ACÇÃO CAMBIÁRIA
ABERTURA DE CRÉDITO
TÍTULO DE CRÉDITO
AVAL
AVALISTA
OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
RELAÇÃO SUBJACENTE
DENÚNCIA
Sumário

I - O aval é um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, independente e formal, que se constitui como uma garantia cambiária com as características imanentes às relações cartulares, a saber: a abstracção, a literalidade e a autonomia.
II - Não sendo o aval um contrato, ou seja um acordo entre o avalista e o avalizado ou o tomador do título cambiário, não poderá o avalista desligar-se do vínculo que constituiu mediante uma declaração de vontade (receptícia), devendo responder como obrigado cambiário.
III - A denúncia é um acto declaratório unilateral, receptício, destinando a pôr fim a uma convergência de vontades anteriormente estabelecida e que se destinava a perdurar.
IV - Tratando-se o aval de uma obrigação autónoma, independente da relação subjacente, não poderá o avalista valer-se da renovação/prorrogação do contrato de abertura de crédito para se desobrigar de um obrigação que, pela sua abstracção e literalidade se emancipou da relação subjacente para subsistir como obrigação independente e autónoma.
V - A circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista, para obter a satisfação da quantia titulada na letra.
VI - Não se constituindo o aval como um contrato, mas como um acto jurídico unilateral, não se afigura correcto que possa ser objecto de denúncia.

Texto Integral

I. - Relatório.

Em contramão com o decidido na apelação impulsada pelo A., AA, que revogando a decisão proferida na 1.ª instância, declarou:
a) – […] o autor liberado das garantias prestadas no âmbito dos contratos de financiamento (n.ºs … e de …) e livranças em causa nos autos por si avalizadas, a produzir efeitos desde o termo dos prazos de 180 e 90 dias previstos em cada um daqueles contratos e que se encontrem em curso na data da denúncia (3/01/2008), condenando-se o réu a reconhecer tal; e determinou
b) – […], no que toca ao pedido de indemnização formulado pelo autor na p.i., o prosseguimento dos autos, com a elaboração da base instrutória”, recorre o Réu, “Banco BB, S.A.”,
recorre, de revista, o demandado, “Banco BB, S.A.”, tendo dessumido do acervo fundante o sequente quadro conclusivo:

“1.ª O avalista não pode liberar-se do aval prestado em livrança por força de declaração unilateral (denúncia);

2.a A cedência por parte do avalista sócio da sociedade que avaliza, de uma quota na sociedade avalizada não o isenta de qualquer responsabilidade atenta a natureza pessoal da garantia prestada.

3.a A Lei Uniforme sobre Letras e Livranças resulta da transposição para a ordem interna da Convenção de Genebra, pelo que não é admissível a aplicação/criação via jurisprudencial, de formas de extinção do aval que não venham aí consagradas;

4.a A não ser assim, a Lei Uniforme deixava de o ser, cada ordem jurídica poderia imprimir-­lhe os seus valores específicos desvirtuando-a, criando modos de extinção das obrigações aí previstas, descredibilizando o direito cambiário que se pauta pela certeza;

5. Certeza e segurança que são elementos essenciais na Lei Uniforme e que se reflectem no aval, pela sua abstracção no que toca à relação subjacente, evidenciada, designada mente no art. 32.º, na medida em que a nulidade da obrigação garantida (regra geral), não afecta a respectiva validade

Em resposta ao recurso interposto, conclui o recorrido/Autor:

“1. O aqui recorrido AA foi, entre 31.03.2006 e 12.11.2007, sócio da sociedade comercial por quotas denominada CC – Imobiliária e Construção, Ld3, pessoa colectiva n.º ..., com sede na Urbanização do ..., Rua ..., Lote …, …, Amadora.

2. No âmbito da actividade societária, nos anos de 2006 e 2007, para garantir o apoio à tesouraria da empresa, a CC, Lda. recorreu ao crédito junto do BB (Balcão da Agência de Castanheira do Ribatejo) através da contratação de duas contas correntes caucionadas (Conta crédito n.º ... e ...; sediadas na conta do BB n.º ...) no valor global de €: 100.000,00.

3. Por ser sócio da CC, Lda., o recorrido assinou os enunciados contratos de abertura de crédito em contas-corrente.

4. Em Novembro de 2007, o recorrido cedeu a sua participação social na empresa CC, Lda. e disso mesmo deu conhecimento, via telefax e pessoalmente, ao Gerente do Balcão da Agência do BB da Castanheira do Ribatejo.

5. Na mesma comunicação de 03.01.2008, à qual juntou certidão comercial da sociedade onde demonstrou a venda da sua participação social, declarou expressamente que pretendia liberar o seu nome enquanto avalista, ou em qualquer outra qualidade, dos contratos de abertura de crédito em contas-corrente, bem como de qualquer outra garantia anexa ao aludido contrato (livrança), ou a futuras operações financeiras da CC, L da (cfr. Documento junto sob o n.º 2 com a petição inicial).

6. Foi ainda referido ao recorrente por aquele funcionário e responsável do BB: porque as linhas de crédito do BB àquela empresa estavam a ser renovadas, o seu nome a titulo de fiador/avalista não deveriam assim (e bastava este procedimento) passar a constar em futuros contratos, ou seja nas renovações contratuais dos créditos.

