TESTAMENTO
ANULABILIDADE DO TESTAMENTO
INCAPACIDADE ACIDENTAL
ESTADO DE DEMÊNCIA
PARANOIDE
ESQUIZOFRENIA
DOENÇA MENTAL
DOENÇA PSIQUIATRICA
Sumário

I-Saber se o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados;
II-O ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento, recai sobre o interessado na anulação do testamento, nos termos do artigo 342, n.º 1 do Código Civil;
III-Para efeitos do disposto no artigo 2199 do Código Civil, o essencial é determinar se, no momento da feitura do testamento, o testador se encontrava ou não privado de uma vontade sã;
IV-Se, á data do testamento, o testador sofria de esquizofrenia paranóide, em contínua actividade e progressão, tendo entrado numa fase crónica e irreversível, encontrando-se num verdadeiro estado de demência paranóide, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquele se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária;
            V-Naquela hipótese, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do testamento, apesar da esquizofrenia paranóide de que sofria, o testador não foi influenciado pelo concreto estado demencial em que se encontrava.

Texto Integral

            Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            No Tribunal Judicial da comarca de Loures, Dr.ª AA e Dr.ª BB intentaram acção, com processo ordinário, contra Freguesia de Odivelas, pedindo se declare “que é nulo, por falta de capacidade psíquica do testador para dispor dos seus bens e da sua pessoa, o testamento cerrado, que se junta, feito por CC”.

            Alegaram, em resumo, que:

            As Autoras são as únicas herdeiras legítimas de CC, seu irmão, falecido em 9 de Outubro de 2002, no estado de solteiro, sem descendentes, nem ascendentes.

            O CC fez testamento cerrado, datado de 30 de Novembro de 2001 e que, na mesma data, apresentou para aprovação, no Cartório Notarial de Estremoz.

            O testamento veio a ser depositado, em 13 de Dezembro de 2001, no Cartório Notarial de Odivelas.

            Por esse testamento, o CC instituiu sua única e universal herdeira a Junta de Freguesia de Odivelas.

            Todavia, à data em que o redigiu e fez aprovar, o testador sofria de esquizofrenia paranóide crónica, não se encontrando em condições psíquicas de decidir do destino dos seus bens.

             As Autoras foram sempre muito amigas do falecido.

            Não havendo nenhum motivo, dentro da normalidade, para o testador beneficiar a Junta de Freguesia de Odivelas.

            O testador suicidou-se na escadaria do Tribunal de Cascais, com um tiro na boca, tendo luvas brancas de médico nas mãos e calçando pantufas próprias de médico em sala de operações.

            A Ré contestou, por impugnação, concluindo pela improcedência da acção, com as legais consequências.

            Realizado o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré do pedido.

            Apelaram as Autoras, tendo a Relação julgado improcedente o recurso.

            Inconformadas, as Autoras recorrem, agora, para este Supremo Tribunal, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões (transcrição):

1- Com a eliminação, pelo douto acórdão, da resposta dada ao quesito 23, fica o Supremo Tribunal livre para julgar, no plano jurídico, se os factos tidos por provados permitem ou não, por si, a conclusão de que, no acto de testar, o CC, testador, estava incapacitado para o acto.

2- O Ac. do STJ de 5-7-2001 a que se aludiu no texto, relatado pelo Sr. Conselheiro Garcia Marques foi assim que julgou caso similar. Não podendo, também ai, fundar-se em interdição por demência (que só foi declarada depois da prática do acto), considerou que o comportamento da autora dos negócios a anular, conjugado com a doença de que padecia (demência), justificavam, como justificaram, a anulação.

3- No caso dos autos, a natureza da doença (que, quando activa, coloca o paciente a raciocinar e decidir segundo quadros mentais distantes da realidade - é assim a esquizofrenia paranóide) e a certeza da sua instalação crónica, sempre progressiva e mais grave desde 1991 até à data da morte impõem também que se conclua pela incapacidade do autor do testamento para o ditar ou escrever.

4- Não é relevante a consideração do douto acórdão de que não foram situadas no tempo as múltiplas manifestações de loucura porque, ou eram recentes e revelavam por si um estado de alienação mental, ou eram antigas e a antiguidade só reforça a existência daquela alienação à data do testamento, pois que sabemos que a doença se foi agravando continuadamente até à morte.

5- Ao invés é de grande relevância a ajuda da ciência expressa por médicos da especialidade, como é o caso do que ensina o Prof. Polónio Sampaio que, na sua obra Psiquiatria Forense, 1975, fls. 81, escreveu:

"É necessário que o testador demonstre claramente possuir a necessária liberdade parar querer e entender as disposições tomadas" (pag. 298). A existência de uma doença psiquiatra só não invalida o testamento se os peritos pudessem estabelecer com clareza que a doença não altera os quadros de lúcida decisão do testador (fls. 463). "Haja esquizofrenia em actividade, não há imputabilidade" (pag.463).

