TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CRIMES DE PERIGO
CÚMULO JURÍDICO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Sumário


I - O crime de tráfico e outras substâncias ilícitas, p. e p. no art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo, Deste modo, a lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine.
II - Igualmente de enunciar é a estrutura progressiva que caracteriza o referido tipo legal, pretendendo abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga.
III - A jurisprudência consagrou como paradigma desta construção típica a teoria das condutas alternativas, que radica na consideração de que as diversas condutas não são autónomas entre si, mas alternativas, de tal maneira que para a subsistência do delito é indiferente que se realize uma ou outra, permanecendo um só delito ainda que se realizem as diversas acções descritas. Esta solução sai reforçada com o entendimento de que a pluralidade atomística em que se desenvolve a actividade do traficante tem subjacente um único desígnio de vontade formulado em relação à globalidade dos factos.
IV - Partindo desse pressuposto, nas situações de cúmulo jurídico, importará ter uma visão conjunta dos factos, acentuando a relação dos mesmos entre si e no seu contexto, a maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos, a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento e ainda a receptividade do agente à pena.
V - Não será, pois, de olvidar a intensidade da culpa do arguido – manifestada numa pluralidade de actos criminosos e a sua opção de vida estruturada no tráfico de droga –, nem as exigências de prevenção geral – nas quais o cidadão comum expressa o seu repúdio por uma actividade em que a obtenção de um lucro ilícito é feita à custa do aniquilamento da própria personalidade –, nem as exigências de prevenção especial – que têm por finalidade a aprendizagem pelo arguido de valores de condução correcta da vida de acordo com a lei e a aquisição de competências que lhe permitam enfrentar as contingências da vida.
VI - Tendo-se provado que:
- por acórdão de 23-03-2009, proferido nos presentes autos, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de falsificação de documento, nas penas parcelares de 6 anos, 12 meses e 12 meses de prisão, respectivamente.
- por acórdão de 12-10-2009, proferido no Proc. 53/05.5SVLSB, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 5 anos de prisão.
- anteriormente a essas condenações, o arguido já havia sido condenado, em 02-03-2006, e em 24-10-2007, pela prática de um crime de falsificação de documento e de um crime de detenção de arma proibida, respectivamente.
- Mostra-se adequada a pena conjunta de 9 anos de prisão.
VII - Em segundo lugar, o «alargamento» da competência do STJ à apreciação das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão) nada tem de incongruente, uma vez que se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77.º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente.

Texto Integral

                                 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, veio interpor recurso da decisão que operando o cúmulo jurídico das penas acima enunciadas na decisão em causa condenou o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão.

São as seguintes as razões de discordância do recorrente enunciadas na respectiva motivação de recurso:

1- É uma pessoa socialmente inserida, quer familiarmente quer no mercado de trabalho;

2- O ora Recorrente vivia com a mulher e a sua filha, tendo ainda um filho de uma relação extra-conjugal.

3- Que o Recorrente é um a pessoa conceituada e respeitada pela família que mantém com ela fortes laços de dependência emocional;

4- No Estabelecimento prisional tem sido visitado por familiares e em julgamento manifestou a perspectiva de regressar para o seu seio familiar após ser restituída à liberdade e reintegrar-se profissional e socialmente.

5- Consideramos por tudo o exposto, ser suficiente a aplicação, ao arguido, de uma pena de oito anos.

Respondeu o Ministério Público referindo que o acórdão recorrido não merece qualquer censura, pois bem ajuizou da prova produzida em audiência, fazendo correcta qualificação dos factos e aplicando correctamente a pena.

Nesta instância o ExºMº Sr.Procurador Geral Adjunto emitiu parecer referindo que previamente ao conhecimento do recurso interposto pelo arguido AA, oficiosamente, deverá ser anulado o acórdão da 1ª Vara Mista do Tribunal de Loures por nulidade e omissão de pronúncia devendo ser, por isso, reformulado o cúmulo jurídico resultante do conhecimento superveniente do concurso (art. 78° n° 1 do CP e 379° n° a)).

                                      Os autos tiveram os vistos legais.

                                                        

 Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:

1- Por acórdão proferido no âmbito dos presentes autos em 23/03/2009, e verso em branco confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, AA foi condenado em cúmulo jurídico na pena única de sete anos de prisão, pela prática dos seguintes crimes e penas parcelares:

1.1. pela autoria de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes p.p. pelo art. 21°, nº1 do Dec.-Lei n°. 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

1.2. pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida p.p. pelas disposições conjugadas dos arts. 2°, nº 1, als. t) e ab), 3°, n° 2 al. 1) e 86°, n° 1 al. c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 12 meses de prisão;

1.3. pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento p.p. pelo art. 256°, nº 1, al. a) e n° 3 do Cód. Penal, na pena de 12 meses de prisão;

1.4. Operado o cúmulo jurídico, AA foi condenado na pena única de 7 anos de prisão

1.5. Entre Dezembro de 2005 até 23 de Maio de 2007, o arguido dedicou-se à venda de cocaína, heroína e haxixe a outros indivíduos, directamente ou através de outras pessoas que arregimentou.