7. Ora, todo este procedimento ficou assente entre o recorrido e os responsáveis (na altura) daquele balcão do BB: o recorrido enviaria (como enviou) o fax a fazer prova da saída da CC e solicitaria a sua desvinculação de TODAS as operações financeiras e de crédito que envolvessem aquela empresa; o BB, perante a recepção daquela comunicação do recorrido, iria liberá-lo das obrigações prestadas pelo aval à CC e, por outro lado, para renovação dos créditos à empresa CC, iria exigir outras garantias aos sócios que ali permanecem nos corpos sociais.

8. Mas inexplicavelmente, ao arrepio de tudo o que ficou acordado, a recorrente, nomeadamente os responsáveis do Balcão do BB da Castanheira do Ribatejo e a própria Direcção Regional, ignorou por completo a declaração de vontade do autor e recorrido e renovou o contrato em causa com a empresa CC, Lda. mantendo o seu nome, identificação e qualidade nos contratos de crédito e no aval prestado.

9. Frustrando assim todas as expectativas que criaram no recorrido.

10. Aliás, depois disso, aconteceram várias renovações contratuais, sem que o recorrido tenha sido consultado para o efeito.

111. Nos termos da jurisprudência do STJ atrás mencionada, a declaração enviada pelo recorrido à recorrente em 03.01.208 é valida e serve como denúncia.

12. Sendo que posteriormente a esta denúncia, recebida e conhecida, não podia vir a recorrente a preencher e accionar essas livranças, como o fez.

13. Assim sendo, tendo em conta o que fica atrás exposto, a pretensão do recorrido nos presentes autos é de ver reconhecido direito que lhe assiste de que a recorrente o "libere" dos avales prestados aos créditos da sociedade CC, Lda.

14. O recorrido alegou ainda, em sede de petição inicial, que se encontra, em consequência da conduta da recorrente, impossibilitado de recorrer a financiamentos bancários, a título pessoal ou através de empresas nas quais tem participações, e tem o seu nome inscrito na Lista de Devedores do Banco de Portugal.

15. Pelo exposto peticionou a título de compensação a quantia de 25.000 Euros, a título de compensação pelos graves e extensos danos não patrimoniais sofridos.

16. Em sede de Apelação, veio o Tribunal da Relação de Lisboa pronunciar-se, dando parcial provimento à pretensão do recorrido.

17. Com efeito. o Tribunal da Relação (através de Acórdão de 30.11.2010 que se dá aqui por integralmente reproduzido) cingiu o pleito a duas questões (o sublinhado é nosso):

18. - se o autor tem direito a liberar-se da obrigação de aval, por denúncia, e desde quando este produz efeitos:

19. - se. em caso de resposta afirmativa os autos contêm todos os elementos que permitam conhecer do pedido de indemnização formulado na p.i pelo autor.

20. - E perante a factualidade, o Acórdão do tribunal a quo dispõe que: “ A questão que se coloca prende-se com a validade da denúncia da obrigação de aval operada pela comunicação acima referenciada".

21. Continuando: "Enquanto causa de extinção do negócio jurídico, a denúncia tem como seu campo de aplicação os contratos de execução continuada e duradoura, em que as partes não estabelecem um prazo fixo de vigência. Como a vigência do contrato limitada no tempo seria contrária à liberdade económica das pessoas que não se compadece com a criação de vínculos perpétuos ou de duração indefinida, admite-se, neste caso a denúncia todo o tempo – cfr. Meneses Leitão, Direito das Obrigações, VoI. II, pag. 101.

22. Adiante: "Encontramo-nos, por isso, em presença de contratos com prazo mas axiomaticamente renováveis, não tendo sido convencionada a não denunciabilidade da obrigação de aval pelo prestador deste”':

23. Concluindo nesta parte: “Daí que se reconheça a possibilidade legal do avalista/autor se desvincular unilateralmente dessa obrigação”':

24. “Tendo a declaração de denúncia chegado ao poder do beneficiário no dia 03.01.2008, a declararão tornou-se eficaz (artigo 224.º, n.º 1, do CC)".

25. Deste modo, o autor tem direito a que se declare o mesmo liberado das garantias prestadas no âmbito dos contratos de financiamento e livranças por si avalizadas, a produzir efeitos desde o termo dos prazos de 180 e 90 dias previstos em cada um daqueles contratos e que se encontrem em curso na data da denúncia (3.01.2008), impondo-se a condenação do réu a reconhecer tal (o negrito é nosso).

26. Já em relação à segunda parte do objecto do recurso, o tribunal a quo fundamenta que a apreciação do mérito do pedido de indemnização formulado nos autos pelo autor está dependente da prova dessa factualidade.

27. Impondo o prosseguimento dos autos nesta parte, com a respectiva elaboração de base instrutória em sede própria.

28. Em suma, em relação às duas questões em sede de recurso, o tribunal a quo decidiu bem e em conformidade com a argumentação expendida pelo ora recorrido, que desde já se reforça e se dá por inteiramente reproduzida nas presentes alegações.

29. Perante a Decisão do tribunal a quo veio o réu e recorrente, BB, SA, apresentar as suas alegações a este Alto Tribunal.

30. Em suma, apresenta que "O avalista não pode liberar-se do aval prestado em livrança por força da declaração unilateral (denúncia)".

31. Invocando argumentos de certeza e segurança, inerentes ao aval, que estão a ser postos em causa.

32. Colocando em crise que os argumentos do recorrido e muito mais da fundamentação da Decisão proferida pelo tribunal a quo.

33. Ora, salvo o devido respeito pelas alegações do recorrente, o Acórdão recorrido e bastante rigoroso, preciso e fundamentado.