6- Diz-se isso para acentuar que, mesmo que se entenda que é sobre as Autoras que recai o ónus da prova de concreta incapacidade no momento do testamento, ainda assim os factos fixados nos autos permitem concluir que esse ónus foi cumprido.

7- Mas às Autoras se afigura que não é, no caso, sobre elas que aquele ónus recai; que, ao invés, é à Ré que cabe o ónus de provar a lucidez naquele concreto momento.

8- A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, havendo interdição, os actos praticados antes de registada a acção mas depois da data fixada como presumível inicio da incapacidade, não são automaticamente anuláveis, mas se presume, em relação a eles, terem sido praticados em momento de incapacidade; que, em razão disso, recai sobre aquele que quer prevalecer-se do acto o ónus de alegar e provar que ele foi praticado num intervalo lúcido.

9- Concluem nesse sentido a partir da disposição do art° 954°, n° 1 do C. P. Civil, que manda fixar a data do começo da incapacidade. Se a lei exige isso, algum efeito pretende extrair dai. De outro modo a fixação será inútil.

10- Ora, no caso dos autos, embora não tenha havido acção de interdição, temos decisão judicial com força idêntica à da fixação, em sentença, da data de inicio da incapacidade. Essa decisão está nas respostas aos quesitos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 21 e 22 que situam o inicio da incapacidade pelo menos em 1991.

11- Como se decidiu no Ac. STJ de 5-7-01 (Col. Jur. Ano IX, T. II, pag. 151):

"A permanência da situação de incapacidade não é incompativel com a existência de intervalos lúcidos por parte da pessoa demente, cabendo ao interessado na manutenção do acto jurídico em causa, a prova dessa lucidez aquando da realização do acordo".

24- No mesmo acórdão (pag. 155) cita-se o Prof. Galvão Teles, (R.T., ano 72, pag 268):

“Provado o estado demência em período que abrange o acto anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez”.

25- Em resumo: fez o douto acórdão errada valoração dos factos que teve por provados e errado entendimento do alcance do art.2199 do C. Civil. Devia ter visto neste a possibilidade de, perante a permanência da doença, presumir que a incapacidade existia no momento do testamento e então fazer recair sobre a Ré o ónus da prova de que ocorreu um intervalo lúcido.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Factos dados como provados (a cuja numeração procedemos):

1.No dia 9 de Outubro de 2002 faleceu, em Cascais, CC, no estado de solteiro, sem descendentes, com 47 anos de idade.

2.Era filho de DD e EE, ambos já falecidos - o primeiro em 1998 e a segunda em 2000.

3.Estes foram casados na comunhão geral de bens e tiveram três filhos - as Autoras e o falecido CC, nascidas as primeiras em 25 de Abril de 1952 e 4 de Novembro de 1950, respectivamente, e ele em 8 de Junho de 1954.

4.O pai e as irmãs de CC eram muito seus amigos.

5.CC não deixou nenhum testamento público.

6.Em 30 de Novembro de 2001, CC apresentou no Cartório Notarial de Estremoz, para aprovação, o testamento cerrado de que se junta certidão, datado de 30 de Novembro de 2001.

7.A senhora Notária exarou no instrumento de aprovação que o apresentador declarou que o testamento continha as suas disposições de última vontade e estava por ele escrito e assinado.

8.Foram testemunhas da apresentação, FF e GG.

9.Quando redigiu o testamento e o fez aprovar, o falecido CC residia numa casa de turismo-habitação, em Évoramonte.

10.À data em que redigiu o testamento e o fez aprovar, CC sofria de esquizofrenia paranóide crónica.

11.O testamento, cerrado e lacrado, foi depositado no Cartório Notarial de Odivelas, em 13 de Dezembro de 2001, e foi aí aberto, a pedido da Autora BB, em 25 de Outubro de 2002.

12.O testador nunca recebeu qualquer benefício da Freguesia de Odivelas e não conhecia sequer nenhum dos membros da Junta ou Assembleia.

13.A Junta mostrou-se surpreendida quando soube do testamento.

14.Os primeiros sinais de transtorno mental de CC tornaram-se visíveis a partir de data que não se logrou apurar com inteiro rigor, mas situada num período compreendido entre o ano de 1975 e o ano de 1987.

15.Desde o momento em que se tornaram visíveis os sinais de transtorno mental de CC, e até ao momento da sua morte, tais sinais agravaram-se.

