no despacho saneador foi o articulado de resposta julgado parcialmente inadmissível.
Dispensada a audiência preliminar, bem como a selecção dos factos assentes e controvertidos, realizou-se a audiência de julgamento, tendo-se fixado, no seu final, a factualidade provada e não provada, sem qualquer reclamação.
De seguida, foi proferida sentença, que julgando a acção totalmente improcedente, absolveu o R. do pedido.
Inconformada com esta decisão, interpôs a A recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgando procedente o recurso, revogou a decisão recorrida, e, em consequência, condenou o Réu a pagar à Autora, a indemnização correspondente ao valor dos custos que esta suportou com as acções de formação que aquele efectivamente frequentou, fixando-se desde já que esse valor se situará entre €25.000,00 e €50.000,00.
É agora o R que, inconformado, nos traz esta revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:
A. O contrato celebrado entre as partes denominado “contrato de formação” não foi qualificado como contrato de formação profissional nem como contrato de aprendizagem pelo acórdão recorrido, que o considerou erradamente como um resultado da autonomia da vontade das partes.
B. O acordo denominado, pela TAP, de “acordo de formação” era um contrato de aprendizagem.
C. Este acordo constitui a formalização da frequência do “38º Curso de Qualificação em Airbus 320 (“Type Rating”)” - Ponto 5 da matéria provada.
D. “A TAP está certificada como TRTO (“Type Rating Training Organization”) quer pelas autoridades aeronáuticas nacionais, quer pelos organismos internacionais que regem a aviação civil.” - Ponto 9 da matéria provada
E. O 38º Curso de Qualificação em Airbus 320 (“Type Rating”) da TAP frequentado pelo recorrente compreendeu:
a) Uma fase de estudo com recurso a aplicações informáticas, denominada “Computer based Training”, e de formação acompanhada por instrutor, num total de 90 horas;
b) Uma fase de simulador (EVAL), com 85 horas de formação, das quais 51 horas em simulador de tipo D, e um exame final;
c) A realização de um “voo base” (voo sem passageiros);
d) Uma fase de formação em voo, designada LIFUS (Line Flying Under Supervision). - Ponto 6 da matéria provada.
F. A noção de contrato de aprendizagem definido no art. 16º, n.º 1 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro corresponde ao acordo celebrado e constante do ponto n.º 1 da matéria dada como provada.
G. A aprendizagem “é um sistema de formação profissional inicial em alternância” entre a teoria e a prática tal como se encontra definido no n.º 3 do art. 2 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro. Ou seja, estamos sempre no âmbito da formação profissional.
H. A licenciatura e a experiência concreta de voo do recorrente não o excluem do regime da formação profissional, nomeadamente do regime da aprendizagem, ao contrário do que se afirma no acórdão recorrido. A formação profissional é inclusiva, por definição não exclui ninguém. Por isso se invoca presentemente o princípio da aprendizagem ao longo da vida activa de todos os que se encontram no mercado de trabalho independentemente da sua formação de base ou adquirida.
I. O recorrente não tinha experiência de voo em aviões Airbus pois “trabalhou na companhia de aviação civil ..., como co-piloto de avião Boeing 767.” - Ponto 41 da matéria provada.
J. A experiência de voo do avião Boeing 767 não afastava a necessidade de formação profissional em Airbus 320, por isso foi necessário submeter-se à formação descrita.
K. Por outro lado, o acórdão recorrido erra a definição dos parâmetros do regime da aprendizagem ao afirmar “tratar-se de um processo formativo dirigido a não diplomados do básico e a diplomados dos ensinos básico de 9 anos de escolaridade e a diplomados do ensino secundário sem qualificação profissional”.
M. Para além das situações enunciadas a lei prevê, ainda, os cursos de formação pós-secundária, especialização tecnológica ou qualificação tecnológica avançada, dirigidos, a Cursos dirigidos a diplomados do ensino básico de 9 anos de escolaridade ou a diplomados do ensino secundário sem qualificação profissional (art. 7, n.º 5 do D.L. 205/96).
N. O grau de licenciatura – em engenharia ou em qualquer outra área – é totalmente irrelevante para a função de piloto de aviões daí que a exigência seja para que o candidato tenha a escolaridade obrigatória realizada e não tenha qualificação profissional para a área em que pretende obter formação, caso contrário iludir-se-ia as disposições laborais pois a formação deve ocorrer em ambiente de trabalho.
O. A noção de formando utilizada pelo diploma é oposta à visão restritiva da aprendizagem enunciada pelo acórdão recorrido.
P. Segundo o D.L. 205/96, formando é todo “aquele que, tendo ultrapassado a idade limite da escolaridade obrigatória, reúna as restantes condições de admissão, frequenta um curso de aprendizagem” (art. 6º).
Q. Por tudo o que ficou exposto, entendemos que se está perante uma situação de formação profissional, em concreto de um contrato de aprendizagem sendo aplicável o regime constante do D.L. 205/96 de 25 de Outubro.
R. A rescisão do contrato de aprendizagem é livre por parte do formando segundo o art. 28, n.º 1 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro.
S. Sendo a rescisão livre a comunicação nesse sentido realizada pelo formando AA é licita e não gera obrigação de indemnizar.
T. O art. 28, n.º 1 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro tem carácter imperativo.
U. Daí que qualquer cláusula que procure afastar a liberdade de rescisão do contrato de aprendizagem – nomeadamente a cláusula penal constante da cláusula 8ª do acordo de formação, seja nula.
V. Ao excluir o regime da aprendizagem e aplicar as regras gerais das obrigações, nomeadamente o art. 405º, o acórdão recorrido erra a determinação das normas aplicáveis.
W. Quanto à promessa de trabalho, o art. 16, n.º 3 do D.L 205/96 de 25 de Outubro estatui que “o contrato de aprendizagem não gera nem titula relações de trabalho subordinado” não podendo, consequentemente, fundamentar qualquer promessa de contrato de trabalho.
X. Ao contrário do que defende o acórdão recorrido o objectivo da lei não é apenas evitar a invocação pelo formando aprendiz de uma relação contratual laboral mas principalmente, impedir que o ascendente da entidade formadora condicione as condições contratuais futuras do formando tirando partido do facto do mesmo ainda não se encontrar formado e estar na dependência pedagógica da entidade formadora para obter a certificação que o habilitará a exercer determinadas funções qualificadas.
Y. Não resulta inequívoco a espécie de trabalho a prestar no contrato definitivo de trabalho embora o acordo de formação visasse habilitar AA ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de oficial piloto de linha aérea TAP em nenhuma cláusula se diz que essas seriam as funções a desempenhar por AA num eventual futuro vínculo laboral
Z. Quanto à retribuição a relação reconhece que o acordo de formação não a referia expressamente
AA. O montante da retribuição tem que constar expressamente da promessa.
