INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
CONTAGEM DO PRAZO
DESPACHO
Sumário

I - O despacho de interrupção da instância a que alude o art. 285.º do CPC, tem efeito meramente declarativo, já que a interrupção não nasceu com esse despacho. Este limitou-se a constatar que ela se verificou.
II - Assim, o prazo de dois anos a partir da interrupção, para efeitos de deserção da instância – art. 291.º, n.º 1, do CPC –, deve contar-se, não do despacho que a declarou, mas sim do decurso de mais de um ano de paralisação por falta de diligência da parte na promoção do andamento normal do processo.

Texto Integral

 

   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                  

                        I- Relatório:

                        1-1- O Banco AA, de que veio a ser sucessora a BB, instaurou em 10/02/2000, no Tribunal da Comarca de Ourém, acção executiva para pagamento de quantia certa, na forma ordinária, contra CC e mulher DD, residentes na ..., Fátima, no decurso da qual deduziram embargos de executado, que foi sustada nos termos do disposto no art. 871º do C.P.Civil.

                        Posteriormente, a exequente BB requereu o prosseguimento da execução por se haver extinto, por cobrança efectuada, a única penhora com registo anterior, motivando consequente despacho a ordenar o prosseguimento da mesma.

                        Notificados os executados, invocando assentar tal despacho num lapso, requereram a sua rectificação e se julgasse a execução extinta por deserção, o que não obteve acolhimento do Exmº Juiz que exarou novo despacho fundamentando ainda não haver operado a deserção da instância.                    

                        1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os executados de agravo para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 14-12-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

                       

                        1-3- Irresignados com este acórdão e com o fundamento de oposição de acórdãos, dele recorreram os executados para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como agravo, nos termos do art. 754º nº 2 do C.P.Civil e com efeito devolutivo.

                       

                        Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:                    

                        I- Em 15/01/2002 (fls. 96), foi proferido despacho de sustação da execução relativamente ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o nº…, da freguesia de Fátima, penhorado nos autos.

                        II- Esse despacho foi notificado às partes sob registo postal de 04/02/2002 (segunda-feira), que se presume recebido no terceiro dia útil seguinte (art. 1º, nº3, do DL 121/76, de 11 de Fevereiro), ou seja, a 07/02/2002.

                        III-  Desde então até 01/03/2010 a recorrida não voltou a impulsionar a execução.

                        IV- No seu requerimento de 01/03/2010, a recorrida reconheceu que «a única penhora com registo anterior é a favor da Fazenda Nacional e respeita à execução 2127-96/100211.2 a qual se encontra extinta por cobrança efectuada em 27/10/99».

                        V- Ou seja, quando a execução foi sustada já não existia qualquer impedimento ao seu prosseguimento.

                        VI- Acresce que a recorrida foi notificada por registo postal de 13/08/2007 do despacho de 29/05/2007 (fls.102) com o seguinte teor «aguardam os autos que algo seja requerido»,

                        VII- E, sob registo postal de 30/01/2009, foi notificada do despacho de 27/01/2009, transitado em julgado a 12/02/2009, onde se declarou a interrupção da instância.

                        VIII- É assim claro e evidente que os autos se mantiveram parados por negligência da recorrida em promover os seus termos durante mais de 8 anos.

                        IX- Se assim não fosse, a recorrida não se teria conformado com o despacho de 27/01/2009, que declarou interrompida a instância.

                        X- Esse despacho de interrupção da instância tem força meramente declarativa: visa apurar e declarar se o prazo de um ano e um dia referido no art. 285º do CPC já decorreu, acompanhado de uma negligência da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo, limita-se a declarar a verificação dos requisitos da interrupção.

                        XI- O despacho a declarar a interrupção da instância constata que esta já se produziu antes dele, porventura até muito antes, não constituindo, pois a lei não o declara como tal, elemento constitutivo do instituto da interrupção da instância, nem sendo consequentemente o ponto de partida para contagem do prazo de interrupção de dois anos conducente à deserção e durante o qual o recorrente a podia ter feito cessar nos termos do art. 286º do CPC: o ponto de partida é constituído pelo próprio termo do prazo conducente à interrupção.

                        XII- Já a deserção da instância não necessita de despacho judicial que a declare, verificando-se automaticamente pelo decurso do prazo de interrupção de dois anos, como expressamente resulta do art. 291º, do CPC.

                        XIII- Embora pressuponha a interrupção da instância durante dois anos,

                        XIV-  Que tem que ser constatada por despacho, ainda que tenha ocorrido muito antes deste.