34. Sendo que o recorrido reforça e remete a sua posição para as suas alegações sobejamente expendidas em sede de Apelação e para a fundamentação da Douta Decisão, agora colocada em Crise pelo recorrente, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais.”, tendo rematado com o pedido formulado na acção..  

I.1. - Antecedentes úteis para a decisão a proferir.

I. AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra o Banco BB, S A, pedindo:

- seja a Ré condenada a proceder à liberação do autor da garantia prestada no âmbito dos contratos e livrança em apreço nos autos, a produzir efeitos desde a data da recepção da comunicação do autor;

- seja a Ré condenada a pagar ao autor a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, a quantia de € 25.000,00, acrescida de juros legais desde a citação.

Alegou, em síntese, que foi sócio da sociedade CC, Lda. a qual recorreu ao crédito junto do BB, através de duas contas correntes caucionadas, no valor global de €100.000,00; que, enquanto sócio, assumiu a qualidade de avalista; que em Novembro de 2007 deixou de ser sócio daquela sociedade, facto que comunicou à Ré no dia 3/01/2008, tendo nessa comunicação declarado que pretendia liberar o seu nome enquanto avalista, pelo que o seu nome não deveria constar em futuros contratos de renovação das linhas de crédito; que a ré ignorou a declaração do autor e renovou os contratos com a soc. CC, Lda; que tentou resolver a situação de forma consensual junto da Ré, não o tendo conseguido; que em consequência da conduta desta está impossibilitado de recorrer a financiamentos bancários, tendo o seu nome inscrito na lista de devedores do Banco de Portugal; que se sente revoltado, angustiado, deprimido, desmotivado e enganado, não consegue dormir e por diversas vezes perde o apetite; que deverá ser compensado desses danos no montante de €25.000,00; e que a conduta da ré viola os princípios de diligência, neutralidade, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, nos termos dos arts. 74º e 76º do RGIC.

A ré contestou, tendo impugnado alguns dos factos articulados na p.i., nomeadamente os prejuízos invocados pelo autor, e alegou, em suma, que, para garantia do integral cumprimento dos contratos de financiamento, o autor e outros entregaram ao Banco duas livranças em branco, que este ficou desde logo autorizado a preencher, pelas quantias que se mostrassem devidas; que não resulta dos contratos referidos a extinção do aval no caso de transmissão das participações sociais do autor, ou a proibição de preenchimento ou lançamento em circulação após tal facto; que a extinção do aval só com o seu acordo pode ser obtida; e que não ofendeu qualquer regra de conduta ou qualquer direito do autor.

Após a junção aos autos de cópia das duas livranças avalizadas pelo autor, foi proferido despacho saneador-sentença, no qual se decidiu julgar a acção improcedente e a ré foi absolvida da totalidade do pedido.

Para a economia do recurso importa resolver as seguintes questões:

- Natureza e Função do aval

- Denúncia da relação de avalista,

II. - Fundamentação.

II.A. – De Facto.

Vem adquirido das instâncias a sequente factualidade:

“A 23 de Outubro de 2006 o BB, a CC – Imobiliária e Construção, Lda., na qualidade de cliente, AA, DD e EE e FF, na qualidade, qualquer um deles, de " Prestador de garantia da livrança", subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 26-31, denominado" financiamento n.º EC ...", cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

No referido instrumento ficou consignado na parte relativa a "Condições particulares" o seguinte:

" 1. Crédito: Montante máximo global de € 30.000,00

2. Finalidade: a) apoio de tesouraria

(...)

Disponibilização imediata (...)

8. Utilização

Regime de utilização: utilização livre Reutilização: crédito reutilizável

(...)

13. Garantias de crédito: Livrança subscrita pelo cliente e avalizada".

No referido instrumento ficou consignado na parte relativa a "Condições Gerais" o seguinte:

" (...)

17. Garantias I Disposições comuns

§ 1. Para efeitos do contrato, considera-se abrangida pelas estipulações referentes às garantias a livrança entregue ao BB com a data de preenchimento e valor em branco, esteja ou não avalizada.

§ 2. Todas as garantias constituídas e indicadas nas condições particulares, destinam-se a garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que advêm para o cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação resultante do contrato bem como de suas alterações, prorrogações, aditamentos ou reestruturações, nomeadamente, e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados, solicitadores e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o cliente seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações resultantes do contrato.

(...)

19. Livrança

(...)

§ 2. O BB fica autorizado pelo cliente e pelo(s) avalista(s), caso existam, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o cliente lhe deva ao abrigo do contrato".

A 07 de Agosto de 2007 o BB, a “CC – Imobiliária e Construção, Lda.” na qualidade de cliente, AA, DD e EE e FF, na qualidade, qualquer um deles, de " Prestador de garantia da livrança", subscreveram o instrumento junto por cópia a fls. 32-37, denominado" financiamento n.º EC ...", cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

No referido instrumento ficou consignado na parte relativa a "Condições particulares" o seguinte:

" 1. Crédito: Montante máximo global de € 70.000,00

2. Finalidade: a) apoio de tesouraria

(...)

5. Disponibilização imediata

(...)

8. Utilização

Regime de utilização: utilização livre Reutilização: crédito reutilizável

(...)

13. Garantias de crédito: Livrança subscrita pelo cliente e avalizada".

No referido instrumento ficou consignado na parte relativa a "Condições Gerais" o seguinte:

" (...)

17. Garantias I Disposições comuns

§ 1. Para efeitos do contrato, considera-se abrangida pelas estipulações referentes às garantias a livrança entregue ao BB com a data de preenchimento e valor em branco, esteja ou não avalizada.

