Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
MANDATO COM REPRESENTAÇÃO
PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL
CONTRATO-PROMESSA
COISA ALHEIA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Sumário
A procuração no interesse, mesmo exclusivo, do procurador não implica a transmissão da posição jurídica do representado, nem resulta dela, mantendo-se, juridicamente, o dominus como titular daquela posição, e agindo o procurador em seu nome. Extintos, sem terem sido exercitados, os poderes representativos, nenhuma obrigação se tendo inserido na esfera jurídica do representado, devida a acto do representante, não pode sustentar-se que sejam estes os devedores da prestação em mora em contrato-promessa celebrado pelo representante, em nome próprio, com terceiro. Não é, assim, viável a execução específica de contrato-promessa de compra e venda contra os donos de imóvel prometido vender por pessoa a favor da qual estes vieram a outorgar procuração irrevogável, dispensando o procurador de prestação de contas e com a faculdade de celebrar negócio consigo mesmo se, entretanto, a procuração caducou pelo decurso do prazo. O contrato-promessa de venda de bens alheios é insusceptível de execução específica, por impossibilidade jurídica da prestação, estando vedado ao tribunal substituir-se ao contraente em mora numa declaração negocial cujos efeitos a lei tem como inválidos. Perante o incumprimento da promessa, arredada a possibilidade de execução específica, sobra para o promitente-comprador o regime da responsabilidade contratual com regime do art. 442º-1, 2 e 4 C. Civil.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. - “AA” intentou contra BB, CC e DD (e ainda, a título subsidiário, e ao abrigo do art. 31º-B do CPC, contra EE), pedindo que fosse proferida sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial a que estão adstritos os três primeiros Réus para o efeito de se considerar transmitido a favor da A. o direito a metade indivisa da fracção autónoma designada pela letra 00 do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 0000 – Lagoa.
Fundamentando a pretensão invocou a celebração, em 3/9/2002, de um contrato-promessa de compra e venda de metade indivisa de fracção autónoma de prédio urbano, entre a A., como promitente-compradora, e FF, como promitente-vendedor, que declarou que era titular em perspectiva da propriedade da dita metade indivisa, a qual iria adquirir aos Réus, nos termos de contrato-promessa já com estes celebrado. Em 18 de Outubro de 2002, os três primeiros RR. conferiram a FF procuração, também no interesse do mandatário, válida e irrevogável pelo prazo de nove meses, e dele receberam o valor acordado para a metade da fracção, destinando-se tal procuração a possibilitar o cumprimento dos contratos-promessa, que, caducada a procuração, os RR. agora recusam.
Os RR. contestaram para alegarem, ao que ainda releva, que, apesar da procuração, não foram parte no contrato-promessa celebrado entre a Autora e FF, nem estão obrigados pelo mesmo, já que aquele procurador ainda não os representava nessa ocasião (nem tal declarou no contrato) e não ratificaram esse contrato ou a intervenção do procurador no mesmo.
A final julgou-se procedente a acção, declarando vendida à A. a fracção autónoma identificada nos autos.
Os Réus apelaram, com total êxito, pois a Relação revogou a sentença e declarou improcedente a acção.
Pede, agora, revista a Autora, visando a revogação do acórdão e a reposição do sentenciado na 1ª Instância.
Para tanto, nas conclusões da respectiva alegação, argumenta como segue.
A. A acção de execução específica destina-se a obter sentença que produza o efeito da declaração negocial de quem, obrigado à celebração de um contrato, recuse a sua outorga.
B. Só o proprietário tem a capacidade de alienar determinado bem, seja agindo em nome próprio seja por intermédio de representante.
C. Sujeitos da relação contratual de compra e venda são o alienante proprietário e o adquirente, actuem pessoalmente ou por representante.
D. Partes legítimas no processo são quem tem interesse em demandar, pela utilidade derivada da procedência da acção e quem tem interesse em contradizer, pelo prejuízo que da procedência lhe advenha.
E. Na falta de indicação da lei em contrário são partes legítimas os sujeitos da relação jurídica controvertida, tal como configurada pelo Autor.
F. Nos autos, pedindo-se a prolação de sentença que produza os efeitos da transmissão da propriedade de uma coisa pertencente aos Réus Q......a favor da Autora AA, são partes legítimas pelo lado passivo os Réus BB, CC e DD e só eles.