16.No ano de 1987, no período compreendido entre 19 de Março e 26 de Junho, numa altura em que CC, nascido a 18 de Junho de 1954, contava 32 anos de idade, o mesmo esteve internado no Hospital de Dia do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria (tendo aí completado 33 anos de idade), com o diagnóstico de doença mental crónica - esquizofrenia paranóide, e, pelo menos a partir de então, os médicos nunca hesitaram no reconhecimento de que o mesmo padecia de tal doença.

17.À parte do período em que foi assistido pela Dr.aHH, entre 1989 e 1991, nunca, a partir daí, aceitou tratar-se, alegando que estava bem de saúde.

18.Em si, a doença caracterizava-se pela cisura do pensamento com a realidade, delírios na perspectivação da vida real e da relação dele com ela, raciocínio distorcido orientado por categorias de pensamento só válidas para ele próprio.

19.CC começou a afirmar-se como artista, como portador de soluções para os problemas da humanidade, como pertencente a uma família com pergaminhos de nobreza, e preocupada com esse estatuto.

20.No delírio de nobreza, via também a família B.... como clã que considerava eterno, censurando os que não eram fiéis a esse estatuto.

21.Não correspondia à verdade que a família do falecido CC tivesse pergaminhos de nobreza.

22.A família, de classe média comum, não tinha qualquer título de nobreza, nem derivava dessa classe social.

23.Com frequência, o falecido CC caía em situações de introversão e de auto exclusão social, e, por vezes, afirmava-se perseguido e malquerido de todos.

24.Por vezes, CC, dominado por alucinações, punha-se a falar, como se conversasse com pessoas, sem que ninguém estivesse junto dele, e, nessas ocasiões, respondia mesmo a perguntas que imaginava virem dessas imaginadas pessoas.

25.Quis candidatar-se à Presidência da República e pediu mesmo uma entrevista ao Sr. Dr. Mário Soares, para lhe dizer como é que ele poderia resolver os problemas da Nação.

26.Existe um conjunto de prédios urbanos, situados em Odivelas, pertença da família B...., cujo valor não se logrou apurar, sem nenhum significado histórico, que o falecido CC pretendia recuperar, e a cuja venda se opunha.

27.CC suicidou-se, nas escadarias do Tribunal de Cascais, com um tiro na boca, tendo luvas de médico nas mãos, e, nos pés, pantufas próprias de médico em sala de operação.

Na Relação, deram-se, ainda, como provados estes factos:

28.Isso (a circunstância de CC não mais, desde 1991, haver aceite tratar-se) levou a que a psicose endógena de que sofria se mantivesse em contínua actividade e progressão (resposta ao ponto n.º 5 da base instrutória).

29.A evolução da doença não tratada, a partir dos 30 anos, conduziu, com frequência, a situações de delírio e desestruturação da personalidade (resposta ao ponto n.º 6).

30.A partir do início da década de 1990, até á morte, a esquizofrenia manteve-se em actividade, entrando em fase crónica, irreversível (resposta ao ponto n.º 21).

O Direito:

Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, sem prejuízo das questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal.

A questão fulcral a apreciar e decidir, no presente recurso, consiste em saber se deve ser anulado o testamento do falecido CC, por, no momento da sua feitura, este se encontrar despojado das condições psíquicas necessárias para entender o significado da sua declaração ou formar livremente a sua vontade.

Concretamente: não estando interdito por anomalia psíquica, caso em que o testador se teria de considerar como incapaz para testar (art. 2189, al. b) do Código Civil), sendo o testamento nulo, trata-se de saber se, naquele momento, [1] o mesmo se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade (art. 2199 do Código Civil), devido à doença mental de que sofria (esquizofrenia paranóide), caso em que o testamento é anulável. [2]

Nas instâncias, respondeu-se negativamente.

Vejamos.

O art. 2199 do Código Civil regula a incapacidade acidental em sede de testamento, nestes termos:

“É anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória”.

Como se observa no Código Civil Anotado, volume VI, p. 323, de Pires de Lima e Antunes Varela,

“A disposição legal refere-se expressamente ao carácter transitório que pode ter a falta de discernimento ou de livre exercício da vontade de dispor, por parte do testador, para significar que o vício contemplado nesta norma é a deficiência psicológica que comprovadamente se verifica no preciso momento em que a disposição é lavrada.

É por conseguinte o mesmo tipo de deficiência psicológica que o artigo 257 considera em relação aos actos entre vivos em geral”.

Ao contrário, porém, do que sucede para os negócios jurídicos em geral (cfr. art. 257 do CC), não se exige para a anulação do testamento, a notoriedade ou o conhecimento da incapacidade. [3]

                        Estamos perante uma questão de direito: que o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados. [4]

No caso dos autos, a causa de incapacidade acidental alegada é uma causa duradoura (uma esquizofrenia paranóide crónica).