§ 2. Todas as garantias constituídas e indicadas nas condições particulares, destinam-se a garantir o bom pagamento de todas as responsabilidades que advêm para o cliente do não cumprimento pontual e integral de qualquer obrigação resultante do contrato bem como de suas alterações, prorrogações, aditamentos ou reestruturações, nomeadamente, e entre outras, o reembolso de capital, o pagamento de juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais ou extrajudiciais, honorários de advogados, solicitadores e custas, bem como saldos devedores de quaisquer contas bancárias de que o cliente seja titular ou co-titular que tenham como origem obrigações resultantes do contrato.

(...)

19. Livrança

(...)

§ 2. O BB fica autorizado pelo cliente e pelo(s) avalista(s), caso existam, a preencher a livrança com uma data de vencimento posterior ao vencimento de qualquer obrigação garantida e por uma quantia que o cliente lhe deva ao abrigo do contrato".

A fls. 51-52 está junta cópia de um instrumento de livrança n.º ..., com os seguintes dizeres:

- no espaço destinado ao " Emissor/Tomador ", impresso, Banco BB

- no espaço reservado a" Local de Pagamento ", um NIB;

-no espaço destinado a " Local e Data de Emissão", Lisboa, 2006.04.04.;

- no espaço destinado ao vencimento, 2009-08-28.;

- no espaço destinado a " Importância ", € 37.002,53;

- no espaço destinado ao valor, " Caução ";

- no espaço destinado à assinatura do subscritor, um carimbo com os dizeres CC Imob e Const, Lda com duas assinaturas;

- no local destinado a nome e morada do subscritor, consta, CC - Imobiliária e Construção, Lda. ( ... ).

No verso do referido instrumento e a seguir aos dizeres" Bom por aval à firma subscritora " constam várias assinaturas, sendo a primeira delas a de AA.

A fls. 53-54 está junta cópia de um instrumento de livrança n.º ..., com os seguintes dizeres:

- no espaço destinado ao " Emissor/Tomador ", impresso, Banco BB

- no espaço reservado a " Local de Pagamento ", em branco;

- no espaço destinado a" Local e Data de Emissão", Lisboa, 2007.08.07.;

- no espaço destinado ao vencimento, 2009-08-28.;

- no espaço destinado a" Importância ", € 85.350,97;

- no espaço destinado ao valor, " Caução ";

- no espaço destinado à assinatura do subscritor, um carimbo com os dizeres CC Imob e Const, Lda. com duas assinaturas;

- no local destinado a nome e morada do subscritor, consta, CC - Imobiliária e Construção, Lda. ( ... ).

No verso do referido instrumento e a seguir aos dizeres" Bom por aval à firma subscritora " constam várias assinaturas, sendo a primeira delas a de AA.

Com a data de 03.01.08. o autor enviou ao balcão da Ré de castanheira do Ribatejo o fax que constitui fls. 10, com o seguinte teor:

"Assunto: Avales CC

Como é do vosso conhecimento no início de Novembro do ano transacto cedi as quotas respeitantes a 35% do capital social da CC ao Sr. GG (conforme certidão comercial que já têm ao vosso dispor).

Enquanto sócio da CC, e nessa qualidade, concedi alguns avales pessoais para determinadas operações financeiras da referida empresa com a vossa instituição, uma vez que, como é lógico, estou completamente alheado da gestão, e não obstante de confiar na mesma, não faz qualquer sentido a manutenção das referidas garantias pessoais.

Em face do exposto e uma vez que as linhas de crédito estão a ser renovadas, venho pelo presente solicitar-lhes que retirem o meu aval das referidas operações. (...)"

Com a data de 23 de Julho de 2009, o autor enviou ao Presidente do Conselho de Administração a carta de fls. 13-14, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.”

II.B. – De Direito.

II.B.1. – Natureza, Função e Finalidade do Aval do aval.

O aval é um acto juridico cuja função é a de garantir o crédito cambiário, tendo como finalidade essencial reforçar a segurança do tomador na definitiva satisfação do seu crédito. [[1]]

A garantia oferecida pelo avalista constitui-se ao mesmo tempo acessória e autónoma. Acessória por que se apoia, pelo menos formalmente, em outra obrigação cambiária, a do avalizado, ou pessoa a quem se avaliza, autónoma porque é válida ainda que a obrigação garantida resulte nula por qualquer causa que não seja vicio de forma e porque o avalista não poderá opor excepções pessoais ao avalizado. [[2]]

Poder-se-á definir-se o aval como o negócio cambiário típico em virtude do qual se oferece aos tomadores da letra a garantia de uma pessoa, avalista, formalmente dependente da de outro obrigado no titulo, o avalizado, mas configurada num plano substancial com carácter autónomo.

Caberá distinguir distintos tipos ou classes de aval, de acordo com diversos critérios de classificação de desigual importância ou transcendência jurídica.

Assim, por exemplo, segundo o momento em que sejam subscritos, os avais poderão ser anteriores ou posteriores ao vencimento e denegação do pagamento da letra produzindo em ambos os casos plenos efeitos (o que não é admissível é o aval ser outorgado quando o avalista já tenha ficado liberado da sua obrigação cambiária); segundo, o avalista esteja ou não obrigado no título, poderão ser prestados por um terceiro ou prestados por um assinante da letra, segundo exista um só garante ou vários poderá falar-se de aval unipessoal ou co-aval e (se fosse prestado aval por um anterior avalista) sub-aval; segundo a sua exigibilidade venha ou não a ser estabelecida por uma norma expressa poderá considerar-se o aval requerido pelas partes ou consequência de uma imposição legal.