AB. Não há qualquer remissão para instrumento de regulamentação colectiva no “acordo de formação”.
AC. Contudo, ainda que estivesse determinada a retribuição de cada categoria profissional no AE - o que não se encontra provado nem foi alegado - teria que verificar-se a indicação expressa da futura categoria do trabalhador e verificar-se a remissão para instrumento de Regulamentação colectiva de trabalho aplicável devidamente identificado para se poder discutir a validade dessa remissão que consideramos, caso se verificasse, contrária ao espírito do art. 94 do CT pois o legislador impõe que o montante da retribuição constasse expressamente da promessa.
AD. Estes factos consubstanciam a violação dos artigos 94, n.º 1 e 103, n.º 1 a) do CT.
AE. O vício de forma do contrato promessa de trabalho determina a nulidade do contrato, nos termos gerais (art. 220º do CC).
AF. Sendo nula a cláusula que fixa a promessa de trabalho é nula a cláusula penal que sanciona
o seu incumprimento na medida em que existe uma relação de acessoriedade entre esta e aquela.
AG. A cláusula 8ª do acordo de formação celebrado pelas partes contém a seguinte cláusula penal:
“Se o motivo da cessação do acordo decorrer de absentismo injustificado do Segundo
Outorgante, de abandono deste das acções de formação, ou outro que lhe possa ser imputável, o mesmo constitui-se na obrigação de indemnizar a TAP pelo valor de € 50.000 (cinquenta mil euros).”
AH. O acórdão recorrido entende que o acordo de formação não constitui qualquer vínculo laboral.
AI. Não constituindo o acordo de formação um contrato de trabalho a aplicação do art. 96 do CT de 2003 pelo acórdão recorrido ao referido acordo e a consequente limitação de aplicação do
Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais constitui um erro de aplicação do direito.
AJ. O acórdão recorrido viola o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais instituído pelo D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro, em concreto o disposto no art. 19, al. c) e no art. 12.
AK. O acordo de formação foi apresentado na íntegra aos formandos para ser aceite ou rejeitado em bloco, não tendo havido negociação encontrando-se submetido à disciplina do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro pelo que a cláusula penal constante da cláusula 8º está sujeita ao RJCCG.
AL. A desproporcionalidade da cláusula não se afere apenas em relação aos custos que a TAP teve com a formação que são cerca de metade do montante constante da cláusula penal estipulada - Ponto n.º 14 da matéria provada.
AM. Mas resulta também da natureza do vínculo celebrado pelas partes e do facto da cláusula 8ª não visar ressarcir a TAP de eventuais danos procurando, antes, condicionar um comportamento do formando que se traduzia em terminar a formação.
AN. Essa imposição da entidade formadora em forçar o formando a concluir a formação por força da imposição de uma cláusula penal é contrária aos princípios e espírito inerentes à formação profissional.
AO. Também nesta perspectiva as cláusulas penais são desproporcionadas e consequentemente proibidas nos termos do art. 19, al. c) do RJCCG.
AP. As cláusulas contratuais gerais proibidas são nulas nos termos do disposto no art. 12º do RJCCG.
AQ. A não aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, previsto no D.L. 446/85
de 24 de Outubro e a redução da cláusula penal operada pelo acórdão recorrido com invocação do disposto no art. 812º do CC constituem erros de determinação das normas aplicáveis pelo acórdão recorrido.
Pede-se assim que se revogue o Acórdão do Tribunal da Relação, com a consequente absolvição do R do pedido.
A A também alegou, pugnando pela manutenção do acórdão.
Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi dada vista à Ex.mª Procuradora Geral Adjunta que emitiu parecer no sentido da confirmação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Para tanto, as instâncias deram como provada a seguinte factualidade:
1- Em 18/09/2006 a A. TAP AIR PORTUGAL, e o R. AA celebraram o acordo escrito intitulado “Acordo de Formação”, no qual aquela é identificada como “TAP” e este como “Segundo Outorgante”, cuja cópia se acha a fls. 30 a 32, e que dispõem nomeadamente o que segue:
"Cláusula 1.ª
A TAP obriga-se a proporcionar ao Segundo Outorgante acções de formação profissional com vista a habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de linha aérea na TAP.
Cláusula 2.ª
O Segundo Outorgante obriga-se a dar o melhor do seu esforço no decorrer das referidas acções de formação, com vista a obter o aproveitamento exigido.
Cláusula 3.ª
Durante o período de formação e até ser considerado “ready for flights with LTC”, ao Segundo Outorgante serão atribuídos mensalmente:
a) A quantia equivalente a dois salários mínimos nacionais
b) O direito à utilização do refeitório da Empresa para tomada de uma refeição diária gratuita (...)
Cláusula 6.ª
1. Concluídas, com aproveitamento, as acções de formação programadas e mantendo-se os requisitos considerados necessários ao exercício da respectiva actividade profissional, a TAP reserva-se o direito de proceder à respectiva hierarquização no conjunto dos formandos sujeitos a acções de formação similares.
2. A prioridade decorrente da hierarquização estabelecida pela TAP fica subordinada à existência de outras prioridades protegidas por lei ou por contratos de trabalho anteriormente celebrados pela TAP.
Cláusula 7.ª
A TAP poderá, a todo o momento, por razão exclusiva do seu interesse ou conveniência, fazer cessar ou suspender as acções de formação objecto do presente acordo, sem se constituir, pelo facto, e, qualquer obrigação de compensação ou indemnização ao Segundo Outorgante, devendo, para o efeito, fazer-lhe uma comunicação simples subscrita conjuntamente pelo Director de Operações de Voo e pelo Director de Recursos Humanos.
Cláusula 8.ª
Se o motivo da cessação do acordo decorrer do absentismo injustificado do Segundo Outorgante, de abandono deste das acções de formação, ou outro que lhe possa ser imputável, o mesmo constitui-se na obrigação de indemnizar a TAP pelo valor de € 50.000 (cinquenta mil euros).
Cláusula 9.ª
Concluídas com aproveitamento as acções de formação, o Segundo Outorgante é considerado apto a celebrar contrato com a TAP após o “ready for flights with LTC”.
Cláusula 10.ª
Do presente acordo não decorre qualquer obrigação da TAP de celebração futura de contrato individual de trabalho com o Segundo Outorgante.
Cláusula 11.ª
A celebração do contrato de trabalho com a TAP poderá implicar a eventual necessidade do Segundo Outorgante vir a complementar a respectiva formação para Piloto de Linha Aérea na TAP, frequentando fora da TAP e por sua conta qualquer acção de formação em falta se exigida.