                        XV- Assim, nada impede que o despacho que declara a interrupção da instância seja proferido já depois de decorridos mais de três anos desde a paralisação do processo, circunstância em que o trânsito em julgado do despacho de interrupção importa necessariamente a própria deserção da instância.

                        XVI- Pois a interrupção não nasce com o despacho que julga interrompida a instância - emerge do decurso de um ano após o momento em que o processo ficou a aguardar impulso processual da parte a quem caiba fazê-lo.

                        XVII- Logo, o prazo de dois anos a partir da interrupção conta-se não do despacho que a declara mas sim do decurso de mais de um ano de paralisação, nas circunstâncias do citado art. 285º. Ou seja, aquele despacho não é determinativo da interrupção, antes se limitando a constatar que a mesma se verificou sem que, contudo, tal signifique que só na sua data a interrupção tenha ocorrido. Trata-se de despacho meramente declarativo, não fazendo sentido que um juiz que encontrasse dezenas de processos parados, por falta de impulso negligente, há mais de um ano, tivesse de, por forma constitutiva, declarar a interrupção desaproveitando-se todo o período excedente de paralisação anterior.

                        XVIII- Entendimento que é o que, de resto, melhor se adequa com a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - art. 9º, nº3, CC.

                        XIX- A recorrida, ao ser notificada do despacho de interrupção da instância podia, se tivesse prosseguido a execução de forma diligente, ter recorrido do despacho e demonstrado não ter actuado de forma negligente.

                        XX. Aliás, beneficiou de uma oportunidade extra ao ser notificada a 13/08/2007 do despacho que a informava que os autos aguardavam que algo fosse requerido.

                        XXI. Nessa altura não tinha sido declarada a interrupção da instância, pelo que nada a impedia de impulsionar a execução.

                        XXII. Sem prejuízo, os interesses da parte a quem incumbe o ónus de impulsionar o processo estão suficientemente salvaguardados com a imposição que aqui não se discute - embora outros o façam, com sucesso - dos fundamentos da interrupção serem verificados por decisão judicial, que a parte com ela prejudicada é livre de impugnar.

                        XXIII.     A tutela dos interesses das partes não impõe que alguém lhes diga se a sua actuação é ou não negligente.

                        XXIV.    A recorrida dispunha de todos os elementos para saber desde quando não impulsionava o processo.

                        XXV.     Pelo que tem que se entender que no caso vertente a instância ficou deserta em 12/02/2009, com o trânsito em julgado do despacho que verificou a interrupção da instância.

                        XXVI.    A decisão recorrida interpreta pois erradamente os arts. 285º e 291º, do CPC, ao atribuir ao despacho de interrupção da instância uma eficácia constitutiva da interrupção que nem a lei, nem a doutrina actual, nem a jurisprudência dominante lhe conferem ou reconhecem.

                        XXVII.    A sua eficácia é meramente declarativa, pelo que não marca o início do prazo de interrupção da instância, antes se limitando a constatar uma interrupção pré­-existente.

                        XXVIII. Ao não entender assim, a decisão recorrida acabaria por violar os arts. 285º, 291º nº1 e 287º, al. c), todos do CPC, contrariando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e das Relações de Lisboa, Coimbra e Porto, proferida no domínio da mesma legislação, designadamente o Ac. STJ de 12/02/2009 (Silva Salazar), Proc. 09A0150.

                        Termos em que dando provimento ao presente recurso, deverá revogar-se o Acórdão recorrido, assim como a decisão que ordenou o prosseguimento dos autos e substituindo-as por uma decisão que julgue a instância executiva extinta, por deserção - arts. 285º, 291º, nº1 e 287º, al. c), CPC, assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA.

                         A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                        2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas a questão que ali foi enunciada (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).

                        Nesta conformidade, será a seguinte o assunto a apreciar e decidir:

                        - Se a instância executiva se deve ter como deserta, de harmonia com os arts. 285º nº 1 e 291º nº 1 do C.P.Civil

                       

                        2-2- A decisão impugnada deu como assentes as seguintes circunstâncias processuais:

                        1) A execução foi intentada em 10/02/2000, e os executados deduziram embargos em 23/03/2000;

                        2) Por despacho de 15/01/02 foi sustada a execução ao abrigo do disposto no art. 871º do CPC por sobre o imóvel penhorado nos autos incidirem outras penhoras com registo anterior (fls. 96 dos autos principais);

                        3) Em 4/02/02 foi expedida notificação às partes deste despacho (fls. 97 e 98 dos autos principais);

                        4) Despachos de 13/11/07 ordenaram a remessa à conta dos autos (fls. 105 dos autos principais e 94 dos embargos);