A classificação mais importante é a que contrapõe os avais gerais ou plenos aos avais limitados. Não se reconhece, em principio, outra limitação que a referida à quantidade avalizada no chamado aval parcial. Há, no entanto, quem considere que, por não estar expressamente proibido na lei, são admissíveis os avais limitados a tempo (quer dizer que a reclamação contra o avalista se coloca dentro de um prazo fixado), a pessoa (quer dizer que seja uma pessoa concreta e determinada - o beneficiário do aval - a que se dirija o avalista) e a caso ou condição.

Quanto à natureza jurídica do aval o debate doutrinal centrou-se durante algum tempo na concepção do aval como uma especialidade ou modalidade da fiança. A dependência substancial que, conforme tal concepção, guardaria a obrigação do avalista com a do avalizado cuja inexistência determinaria, necessariamente, a ineficácia do aval, supunha uma restrição tão severa à eficácia do deste como instrumento de garantia do crédito cambiário que forçou muitos autores a manter interpretações quase correctoras inspiradas na afirmação de uma independência entre ambas as obrigações.                   

O aval dá-se em função de uma obrigação garantida, circunstância que haverá de ter, em principio, um reflexo formal na letra (o aval deverá indicar quem avaliza) e que se traduz numa consequência fundamental: o avalista responde tão só ante os tomadores do título perante aqueles a quem responde o avalizado.

O aval é considerado como valorizador da assinatura do devedor avalizado, o qual brindou uma confiança tal que valoriza a sua exteriorização cambiária objectiva, com um acto de pura garantia. Encerra, pois, objectivos peculiares privativos imanentes ao seu carácter de obrigação cambiária, qual seja celeridade pela rápida circulação do documento e segurança pelos seus traços de literalidade.

O aval constitui-se como uma garantia que incorpora uma nova obrigação que entumece um nexo obrigacional primário preexistente, do qual é conceptualmente diversificada. É do mesmo passo uma garantia pessoal (em oposição à real) que se acrescenta como um novo vínculo subjectivo ao anterior, consolidando-se como um novo apoio patrimonial a direitos anteriores.

As garantias pessoais podem respaldar outras com base em vínculos de subordinação e de coordenação. A doutrina soe ubicar na primeira hipótese as garantias acessórias, onde a subordinação provoca a acessoriedade jurídica da obrigação da garantia relativamente à obrigação garantida, e que é exemplo clássico a fiança. Na segunda hipótese enquadram-se as garantias que surgem da coordenação, São aquelas que se relacionam com as necessidades do crédito e a mostra mais recente são as garantias bancárias, das quais se tornam consubstanciais ao endosso e ao aval.

A própria lei cambiária considera os obrigados, em via de regresso, garantes no sentido de que contraem uma responsabilidade cambiária reflexa pela sua intervenção no documento cambiário, sem desconhecer que a dívida principal compete a outro sujeito participante na relação cartular.

O aval surge-nos assimcomo um acto pelo qual uma pessoa que não está obrigada por qualquer razão a pagar uma letra (titulo-valor) aceita fazê-lo para garantir a responsabilidade de um dos obrigados, sacador, subscritor ou endossante. Parece, por outro lado, acertado conceber esta figura como um acto unilateral (de vontade não receptício de garantia) conferido por escrito na letra ou em folha anexa a ela, vinculado a uma obrigação cartular formalmente válida, que converte a quem a outorga, em responsável cambiário no pagamento do documento.

O aval tem um regime próprio e diferente da fiança e como todo o giro cambiário – baseado no princípio da literalidade – deve constar do título (directamente ou porque a lei se encarrega de integrar ou presumir certas menções).

Constituem-se traços distintivos do aval relativamente à fiança:

- O aval não conforta (respalda) a obrigação de uma pessoa determinada, constituindo-se antes uma garantia objectiva do pagamento, total ou parcial, argumento pelo qual não pode limitar-se a tempo, a caso ou pessoa, por não lhe poder ser colocada ou estar sujeito a qualquer condição. Não procede neste caso o benefício da excussão, já que a obrigação do avalista é autónoma e a sua validade e legitimação dos credores cambiários não está subordinada a diligências ou trâmites prévios.   

O aval é uma garantia cambiária unilateral, não receptícia; abstracta, formal e escrita; espontânea e independente; pode ser parcial e configura um direito literal autónomo. Unilateral porquanto decorre da literalidade, autonomia, abstracção dos títulos valores que suprimem perante terceiros as defesas que se sustentam da inexistência de discernimento livre ou de causa, pelo que resulta juridicamente transcendente para criar responsabilidade a existência material do acto cambiário ainda que lhe falte a causa ou existam vícios de vontade do avalista. O referido pronunciamento voluntário torna-se incondicional, irrevogável e obriga tão só pela manifestação externa da sua existência jurídica perante qualquer tomador determinado ou a determinar. Não receptícia significa que não necessita de aceitação para que possa gerar todos os efeitos, o que exclui poder considerar-se o aval como um contrato.

O aval apresenta-se como uma garantia, dado que refere precisamente a sua desvinculação substancial com os actos cambiários cujo fim é desempenhar funções cambiárias principais distintas (para circulação do titulo, o endosso; para a sua satisfação, a aceitação) e de que o aval não surge como consequência de tais transacções mas sim por um acto espontâneo alheio ao curso normal (natural) do titulo de crédito e totalmente casual.