1.6. No dia 23 de Maio de 2007, pelas 10:30,  AA tinha consigo produto estupefaciente, na sua residência uma pistola inicialmente de alarme (8 mm) e carteira profissional da PSP e de Cartão emitido pelo Comando Geral da PSP, em nome do Guarda de 1 a Classe BB, no qual apôs a sua fotografia.

2 - Por acórdão proferido em 12 de Outubro 2009 e transitado em julgado em 8.05.2009, no processo comum colectivo n°. 53/05.5SVLSB, da 7a Vara Criminal de Lisboa, AA foi condenando pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente, p.p. pelo art. 21°, n° 1 do Dec.-Lei n°. 15/93, de 22/01., com referência às Tabelas I - A e I - B, anexas ao mesmo diploma, na pena de cinco anos de prisão.

2.1 resultou provado neste processo que AA, a partir de Maio de 2005 procedia ao transporte de produto estupefaciente (heroína e cocaína) para os locais de venda ao público e recebia dinheiro das vendas efectuadas por terceiros.

2.2 AA agiu consciente e deliberadamente, fazendo com plena liberdade de actuação bem sabendo que as suas condutas eram criminalmente punidas por lei.

2.3 Em 1995 beneficiou de uma bolsa de estudo e veio para Portugal, onde frequentou durante três anos um curso técnico de Gestão de Ambiente na Escola Profissional Agrícola D. Dinis, em Paiã, o qual concluiu em 1998, com 22 anos de idade.

2.4 Posteriormente veio a estagiar na Câmara Municipal da Amadora, durante dois anos.

2.5 Até 2003 foi gerente de supermercados, altura em que se estabeleceu por contra própria e passou a explorar estabelecimentos comerciais do sector da restauração, primeiro na Pontinha e, mais tarde, em 2003, no Lumiar, tendo em 2005 trespassado este último e iniciado actividade no mesmo ramo na Costa da Caparica.

2.6. Em 2002 contraiu matrimónio com o actual cônjuge, CC, cidadã portuguesa de origem cabo-verdiana, tendo resultado da união uma filha, actualmente com 4 anos de idade, e obtendo este, através do casamento, a nacionalidade portuguesa.

2.7 Em finais de 2004, e sem ter chegado a romper definitivamente com o cônjuge, iniciou um relacionamento amoroso extra-conjugal, de quem veio a ter um filho.

2.8 A mulher do arguido é, desde há vários anos, auxiliar de enfermagem, com vínculo efectivo no Instituto Português de Oncologia, em Lisboa, e vive em Campolide com a progenitora e a filha do arguido.

2.9 Por acórdão datado de 2.3.2006, transitado em julgado em 20.03.2006, proferido pela 1 a Vara de Competência Mista da Comarca de Sintra, no âmbito do Proc. N° 42/03.4P ALRS, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática de um crime de falsificação de documento p.p. pelos arts. 256°, nº 1, al. a) e 3, e 255°, als. a) e c) do Cód. Penal

2.10Por sentença datada de 24.10.2007, transitada em 24.10.2007, proferida pelo 1° Juízo de Pequena Instância Criminal da Comarca de Loures, no âmbito do Processo nº 123/06.2SXLSB, na pena de oitenta dias de multa à taxa diária de 3,50€, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo art. 60 da Lei na 22/06, de 27/6.

 I.

Suscita o ExºMº Sr.Procurador Geral Adjunto a questão de não ter sido indicado a data do trânsito em julgado do acórdão proferido em 23/02/2009 nos presentes autos.

 A existência de tal omissão é uma constatação da análise da decisão recorrida. Todavia, a mesma consubstancia um mero lapso que é facilmente suprível nos termos do artigo 380 do Código de processo Penal.

Na verdade, é evidente que a decisão recorrida tem como pressuposto fundamental a circunstância de a decisão referida ter transitado em julgado. Igualmente é certo que a análise dos autos e a mera constatação do resultado de aplicação das normas de processo penal, nos conduz, de forma inexorável, á conclusão sobre a data do trânsito que terá ocorrido em 25/01/2010.

Estamos, assim, perante uma mera irregularidade sem significado e suprível pela mera análise dos autos.    

II

            Igualmente no mesmo parecer se suscita a questão da indeterminação temporal da actuação ilícita do arguido bem como o facto de inexistir uma concretização específica de actos que consubstanciem tal actuação.