G. Ao receber a procuração irrevogável passada pela família Q......em 18.10.2002, FF tinha já assumido a obrigação de transmitir a coisa à Autora, a qual emergia do contrato-promessa que com ela celebrara em 03.09.2002.
H. Tendo no momento da outorga da procuração a família Q......recebido o preço da coisa e sendo a procuração irrevogável e com dispensa de prestação de contas, tal apenas pode significar que a família Q......aceitou antecipadamente todos os negócios de alienação que, nos termos da procuração, FF se obrigasse a fazer com a coisa objecto da procuração.
I. Tais negócios inseriram-se directamente na esfera jurídica da família Quental, como é próprio dos negócios representativos.
J. A inserção dos negócios na esfera jurídica do representado opera no próprio momento da conclusão do negócio e aí pervive e produz efeitos independentemente da vigência futura da procuração.
Tendo sido celebrado negócio de promessa de venda cujos efeitos estavam dependentes de o obrigado à venda adquirir poderes que lhe permitissem o cumprimento do contrato prometido, a obrigação de transmitir a coisa objecto da procuração insere-se na esfera jurídica do representado a partir do momento em que a procuração com poderes para transmitir a coisa é outorgada a favor do obrigado à transmissão.
L. Por tal razão, os membros da família Q......continuaram adstritos à celebração desses negócios mesmo depois de caducada a procuração por ter expirado o prazo por que foi concedida.
A recusa por parte dos Réus de outorgar a transmissão da coisa à Autora dá a esta o direito de pedir ao Tribunal que profira sentença que tenha o efeito da declaração de transmissão da propriedade da coisa a seu favor.
N. O acórdão do Tribunal da Relação de Évora agora em recurso, ao não considerar os RR obrigados ao cumprimento do contrato-promessa outorgado pelo FF violou, pelas razões que acima se expõem, as normas constantes dos arts. 26 CPC e 258 e 830.1 CC.
Os Recorridos responderam em defesa do julgado.
2. - A questão colocada no recurso pode enunciar-se como sendo a de saber se perante um contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e um terceiro e posterior outorga de procuração irrevogável (entretanto caducada por verificado o termo de validade) pelos RR., donos do imóvel prometido vender, a favor do terceiro promitente-vendedor, que pagou o preço e ficou dispensado de prestar contas, goza a A. do direito à execução específica da promessa incumprida, exercido contra os representados e mandantes-donos do bem.
3. - Vêm definitivamente provados os elementos de facto que se reproduzem.
- Por instrumento notarial outorgado em 18 de Outubro de 2002, no Segundo Cartório Notarial de Almada, os três primeiros Réus declararam constituir seu bastante procurador FF, a quem conferiram os poderes necessários para vender pelo preço de 35.142,59 euros cada metade indivisa de cada uma das fracções autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J e L, todas pertencentes ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ......., freguesia e concelho de Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o número dois mil oitocentos e cinquenta e três e inscrito na matriz sob o artigo seis mil e trinta e oito, outorgar e assinar as respectivas escrituras de venda, receber os preços e deles dar quitação; para na competente Conservatória proceder a quaisquer actos de registo que tenham por objecto as fracções autónomas em causa, e de um modo geral praticar, requerer e assinar tudo quanto se mostre necessário para o integral cumprimento dos poderes conferidos.
- O constituído procurador ficava dispensado da apresentação de quaisquer contas aos representados e poderia celebrar negócio consigo mesmo.
- Os representados declararam que a procuração era também conferida no interesse do mandatário, e era válida e eficaz pelo prazo de nove meses a contar da sua data e que, dentro desse prazo, não poderia ser revogada nem caducaria por morte, interdição ou inabilitação de qualquer dos mandantes.