                        5) Em 27/11/08 foi proferido despacho a determinar que os autos ficassem a aguardar nos termos do art. 285º do CPC (fls. 116 dos autos principais);

                        6) As partes foram notificadas de tal por cartas expedidas em 18/12/08 (fls. 117 e 118 dos autos principais);

                        7) Em 27/01/09 foi julgada interrompida a instância pelo decurso do prazo do art. 285º do CPC, e ordenado que os autos aguardassem o decurso do prazo a que alude o art. 291º do mesmo diploma (fls. 120 dos autos principais);

                        8) Idêntico despacho foi depois proferido em 5/02/09 nos autos de embargos (fls. 138);

                        9) As partes foram notificadas de tais despachos por cartas expedidas em 30/01/09 (fls. 121 e 122 dos autos principais) e 10/02/09 (fls. 139 e 140 dos embargos);

                        10) Estes dois despachos transitaram em julgado;

                        11) Em 1/03/10 a exequente BB requereu o prosseguimento da execução por se haver extinto, por cobrança efectuada, a única penhora com registo anterior (fls. 136 dos autos principais);

                        12) Foi então proferido despacho ordenando o prosseguimento dos autos e notificação das partes (fls. 147 dos autos principais);

                        13) A exequente requereu a citação dos credores nos termos do art. 864º do CPC e os executados, invocando assentar tal despacho num lapso, requereram se julgasse a execução extinta por deserção desde 12/02/09 (fls. 149 e 152 dos autos principais);

                        14) O requerido pelos executados mereceu a oposição da exequente (fls. 157 dos autos principais);

                        15) Em 11/05/10, o Exmº Juiz exarou novo despacho fundamentando ainda não haver operado a deserção da instância (fls. 165 dos autos principais). ----------------

                        2-3- Os recorrentes, no presente recurso, sustentam, em síntese, que a instância no presente caso e contra o decidido no acórdão recorrido, se encontra deserta. Isto porque o despacho de interrupção da instância proferido tem força meramente declarativa e não constitutiva, já que se limita a declarar a verificação dos requisitos da interrupção. Este despacho somente constata que a interrupção da instância já se produziu antes dele, não constituindo elemento determinativo do instituto da interrupção da instância, nem sendo, consequentemente, o ponto de partida para contagem do prazo de interrupção de dois anos conducente à deserção. O ponto de partida é constituído pelo termo do prazo conducente à interrupção. Por sua vez, a deserção da instância não necessita de despacho judicial que a declare, verificando-se automaticamente pelo decurso do prazo de interrupção de dois anos, como expressamente resulta do art. 291º do CPC. Muito embora a deserção pressuponha a interrupção da instância durante dois anos, circunstância que tem que ser constatada por despacho, a mesma pode ter ocorrido muito antes deste. Assim, nada impede que o despacho que declara a interrupção da instância seja proferido já depois de decorridos mais de três anos desde a paralisação do processo, circunstância em que o trânsito em julgado do despacho de interrupção importa necessariamente a própria deserção da instância. A interrupção não nasce com o despacho que julga interrompida a instância - emerge do decurso de um ano após o momento em que o processo ficou a aguardar impulso processual da parte a quem caiba fazê-lo. Logo, o prazo de dois anos a partir da interrupção conta-se não do despacho que a declara mas sim do decurso de mais de um ano de paralisação, nas circunstâncias do citado art. 285º. Ou seja, aquele despacho não é determinativo da interrupção, antes se limitando a constatar que a mesma se verificou sem que, contudo, tal signifique que só na sua data a interrupção tenha ocorrido. Trata-se de despacho meramente declarativo, não fazendo sentido que um juiz que encontrasse dezenas de processos parados, por falta de impulso negligente, há mais de um ano, tivesse de, por forma constitutiva, declarar a interrupção desaproveitando-se todo o período excedente de paralisação anterior.

                        No douto acórdão recorrido, tomando-se partido sobre a polémica, entendeu-se que “a necessidade de certeza na verificação de uma situação de instância interrompida inviabiliza que a produção dos efeitos substantivos que lhe estejam ligados possa ter lugar sem que aquela situação esteja certificada por despacho judicial”, pelo que se concluiu que “a certeza ou segurança jurídicas reclamam que o prazo para a deserção da instância só se possa contar a partir da notificação às partes do despacho a declarou interrompida”. Considerou-se, assim, que o despacho de interrupção da instância tinha a natureza constitutiva.

                        Vejamos:

                        Estabelece o 285º do C.P.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem) que “a instância interrompe-se quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento”.