Ao tratar-se de um acto cambiário a obrigação que nasce do aval é abstracta, isto é, prescinde da causa na sua relação circulatória. A qualificação da garantia pessoal fundamenta-se na adição (aglutinação) de um novo sujeito a uma ligação objectiva prévia e não ao nexo pessoal entre o avalista e o avalizado. Efectivamente, o aval, qual garantia objectiva não se vincula com a pessoa nem com a obrigação avalizada, mas tão só porque, singelamente, é uma garantia de pagamento de uma obrigação que objectivamente emerge do titulo. De modo que a abstracção do aval é idêntica às demais obrigações cambiárias posto que esta dá vida justamente a uma relação cartular dessa qualidade, independente e diferente.

É um acto jurídico que deve revestir uma forma e deve ser escrito como meio de exteriorização. Toda a obrigação cambiária reveste a forma escrita pelo que também o aval deve assumir forma escrita.

È independente porque a lei considera válido o aval ainda que a obrigação avalizada seja nula a menos que a referida nulidade seja puramente formal.

Podem-se surpreender os seguintes traços distintivos entre aval e fiança.

O aval garante unicamente obrigações cambiárias, tratando-se efectivamente de uma obrigação abstracta e literal;

Ainda que ambas assegurem o cumprimento de dividas pecuniárias, o aval é uma obrigação autónoma, materialmente, enquanto que a fiança é acessória de outra principal - a fiança não pode constituir-se sem uma obrigação válida. Isto significa que o aval consigna duas obrigações distintas com dois devedores e a fiança somente uma obrigação mas com dois devedores;

O aval é um acto unilateral, pois que deve constituir-se por escrito no próprio título ou em folha anexa a este, para além de que deve constar a assinatura do avalista. A fiança é normalmente consensual.

O aval é sempre comercial já que provêm de acto de comércio. A fiança segue a materialidade da obrigação garantida.

O aval persiste e produz efeitos legais ainda que a obrigação do avalizado seja nula, o que não acontece com a fiança pois que o vicio da obrigação afiançada afecta a fiança civil, convertendo-a em nula ou anulável. Se a obrigação principal está afectada de nulidade absoluta a fiança também se verá afectada;

O aval não deriva da lei nem de decisões judiciais tendo sempre a sua origem na vontade do avalista, sendo por isso que se diz que tem um valor objectivo porquanto o avalista obriga-se a si mesmo, mediante a sua assinatura. A fiança é legal, judicial ou voluntária;

O exercício da responsabilidade contra o avalista não exige a excussão nem a interpelação judicial prévia do avalizado; a fiança civil admite a divisão ou a excussão prévia;

Não se permite ao avalista que se valha das excepções pessoais do avalizado já que a sua obrigação é independente e o direito do terceiro é autónomo; o fiador pode opor as mesmas excepções que o afiançado sempre e quando não sejam pessoais do mesmo devedor;

A obrigação do avalista é directa e independente; a do fiador é sempre acessória;

O avalista que paga tem acção cambiária contra o avalizado e os que respondem perante este, implicando o exercício de um direito autónomo e literal como legitimo portador do título e é evidente que os devedores se tornam solidários; o fiador é um credor por sub-rogação e a sua repetição não pode prosperar se não interpõe excepções que incumbiam ao devedor principal ou pagou sem ser interpelado ou deixou de avisar o obrigado principal;    

O aval não pode ser sujeito a condição; a fiança pode;

O aval é irrevogável, o fiador pode retractar-se em determinados casos;

O aval tem como referente uma operação bancária determinada; a fiança pode vincular-se a operações futuras e indeterminadas, ou até a uma soma certa ou incerta;

O aval surge mediante declaração cartular, a fiança derivada de um convénio;

Se o avalista se torna insolvente o portador do título não pode solicitar um substituto; na fiança é possível suplantá-lo ou substitui-lo ou se trata de co-fiadores a parte correspondente ao insolvente rateia-se entre os demais que possuam solvência.

Como deflui do que vem sendo escrito quanto aos traços fundantes do aval e da sua afinidade/diferença com figuras jurídicas afins, maxime a fiança, a maioria, se não a quase totalidade dos autores, qualifica o aval como um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, e independente e formal e que se constitui como uma garantia cambiária com as características imanentes a este tipo de relações (cartulares) as saber a abstracção, a literalidade e a autonomia. “O avalista assume uma obrigação cambiária ao estampar o seu nome no título; ele promete o pagamento da letra, tal como o faz qualquer obrigado cambiário (mais precisamente como o promete o obrigado por quem outorga o aval); por outras palavras, o garante assume uma obrigação de autonomia e abstracção do título. Assim enquanto que na fiança o elemento acessoriedade, logicamente dominante em toda a relação de garantia, se manifesta na sua mais completa eficiência e se mantém por lei firme em todas as sua s consequências lógicas, no caso do aval, no que se atina às relações entre garante e garantido, nas quais deveria também dominar a acessoriedade, as ditas relações encontram-se, necessariamente, modificadas por outro imprescindível componente, a autonomia da obrigação. A autonomia absorve a acessoriedade, dado que a relação de acessoriedade só subsiste nas sobreditas relações - e não pode deixar de sobreviver, dado o carácter de garantia que o aval implica - no seu aspecto formal, decisiva em matéria cambiária: o que equivale a afirmar que a obrigação do garante não pode funcionar se não existe como formalmente válida a obrigação cambiária do avalizado”.

A maioria dos autores coincide em que o aval se trata de “um acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores”. [[3]] Como a lei requer que o aval esteja referido a uma obrigação formalmente existente tendem para que isso signifique uma acessoriedade formal que nada comunica, nos seus efeitos, á materialidade da obrigação que se torna cambiária e por fim independente.