            A incapacidade de que nos ocupamos é, contudo, um conceito jurídico e não médico.

                        E sendo o Supremo, como se sabe, um tribunal de revista, decidindo, em princípio, apenas, sobre matéria de direito, é da matéria de facto fixada que temos de partir para apreciar a alegada incapacidade.

            O ónus da prova dos factos reveladores de uma situação de incapacidade de facto do testador, no momento da feitura do testamento, para efeitos do art. 2199, recai sobre o interessado na anulação do testamento, dado o disposto no art. 342, n.º 1, ambos do Código Civil. [5]

            Prova que pode ser difícil. [6]

Como refere, Pedro Polónio, [7] “A capacidade de testar é dos problemas mais difíceis de apreciar e muito em particular se como acontece tantas vezes o testador já morreu”.

            O que - diga-se, desde já -, acontece, neste caso: o testamento foi aprovado em 30 de Novembro de 2001; o testador faleceu em 9 de Outubro de 2002.

            Para Rabindranath Capelo de Sousa, obra citada, p. 184, nota 413, “O art. 2199 deve conciliar-se com o art. 2189, al. b). Assim, se o afectado por anomalia psíquica se não encontra interdito e tem capacidade para entender e querer no momento da feitura do testamento, não lhe pode ser vedado testar (Ac STJ, de 14-3-73, BMJ, 229, 191). Mas um demente notório (cfr. art. 1601, al. b)) não interdito, que no momento de testar não tem capacidade de entender e de querer o sentido da declaração testamentária está ferido de incapacidade acidental (art. 2199), a não ser que esteja num intervalo lúcido e tenha esta capacidade”.

                        Claro que, como decidiu o Ac. da RP de 14-3-73 (BMJ 226, 279), “não é qualquer psicopatia que tira ao indivíduo a possibilidade de dispor dos seus bens: a doença mental há-de obnubilar-lhe a inteligência ou enfraquecer-lhe de tal jeito a vontade, que possa afirmar-se que não entendeu o que disse ou, em condições normais, não quereria o que declarou”.

                        Pois bem.

A descrição da matéria de facto provada não deixa dúvidas quanto ao diagnóstico da doença psiquiátrica de que sofria o testador CC: esquizofrenia paranóide.

            Doença caracterizada, em termos gerais, “pela cisura do pensamento com a realidade, delírios na perspectivação da vida real e da relação com ela, raciocínio distorcido orientado por categorias de pensamento só válidas para ele próprio” (cfr. ponto n.º 18 da matéria de facto).

                        A noção de esquizofrenia (palavra que etimologicamente significa “cisão da mente”), introduzida pela primeira vez por Eugène Bleuler (1857-1939), implica fundamentalmente a tríade sintomática: dissociação, autismo e ambivalência.

            Socorrendo-nos do Dicionário de Psicopatologia Forense para uso de juristas, de Gian Carlo Spirolazzi, p. 53, podemos ler acerca desta grave doença mental, que:

            “É uma doença caracterizada fundamentalmente pela dissociação, isto é, pela falta de coordenação entre as faculdades psíquicas principais, especialmente, o pensamento, afectividade e vontade, e também entre os próprios elementos do pensamento”.

            Mais adiante:

            “Na esquizofrenia - diz Biondi – o que está alterado não são tanto as várias funções psíquicas fundamentais, no sentido deficitário, mas a sua coordenação harmónica” (G. Biondi, Manuale di psichiatria, Vallardi, Milão, 1950, pág. 339). Desta maneira, “na ideação não é que as ideias se percam, mas está perturbado o seu modo de associação (G. Biondi, op. e loc. Cit.). E ainda: “não é tanto a capacidade de a pessoa se comover que falta, mas a capacidade de comover-se com aquilo que faz comover a generalidade dos individuos (G. Biondi, op. e loc. cit.)”.

            E sobre a forma paranóide da doença:

            “A forma paranóide, finalmente, é caracterizada pela prevalência, no quadro clínico, de ideias delirantes as quais, porém, (…), ao contrário do que acontece na paranóia pura (…), têm um conteúdo fantástico, absurdo e paradoxal, não têm qualquer fundo lógico, são mutáveis, instáveis, desconexas e até contraditórias. Trata-se de ideias delirantes não sistematizadas”.

            Do Manual de Psiquiatria Clínica, 4.ª ed., organização de J. C. Dias Cordeiro, da Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 629, retiramos, com o maior interesse, acerca desta forma clínica da esquizofrenia:

            “É a forma mais importante no adulto acima dos 25 anos e a que apresenta melhor prognóstico em relação ao funcionamento profissional e á capacidade de autonomia do doente, constituindo o “modelo” mais vulgar da pessoa com esquizofrenia.