                        Decorre do disposto do art. 264º nº 1 e especialmente do art. 265º nº 1, que as partes devem impulsionar ou promover o andamento regular e célere do processo, quando a lei assim o determine. Quando o não façam, devendo fazê-lo, através da interrupção instância, sanciona-se essa inactividade ou passividade.

                        Como se refere a este propósito no acórdão deste STJ de 20-2-2008 (www.dgsi.pt/jstj.nsf), o art. 285º nº 1 “é um normativo inspirado pela ideia de presunção de abandono da instância processual pelas pessoas oneradas com o impulso processual e pelo interesse público da não duração indefinida dos processos. Assim, consideram-se findos para efeito de arquivo os processos em que se verifique a interrupção da instância (artigo 126º, nº 1, alínea c), do Regulamento da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais).

                        Evidentemente que a interrupção da instância pressupõe um despacho judicial proferido para esse efeito, na medida em que depende da formulação de um juízo sobre a falta de diligência das partes na promoção do andamento normal do processo, durante mais de um ano. Neste sentido refere-se no acórdão deste STJ de 8-6-2006 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) que “a interrupção opera “ope judicis” por pressupor a emissão de um juízo sobre a inércia, ou menor diligência das partes…”. Também o acórdão do STJ de 12-2-2009 (www.dgsi.pt/jstj.nsf), sobre a necessidade de despacho afirma que tal “se justifica por a interrupção da instância ter por pressuposto não só o decurso do prazo de um ano e um dia, mas também um juízo sobre a falta de diligência da parte onerada com o impulso processual em promover os termos do processo durante tal período …”.

                        Quer dizer, a lei não dispensa a prolação de despacho que declare a interrupção da instância. Fazendo-o, segundo cremos, com o objectivo de dissipar qualquer incerteza sobre o momento concreto em que foi verificada a existência dos respectivos pressupostos.

                        Afirma também o dito acórdão deste STJ de 20-2-2008 “interrupção da instância não opera, pois, automaticamente pelo mero decurso do prazo, antes pressupõe uma decisão judicial, a partir da qual se verifica a referida situação, projectando, a partir da verificação de uma situação processual objectiva, os seus efeitos para o futuro. Assim, a interrupção da instância pressupõe a paragem do processo por mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos e a existência de um despacho que a declare”.

                        Estabelece, por sua vez, o art. 291º nº 1 que “considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos”.

                        Daqui decorre que a deserção opera sem necessidade de prolação decisão judicial que a reconheça. Basta, somente, o simples decurso do tempo para que ela se verifique. Isto é, diferentemente da interrupção actua a deserção ope legis.

                        Significa isto que verificada a interrupção da instância, declarada por despacho judicial, o decurso subsequente do prazo de dois anos conduz inevitavelmente à extinção da instância por deserção. Como se diz adequadamente no acórdão deste STJ de 12-2-2010 já referido, a deserção da instância “não necessita, para se verificar, de algum despacho judicial que a declare, uma vez que a lei expressamente o dispensa, operando ela assim automaticamente pelo mero decurso do mencionado prazo de dois anos a contar do momento em que a instância tenha ficado interrompida, mas esta, como a lei não dispensa tal despacho, depende de que este seja proferido, não operando, pois, de forma automática”.

                        Chegados aqui e porque os efeitos serão obviamente diversos, teremos de verificar qual a natureza do despacho que declara a instância deserta. Se constitutivo ou se, meramente, declarativo. Se se considerar ter natureza constitutiva, então só a partir do despacho, ou da sua notificação, deve correr o prazo próprio de deserção. Se se entender ter a natureza declarativa, o prazo de deserção deve contar-se desde que se mostre atingido o tempo de paragem necessário para a interrupção em consequência da falta de impulso das partes.

                        A recente jurisprudência deste STJ tem, segundo cremos de forma tendencialmente unânime[1], vindo a considerar a natureza de tal despacho como meramente declarativa. Isto porque com a prolação do despacho visa-se determinar e declarar se o prazo em causa já decorreu, fazendo-se, simultaneamente, o juízo sobre a falta de diligência das partes na promoção do andamento normal do processo. Por outras palavras, esse despacho tem o carácter meramente declarativo, e não constitutivo, pois não determina a interrupção, limitando-se a constatar que esta se verificou por ter havido inércia negligente durante mais de um ano da parte onerada com o impulso processual. Neste sentido refere o dito acórdão deste STJ de 12-2-2009 que o despacho de interrupção “limita-se a declarar a verificação dos requisitos da interrupção, e consequentemente a declarar esta”. Isto porque, como se diz no mesmo aresto, “não constituindo ele, pois a lei não o declara como tal, elemento constitutivo do instituto da interrupção da instância, nem sendo ele consequentemente o ponto de partida para contagem do prazo de interrupção de dois anos conducente à deserção e durante o qual o recorrente a podia ter feito cessar nos termos do art.º 286º do C.P.C.: o ponto de partida é constituído pelo próprio termo do prazo conducente à interrupção”.