Cláusula 12.ª
Em caso de recusa ou impossibilidade, por parte do Segundo Outorgante de celebração do contrato de trabalho, o mesmo deverá indemnizar a TAP pelos encargos decorrentes das acções de formação ministradas e abonos recebidos no decurso das mesmas, fixando-se o montante da indemnização em € 50.000 (cinquenta mil euros).
Cláusula 13.ª
Como compensação pelos encargos suportados pela empresa com a sua formação profissional, o Segundo Outorgante obrigar-se-á a prestar à TAP, uma vez admitido, a sua actividade profissional durante, no mínimo, 3 anos a contar da data de celebração do contrato de trabalho.
Cláusula 14.ª
Na eventualidade do Segundo Outorgante rescindir o contrato de trabalho antes de decorridos 3 anos sobre a respectiva data de celebração, constituir-se-á na obrigação de indemnizar a TAP pelo valor indicado de € 50.000 (cinquenta mil euros), o qual poderá ser reduzido proporcionalmente ao tempo de trabalho prestado.”
2- O texto do acordo referido em 1- foi elaborado pela A., sendo idêntico ao dos acordos celebrados pelos demais formandos que juntamente com o R. frequentaram os cursos referidos em 4- a 6-;
3- não tendo aquele clausulado sido discutido entre A. e R..
4- Na sequência da outorga do acordo referido em 1-, o R. frequentou o 17º Curso de Integração na Empresa organizado pela A., como formando nº …, o qual decorreu de 18/09/2006 até 23/10/2006, e que era constituído por 168 horas de formação;
5- Posteriormente frequentou o 38º Curso de Qualificação em Airbus 320 ("Type Rating)".
6- O curso referido em 5- compreendia:
a) Uma fase de estudo com recurso a aplicações informáticas, denominada Computer Based Training”, e de formação acompanhada por instrutor, num total de 90 horas;
b) Uma fase de simulador (EVAL), com 85 horas de formação, das quais 51 horas em simulador de tipo D, e um exame final;
c) A realização de um “voo base” (voo sem passageiros);
d) Uma fase de formação em voo, designada LIFUS (Line Flying Under Supervision).
7- O voo base referido em 6- c) é efectuado com vários pilotos formandos, revezando-se os mesmos na pilotagem, embora todos efectuem descolagens e aterragens.
8- A fase LIFUS mencionada em 6- d) compreende a realização de 40 “sectores” ou “legs” (cada “sector” ou ”leg” compreende um percurso com descolagem e aterragem), num total de 100 horas de voo, sendo que:
a) Os primeiros 20 "sectores" são feitos com um Comandante, um Oficial Piloto como co-piloto e o Formando, ou seja, com três tripulantes técnicos, e não dois como é habitual, no cockpit do avião;
b) Os últimos 20 “sectores” são efectuados no chamado regime LTC (“Line Train Captain”), ou seja, são voos em que o Formando voa sozinho com um comandante especialmente habilitado para o efeito.
9- A TAP está certificada como TRTO ("Type Rating Trainig Organization") quer pelas autoridades aeronáuticas nacionais, quer pelos organismos internacionais que regem a aviação civil.
10-O R. sempre teve conhecimento de que a formação ministrada pela A. nos cursos descritos em 4– a 6– é considerada, no meio da aviação civil, como exigente, rigorosa, e ao nível da praticada pelas melhores companhias de aviação civil do mundo.
11-Todos os formandos da A. candidatos a Oficial Piloto que frequentam os cursos referidos em 4– a 6– são já detentores de cursos de pilotagem e titulares de licenças de voo, e têm pelo menos 300 horas de voo.
12-O R. frequentou todas as sessões de formação do curso descrito em 4-, bem como as relativas às fases do curso referido em 5- descritas em 6- a), b) e c), tendo efectuado parte dos voos que constituem a primeira metade da fase LIFUS, descrita em 8- a), num total não inferior a 8 (oito) “sectores”.
Sendo que a segunda metade da fase LIFUS, ou seja a referida em 8- b) se iniciaria entre o dia 11/02/2007 e o dia 19/02/2007.
13-O R. obteve bom aproveitamento e boas classificações nas avaliações a que foi sujeito ao longo do curso descrito em 5- e 6-, mesmo já em voo.
14-Com a realização do curso referido em 4- e as fases do curso referido em 5- que se acham descritas em 6- a) e b) a A. suportou custos não inferiores a € 25.000 (vinte e cinco mil Euros) por formando.
15-À data em que o R. frequentou o curso descrito em 5- e 6- havia escolas de aviação norte-americanas que cobravam, pela realização de cursos "Type Rating", correspondentes à fase descrita em 6- b), quantias entre os USD $ 13.500 e os $ 21.750.
16-À data em que o R. frequentou o curso descrito em 5- e 6- havia escolas de aviação europeias que cobravam, pela realização de cursos de “Type Rating”, correspondentes a fase descrita em 6- b), quantias entre os € 16.500 e os € 25.000.
17-Os cursos referidos em 16- e 17- compreendiam entre 80 e 100 horas de formação, das quais entre 32 e 44 horas em simulador.
18-À data em que o R. frequentou o curso descrito em 6- havia escolas de aviação europeias que cobravam, pela realização do voo base referido em 6- c), quantias entre os € 5.000 e os € 6.000.
19-Na fase de simuladores referida em 6– b) o R. teve como instrutores os Srs. Comandantes BB e CC.
20-O Sr. Comandante BB efectuou registos de imagem e som de várias sessões das simuladores efectuadas pelo R. e pelo formando que com ele participou nas mesmas, a fim de avaliar o desempenho de ambos, e corrigir eventuais falhas.
21-O R. efectuou o exame de simulador referido em 6- b) no dia 11/01/2007, tendo sido examinador o Sr. Comandante DD.
22-É prática habitual os formandos apresentarem-se de fato ou blazer no exame de simulador, embora nem todos se apresentem de gravata.
23-O R. efectuou o voo base referido em 6- c) no dia 17/01/2007.
24-Em data não concretamente apurada, situada na segunda quinzena de Janeiro de 2007 o R. efectuou um dos voos referidos em 6-d) e 8- a), na rota Lisboa-Amsterdão-Lisboa, com o Sr. Comandante EE.
25-Na aproximação ao aeroporto de Amsterdão, depararam-se com ventos muito fortes, consequência de um furacão.
26-As condições climatéricas descritas em 26- tornaram muito difícil a aproximação e aterragem em Amsterdão, pelo que o Sr. Comandante EE pediu ao R. para se retirar da cabine durante a aterragem, a fim de a efectuar nas melhores condições de concentração.
27-pedido que o R. acatou prontamente.