             Analisando a matéria das duas decisões que integram o cúmulo jurídico verificamos que ambas apresentam uma primeira enunciação abstracta sobre a delimitação temporal da actividade de tráfico praticada pelo recorrente, o que converge com a crítica formulada pelo Ilustre Magistrado, mas também é constatável a indicação de actos concretos que concretizam a imputação de tráfico (Processo 53/05 pontos 13;14; 15 e 52 a 62 Processo 2/06 pontos 2 a 77). A questão não é, assim, de uma indeterminação do perfil da actuação ilícita que está suficientemente concretizada, mas situa-se num outro plano.

   Na verdade,      

   Fundamental na questão invocada equacionar é o facto de o percurso delituoso descrito nas duas decisões, cujas penas parcelares estão em causa no caso vertente, corresponderem a segmentos de tempo parcialmente sobreponíveis. Na verdade, nos presentes autos está em causa a actividade desenvolvida pelo arguido no período situado entre Dezembro de 2005 e até ao dia 23 de Maio de 2007, praticando actos de venda de droga susceptíveis de integrar o crime previsto e punido no artigo 21 da Lei 15/93 e pelos quais foi punido com a pena de seis anos de prisão. Por seu turno no processo 53/05 a que corresponde a pena parcelar de cinco anos de prisão está em causa a mesma actividade desenvolvida no período compreendido a partir de Maio de 2005 o que na, ausência da indicação de um “teminus” faz convergir o final da actividade com a data do inicio de prisão preventiva.

            A decisão a proferir não pode ser insensível, ou escamotear, a circunstância de, não obstante o trânsito em julgado das penas parcelares que integram o cumulo jurídico e consequentemente a sua intangibilidade, as mesmas corresponderem, pelo menos de forma parcial, a condutas que se sobrepõem e que consubstanciam uma unidade em termos jurídico criminais

            Na verdade,

    O artigo 21 do Decreto-lei 15/93 define o crime de tráfico e outras actividades ilícitas sobre substâncias estupefacientes, descrevendo de maneira assumidamente compreensiva e de largo espectro a respectiva factualidade típica: «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver [...], plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas Tabelas I a IV, é punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos».O mesmo preceito contém a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

           Crime de perigo abstracto é o crime que não pressupõe nem o dano nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para casuar um perigo para um desses bens jurídicos. Os tipos de perigo abstracto descrevem acções que, segundo a experiência conduzem á lesão não dependendo a perigosidade do facto concreto mas si de um juízo de perigosidade geral

            A qualificação do crime de tráfico de estupefaciente como crime de perigo pressupõe a identificação do bem jurídico tutelado pela respectiva norma incriminadora. Nesse particular releva a posição de princípio da Organização das Nações Unidas no sentido de que a luta contra o abuso e drogas é, antes de mais, e sobretudo um combate contra a degradação e destruição de seres humanos. A toxicomania priva a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer á comunidade de que fazem parte.

O custo social e económico do abuso de drogas é pois exorbitante em particular se atentarmos nos crimes e violências que origina e na erosão de valores que provoca. O escopo do legislador é evitar a degradação e destruição de seres humanos provocadas pelo consumo de estupefacientes que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. O tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida; a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes e, demais, afecta a vida em sociedade na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos.

            É, assim, de um crime de perigo que tratamos, e de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos designadamente de carácter pessoal- reconduzidos á saúde pública. Finamente é, também, um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstancias necessárias para causar um perigo desses bens jurídicos.

         Igualmente de enunciar é a estrutura progressiva que caracteriza o artigo 21 do Decreto-Lei 15/93 pretendendo abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga. Tal preocupação, de perfil transversal, concretiza-se, com a integração vertical vertida em três tipos legais fundamentais que revelam a maior ou menor gravidade desta actividade em relação ao tipo fundamental daquele artigo 21, ou seja, o artigo 24 no sentido agravativo e o artigo 25 do mesmo diploma no sentido atenuativo.

Em relação á progressividade de condutas abarcadas no tipo legal fundamental importa considerar que, para a teoria da unidade do delito, as diversas condutas são somente parte ou estados de um processo tendente a causar dano na saúde de pessoas indeterminadas e aqui radica a razão para que exista um só delito, ainda que se realizem duas ou mais acções distintas. Ao punir pretende-se impedir a produção de um só dano sendo este único dano unido ao único bem jurídico que se protege integrado pela saúde pública os factores que dão unidade ao delito. Tal posicionamento omite o acto de nos encontrarmos perante um delito de perigo e não de lesão pelo que a lesão do bem jurídico dificilmente pode assumir uma função clarificadora.

