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CONTRATO DE EXPLORAÇÃO
EXPLORAÇÃO DE PEDREIRAS
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
EFICÁCIA REAL
DIREITO DE PROPRIEDADE
BEM IMÓVEL
SUBSOLO
Sumário
I - Não tendo sido atribuída eficácia real ao contrato de exploração de pedreira concluído entre os autores e a sociedade comercial; as suas estipulações vincularam somente os outorgantes, como resulta do princípio geral da eficácia meramente relativa dos contratos (art. 406.º, n.º 2, CC).
II-As pontas de blocos e alvenarias mencionados no contrato de exploração de pedreira são propriedade dos autores, desde logo porque, tratando-se de materiais provenientes da exploração duma pedreira pertencente aos autores, esse direito de propriedade decorre do art. 1344.º, n.º 1, do CC, segundo o qual a propriedade dos imóveis “abrange o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico”
III - Tais materiais pertencem aos autores porque, justamente, o contrato de exploração de pedreira teve efeitos obrigacionais, ao estipular o pagamento de um preço pela realização da actividade de exploração industrial, mas também reais, já que o dono do terreno (e da pedreira) cedeu à contraparte a propriedade dos blocos de granito existentes na superfície, reservando para si o domínio do material sobrante. Ou seja, o domínio deste material sobrante não foi desintegrado por efeito de negócio jurídico, no caso, o contrato de exploração de pedreira.
IV - Pelo simples facto de ter sido deixado no terreno que a ré entretanto adquiriu, o material em questão não deixou de pertencer aos autores, desde logo porque provinha da pedreira existente no imóvel vizinho e que é pertença indiscutida dos autores.
Texto Integral
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Síntese dos termos essenciais da causa e do recurso: AA e sua mulher BB propuseram uma acção ordinária contra CC - Importação e Exportação, Ldª, com sede em Boieiros, Fátima, e DD, Ldª, com sede em Elvas.
Relativamente à 1ª ré, pediram a sua condenação:
a) A reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial;
b) A reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre todos os blocos, pontas e demais alvenarias, entulhos, saibro, etc, que se encontrem nos prédios descritos nos artigos 1º e 3º da petição inicial, em resultado do contrato de exploração de pedreira junto aos autos;
c) A pagar-lhes uma indemnização de 425.000,00 €, correspondente ao valor dos blocos de granito, pontas e demais alvenarias que foram retirados até ao momento;
d) Numa sanção pecuniária compulsória no montante de 500,00 € por cada dia em que a ré não respeite o direito de propriedade dos autores e retire qualquer tipo dos blocos, pontas, alvenarias e saibro que actualmente ali se encontrem.
No que concerne à 2ª ré pediram a sua condenação a pagar-lhes 14.000,00 €, correspondentes ao valor de mercado dos vinte e oito blocos que vendeu indevidamente à 1ª ré, ou, no mínimo, de 3.426,56 €, correspondentes ao embolso que fez com a venda de tais blocos.
Alegaram, em resumo, ser legítimos proprietários de um prédio urbano destinado à abertura de pedreira, que confronta com a FF, e que em 1/6/92, no 1º Cartório Notarial de Évora, celebraram um contrato de exploração de pedreira com - FF, Ldª, através do qual cederam a esta sociedade a exploração da referida pedreira mediante o pagamento de uma renda e de uma remuneração adicional variável relacionada com o metro cúbico de granito extraído.
Segundo o contratado, ficariam a pertencer aos autores os materiais sobrantes (pontas de blocos, alvenarias, terras e cascalhos) que não fossem utilizados no estabelecimento de pedreira e no arranjo dos caminhos, estradas e demais construções.
A FF, Ldª, foi declarada falida.
No seu activo constavam diversos blocos de granito e diverso material sobrante, sendo que, no entanto, esses bens pertenciam aos autores.
A 1ª ré retirou da referida propriedade diversos blocos de granito, pontas de blocos e alvenarias, cujo valor ascende a 425.000,00 €.
Por sua vez, a 2ª ré adquiriu à massa falida 28 blocos de granito, que revendeu à 1ª ré pelo valor de 3.426,56 €
Esses blocos, todavia, também pertenciam aos autores e tinham um valor de mercado que se cifrava em 14.000,00 €.
Ambas as rés contestaram.
A 2ª defendeu-se por impugnação, afirmando que aquilo que adquiriu não correspondia a qualquer material sobrante da pedreira e que os blocos de granito em causa estavam fabricados, preparados e prontos a serem comercializados.