28-O R. efectuou os seguintes voos de treino com o Sr. Comandante FF:
a) No dia 28/01/2007: Lisboa – Zurique – Lisboa;
b) No dia 29/01/2007: Lisboa – Estocolmo – Lisboa
c) No dia 31/01/2007: Lisboa – Frankfurt - Lisboa
29-Num dos voos referidos em 29- o R. contou ao Sr. Comandante FF que
tinha trabalhado como co-piloto na ..., voando em aviões Boeing 767.
30-Nenhum dos colegas do R. que frequentaram o 38º Curso de Qualificação referido em 5- apresentou à A. qualquer queixa ou participação, alegando ter sido maltratado pelos formadores.
31-Até 09/02/2007, nunca o R. apresentou à A. qualquer reclamação, queixa ou participação, seja invocando problemas de relacionamento com formadores, seja relatando quaisquer outras situações.
32-Em data anterior a 09/02/2007 o R. comunicou ao Sr. Comandante GG (Chefe de Treino e Instrução), bem como ao Sr. Comandante HH (adjunto do primeiro) que pretendia desistir do curso de formação referido em 5- e 6-, porque tinha sido muito maltratado.
33-Instado pelos Srs. Comandantes GG e HH a esclarecer quais as situações, em concreto, a que o R. se referia, este respondeu que só falava na presença do seu advogado.
34-No dia 09/02/2007 o R. enviou à A. a carta cuja cópia se acha a fls. 36, na qual lhe comunica, nomeadamente, o que segue:
"Em 18 de Setembro de 2006 assinei com a TAP Air Portugal, S.A. (…) um contrato de formação com vista a habilitar-me ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto da Companhia. Acontece que no decurso das acções de formação fui, amiudadas vezes, insultado e desconsiderado, com impropérios, humilhações e provocações por parte dos instrutores alocados aos voos e às acções de formação em que tenho vindo a participar.
A todos os desmandos que se têm verificado resisti sem ripostar, mantendo a postura e a serenidade que julgo serem devidas por quem, como eu, possui formação académica superior e experiência profissional adquirida na área da aviação. No entanto, e porque a situação continua, mau grado os meus esforços de ir até aos limites exigíveis, e não dá mostras de cessar, vejo-me compelido a por termo ao acordo celebrado.
O comportamento dos pilotos instrutores na fase de treino põe claramente em crise a relação estabelecida, visando, comprovadamente, a total inabilidade do instruendo e a consequente sua vontade de eventualmente denunciar o Acordo.
Esta actuação configura o exercício legítimo de um direito, que dá lugar à legitimidade oposição, sem outras consequências que, no caso em apreço, não seja o da cessação do acordo por iniciativa do instruendo.
Nestes termos, e para todos os efeitos legais e contratuais, venho por este meio comunicar que não pretendo continuar com as acções de formação profissional a que se refere a Cláusula 1ª do Acordo, cessando a vigência deste a partir do dia 9 do corrente mês de Fevereiro.”
35-A A. recebeu a carta referida em 35-.
36-Em resposta à carta referida em 35- a A. enviou ao R. a carta datada de 10/07/2007, cuja cópia se acha a fls. 38, na qual lhe transmite o seguinte:
"(...) lamentamos informar não podermos aceitar os fundamentos invocados para o abandono das acções de formação acordadas com a TAP para a sua contratação como piloto de linha aérea.
Consequentemente, e nos termos previstos na Cláusula 12ª do Acordo de Formação, celebrado em 18 de Setembro de 2006, consideramos que V. Exa. se constituiu na obrigação legal de indemnizar a TAP dos custos relativos à acções de formação frequentadas e abonos recebidos, no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) (...).”
37-O R. recebeu a carta referida em 37- no dia 17/07/2007.
38-O R. é licenciado em Engenharia.
39-Posteriormente a concluir a licenciatura em Engenharia, o R. frequentou a Fligth Safety Academy”, nos Estados Unidos;
40- e obteve licença comercial de piloto.
41-Após o que trabalhou na companhia de aviação civil ..., como co-piloto de avião Boeing 767;
42- tendo deixado esta companhia quando ingressou nos cursos de formação referidos em 4- a 6-.
43-Quanto ingressou nos cursos de formação referidos em 4- a 6- o R. tinha pelo menos 300 horas de voo.
44-Em data posterior 09/02/2007 o R. voltou a trabalhar para a ..., exercendo as mesmas funções descritas em 42-.
3----
Como estes factos não foram objecto de impugnação pelas partes e não se vislumbrando qualquer das situações referidas no nº 3 do artigo 729º do CPC, na versão que lhe foi conferida pelo DL. Nº 303/2007 de 24 de Agosto, será com base nos mesmos que se há-de apreciar e resolver as questões que o recorrente coloca e que são três, atentas as conclusões da sua alegação:
a) Qualificação do contrato de formação como contrato de aprendizagem;
b) Nulidade da promessa de contrato que o recorrente celebrou;
c) Nulidade da cláusula penal por força da aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais constante do D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro.
Sendo estas as questões vejamos então como decidir.
3.1----
Quanto à qualificação do acordo de formação:
Recorrente e recorrida celebraram, em 18 de Setembro de 2006, um “acordo de formação” titulado pelo documento, que ambos subscreveram, que consta de fls. 30 a 32 dos autos, através do qual a primeira se obrigou a proporcionar ao segundo, acções de formação profissional, com vista a habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de linha aérea na TAP; por seu turno, este obrigou-se a dar o melhor do seu esforço no decorrer das referidas acções de formação, com vista a obter o aproveitamento exigido.
Como contrapartida pela frequência desta “formação” e até ser considerado “ready for flights with LTC”, ficou estipulado que ao segundo outorgante (ora recorrente), seria atribuída, a quantia equivalente a dois salários mínimos nacionais, tendo ainda direito à utilização do refeitório da empresa (A e ora recorrida), para tomada de uma refeição diária gratuita.
Por outro lado, nas cláusulas 8ª, 12ª e 14ª desse acordo, as partes estabeleceram uma cláusula penal de € 50.000,00, que operava sucessivamente nestas três situações distintas:
- Na situação prevista na cláusula 8ª e que operaria durante o período de formação, se a cessação do acordo ocorresse devido a absentismo injustificado do recorrente, abandono deste das acções de formação ou outro motivo que lhe pudesse ser imputável;
- Na situação prevista na cláusula 12ª e que operaria no caso de recusa ou impossibilidade deste celebrar o contrato de trabalho a que se obrigara;
- E na situação prevista na cláusula 14ª e que funcionaria na eventualidade do recorrente rescindir o contrato de trabalho antes de decorridos três anos sobre a data da respectiva celebração.