- Metade indivisa da fracção designada pela letra 00 daquele prédio urbano está registada a favor dos três primeiros Réus e a restante a favor da autora, por compra a EE;
- Datado de 3.9.2002, entre FF (agindo em nome pessoal e em representação de EE, surgindo este e aquele como A e B dos primeiros outorgantes) e a Autora (como segunda outorgante) foi reduzido a escrito acordo que apelidaram de contrato promessa de compra e venda, contendo, entre outras, as cláusulas seguintes: 1ª - O primeiro contraente A é o único proprietário e legítimo possuidor de metade (1/2) indivisa da fracção autónoma, designada pela letra 00, correspondente ao apartamento designado por n...., sita no.........r, sendo a sexta a contar do Norte, do prédio urbano, para habitação, constituído em propriedade horizontal, sito no Sítio da ......., freguesia e concelho de Lagoa, inscrito na respectiva matriz urbana sob o art° 0000-Lagoa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n° 0000-Lagoa, ora em acabamentos; o primeiro contraente B é titular em perspectiva do direito de propriedade sobre a restante metade (1/2) indivisa da mesma fracção, o qual vai adquirir aos herdeiros da respectiva proprietária, ora falecida, nos termos de contrato promessa já com eles celebrado; 2ª - Pelo presente contrato, o primeiro contraente B, por si e em representação do primeiro contraente A, “supra”, promete vender tal fracção autónoma, livre de quaisquer hipotecas, ónus e encargos e com contribuição autárquica em dia com referência a todo o período de tempo anterior à data da escritura, à segunda contraente, e a segunda contraente promete comprar tal fracção autónoma nesses termos e nos demais do presente contrato nomeadamente sem prejuízo do seguinte: a) Dependendo da sua vontade unilateral e caso tal seja permitido pelo contrato promessa referido na cláusula anterior, o primeiro contraente B terá o direito de concretizar a transmissão a favor da segunda do direito à metade indivisa da fracção autónoma, que vai adquirir, através da cessão da posição contratual em tal contrato promessa, desde que daí não resulte para a segunda contraente qualquer aumento de custo com a transacção (...) 3ª - 1. O preço global acordado para a fracção autónoma ora prometida vender, no seu estado actual, é de cento e noventa mil euros (...) 7ª - O presente contrato é integralmente submetido à lei portuguesa e, portanto, susceptível de execução específica, nos termos do artigo 830° e seguintes do Código Civil, não obstante a existência de sinal (...);
- A Autora entregou então a FF, na qualidade em que o mesmo agia na data da assinatura do contrato-promessa, a quantia total de 120.000 euros;
- Quando outorgaram a procuração irrevogável a favor de FF, os três primeiros Réus receberam daquele o valor acordado entre todos, correspondente ao preço do direito dos três primeiros Réus a metade dos prédios urbanos então em construção onde se situa a fracção prometida vender à Autora.
4. - Mérito do recurso.
4. 1. - Confrontadas com a questão acima enunciada, as Instâncias responderam-lhe em termos opostos.
Assim, enquanto na sentença se reconheceu à Autora o direito exercitado na acção, argumentando-se que os RR. consentiram na venda, pois mandataram o FF, dando-lhe os necessários poderes, e até receberam o preço, não tendo este procedido à venda colocou os mandantes em posição de ser decretada a execução específica, no acórdão sob impugnação a A. viu negado o direito peticionado com fundamento em que os RR. não eram parte no contrato-promessa de compra e venda, a cujo cumprimento apenas o FF, contraente em nome próprio, estava obrigado.
A Recorrente sustenta, porém, que tendo os Réus recebido o preço e outorgado procuração irrevogável e com dispensa de prestação de contas, tal apenas pode significar que aceitaram antecipadamente todos os negócios de alienação que, nos termos da procuração, FF se obrigasse a fazer com a coisa objecto da procuração, negócios que se inseriram directamente na esfera jurídica dos RR., como é próprio dos negócios representativos, operando no próprio momento da conclusão do negócio, mantendo-se e produzindo efeitos independentemente da vigência futura da procuração.
Consequentemente, acrescenta, tendo sido celebrado negócio de promessa de venda cujos efeitos estavam dependentes de o obrigado à venda adquirir poderes que lhe permitissem o cumprimento do contrato prometido, a obrigação de transmitir a coisa objecto da procuração insere-se na esfera jurídica do representado a partir do momento em que a procuração com poderes para transmitir a coisa é outorgada a favor do obrigado à transmissão.
4. 2. - O contrato-promessa cuja execução se pretende, mediante substituição da declaração negocial de venda do promitente faltoso pelo Tribunal foi outorgado entre a Autora-Recorrente, como promitente-compradora e FF, como promitente-vendedor, que, como no clausulado do documento que o titula se lê, contratou como “titular em perspectiva do direito de propriedade (…), o qual vai adquirir aos herdeiros da respectiva proprietária, ora falecida, nos termos de contrato promessa já com eles celebrado”.