A 1ª, por excepção, alegou a ineptidão da petição inicial e a sua ilegitimidade para os termos da causa; por impugnação, contrariou os factos invocados na petição, afirmando que comprou e pagou à 2ª ré todos os bens aqui em causa. Em reconvenção, pediu:
a) Que se reconheça que é dona e legítima possuidora do prédio descrito na CRP de Monforte sob o nº 716 da freguesia de Monforte;
b) Que se condenem os autores AA e sua mulher BB a implantarem no terreno todos os marcos divisórios para que o seu prédio fique a ter uma área de 48.000 m2.
Fez assentar o pedido reconvencional na alegação de que a área do seu imóvel é inferior àquela que consta da respectiva matriz e que no prédio pertencente aos autores está incluída a área que falta ao seu terreno.
Na réplica os autores responderam às excepções dilatórias deduzidas pela 1ª ré e contestaram a reconvenção, afirmando que o prédio registado a favor dela tem uma área de 48.000 m2.
A ré CC - Ldª, treplicou, reafirmando que o prédio que adquiriu tem uma área inferior à que consta da descrição predial.
A convite do tribunal, os autores suscitaram a intervenção provocada de EE, na qualidade de liquidatário judicial de FF, Ldª, pedido a que as rés não deduziram oposição.
Citado, o chamado ofereceu um articulado em que sustenta sua ilegitimidade para os termos da causa, alegando ainda a falta de interesse em agir e a irregularidade de representação, tudo com base na circunstância de ter cessado funções como liquidatário judicial e de entretanto já terem sido aprovadas as contas da liquidação da massa falida; acrescentou ainda que vendeu à ré DD, Ldª, apenas os blocos identificados no auto de apreensão de bens da massa falida.
No despacho saneador a massa falida de FF, Ldª, foi absolvida da instância, determinando-se o prosseguimento da acção com as partes primitivas; foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias de ineptidão da petição inicial e ilegitimidade passiva; não foi admitido o pedido de reconhecimento do direito de propriedade formulado pelos autores/reconvindos; e não foi igualmente admitido o pedido reconvencional formulado pela 1ª ré, relegando-se para final a apreciação da restante matéria controvertida.
Realizado o julgamento e estabelecidos os factos foi proferida sentença que: a) Reconheceu aos autores o direito de propriedade sobre todas as pontas de blocos e demais alvenarias que se encontravam nos dois prédios seguintes destinados a abertura de pedreira de extracção de granitos, ambos situados na freguesia e concelho de Monforte e confinantes entre si: 1) com a área de 84.700 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artº 2069, confrontando a Norte, Sul e Nascente com a FF e poente com a Ribeira de Almoro e que fazia parte do prédio descrito na CRP de Monforte sob a ficha nº 000000000 e cuja propriedade aí está inscrita a favor dos autores; 2) e com a área de 48.000 m2, confrontando a Norte e Nascente com a Herdade de FF e a Sul e Poente com a Ribeira de Almoro, descrito na CRP de Monforte sob a ficha nº 0000000000 e cuja propriedade aí está inscrita a favor de CC – Ldª. b) Absolveu a 1ª ré do pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre todos os blocos que se encontrassem nos referidos prédios; c) Condenou a 1ª ré a pagar aos autores a quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao valor das pontas de blocos e demais alvenarias que foram retirados entre o mês de Abril de 2006 e o dia 19 de Maio de 2006, até ao valor máximo de € 425.000,00 euros; d) Absolveu a 1ª ré da parte remanescente do pedido de pagamento formulado pelos autores, maxime da relativa ao valor dos blocos que foram retirados até ao momento dos referidos prédios; e) Absolveu a 1ª ré da sanção pecuniária compulsória de 500,00 € por cada dia que não respeite o direito de propriedade dos autores e retire qualquer tipo de blocos, pontas, alvenarias e saibro que ali se encontrem; f) Absolveu a 2ª ré do pedido de pagamento de 14.000,00 €, correspondente ao valor de mercado de 28 blocos que vendeu à 1ª ré.