Trata-se, outrossim, de uma garantia objectiva para pagamento do título sem vinculação com a obrigação avalizada, excepto quanto à existência desta. Elimina-se, pois, o carácter subjectivo (este é a vinculação com a obrigação de uma determinada pessoa) do aval para se tornar objectivo (quer dizer uma obrigação abstracta conforme a literalidade do documento). Trata-se de uma garantia cambiária típica dado que a obrigação do avalista se encontra desligada do avalizado; a obrigação deste torna-se abstracta e literal com direito autónomo para o portador do documento, se bem que se existindo uma obrigação formal com o acto avalizado se considere como um nexo de posição sem que se requeira uma substancial posição entre ambas as obrigações cambiárias. Em virtude disso o avalista assume uma obrigação directa e pessoal, não com o do seu avalizado, e portanto responde, directa e pessoalmente, perante o credor cambiário, pelo pagamento do título e não pelo cumprimento deste. O avalista não assegura que o avalizado pagará, mas sim que o título será pago; não participa da obrigação de outros, mas, ao invés, fá-la própria (non alienae obligationi accedit sed alienam facit propriam); a designação a favor da pessoa a favor a quem se presta o aval tem tão só a finalidade de fazer assumir ao avalista uma responsabilidade cambiária de igual grau que a do avalizado. 

II.B.2. – Denúncia da relação de avalista.

A denúncia é um acto declaratório unilateral, receptício destinado a pôr fim a uma convergência de vontades anteriormente estabelecida e que se destinava a perdurar.

Na definição que dela é feita por Proença Brandão “a denúncia pode ser definida como o poder exercido por normal declaração unilateral receptícia, livre ou vinculada, de extinguir ex nunc e dentro de certos prazos, um contrato duradouro stricto sensu. Tal faculdade surge como corolário evidente da interdição de perpetuidade contratual e da consequente defesa da liberdade individual, não visando, assim, sancionar qualquer estado contratual alterado na sua execução”. [[4]]       

A questão que vem colocada atina com o facto de revestindo o aval a natureza, as finalidades e as características que se deixaram enunciadas é possível ao avalista operar validamente a sua denúncia por ter deixado de ocupar a posição social que possuía quando prestou o aval.

Em acórdão recente deste tribunal [[5]] foi decidido que era possível no caso em o aval tinha sido prestado numa livrança decorrente de um contrato de abertura de crédito o avalista desligar-se da obrigação cambiária que tinha contraído perante o tomador da letra, independentemente da qualidade que possuísse na sociedade comercial mutuária.

Em nosso juízo, e salvo o devido respeito, não se constituindo o aval como um contrato, ou seja um acordo entre o avalista e o avalizado ou o tomador do titulo cambiário, não poderá desligar-se do vínculo que constituiu mediante uma declaração de vontade (receptícia) devendo responder como obrigado cambiário. “[…] além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista não é senão imperfeitamente uma obrigação acessória relativamente ao avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao lado formal. De facto a lei estabelece o principio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula, salvo por vicio de forma.” [[6]]     

Tratando-se de um obrigação autónoma, independente da relação subjacente, não poderá, em nosso juízo, o avalista valer-se da renovação/prorrogação do contrato de abertura de crédito para se desobrigar de uma obrigação que, pela sua abstracção e literalidade se emancipou da relação subjacente para subsistir como obrigação independente e autónoma. O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado mas tão só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito. A obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente. [[7]]

Do que ficou dito supra o avalista não se obriga perante o avalizado mas sim perante o titular da letra ou da livrança constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo, como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. A circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitem à obrigação cambiária pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra. A circunstância de a relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária. A relação cambiária constituída permanece independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal. Os efeitos da obrigação cartular assumida pelo avalista destacam-se da obrigação subjacente segregando um feixe de obrigações e deveres que, do nosso ponto de vista, não são passíveis de denúncia.

O asserido arranca da funcionalidade do aval e percute-se na estrutura ôntica deste modelo de garantia, que revestindo as características que lhe apontadas supra não são passíveis de ser redutíveis a relações contratuais ou de concertação de vontades. O aval constituindo-se como uma figura jurídico-comercial distinta de outras garantias pessoais, maxime da fiança, não pode ser reconvertível a um contrato consensuado entre o avalista e qualquer dos demais obrigados cambiários e que, et pour cause, possa ser objecto de denúncia.

Como se extrai da definição de denúncia supra extractada esta figura ou instituto jurídico só é exercitável e admissível para as situações em que a relação contratual arranque de um contrato duradouro e que uma das partes, por declaração unilateral de vontade receptícia, pretenda pôr termo.

Não se constituindo o aval um contrato, mas um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, abstracto e com as mesmas características de uma obrigação cambiária não se prefigura correcto, em nosso aviso, que possa ser objecto de denúncia.               

II.B.3. – Momento em que (ou até quando) a denúncia pode ser accionada/efectivada.

Em face do expendido supra resulta prejudicada a questão enunciada neste item, dado que tendo quedado assente, nos termos explanados supra, que o aval não é passível de denúncia não caberá analisar o momento ou a temporalidade da denúncia.

III. - Decisão. 

Na defluência do que fica exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

A) - Conceder a revista e, consequentemente, revogar a decisão objecto de recurso, repondo a decisão proferida em 1.ª instância;

B) - Condenar o recorrido nas custas.