Concluiu assim o acórdão recorrido que “Através das cls. 8ª, 11ª e 12ª, 13º e 14ª, não há dúvidas que o Apelado se obrigou não só a frequentar as acções de formação ministradas pela Apelante com vista à sua qualificação como oficial piloto de linha aérea da TAP, mas também, concluídas com aproveitamento as acções de formação e verificados os demais requisitos necessários à respectiva actividade, se obrigou a celebrar um contrato de trabalho com a Apelante e a permanecer ao seu serviço desta durante três anos a contar da data da respectiva celebração desse contrato de trabalho.
Em abstracto e em face do princípio da liberdade contratual, expresso no art. 405º nº 1 do Cód. Civil, nada há a opor à validade dessas cláusulas, nomeadamente à estipulação pelas partes da referida cláusula penal, pois, de acordo com o art. 810º nº 1 do C. Civil, “As partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.”
O recorrente discorda desta posição da Relação, argumentando basicamente que:
O acordo denominado, pela TAP, de “acordo de formação” era um contrato de aprendizagem [conclusão B)];
R. A rescisão do contrato de aprendizagem por parte do formando, é livre, segundo o art. 28, n.º 1 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro [R)] e sendo a rescisão livre, a comunicação nesse sentido realizada pelo formando AA é licita e não gera obrigação de indemnizar[S)], pois o art. 28, n.º 1 do D.L. 205/96 de 25 de Outubro tem carácter imperativo [T)].
Daqui conclui que, qualquer cláusula que procure afastar a liberdade de rescisão do contrato de aprendizagem – nomeadamente a cláusula penal constante da cláusula 8ª do acordo de formação, será nula.
Temos portanto que qualificar juridicamente o acordo de formação que foi celebrado.
Ora, conforme se colhe do preâmbulo do DL nº 205/96 de 25 de Outubro, diploma que estabelece o regime jurídico da aprendizagem, “a formação no âmbito da aprendizagem, organiza-se por forma que a qualificação profissional esteja associada à aquisição de competências que implicam uma progressão escolar, reforçando-se assim a articulação entre a educação e a formação”.
Por outro lado e continuando a seguir o preâmbulo do diploma, “ao assumir estes objectivos, a aprendizagem surge como uma alternativa de formação inicial, com uma identidade pedagógica própria e com um papel específico a desempenhar, com lugar no ordenamento da formação profissional que tem vindo a ser promovido como resultado do consenso entre o Estado e os parceiros sociais, consubstanciado no Acordo de Política de Formação Profissional celebrado em 1991. Em virtude desse Acordo, Portugal dotou-se dum enquadramento legal de formação profissional, inserida no sistema educativo ou no mercado de trabalho”, que resulta da conjugação do DL nº 401/91 de 16/X e do DL nº 405/91, da mesma data.
Face a este regime legal, a aprendizagem surge como uma modalidade de formação profissional, tendo-se entendido que se devia manter um diploma legal especial para a aprendizagem e que consagrasse a articulação entre os objectivos específicos de formação inserida no mercado de emprego e os objectivos educativos para que esta contribui igualmente.
Esta matriz educativa perpassa por todo o diploma, constituindo por isso um elemento fundamental deste modelo de formação profissional.
E assim, logo no artigo 2º nº 1 se define a aprendizagem como um sistema de formação dirigido a jovens, desde que tenham ultrapassado a idade limite de escolaridade obrigatória, mas que preferencialmente não tenham ultrapassado o limite etário dos 25 anos, sistema que integra uma formação polivalente, preparando para saídas profissionais específicas, conferindo uma qualificação profissional, mas dando também a possibilidade de progressão e certificação escolar.
Por isso, existem três tipos de cursos, consoante resulta do artigo 7º, nº 1.
Assim, o de nível I é dirigido a não diplomados do ensino básico (nº 2); o de nível II é dirigido a não diplomados do ensino básico, mas que uma avaliação de diagnóstico considera aptos a seguir de imediato um percurso de qualificação profissional, conforme advém do nº 3, alínea a); mas este nível comporta também cursos dirigidos a já diplomados do ensino básico de 9 anos de escolaridade obrigatória – nº 3 alínea b); e comporta ainda cursos de aprendizagem de nível III, dirigidos a diplomados do ensino básico de 9 anos de escolaridade obrigatória, que conferem certificado de aptidão profissional de nível III e equivalência ao ensino secundário, facultando assim o acesso ao ensino superior – nº 4, alínea a); por último, este nível é dirigido a diplomados do ensino secundário sem qualificação profissional, conforme resulta do nº 4, alínea b).
Para além destes, existem também cursos de formação pós-secundária, especialização tecnológica ou qualificação tecnológica avançada, que são dirigidos a jovens de nível III, ou seja, jovens diplomados do ensino básico de 9 anos de escolaridade obrigatória (nº 5).
Por outro lado, e dada esta vertente educativa, estes cursos têm que ser autorizados por despacho conjunto dos Ministros do Emprego e da Educação (artigo 8º nº 3), devendo integrar componentes de formação sócio-cultural, científico-tecnológica e uma componente prática para que possa responder à vocação de equivalência escolar que detêm, devendo o contrato celebrado entre o formando e a entidade formadora ser escrito (artigo 17º). Uma cópia do contrato tem de ser remetida aos serviços locais do IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional), para registo (artigos 17º nº 1 e 18º nº 1), pois o contrato só produz efeitos após a sua aceitação e registo por estes serviços (artigo 18º nº 3).
De qualquer maneira diga-se que no contrato de aprendizagem não há direito a retribuição, entendida como contrapartida do trabalho e que esteja a cargo da empresa, pois o aprendiz apenas tem direito aos apoios de formação que vêm previstos no artigo 24º e cujo objectivo é subsidiar a sua formação .(1)
Face às características apontadas, não podemos aceitar que o acordo de formação referido nos autos esteja sujeito ao regime da aprendizagem, conforme sustenta o recorrente.
Na verdade, o nível de escolaridade do R, que já detinha uma licenciatura em Engenharia, está muito acima dos requisitos académicos dos formandos que constituem o alvo das pessoas visadas pelos cursos de formação abrangidos pelo regime da aprendizagem (jovens com ou sem o diploma do 9º ano da escolaridade obrigatória).
É certo que existem também cursos de formação pós-secundária, especialização tecnológica ou qualificação tecnológica avançada (artigo 7º nº 5). Mas estes são dirigidos também a jovens de nível III, ou seja, jovens diplomados do ensino básico de 9 anos de escolaridade obrigatória.
Por isso, detendo o R uma licenciatura em Engenharia, e tendo, posteriormente à sua conclusão, ido frequentar a “Fligth Safety Academy”, nos Estados Unidos, onde obteve licença comercial de piloto e tendo trabalhado, depois disso, na companhia de aviação civil ..., como co-piloto de avião Boeing 767, é para nós claro que o regime jurídico da aprendizagem não era adequado ao caso, pois que visa abranger jovens sem escolaridade mínima, ou que a detinham mas sem qualquer qualificação profissional, conforme resulta do artigo 7º.