FF interveio no contrato em nome próprio a prometer vender coisa que tinha a expectativa de vir a adquirir, declarando mesmo ter-lhe já sido prometida a venda.
Tratou-se, pois, de um contrato-promessa de compra e venda de bem alheio que, como é entendimento pacífico, é válido, justamente porque, tendo o contrato como prestação principal a celebração do contrato-prometido (prestação de facto), não lhe são aplicáveis as disposições sobre a venda de coisa alheia, próprias do efeito real translativo do contrato (excepção ao princípio da equiparação prevenido na parte final do n.º 1 do art. 410º C. Civil).
Perante um tal contrato, verifica-se uma impossibilidade jurídica de celebração do contrato prometido e, como tal, uma impossibilidade de cumprimento, seja voluntária seja forçada, enquanto o promitente-vendedor não adquirir o objecto mediato da promessa ou não se colocar em condições de a transmitir à outra parte no contrato.
O que aqui importa ter presente é que o contrato-promessa de venda de bens alheios é insusceptível de execução específica, por impossibilidade jurídica da prestação, estando vedado ao tribunal substituir-se ao contraente em mora numa declaração negocial cujos efeitos a lei tem como inválidos (art. 892º C. Civil).
Consequentemente, perante o incumprimento da promessa, arredada a possibilidade de execução específica, nos termos previstos nos art. 442º-3 e 830º C. Civil, sobra para o promitente-comprador o regime da responsabilidade contratual com regime fixado no referido art. 442º-1, 2 e 4.
Aqui chegados, dir-se-ia que, perante a falta de cumprimento da prestação a que se vinculou o promitente-vendedor FF– que não terá podido ou querido adquirir a fracção aos RR., ou não terá querido ou podido transmiti-la directamente à A., utilizando os poderes de representação de que dispôs -, a situação normal seria a de ser efectivada contra aquele contraente a responsabilidade pelo facto ilícito em que incorreu ao não cumprir a promessa, em conformidade com o que se obrigou.
Acontece que esse contraente, única parte no contrato com a A., não foi demandado nem chamado a intervir no processo.
4. 3. – Resta, então, averiguar se, como sustenta a Recorrente, é viável a execução específica, não contra o promitente FF, mas, directamente, contra RR., donos do bem que ele prometeu vender, por efeito da procuração que lhe foi outorgada pelos mesmos RR..
A execução específica é o cumprimento forçado do contrato, na produção dos efeitos tidos em vista pelas partes, em que, mediante requerimento de um dos contraentes, o tribunal se substitui ao faltoso na manifestação de vontade por ele não tempestivamente emitida, ou seja, supre a sua omissão na obrigação de contratar.
Pressupõe, pois, uma situação de mora ou retardamento de cumprimento pelo obrigado a contratar, sendo que perante um incumprimento definitivo nada mais resta que extrair as consequências da destruição do contrato, nomeadamente da resolução e seus efeitos indemnizatórios.
A acção de execução específica acaba, assim, por equivaler, no plano funcional à mesma coisa que a acção de cumprimento prevista no art. 817º C. Civil, apenas com a diferença de que esta visa a condenação do devedor no cumprimento da prestação, enquanto a primeira, de natureza constitutiva) produz imediatamente os efeitos da omissão do devedor, estando em causa, também nesta perspectiva, aspectos relativos aos princípios que regem o cumprimento e o não cumprimento das obrigações (cfr. CALVÃO DA SILVA, “Sinal e Contrato-Promessa”, 12ª ed., 153-155).
Os RR. outorgaram, um mês e meio após a celebração do contrato-promessa, uma procuração em que constituíram seu procurador o dito promitente-vendedor, concedendo-lhe poderes para, entre outras, vender a fracção em causa, pelo preço de 35.142,59€, dispensando-o de apresentação de contas e com a faculdade de celebrar negócio consigo mesmo, procuração conferida também no interesse do mandatário e válida e irrevogável pelo prazo de nove meses.
Houve, assim, concessão de mandato com representação.
Ao promitente-vendedor, FF, foram, por aquela procuração, atribuídos poderes de representação dos Réus para em nome deles e em execução do contrato de mandato com os mesmos celebrado proceder à venda do bem em nome e por conta dos mandantes – arts. 258º, 262º, 1157º e 1178º, todos do C. Civil.