                        Quer dizer, tendo o despacho de interrupção da instância a natureza declarativa, somente afirma que a interrupção se produziu, não significando que só na data da sua prolação essa interrupção tenha ocorrido. O ponto de partida para a contagem do prazo da deserção é constituído pelo termo do prazo que gera a interrupção. Como se refere em feliz síntese no acórdão deste STJ de 15-6-2004 (www.dgsi.pt/jstj.nsf) “a interrupção da instância significa, pois, que, por negligência da parte, o processo esteve parado durante mais de um ano; a deserção significa que essa paragem se prolongou por mais dois anos”.

                        A posição que se aceita e agora se expressa é a que melhor se adequa e se harmoniza com o sistema de interrupção e deserção da instância que, segundo Alberto Reis[2] visa a necessidade da “boa ordem dos serviços”, de se não manterem indefinidamente parados nos tribunais inúmeros processos em relação aos quais as próprias partes se desinteressaram. Neste sentido afirma-se, no acórdão deste STJ 17-6-2004 (www.dgsi.pt/jstj.nsf), que “isto mesmo explica que, hoje, quando o ritmo de vida é muito mais intenso e a procura judicial mais forte, o legislador tenha descido o prazo para a ocorrência da deserção de cinco (Cod. P.Civil de 1961) para dois anos (Código actual)”. Assim, não faz sentido que um juiz, perante inúmeros processos parados há mais de um ano por falta negligente de impulso da parte interessada, tenha de declarar, de forma constitutiva, a interrupção da instância, desaproveitando-se todo o período excedente de paralisação ocorrida.

                        Vejamos agora o caso dos autos.

                        Das circunstâncias processuais acima referenciadas resulta que em 15/01/2002 foi proferido despacho de sustação da execução (notificado às partes sob registo postal de 04/02/2002). Desde então e até 01/03/2010 (altura em que BB requereu o prosseguimento da execução) a exequente não voltou a impulsionar os autos.

                        Daqui resulta que os autos se mantiveram parados por negligência da exequente (a quem competia impulsionar a execução, designadamente nomeando outros bens à penhora – art. 871º nº 3 -) durante cerca de 8 anos.

                        Em 27/01/09 foi julgada, sem que a respectiva decisão tivesse sido impugnada, interrompida a instância pelo decurso do prazo do art. 285º.

                        Constituindo o despacho de interrupção da instância proferido na dita data efeito meramente declarativo, tem que se afirmar que, como se disse acima, a interrupção não nasceu com esse despacho. Este limitou-se a constatar que ela se verificou. Assim, o prazo de dois anos a partir da interrupção (para efeitos de deserção da instância), deve contar-se não do despacho que a declarou, mas sim do decurso de mais de um ano de paralisação por falta de diligência da parte na promoção do andamento normal do processo.

                        Nesta conformidade, a interrupção da instância teria ocorrido em 8-2-2003[3] (isto é, um ano e um dia após a notificação à exequente do despacho de sustação da execução), sendo que a deserção da mesma instância se teria verificado em 8-2-2005 (ou seja, após dois anos de interrupção da instância). Porém, como para a deserção haverá necessidade da declaração (prévia) da interrupção, teremos, no caso, de considerar que a instância ficou deserta em 12-02-2009[4], com o trânsito em julgado do despacho que verificou a interrupção da instância.

                        Daqui decorre que quando a exequente, BB, em 1/03/2010, requereu o prosseguimento da execução, já se havia produzido a deserção da instância.

                        O recurso procede, pois.

                       

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, dá-se provimento ao agravo, revogando-se o acórdão recorrido, declarando-se a instância deserta.

                        Custas pela recorrida.

Lisboa, 21 de Junho de 2011

Garcia Calejo (Relator)

Helder Roque

Gabriel Catarino

_______________________
[1] Vide os Acs. referidos no presente acórdão e ainda o de 14-9-2006, sendo que em contrário apenas se conhece o Ac. de 31-1-2007, ambos publicados em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] In Comentário ao C.P.Civil, Vol. 3º, pág. 432.
[3] A exequente, como se assinala no douto acórdão recorrido, deve ter-se como notificada da sustação de execução em 7-2-2002.
[4] Vide circunstância referida em 9.