Por isso se compreende que não conste deste acordo qualquer carga horária que possa satisfazer os objectivos de formação sócio-cultural próprios do regime da aprendizagem, pois a formação do R visou apenas habilitá-lo ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de oficial piloto de linha aérea na TAP.
Por outro lado, também não se pode concluir da matéria de facto que se tratasse de curso que tivesse sido autorizado pelos Ministros do Emprego e da Educação, conforme exige o artigo 8º nº 3.
Por último, em parte alguma se alegou (e muito menos se provou) que as partes tenham procedido ao registo do acordo de formação no IEFP, conforme exigia o artigo 18º nº 3 do DL nº 205/96 de 25/X.
Além disso, tendo-se estabelecido na cláusula 3ª do acordo de formação, que durante a sua frequência e até ser considerado “ready for flights with LTC”, a recorrida se obrigava a pagar, mensalmente, ao recorrente a quantia equivalente a dois salários mínimos nacionais e a conceder-lhe o direito à utilização do refeitório da Empresa para tomada de uma refeição diária gratuita, também este esquema remuneratório constitui um regime diverso do estatuído no artigo 24º do DL nº 205/96.
Assim e pelo exposto, concluímos que não tem qualquer suporte a pretensão do recorrente de considerar que este acordo de formação está abrangido pelo regime jurídico da aprendizagem e como tal sujeito à disciplina do diploma legal que o regula.
E por isso, não podemos aplicar-lhe o disposto nos seus artigos 26º e 28º, onde se prevê que o contrato de aprendizagem pode ser rescindido livremente pelo formando.
E assim sendo, o acordo de formação estava sujeito ao regime geral da formação profissional que estava em vigor naquela data da sua celebração (18/9/2006).
Ora, este regime está estabelecido nos artigos 123º a 126º do Código do Trabalho de 2003, bem como nos artigos 160º a 170º da Lei nº 35/2004 de 29.07, que o veio regulamentar.
Além disso, temos de atender também ao regime jurídico da formação profissional, que está definido no Decreto-Lei 401/91 de 16/10, e ainda ao regime jurídico da formação profissional no mercado de emprego, que consta do DL nº 405/91, da mesma data, diplomas que não foram revogados pelo Código do Trabalho, conforme se colhe dos artigos 21º, nº 1, da Lei 99/2003 de 27 de Agosto e 10º, nº 1, da Lei 35/2004.
Por isso, a formação profissional podia assumir, à data, duas vertentes: a formação profissional inserida no sistema educativo e cujo regime jurídico constava do já analisado DL nº 205/96 de 25/X; e a formação profissional inserida no mercado de trabalho, que foi regulada pelo Decreto-Lei 405/91 de 16/10.
E assim, embora esta última se destinasse especificamente a activos empregados, por conta própria ou por conta de outrem, abrangia também trabalhadores desempregados e candidatos ao primeiro emprego, conforme se colhe do artigo 1º nº 2 deste último diploma. E por outro lado, podia assumir a forma de formação inicial, ou de formação contínua, sendo esta última destinada a trabalhadores cujo contrato de trabalho estivesse em execução, consagrando o artigo 162º da Lei 35/2004 um verdadeiro direito individual a formação anual, que se não for exercido, confere ao trabalhador o direito à retribuição correspondente às horas de formação que lhe não foram proporcionadas (artigos 168º e 169º desta Lei).
De qualquer maneira e apesar da formação profissional prevista no Código do Trabalho pressupor, em regra, a existência dum contrato de trabalho, também se prevêem no seu artigo 124º, situações que não se reconduzem àquela situação, pois prevêem-se acções de formação destinadas a jovens que pretendam ingressar no mercado de trabalho [alínea a)]; destinadas a desempregados [alínea d)]; e a grupos com especiais dificuldades de inserção [alínea f)].
Por isso, rege para estes casos o artigo 12º, nº 3, do Decreto - lei 405/91, donde resulta que contrato de formação não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão do curso ou acção de formação para que foi celebrado, o que evidencia claramente que nem toda a formação profissional pressupõe a existência de um contrato de trabalho, conforme concluiu o acórdão recorrido.
No entanto, resultando do seu nº 1, que o quadro de direitos e deveres das partes será fixado no respectivo contrato de formação, concluímos que nada impedia que a entidade formadora se precavesse contra a cessação unilateral do acordo por parte do formando, estabelecendo o direito a uma compensação a cargo do faltoso, se aquela ocorresse devido a absentismo injustificado do recorrente, abandono deste das acções de formação ou outro motivo que lhe pudesse ser imputável e acordando que o R se constituiria na obrigação de a indemnizar, como forma de compensar o investimento que estava a fazer com a sua preparação (cláusula 8ª).
Por outro lado, se nada impedia que a entidade formadora celebrasse um contrato de trabalho com o formando, depois de concluída a acção de formação, também nada impedia que obtivesse deste uma promessa de contrato de trabalho, conforme permitia o artigo 94º do CT/2003.(3)
Na verdade, resulta das cláusulas 1ª e 2ª e 8ª, que o recorrente se obrigou a frequentar as acções de formação ministradas pela recorrida com vista à sua qualificação como oficial piloto de linha aérea da TAP, obrigando-se também a dar o melhor do seu esforço para obter o aproveitamento exigido por esta empresa.
No entanto, resulta também das cláusulas 11ª, 12ª, 13ª e 14ª, que concluídas, com aproveitamento, estas acções de formação, o recorrente era considerado apto a celebrar contrato com a TAP, pelo que se obrigava ainda a celebrar um contrato de trabalho com a recorrida e a permanecer ao seu serviço durante três anos a contar da data da celebração desse contrato de trabalho.
Sustenta o recorrente que esta estipulação não pode valer como promessa de contrato, pois não resulta, de forma inequívoca, do acordo de formação, qual a espécie de trabalho a prestar no contrato definitivo, nem qual a respectiva retribuição que iria auferir, violando-se portanto o disposto no nº 1 do artigo 94º do CT/2003, donde resulta que a promessa só é válida se constar de documento que exprima, em termos inequívocos, a vontade do promitente se obrigar a celebrar o contrato definitivo, a espécie de trabalho a prestar e a respectiva retribuição.
Ora, no caso presente trata-se duma promessa unilateral, que apenas foi assumida pelo formando, pois clausulou-se expressamente que não decorria do acordo qualquer obrigação da TAP celebrar, de futuro, um contrato de trabalho com o recorrente (cláusula 10ª).
De qualquer forma entendemos que é inequívoco que o recorrente se obrigou a celebrar um contrato de trabalho com a recorrida.