Tem-se por líquido que, munido de tais poderes representativos e vinculado ao cumprimento do mandato, aquele FF deveria, porque a isso estava obrigado, a efectuar a venda fosse a terceiro, nomeadamente à A. em razão da obrigação assumida no contrato-promessa, fosse a si próprio.
Certo é que, o FF não alienou o imóvel, foi atingido o termo fixado para vigência da procuração e esta caducou.
Ao assim agir, o procurador, deixou extinguirem-se os poderes de representação e incumpriu o contrato de mandato (arts. 1178º-2 e 1161-a) C. Civ.).
Desse incumprimento resultou, como consequência directa, a impossibilidade de cumprimento da promessa de venda a que se vinculara com a Recorrente.
Ora, não se vê como o incumprimento pelo procurador do contrato de mandato representativo, consubstanciado na violação da obrigação de agir por conta e em nome dos RR., transmita para a esfera jurídica destes, enquanto mandantes, a titularidade das obrigações que, no cumprimento do mandato, o mandatário (FF) também poderia cumprir perante a sua contraparte (a A.), terceiro em relação aos RR. e alheia ao mandato representativo.
Estamos perante contratos completamente distintos, em que não se vislumbra qualquer ligação, relação de dependência, de pressuposição ou sequencial, a não ser a de o mandato conferido ser uma, e apenas uma, das formas possíveis de permitir o cumprimento do contrato-promessa.
Acresce que não consta da procuração, nem vem demonstrado, que a cláusula de irrevogabilidade de que foi dotada tivesse como relação ou negócio-base o cumprimento do contrato-promessa de que a A. é credora. Bem diferentemente, foi convencionado um prazo relativamente curto para a execução do mandato irrevogável, com a simultânea extinção por caducidade.
De notar, aqui, que a A. ainda alegou, mas não provou, que “a outorga da procuração destinava-se a possibilitar o cumprimento dos contratos-promessa dentro do prazo acordado entre as duas partes de nove meses”.
Poderá dizer-se que aos Réus era indiferente o destino que o FF desse ao imóvel, mas não que aqueles se vinculassem às obrigações contraídas por este para além do inerente ao cumprimento do contrato de mandato representativo.
Por isso, se bem vemos, os efeitos inter-partes próprios dos vínculos jurídicos das relações na natureza obrigacional, nomeadamente em matéria de cumprimento e não cumprimento, não permitem fazer repercutir sobre os Réus, enquanto donos do bem, o incumprimento do promitente-vendedor de coisa alheia.
Pensa-se, também, que a procuração irrevogável que existiu e vigorou, com dispensa de prestação de contas e, como se provou, contemporâneo recebimento do preço, não contém a virtualidade de modificar as coisas.
É certo que estamos perante uma procuração conferida, como dela consta, também no interesse do mandatário, podendo mesmo dizer-se, como já aflorado, que, pago o preço e dispensada a prestação de contas, não se vislumbram já interesses relevantes dos mandantes.
Não fora o elemento perturbador introduzido pelo termo de validade da procuração e poderia dizer-se que a mesma se apresentava como no exclusivo interesse do mandatário.
Seja como for, tem-se entendido que, mesmo neste caso, o representado se mantém na titularidade da posição jurídica, não se transmitindo ao representante.
Como escreve PAIS DE VASCONCELOS (“A Procuração Irrevogável”, pg. 107), "na nossa ordem jurídica, a procuração no interesse exclusivo do procurador não deve ser vista como implicando ou resultando de uma transmissão da posição jurídica do dominus", isso porque o interesse do dominus não é essencial para a representação, nem para a procuração, sendo certo que quando o procurador age com base em procuração no seu exclusivo interesse, age em nome do dominus e sobre a sua esfera jurídica, que não na sua e em seu nome próprio.
Entender o contrário, continua o Autor, «implica uma violação do princípio da autonomia privada», pois que «se foi uma procuração que se pretendeu outorgar, não foi um negócio transmissivo da titularidade da posição jurídica», não fazendo sentido que se transmita a posição ao procurador - colocando o transmitente o bem fora da sua esfera jurídica - e depois se lhe outorgue uma procuração, já impossível e inútil.