A Relação de Évora julgou improcedente o recurso de apelação interposto pela 1ª ré, que por esse motivo recorreu para o STJ, sustentando a revogação do acórdão da 2ª instância e a sua absolvição do pedido com base nas conclusões que assim se resumem: 1ª - A recorrente é dona e exclusiva proprietária do prédio identificado em 3) da matéria provada e, por isso, tem o direito de gozar, de modo exclusivo e pleno do espaço aéreo correspondente à superfície do seu prédio, bem como do subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico; 2ª - A matéria assente é omissa a respeito de quem e em que altura foram colocados no prédio que hoje pertence à recorrente as pontas de blocos, alvenarias, terras e cascalhos; no entanto, é certo que quando adquiriu tal prédio tais materiais já aí se encontravam; 3ª - Em consequência da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio a recorrente adquiriu o direito a tudo o que aí se contém, uma vez que não existe na lei, nem foi provado qualquer negócio jurídico que lhe retire o domínio sobre tais bens; 4ª - O acórdão recorrido impõe uma ilegítima e infundada limitação ao pleno e exclusivo exercício do direito de propriedade da recorrente sobre as pontas de blocos, alvenarias, terras e cascalhos existentes no seu prédio e contém uma contradição insanável entre os fundamentos e a decisão tomada que o torna nulo; 5ª - Somente da cláusula 13ª do Contrato de Exploração de Pedreira se conclui que a propriedade das pontas de blocos, alvenarias, terras e cascalhos existentes no prédio da recorrente seria pertença dos recorridos; 6ª - Mas a recorrente não é parte nesse contrato, que, por isso, não pode produzir quaisquer efeitos contra si, já que em relação a terceiros tal só acontece nos casos e termos especialmente previstos na lei (art° 406°, n° 2, CC); 7ª - Por idêntica razão, não é possível extrair do referido contrato consequências quanto à titularidade do direito de propriedade sobre as pontas de blocos, alvenarias, terras e cascalhos existentes no prédio da recorrente, ao contrário do que, atribuindo-o indevidamente aos autores, fez o acórdão recorrido; 8ª - O contrato de exploração de pedreira caducou nos termos do art° 11º, n° 3, do Dec-Lei 89/90 de 16 de Março, entretanto revogado pelo Dec. Lei n° 270/01, de 6 de Outubro, que no seu art° 18°, n° 1, alínea h) considera o contrato cessado, uma vez que não foi requerida a transmissão da licença no prazo de 12 meses após a extinção da pessoa colectiva; 9ª - Os recorridos deixaram de ter ou de poder reclamar quaisquer direitos com base num contrato que cessou ope legis, um ano após a declaração da falência da sociedade FF, Ldª; 10ª - O contrato de exploração de pedreira cessou muito antes de a ré CC, Ldª, ter retirado quaisquer bens do prédio de que é proprietária; 11ª - A Relação deveria ter absolvido a recorrente dos pedidos porque não se demonstrou que tenha feito seus quaisquer bens pertencentes aos recorridos, ou lesado interesses destes; 12ª - Assim, o acórdão recorrido violou, entre outras, as seguintes disposições legais: a) art°s 406º, nº 2, 1.305°, 1.306° e 1.344°, do CC; b) artº 716°, ex vi do artº 668°, n° 1, al. c), do CPC; c) e art° 18°, n°1, al. h), do Dec-Lei n° 270/01 de 6/10 que regula a matéria anteriormente regulada pelo art° 11°, n° 3, do Dec-Lei 89/90 de 16/03.
Os autores contra alegaram, defendendo a confirmação do julgado.
II. Fundamentação a) Matéria de Facto: 1) Os autores são donos do prédio urbano destinado a abertura de uma pedreira de extracção de granitos, com a área de 84.700m2, confrontando a Norte, Sul e Nascente com a FF e a poente com a Ribeira de Almoro, situado na freguesia e concelho de Monforte, que fazia parte do prédio descrito na CRP de Monforte, sob a ficha n.º 00000000000 da dita freguesia de Monforte, e inscrito na matriz predial sob o artigo 2069 (A) 2) A aquisição por compra do prédio referido em 1) encontra-se registada a favor dos autores pela inscrição G-3, lavrada no dia 19 de Janeiro de 1987 (B) 3) A 1ª ré é proprietária do prédio destinado à abertura de uma pedreira de extracção de granitos, com a área de 48.000 m2, confrontando a Norte e Nascente com a Herdade FF o e a Sul e Poente com a Ribeira do Almoro, situado na freguesia e concelho de Monforte e descrito na CRP sob a ficha nº 0000000000 (C). 4) O prédio referido em 3) entrou no património da primeira ré na sequência da compra e venda ao Crédito Predial Português, SA, a qual foi registada a favor daquele pela inscrição G – AP 1, lavrada no dia 15/12/05 (D). 5) O prédio referido em 3) tinha sido adjudicado ao Crédito Predial Português, SA, em resultado de um processo judicial em que o mesmo foi penhorado e vendido (E). 6) Os prédios referidos em 1) e 3) provieram de destaque da FF (F). 7) Tendo o destaque do prédio referido em 3) sido efectuado na CRP de Monforte, em 17/3/92 (G). 8) Os prédios referidos em 1) e 3) são confinantes (H). 