Lisboa, 10 de Maio de 2011

Gabriel Catarino (Relator)

Sebastião Povoas     

Moreira Alves 

_______________________  


[1] Na exposição preliminar a que se procede segue-se de muito perto (por vezes ipsis verbis e/ou com arranjos de tradução) um estudo de Pedro Alfonso Labriega Villanueva, “El aval. Fianza sui generis o Garantia Cambiária Típica”, publicado no Boletín Mexicano de Derecho Comparado, Año XXXVII, n.º 110, Mayo-Agosto de 2004, págs. 611-661.  

[2] Cfr. por todos o recente acórdão deste Supremo Tribunal Ac. do STJ de 13-04-2011: “O aval é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário – art. 30º da LULL – garante, por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora.

 O aval é, pois, uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular.

O aval é uma garantia autónoma (não é uma fiança): a obrigação do avalista é, por um lado, subsidiária ou acessória de outra obrigação cambiária ou da obrigação de outro signatário; no entanto, o aval é também um verdadeiro negócio cambiário, origem de uma obrigação autónoma; o dador de aval não se limita a responsabilizar-se pela pessoa por quem dá o aval, mas assume a responsabilidade do pagamento da letra.

O avalista não detém uma posição acessória em relação à obrigação garantida, tanto assim é que a sua vinculação como garante se mantém ainda que seja nula a obrigação garantida – art. 32º da LULL – por qualquer motivo que não seja um vício de forma.”

[3] Cfr. Ferrer Correia, in “Lições de Direito Comercial, vol. III, Letra de Câmbio, 1966, págs. 196, 198 e segs. (citado por França Pitão, in “Letras e Livranças - Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - Anotada”, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 181.      
[4] “A Resolução do Contrato no Direito Civil”, Coimbra Editora, 
[5] Ac. do STJ de Na apelação o autor contesta este entendimento, invocando, nomeadamente, o decidido pelo STJ no acórdão proferido dia 2-12-2008: “
I – O aval, como autêntico acto cambiário, origina uma obrigação autónoma, que se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
II – A livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o respectivo preenchimento de acordo com o denominado "pacto ou acordo de preenchimento".
III – É indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento ao preenchimento da livrança. Com efeito, esse acordo apenas diz respeito ao portador da livrança e ao seu subscritor, não sendo o avalista sujeito da relação jurídica existente entre estes, mas apenas sujeito da relação subjacente à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.
IV – No caso em apreço, não obstante o montante da obrigação e a data do seu eventual vencimento não estivessem determinadas à data em que o executado deu o seu aval, a obrigação era determinável, nos termos do acordo de preenchin1ento. Assim, não ocorre qualquer violação do disposto no art. 280.º do CC.
V – Embora o aval seja irrevogável, é admissível a sua denúncia até ao momento do preenchimento do título, em situações como a dos autos, em que a livrança é decorrente de um contrato de abertura de crédito com um prazo inicial de 6 meses, que foi sendo renovado 16 vezes, por prazos idênticos e sucessivos, já tendo decorrido cerca de 4 anos e meio sobre a aposição do aval.
VI – A denúncia basta-se, então, com a simples comunicação ao Banco exequente da vontade e do pedido feito pelo avalista de "ser retirado" da livrança o seu aval, isto independentemente do fundamento que foi invocado (a circunstância de ter deixado de ser sócio e renunciado à gerência da sociedade subscritora da livrança).
VII – Tendo a declaração de denúncia chegado ao poder do Banco beneficiário, a mesma tomou-se eficaz (art. 224.º, n.º 1, do CC).
[6] Op. loc. cit. (França Pitão), pág. 196. 

[7] Cfr. Ac. do STJ de 19-06-2007, in www.stj.pt de que deixa extractada a parte interessante. “Poderia dizer-se tão-somente que, inexistindo vício de forma, se mantêm a obrigação dos avalistas, “ex vi” da segunda parte do artigo 32º da LULL.

Dir-se-á, contudo, que a razão de ser desta norma, é ser o aval um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente, autónoma. (cf. o Prof. Ferrer Correia, ob. cit. 197 ss, o fazer notar que a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado, mas solidária, pelo que o avalista não goza do beneficio da excussão prévia; e ainda para o facto da nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunicar à do avalista, tendo este direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado; cf. ainda, v.g, os Acórdãos do STJ de 27 de Maio de 2004 - 04 A1518 - e de 24 de Outubro de 2002 - 02 A2976).

O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança mas apenas da relação subjacente à obrigação cambiária estabelecida entre ele e o seu avalizado.

É uma garantia de natureza pessoal que gera uma obrigação autónoma pois o avalista responsabiliza-se pela pessoa que avaliza assumindo a responsabilidade, abstracta e objectiva, pelo pagamento do título.

Assim sendo, o avalista é responsável, nos mesmos termos em que o é a pessoa por ele garantido por qualquer acordo de preenchimento concluído entre o subscritor e o portador, não podendo invocar a excepção do preenchimento abusivo (cf. v.g, os Acórdãos do STJ de 6 de Março de 2007 - 07 A205 - e de 11 de Dezembro de 2003 - 03 A3529) sabido que o ónus da prova do preenchimento abusivo sempre caberia ao obrigado cambiário demandado, nos termos do artigo 342º nº 2 do Código Civil por integrar um facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito emergente do titulo de crédito. (cf. ainda, o Acórdão desta conferência de 14 de Dezembro de 2006 - 06 A2589).

Também não pode o avalista apor quaisquer outras excepções do seu avalizado ao portador, salvo qualquer causa extintiva da obrigação decorrente das relações entre ambos.