Também, PESSOA JORGE ("O Mandato sem Representação", 181 e ss.) considerando, embora, que uma tal procuração possa ser usada como um sucedâneo da transmissão da posição jurídica do dominus não a opera efectivamente, limitando-se a conceder o poder de representação a que sempre acresce um negócio jurídico (doação, venda, etc.) que constitui o título justificativo de o procurador fazer seu o resultado final do negócio.
Dir-se-á, pois, que a procuração no interesse, mesmo exclusivo, do procurador não implica a transmissão da posição jurídica do representado, nem resulta dela, mantendo-se, juridicamente, o dominus como titular daquela posição, e agindo o procurador em seu nome.
Assim, extinta a representação sem utilização dos poderes representativos, os representados deixaram de estar submetidos à vontade e ao exercício pelo representante dos poderes que os representados lhe concederam no acto de outorga da procuração.
Vale isto por dizer que, apesar de se poder acompanhar a Recorrente quando afirma que a outorga da procuração irrevogável, com dispensa de prestação de contas e recebimento do preço pelos RR. apenas pode significar que estes aceitaram antecipadamente todos os negócios de alienação que, nos termos da procuração, FF fizesse com a coisa objecto da procuração, negócios que se inseriram directamente na esfera jurídica dos RR., como é próprio dos negócios representativos, operando no próprio momento da conclusão do negócio, mantendo-se e produzindo efeitos independentemente da vigência futura da procuração, já não será de aceitar a conclusão que daí extrai.
É que, como emerge das razões convocadas, extintos, sem terem sido exercitados, os poderes representativos, que nem se mostra que tivessem em vista o cumprimento do contrato-promessa como sua relação-base, e, consequentemente, nenhuma obrigação se tendo inserido na esfera jurídica dos RR. devida a acto do representante, não pode sustentar-se que sejam estes os devedores da prestação em mora no contrato-promessa.
4. 4. - Inexistindo violação pelos RR. das obrigações contraídas no contrato-promessa, ou sequer, qualquer acção ou omissão deles nelas repercutível, tudo se fica e terá de resolver, pois, ao nível do incumprimento de cada um dos contratos, singularmente considerados, e no âmbito da relação entre as respectivas partes contratantes.
E, assim sendo, a A. só perante a respectiva contraparte, FF (que foi quem violou o dever de prestação, omitindo uma declaração de vontade que só a si competia emitir), goza de direito de acção.
4. 5. - De notar, a finalizar, mas a propósito da independência dos contratos, que não existe correspondência entre a prestação do promitente-vendedor e a dos mandantes, convencionadas no contrato-promessa e na procuração, designadamente quanto a valores (preço, obras a realizar pelo promitente-vendedor e seus custos, etc. – cl. 3ª, 2 e 3 do contrato-promessa e respectivo anexo), obrigação que se pretende inserida na esfera jurídica dos Réus, do mesmo passo que nada se sabe sobre a relação de liquidação do contrato de mandato extinto por caducidade, nomeadamente quando ao destino dos valores dos bens não alienados, o que tudo, ao menos sem a presença do mandatário e promitente-vendedor na acção, constituiria, a nosso ver, obstáculo à substituição judicial na transmissão da fracção.
Por último, consigna-se que não se ignorou o decidido no acórdão deste Tribunal de 01/6/2010, junto aos autos, cuja fundamentação a Recorrente transcreveu quase integralmente em suas alegações.
Depara-se, desde logo, com um quadro não identificável com o deste processo.
Ali, o promitente-vendedor e procurador foi demandado, em nome dos mandantes, na qualidade de vendedores, foi efectuado registo provisório de aquisição a favor do promitente-comprador, no uso da procuração e durante o período de vigência da mesma, foi acordada a celebração da escritura de venda e o Notário reconheceu a assinatura do procurador com poderes para aquele acto.
No caso ora sob apreciação não concorre nenhum desses elementos valorados no citado acórdão, em sede de reforma, para efeitos decisórios.
4. 6. - Nestes termos, terão de improceder, como improcedem, as conclusões formuladas pela Recorrente, e, em consequência, terá de manter-se a decisão proferida no acórdão impugnado.
Decisão.
Em conformidade com o exposto, acorda-se em:
- Negar a revista;
- Confirmar a decisão recorrida; e,
- Condenar a Recorrente nas custas.