            (…)

            Os delírios primários associados a ideias delirantes secundárias e as alucinações podem constituir os primeiros e únicos sintomas. As alterações características do pensamento e da vontade, a desorganização do discurso e do comportamento e o afecto embotado ou inapropriado não são proeminentes.

            Nas fases iniciais o doente pode conseguir adaptar-se á vida diária, dissimulando ideias e sentimentos absurdos, mas, à medida que a psicose avança, referências e explicações delirantes para o que acontece, invadem o “EU”, tornando o quadro clínico evidente, observando-se, contudo, uma relativa preservação do afecto e das funções cognitivas, embora a doença evolua para uma deterioração da personalidade.

            Os doentes são reservados, circunspectos, desconfiados e hostis, sentindo-se perplexos e cada vez mais presos nesta malha. Suspeitam que lhes querem fazer mal, auto-relacionam acontecimentos do dia-a-dia como dirigidos para si, tentam defender-se de supostos inimigos e isolam-se progressivamente voltando-se para si próprios. Apresentam tipicamente ideias delirantes de perseguição e de grandeza ou outras (ciúme, místicas ou somáticas), acompanhadas de alucinações acústico-verbais (por exemplo, vozes acusatórias, que lhe dão ordens, comentam a sua vida e entram na intimidade).

            São quadros muito produtivos, com fortes sentimentos de passividade, ideias delirantes de influenciamento, roubo e difusão do pensamento, sendo habitual que os delírios embora fragmentados e bizarros se organizem á volta de um tema e as alucinações se relacionem com o conteúdo das ideias delirantes, podendo predispor as pessoas afectadas a manifestações de grande conflituosidade, raiva e violência ou a comportamentos auto-agressivos e ao suicídio.

            As pessoas afectadas de esquizofrenia paranóide têm em regra um melhor funcionamento pré-mórbido, uma evolução mais favorável, encontrando-se habitualmente mais indivíduos casados e com um melhor funcionamento ocupacional do que os doentes com outras formas de esquizofrenia.

            Em mais de metade dos casos, não se encontram antecedentes pré-mórbidos de personalidade paranóide, esquizóide ou esquizotípica, pelo que a eclosão destes sintomas em qualquer época da vida facilita o diagnóstico de esquizofrenia”.

                        Do recente livro “Esquizofrenia, Para além dos mitos, descobrir a doença”, de Pedro Afonso, p. 51 e ss., retemos alguns dados sobre a evolução da doença, na qual, o Autor distingue diversas fases: o período prodrómico, a fase aguda, a fase de estabilização e manutenção, a recaída.

            “Na maioria das vezes, antes de ocorrer um episódio psicótico, surge um período de sintomas subtis e progressivos, que se manifestam principalmente ao nível do comportamento, a que se chama o período prodrómico”.

            A fase aguda “é a fase mais activa da doença em que predomina a sintomatologia psicótica característica da esquizofrenia.

            Verifica-se muitas vezes durante esta fase que os doentes são trazidos pela família a uma consulta de psiquiatria, ou ao serviço de urgência, já com um grande período de evolução do quadro psicótico, tornando deste modo inevitável o internamento. Este é também justificado pelo facto de o doente raramente ter consciência de que está realmente doente, sendo por isso difícil a adesão ao tratamento em ambulatório”.

            “A fase de manutenção pode durar semanas, meses ou até anos. Nesta fase, a medicação torna-se essencial para a prevenção de novas recaídas, uma vez que está provado que a taxa de recaída destes doentes diminui quando estão sob medicação antipsicótica”.

            “A esquizofrenia é uma doença em que podem surgir recaídas ao longo do tempo. O objectivo terapêutico é evitá-las, prolongando o mais possível a fase de remissão. No entanto, por vezes, isso torna-se impossível e surge um novo período de agudização da doença”. [8]

                        Ora, não obstante a delicadeza da matéria, inegavelmente complexa, julgamos poder concluir-se, da matéria de facto provada, que, na data da celebração do testamento, o falecido CC se encontrava, em virtude da doença mental de que padecia, numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária.

                        No que releva, o texto do testamento anulando, escrito e assinado pelo próprio testador, é de evidente simplicidade:

            “(…), não tendo descendentes, nem ascendentes vivos, faço o meu testamento e disposição de última vontade da seguinte forma:

            Instituo por minha única e universal herdeira a Junta de Freguesia de Odivelas.

            Mais declaro ser este o meu primeiro testamento”.