Por outro lado, face à própria letra da lei, não nos suscita dúvidas que apenas uma das partes possa assumir a obrigação de celebrar um contrato de trabalho, dado que o preceito se refere expressamente à possibilidade dum só promitente o fazer . (2)
É certo que não consta expressamente de tal acordo a categoria profissional para que o recorrente seria admitido.
No entanto, se estava a ser preparado tecnicamente para ficar habilitado ao desempenho das funções inerentes à categoria profissional de Oficial Piloto de linha aérea na TAP, obviamente que não faz qualquer sentido que fosse outra a categoria para que seria admitido, pois nem sequer se compreende que a empresa estivesse a fazer um investimento na sua formação e fosse admiti-lo para outra função.
Quanto à retribuição, também é certo que não consta do documento que se tivesse acordado a retribuição a atribuir-lhe.
De qualquer forma esta retribuição era perfeitamente determinável face ao Acordo de Empresa vigente na recorrida, cujas cláusulas de carácter retributivo lhe seriam aplicáveis mesmo sem ser associado em qualquer dos sindicatos outorgantes, tendo em conta a proibição de discriminação salarial, resultante do princípio constitucional constante do artigo 59º nº 1 da CRP, por força do qual todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, convicções religiosas ou políticas, têm direito a uma retribuição do trabalho, segundo a sua quantidade, natureza e qualidade e de molde a observar-se o princípio de que para trabalho igual se deve praticar um salário igual.
Trata-se da mera reafirmação do princípio da igualdade consagrado genericamente no artigo 13º da nossa Constituição, o qual não é mais do que o corolário da igual dignidade social e humana de todos os cidadãos, aplicado agora a um dos direitos fundamentais de quem trabalha – a retribuição.
Temos portanto, de concluir que seria manifestamente excessivo que se considerasse nula a promessa do recorrente, só porque não se estipulou expressamente a retribuição correspondente ao contrato a celebrar, por si, no futuro, quando ela é perfeitamente determinável por fixação judicial, conforme prevê o artigo 265º do CT/2003.
Improcedendo, pelas razões expostas, as duas primeiras questões suscitadas pelo recorrente, vejamos então a última que ele suscita e que se prende com a pretensa nulidade da cláusula penal que foi fixada ao recorrente, caso não terminasse a acção de formação, por razões que lhe fossem imputáveis.
Ora, a primeira razão invocada pelo recorrente prende-se com a pretensa nulidade do contrato promessa por vício de forma e por nele não constarem a categoria profissional nem a retribuição que lhe caberia no contrato de trabalho a celebrar.
Como já considerámos que estas razões não são aptas a considerar nula a promessa, esta argumentação fica prejudicada.
Argumenta no entanto o recorrente que não constituindo o acordo de formação um contrato de trabalho, é incorrecta a aplicação do art. 96ºdo CT de 2003 pelo acórdão recorrido.
Ora, neste ponto temos de dar razão ao A, pois escreveu-se no acórdão recorrido que “o art. 96º do CT restringe a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais aos aspectos essenciais do contrato de trabalho em que não tenha havido prévia negociação individual”.
Nesta linha e considerando-se que “a cláusula penal não constitui um elemento essencial do contrato de trabalho, mas apenas uma cláusula acessória que tem em vista fixar antecipadamente o montante da indemnização para o caso de incumprimento e, simultaneamente coagir ao cumprimento da obrigação” não está por isso, abrangida pelo regime das cláusulas contratuais gerais que está definido no artigo 96º do CT
Ora, não constituindo o acordo de formação uma relação laboral, esta argumentação do acórdão não colhe.
De qualquer forma, entendemos que nada obsta, conforme já dissemos, a que num “acordo de formação” como o dos autos, as partes estabeleçam uma cláusula penal, para ressarcir a empresa do investimento que está a realizar e para a precaver para a eventualidade de, durante o período de formação, ocorrer uma cessação do acordo seja por absentismo injustificado do R, abandono deste das acções de formação ou devido a outro motivo que lhe seja imputável.
Efectivamente, as partes acordaram numa cláusula penal de € 50.000,00, conforme consta da cláusula 8ª, que operaria durante o período de formação, se a cessação do acordo ocorresse devido a absentismo injustificado do recorrente, abandono deste das acções de formação ou outro motivo que lhe pudesse ser imputável.
Ora, em face do princípio da liberdade contratual expresso no art. 405º nº 1 do Código Civil, podiam as partes estabelecer tal cláusula penal, fixando o montante da indemnização exigível em caso de incumprimento, conforme resulta do artigo 810º nº 1 do C. Civil, e que se destina, conforme se concluiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 24/2/2010, proferido no recurso nº 556/07.7TTALM.S1 desta 4ª secção “principalmente, a evitar dúvidas futuras quanto à determinação da indemnização”.
Argumenta, no entanto, o recorrente que a cláusula supra referida viola o Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais instituído pelo D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro, em concreto o disposto no art. 19º, al. c) e no art. 12º, pois tratando-se duma cláusula penal desproporcionada, a mesma é nula por ser proibida.
Ora, tendo-se provado que o texto do “acordo de formação” foi elaborado pela A, sendo idêntico ao dos acordos celebrados pelos demais formandos, que juntamente com o R. frequentaram o curso, e não tendo aquele clausulado sido discutido entre A. e R, que se limitou a assiná-lo, concordamos que se possa invocar o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais constante daquele diploma legal, alterado e republicado pelo DL nº 220/95 de 31/8.
Efectivamente, regem-se por aquele diploma, conforme resulta do seu artigo 1º, as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem a subscrever ou aceitar.
Na verdade, a liberdade contratual constitui um dos pilares básicos do direito privado, postulando negociações preliminares íntegras, no fim das quais as partes, após ponderação dos respectivos interesses e dos diversos meios de os concretizar e realizar, assumem as suas estipulações com discernimento e liberdade.
No entanto, sendo a massificação um dos fenómenos dos nossos tempos, ele também entrou na área do Direito Privado com o surgimento dos denominados contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais.
Esta contratação “standard”, que permite às grandes empresas determinar o conteúdo dos contratos que irá celebrar e conformá-los à melhor maneira de satisfazer os seus interesses, encontra do outro lado uma contraparte “fraca”, cujo poder negocial reduzido se limita, a maior parte das vezes, a “pegar ou largar”.
E como “largar” não constitui alternativa, assistimos a uma manifesta posição de superioridade do predisponente face ao aderente e que lhe pode trazer consequências injustas .(4)
Daí surgiu a necessidade daquele diploma legal, para salvaguardar os interesses da parte negocialmente mais débil, conforme se conclui do preâmbulo.
Ora, uma das formas de realizar este desiderato foi através da proibição absoluta de determinado tipo de cláusulas gerais, conforme consagra o artigo 18º, proibição que determinará a sua nulidade (artigo 12º).