Para a teoria do concurso de normas a técnica empregue pelo legislador é a de utilizar uma disposição com várias normas entendendo por disposição em sentido técnico a forma exterior da fonte que introduz no ordenamento a norma jurídica. Entre norma e disposição pode existir uma correspondência quantitativa porque a disposição contem uma única norma, mas também tal coordenação pode faltar porque a disposição contem várias normas. O facto de uma disposição conter uma pluralidade de normas provoca um concurso aparente ente as mesmas que deve ser resolvido de acordo com os principio gerais que regulam esta matéria, ou seja, as condutas em lugar de se acumular excluem-se em virtude dos principio da consumpção da especialidade ou subsidiariedade.

Para esta teoria a razão para que se sancione o agente por um único delito ainda que se verifiquem todas as condutas deve-se á aplicação dos principio gerais que regulam o concurso de normas para o qual é indiferente que a pluralidade de normas esteja contida numa única disposição ou em várias disposições diferentes.

            Todavia, a opção que a jurisprudência consagrou tem como paradigma a teoria das condutas alternativas que radica na consideração de que as diversas condutas não são autónomas em si, mas alternativas, de tal maneira que para a subsistência do delito é indiferente que se realize uma ou outra permanecendo um só delito ainda que se realizem as diversas acções descritas. Efectivamente nesta caso a razão pela qual se castiga por um único delito não radica na existência de um concurso de normas, mas sim da especial estrutura delitiva já que se trata de um delito de condutas alternativas que estão entre si numa relação de progressão criminal de maneira a que do cultivo de droga se passa á fabricação de produtos estupefacientes que exijam intervenção química; o transporte e, por último os actos de tráfico.

            Aceitamos tal pressuposto, reforçando-o com o entendimento de que a pluralidade atomística em que se desenvolve a actividade do traficante tem subjacente um único desígnio de vontade de vontade formulado em relação á globalidade dos actos. Ao fim e ao cabo existe uma clara decisão por uma forma de vida expressa depois na pluralidade de factos cometidos.

             Estes mesmos factos devem relevar na sua maior expressão qualitativa e quantitativa para acentuar a gravidade da culpa e a densidade da ilicitude.

    Em termos pragmáticos, e aplicando o exposto ao caso concreto, dir-se-ia que nos suscita alguma perplexidade o facto de, aquilo que nos é apresentado como concurso de crimes poder corresponder, parcialmente, a uma unidade criminosa. Todavia, sobrepondo-se ás dúvidas que se podem suscitar sobre tal questão existe a força do caso julgado com a dimensão vinculativa que lhe está inerente.

    Sem embargo, não pode deixar de se assinalar que a culpa global expressa nos actos ilícitos praticados durante este segmento de vida do arguido foram, de forma parcial, objecto de uma dupla apreciação com o eventual postergar da regra do “ne bis in idem”     

            Tal circunstância necessariamente que terá de ser equacionada

                        Partindo de tal pressuposto o que está, então, em causa é a obtenção de uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso, ou seja, a sua culpa com referência ao acontecer conjunto, da mesma forma que circunstâncias pessoais (por exemplo uma eventual possível tendência criminosa).

         Tal visão está inscrita na decisão recorrida sendo certo que não se pode olvidar a intensidade da culpa do arguido expressando através e uma pluralidade de actos criminosos uma opção de vida estruturada no tráfico de droga. Opção que se fundamentava numa estrutura já com organização e na qual o arguido não era um mero subalterno mas alguém com capacidade de decisão.

      A culpa é intensa bem como são intensas a s exigências de retribuição inerentes á prática de um ilícito que alimenta a desagregação social na comunidade e a degradação física e psíquica da pessoa. Por igual forma densas são as exigências de prevenção a nível geral nas quais cidadão comum expressa o seu repúdio por uma actividade em que a obtenção de um lucro ilícito é feita á custa do aniquilamento da própria personalidade.

            Relativamente ás exigências de prevenção a nível especial e á invocação subliminar da necessidade de socialização, estamos em crer que, partindo do discutível pressuposto da relevância da pena com tal finalidade é certo que a aprendizagem pelo arguido de valores de condução correcta da vida de acordo com a Lei e aquisição de competências que lhe permitam enfrentar as contigências da vida exige um longo período de aprendizagem            

          Nesta conformidade, considerando correctos os factores de medida da pena elencados na decisão recorrida, mas não esquecendo que a apreciação global da culpa pressupõe a ponderação da parcial convergência temporal, entende-se por correcta a pena conjunta de nove anos de prisão.

Termos em que se julga parcialmente procedente o recurso interposto e em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 77 do Código Penal se condena AA na pena conjunta de nove anos de prisão.

 Sem custas

  Lisboa, 01 de Junho de 2011

Santos Cabral (Relator)
Oliveira Mendes