                        Trata-se, como se viu, de um testamento cerrado, aprovado por notário, nos termos da lei do notariado (cfr. art. 2206 do Código Civil). [9]

            Sabendo-se que a aprovação notarial se destina apenas a corrigir irregularidades puramente formais, como palavras cortadas ou entrelinhas, borrões ou anomalias semelhantes (cfr. arts. 106 a 108 do Código do Notariado, aprovado pelo DL n.º 207/95, de 14 de Agosto).

            Por outro lado, como também se sabe, o testamento, sendo um documento autêntico, só tem força probatória plena quanto aos factos que nele se referem como praticados pelo notário respectivo e aos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora (cfr. art. 371, n.º 1 do Código Civil).

Nada obstando a que se faça a prova, pelos meios comuns, da insanidade mental do testador. [10]

Considerou-se, no acórdão recorrido, não ser possível atribuir a referida disposição testamentária a qualquer delírio, alucinação ou motivação tresloucada por parte do testador.

Notando-se que:

A data do testamento é de 30 de Novembro de 2001, quase um ano antes do suicídio do testador.

Não é incomum a vontade do testador de preterir os seus herdeiros legítimos.

O simples facto de ter sido provado que as Autoras eram muito suas amigas é pouco para afastar a razoabilidade da disposição testamentária que fez.

Não gera qualquer espanto o facto de alguém querer, por sua morte, que uma pessoa colectiva pública venha a administrar e a fruir, como proprietária, dos bens que foram seus.

Nada permite afiançar que, não fosse a doença mental que o afectava, o falecido não teria querido a mesma coisa.

Em nosso juízo, no entanto, as considerações expostas, apesar da sua pertinência, não atendem suficientemente nem à natureza da “anomalia psíquica” (esquizofrenia paranóide), de que o CC era portador, nem à gravidade que, em concreto, á data do testamento, essa doença mental já apresentava (v. ponto n.º 10 dos factos provados).

Segundo cremos, o essencial, para efeitos do disposto no art. 2199 do Código Civil, não é saber se o falecido poderia ou não ter querido dispor dos seus bens, por morte, da forma como fez, não fosse a afecção mental de que sofria (o que, vendo bem, apenas pode conjecturar-se), mas sim, se, no momento da feitura do testamento, o mesmo se encontrava ou não privado de uma vontade sã. [11]

Relembre-se, nomeadamente, que:

Os primeiros sinais do transtorno mental do CC remontam ao período compreendido entre 1975 e 1987 (ponto n.º 14 dos factos provados).

Desde então, até à sua morte, tais sinais agravaram-se (ponto n.º 15).

A partir do seu internamento hospital, no período entre 19 de Março e 26 de Junho de 1987, nunca mais os médicos hesitaram no diagnóstico da esquizofrenia paranóide crónica de que o mesmo padecia (ponto 16).

Desde que foi assistido pela médica Dr.ª HH, entre 1989 e 1991, não mais o CC aceitou tratar-se, o que levou a que a psicose de que sofria se mantivesse em contínua actividade e progressão (pontos 17 e 28).

A evolução da doença não tratada, a partir dos 30 anos (feitos em Junho de 1984) conduziu, frequentemente, a situações de delírio e desestruturação da personalidade (ponto 29).

A partir do início da década de 1980, até à morte, a esquizofrenia manteve-se em actividade, entrando em fase crónica, irreversível (ponto 30).

Em 30 de Novembro de 2001, o CC apresentou no Cartório Notarial de Estremoz, para aprovação, o testamento cerrado em causa, da mesma data (ponto n.º 6).

O CC suicidou-se no dia 9 de Outubro de 2002, quando contava 47 anos de idade, na escadaria do Tribunal de Cascais, com um tiro na boca, tendo luvas de médico nas mãos e, nos pés, pantufas próprias de médica em sala de operações (ponto n.º 27).

Manifestações do desarranjo mental de que ele sofria estão descritas em diversos pontos da matéria de facto provada (pontos 17 a 26).

Temos, pois, como apurado, não, apenas, que, “à data do testamento”, o falecido sofria de esquizofrenia paranóide, mas, também, que, então, essa grave doença psiquiátrica se encontrava em contínua actividade e progressão, tendo entrado numa fase crónica, irreversível, devido ao facto de, desde 1991, aquele não mais ter aceitado tratar-se (pontos n.º 10, 15, 17, 28 e 30).

Importa, deste modo, recolocar a temática do ónus da prova, que já atrás se abordou.

Se, à data do testamento, a situação do testador era o estado de demência paranóide, parece-nos ser de considerar que esse estado demencial existia no momento da celebração do referido negócio jurídico.