Por seu turno, no artigo 19º estabelecem-se cláusulas que são apenas relativamente proibidas, o que quer dizer que poderão ser válidas em determinados tipos de contratos e inválidas noutros (5)
Quanto à alínea c) que vem invocada pelo recorrente, resulta do preceito que são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas que estabeleçam cláusulas contratuais gerais desproporcionadas aos danos a ressarcir, devendo tratar-se duma desproporção sensível .
Ora, face à matéria provada, não podemos considerar que o valor acordado fosse desproporcionado ao investimento que a empresa estava a fazer para formar pilotos para a sua frota de aviões.
Na verdade, na sequência da outorga do acordo de formação, o R. frequentou o 17º Curso de Integração na Empresa organizado pela A., como formando nº …, e que era constituído por 168 horas de formação (nº 4 da factualidade).
Posteriormente frequentou o 38º Curso de Qualificação em Airbus 320 ("Type Rating)" (nº 5), curso que compreendia:
a) Uma fase de estudo com recurso a aplicações informáticas, denominada Computer Based Training”, e de formação acompanhada por instrutor, num total de 90 horas;
b) Uma fase de simulador (EVAL), com 85 horas de formação, das quais 51 horas em simulador de tipo D, e um exame final;
c) A realização de um “voo base” (voo sem passageiros);
d) Uma fase de formação em voo, designada LIFUS (Line Flying Under Supervision) (nº 6).
O voo base referido em 6- c) é efectuado com vários pilotos formandos, revezando-se os mesmos na pilotagem, embora todos efectuem descolagens e aterragens (7).
Por seu turno, a fase LIFUS mencionada em 6- d) compreendia a realização de 40 “sectores” ou “legs” (cada “sector” ou ”leg” comporta um percurso com descolagem e aterragem), num total de 100 horas de voo, sendo que:
a) Os primeiros 20 "sectores" são feitos com um Comandante, um Oficial Piloto como co-piloto e o Formando, ou seja, com três tripulantes técnicos, e não dois como é habitual, no cockpit do avião;
b) Os últimos 20 “sectores” são efectuados no chamado regime LTC (“Line Train Captain”), ou seja, são voos em que o Formando voa sozinho com um comandante especialmente habilitado para o efeito.
Ora, à data em que o R. frequentou o curso descrito em 5) e 6), havia escolas de aviação norte-americanas que cobravam, só pela realização de cursos "Type Rating", correspondentes à fase descrita em 6- b), quantias entre os USD $ 13.500 e os $ 21.750.
E havia escolas de aviação europeias que cobravam, só pela realização de cursos de “Type Rating”, correspondentes à fase descrita em 6- b), quantias entre os € 16.500 e os € 25.000 e pela realização do voo base referido em 6- c), quantias entre os € 5.000 e os € 6.000.
Assim sendo e tendo-se apurado que com a realização do curso referido em 4- e as fases do curso referido em 5- que se acham descritas em 6- a) e b) a A. suportou custos não inferiores a € 25.000 (vinte e cinco mil Euros) por formando;
considerando que o final do curso só ocorreu em 23 de Outubro de 2006, pelo que, tendo o A abandonado em 9/2, ainda faltavam mais de 9 meses para a sua conclusão, o que equivaleria a cerca de 7000 euros só na atribuição pecuniária que o formando iria auferir;
e considerando ainda que o R. frequentou todas as sessões de formação do curso descrito em 4), bem como as relativas às fases do curso referido em 5) e descritas em 6- a), b) e c), tendo efectuado parte dos voos que constituem a primeira metade da fase LIFUS, descrita em 8- a), num total não inferior a 8 (oito) “sectores”, pelo que ainda faltava frequentar cerca de ¾ destes sectores que eram 40 no total, constatamos que o custo do curso não andaria longe do valor constante da cláusula penal.
Efectivamente, contabilizando o montante da bolsa de formação que iria auferir (dois salários mínimos x 9 meses); e contabilizando o custo dos voos da fase 6- d) que faltavam (cerca de 30), compreendendo cada “sector” ou ”leg” um percurso com descolagem e aterragem, num total de 100 horas de voo, sendo os primeiros 20 "sectores" (de que faltavam cerca de 10) feitos com um Comandante, um Oficial Piloto como co-piloto e o Formando, ou seja, com três tripulantes técnicos, e não dois como é habitual, no cockpit do avião; e os últimos 20 “sectores” sendo efectuados no chamado regime LTC (“Line Train Captain”), ou seja, em voos em que o Formando voa sozinho com um comandante especialmente habilitado para o efeito, as despesas totais da A, no final do curso e por cada formando não andariam muito longe do valor constante da cláusula penal.
Entendemos assim que tal cláusula não era desproporcionada (e muito menos “sensivelmente desproporcionada”) face aos danos a ressarcir, caso o formando tivesse acabado o curso constante do acordo, pelo que não podemos concluir pela sua nulidade, conforme advoga o R.
Diga-se ainda que o Tribunal recorrido considerou adequado reduzir esse valor, ao abrigo do art. 812º nº 1 e 2 do Código Civil, argumentando para tanto que o R acabou por não frequentar todas as acções de formação programadas.
Assim e por uma questão de equidade e justiça, reduziu-se o montante da indemnização ao valor dos custos suportados pela empresa formadora com as acções de formação efectivamente ministradas ao R, pois tendo este deixado de cumprir a sua prestação, apoiado numa resolução ilícita, e não tendo provado que este incumprimento em que incorrera não procedia de culpa sua, tornou-se responsável pelo prejuízo causado ao credor.
E não tendo esta posição do Tribunal recorrido colhido qualquer oposição por parte da A, a questão também improcede.
4----
Termos em que se acorda em negar a revista.
Custas pelo recorrente
(Anexa-se sumário do acórdão, nos termos do artigo 713º nº 7 do CPC)
Lisboa, 4 de Maio de 2011.
Gonçalves Rocha (Relator)
Sampaio Gomes
Pereira Rodrigues
________________________
1)- Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II parte, 65, 2ª edição.
2)- Veja-se neste sentido, código do Trabalho (anotado), Romano Martinez e outros, anotação ao artigo 94º, pgª 262, 6ª edição (2008); Júlio Gomes, Direito do Trabalho, pgª 469, volume I; Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, pgª 429; e Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, II parte, 121, 2ª edição.
3)-Esta posição é também partilhada por Júlio Gomes, obra citada, 469.
4)- Ver Alexandre Mota Pinto, “O contrato de adesão no Código do Trabalho”, apud “A reforma do Código do Trabalho”, (Coimbra Editora”), pgª 191.
5)- Mário Júlio Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, anotação ao Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro, pgª 46 (Almedina).
6)- Pgª 47 da obra citada.