Incumbia, assim, à Ré, como beneficiária do testamento, fazer a prova de que, no momento da feitura do testamento, o testador, apesar da esquizofrenia de que sofria, não foi influenciado pelo concreto estado demencial em que se encontrava. [12]

Não o logrou fazer.

 Não se encontrando o testador CC, no momento da feitura do testamento em causa, em condições psíquicas de entender e de querer o sentido da declaração testamentária, o testamento é anulável (art. 2199 do Código Civil). [13] / [14]

Em síntese:

I-Saber se o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados;

II-O ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento, recai sobre o interessado na anulação do testamento, nos termos do artigo 342, n.º 1 do Código Civil;

III-Para efeitos do disposto no artigo 2199 do Código Civil, o essencial é determinar se, no momento da feitura do testamento, o testador se encontrava ou não privado de uma vontade sã;

IV-Se, á data do testamento, o testador sofria de esquizofrenia paranóide, em contínua actividade e progressão, tendo entrado numa fase crónica e irreversível, encontrando-se num verdadeiro estado de demência paranóide, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquele se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária;

            V-Naquela hipótese, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do testamento, apesar da esquizofrenia paranóide de que sofria, o testador não foi influenciado pelo concreto estado demencial em que se encontrava.

Decisão:

Por estes motivos, concede-se a revista, revogando-se a decisão recorrida e anulando-se o testamento feito pelo testador CC em benefício da Junta de Freguesia de Odivelas.

Custas pela parte vencida, quer no Supremo, quer nas instâncias.

        

Lisboa, 24 de Maio de 2011

Marques Pereira (Relator)

Azevedo Ramos

Silva Salazar

_____________________


[1] A data do testamento cerrado é a data da sua aprovação (art. 2207 do Código Civil e arts. 116 e ss. do Código do Notariado).
[2] Na petição inicial, as Autoras pediram, como vimos, a declaração de nulidade do testamento em causa. A causa de pedir é, manifestamente, a incapacidade acidental, fundamento de anulabilidade. Apesar disso, sendo o tribunal livre na qualificação jurídica dos factos, desde que não altere a causa de pedir (cfr. art. 664 do CPC), a aludida incorrecção jurídica não impede que, se for o caso, se convole aquele pedido para o de anulabilidade, sem violação do disposto no art. 661, n.º 1 do CPC (Neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 23-09-1999, processo 99B510, in www.dgsi.pt.

[3] O que se compreende, dado ser o testamento um negócio jurídico unilateral não receptício.
[4] Como refere Rabindranath Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, volume I, 4.ª ed., p. 184, nota 412, “as hipóteses do art. 2199 são proposições de direito, a concluir de factos alegados e provados pelas partes”. Neste sentido, entre outros, Ac STJ de 6.7.73, BMJ 229, 191.
No domínio do Código Civil de 1867, já se decidira, por Assento de 26 de Maio de 1964, que:
“Constitui matéria de direito saber se o testador se encontra em perfeito juízo segundo o n.º 1 do artigo 1764 do Código Civil.
Para o efeito de poder testar, entende-se que está em perfeito juízo aquele que, embora afectado de deficiência cerebral ou mental, mostre claramente possuir a necessária capacidade para querer e entender o alcance do seu acto”.
[5] Cfr., entre outros, o Ac STJ de 25-02-2003, Processo 02A4271, in www.dgsi.pt.

[6] Refere Paula Távora Vítor, in A Administração do Património das Pessoas com Capacidade Diminuída, p. 72, ao tratar dos requisitos da incapacidade acidental em geral, que “…não basta a demonstração de um estado habitual de insanidade de espírito, na época do negócio”. É necessário provar que no momento da emissão da declaração de vontade existia uma perturbação psíquica, prova que será difícil de fazer.
Acrescentando, em nota (179): “... Todavia, a jurisprudência já considerou que a fixação em sentença de interdição da data provável do início da incapacidade constitui presunção de facto da incapacidade natural. V. Ac. do STJ de 5-7-2001 (www.dgsi.pt) e Ac do STJ de 14-1-75, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 243, Fevereiro 1975, p. 199 e 200”.
[7] Psiquiatria Forense, p. 298.
[8] Acerca desta doença psiquiátrica, podem consultar-se, ainda, entre outros:
Genival Veloso de França, Fundamentos de Medicina Legal, p.258 e ss; J. Marques Teixeira, Défice cognitivo na esquizofrenia, dos consensos às incertezas; A. Fernandes da Fonseca, Psiquiatria e Psicologia, I volume, 2.ª edição; Patrícia Casey e Brendan Kelly, Psicopatologia clínica, sinais e sintomas em psiquiatria, terceira edição; Moreno, Alfonso Chinchilla, Las Esquizofrenias, sus hechos y valores clínicos e terapêuticos, ed. Elsevier Masson, Barcelona, 2007; Manual de Diagnóstico e Estatístico das Perturbações Mentais, da American Psychiatric Association, 4.ª ed.; na Revista de Saúde Mental (on line), volume XII, N.º 1, Janeiro/Fevereiro 2010, p. 7 e ss., o artigo “Os Modelos do Transtorno Fundamental da Esquizofrenia e a sua validação Empírica”.


[9] As formas comuns do testamento são o testamento público e o testamento cerrado (art. 2204 do Código Civil).
[10] Relativamente ao testamento público, tem-se entendido, na esteira de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, volume VI, p. 336) que “a simples presença do notário (aditada à das testemunhas que, segundo a lei notarial, devem presenciar o acto), é uma primeira e qualificada garantia de que o testador gozava, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser sua vontade”.
Na jurisprudência, entre outros, Ac. da RL, de 26-05-2009, processo n.º 100/2001.L1-7, publicado em www.dgsi.pt.
Não se ignora, igualmente, quanto aos actos notariais em geral, a possibilidade que a lei confere ao notário de fazer intervir nos actos peritos médicos para abonarem a sanidade mental dos outorgantes (v. art. 67, n.º 4 do Código do Notariado).

[11] O que não significa que a razoabilidade da disposição de última vontade do testador não constitua um elemento a ter em atenção na avaliação da capacidade do mesmo para querer e entender o alcance do seu acto.
[12] Afirmava Galvão Telles, na RT, Ano 72, p. 268, que: “Provado o estado demencial, em período que abrange o acto anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde isto ao id quod plerumquue accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção, demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento de excepcional e intermitente lucidez”.
No Ac. da RC, de 9-12-1959, publicado na Jurisprudência das Relações, tomo V, pág. 952 (citado no livro Da Incapacidade Jurídica dos Menores Interditos e Inabilitados, 2.ª ed., pág. 264, de António Pais de Sousa e Carlos Frias de Oliveira Matias), entendeu-se que:
“Quando o testador é um alcoólico crónico, o ónus da prova de que ele estava em seu perfeito juízo quando da feitura do testamento impende sobre o beneficiário deste” (ponto III do respectivo Sumário).
[13] Sobre a problemática da incapacidade acidental, no domínio do Código Civil anterior, v. Carlos Alberto Mota Pinto, Valor dos actos jurídicos dos dementes, in RDES, Janeiro – Junho 1965, Ano XII, p. 1 e segs.

[14] No direito francês actual, dispõe o art. 901 (L. n.º 2006-728 du 23 juin 2006) do Código Civil, que:
“Pour faire une liberalité, il faut être sain d’esprit. La liberalité est nulle lorsque le consentement a été vicié par l’erreur, le dol ou la violence”.
Interessante a regulamentação em matéria de ónus da prova da incapacidade mental:
Art. 414, n.º 1 (L. n.º 2007-308 du mars 2007 (entrée em vigueur le 1.º janv. 2009):
“Pour faire un acte valable, il faut être sain d’esprit. C’est à ceux qui agissent en nullité pour cette cause de prouver l’existence d’un trouble mental au moment de l’acte”.
Art. 414, n.º 2:
“De son vivant, l’action en nullité n’appartient qu’à l’intéressé.
Après sa mort, les actes faits par lui, autres que la donation entre vifs et le testament, ne peuvent être attaqués par ses héritiers, pour insanité d’esprit, que dans les cas suivants:
1.º Si l’acte porte en lui-même la preuve d’un trouble mental;
2.º S’il a été fait alors que l’interessé était placé sous sauvegarde de justice;
3.º Si une action a été introduite avant son décès aux fins d’ouverture d’une curatelle ou d’une tutelle ou si effet a été donné au mandat de protection future.
L’action en nulitté s’éteint par le delai de cinq ans prévu à l’article 1304”.

O negrito é aposto por nós.

Sobre a prova do intervalo lúcido, na jurisprudência francesa, entre outros, no mesmo sentido, a seguinte decisão:
“Les juges peuvent prononcer la nulitté d’un testament pour insanité d’esprit de son auteur en se fondant sur l’état habituel du testateur à l’époque où le testament a été rédigé, sauf au bénéficiaire de la liberalité á établir que le rédacteur du testament était exceptionnellement dans un intervalle de lucidité au moment de de la confection de l’acte” (Civ. 1., 11 juin 1980: Bull. Civ. I, n.º 184; D. 1981, IR 91, obs. D. Martin), citado in Edition 2011,  Code Civil, 110 édition,  DALLOZ.