9) No dia 1/6/92 foi outorgado no 1.º Cartório Notarial de Évora um contrato intitulado Contrato de Exploração de Pedreira entre os autores e a sociedade FF, Ldª, através do qual os primeiros declaram ser donos de um prédio urbano destinado à abertura de uma pedreira e ceder à dita sociedade a exploração da mesma mediante o pagamento de uma renda e remuneração adicional variável relacionada com o metro cúbico de granito extraído (I). 10) Mais consignaram na cláusula 13ª que “As pontas de blocos e as alvenarias, bem como as terras e cascalhos removidos por via dos trabalhos de lavra podem ser utilizados pela referida sociedade, tanto no estabelecimento da pedreira como na construção e arranjo dos caminhos, estradas e demais construções que forem por ela efectuadas na propriedade; porém, todos os materiais antes referidos e sobrantes e que não tenham a utilização atrás referida são pertença dos primeiros outorgantes e só podem sair do estabelecimento da pedreira depois de pagos aos primeiros outorgantes pelos preços que forem ajustados com a sociedade referida” (J). 11) Entre Junho de 1992 e 1999 a sociedade FF, Ldª explorou a pedreira referida em 3) e 9) [a que correspondiam as referências às alíneas C) e I) dos factos assentes] (1º). 12) A Sociedade Granitos de FF, Ldª, foi declarada falida (K). 13) No âmbito do processo de falência da FF, Ldª, foi apreendido em 17/9/03 um lote de blocos de granito a que foi atribuído o valor de 70.000,00 € (L). 14) À data da apreensão de bens da falida FF, Ldª, existia um lote de 143 (cento e quarenta e três) blocos de granito de segunda qualidade e, bem assim, diversas pontas de blocos e outro material sobrante espalhado nas instalações da pedreira (6º e 7º). 15) Na pedreira era considerado material sobrante as pontas de blocos, as alvenarias, as terras e os cascalhos removidos por via dos trabalhos de extracção de granito independentemente de se encontrarem no prédio referido em 1) e 3) - (2º, 3º e 4º). 16) No decurso do mês de Abril de 2006 o sócio-gerente da CC - Importação e Exportação, Ldª, foi avisado que as pontas e demais alvenarias existentes na pedreira pertenciam aos autores (10º). 17) Mesmo após a conversa acima referida e até ao dia 19/5/06 a CC – Importação e Exportação, Ldª, retirou da pedreira um número indeterminado de pontas de blocos e de outro material sobrante (11º e 12º). 18) As pontas de blocos servem para fazer cunhos para calçadas, ombreiras e lancis (15º). 19) As pontas de blocos, as alvenarias, as terras e os cascalhos removidos pela “CC–Importação e Exportação, Ldª” têm um valor de mercado não concretamente apurado (16º). 20) Entre outros bens, no âmbito da falência da sociedade FF, Ldª, foi apreendido um lote composto por 143 (cento e quarenta e três) blocos de granito de segunda qualidade (8º). 21) O lote composto por 143 (cento e quarenta e três) blocos de granito de segunda qualidade foi adquirido pela sociedade DD Ldª, à massa falida da FF, Ldª. Posteriormente, no dia 13/7/05, aquele lote de blocos de granito foi objecto de uma transacção comercial com a CC - Importação e Exportação, Ldª (17º). 22) A segunda ré vendeu à primeira ré exactamente os mesmos blocos de granito que adquiriu à falida (21º). 23) O valor dos blocos de granito depende do tipo, da qualidade da pedra, do seu peso, da cor e do estado de conservação (23º).
b) Matéria de Direito
Logo no despacho saneador, a propósito da decisão sobre a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial, bem como da rejeição do pedido reconvencional, ficou esclarecido que a presente acção não é uma acção real nem, designadamente, reivindicatória, mas sim uma acção pessoal. E na realidade assim é, já que o único pedido ainda subsistente, - e cuja procedência, decretada pelas instâncias, vem questionada na presente revista - não se traduz na declaração judicial da existência de um direito de propriedade sobre certas coisas (no caso, as pontas de blocos e demais alvenarias retiradas da pedreira identificada no processo), nem na sua consequente restituição; a pretensão formulada pelos autores é, antes, uma pretensão indemnizatória, correspondente ao valor dos blocos de granito e afins que a 1ª ré, ora recorrente, abusivamente removeu da pedreira; abusivamente porque, na tese dos autores, se trata de bens que lhes pertencem.
Ora, no essencial, o erro de julgamento que se imputa ao acórdão recorrido é o de apenas com base no contrato mencionado nos pontos 9) e 10) da matéria de facto ter considerado demonstrado que a recorrente fez suas as pontas de blocos e demais alvenarias retiradas dos prédios em causa nos autos entre Abril e Maio de 2006; segundo alega, semelhante ilação é errónea porque o contrato, dada a sua eficácia meramente relativa, não a vincula, além de que já caducara ao tempo em que adquiriu o seu prédio; por outro lado, acrescenta ainda, nessa data os materiais já ali se encontravam e, portanto, ficaram incluídos no objecto do direito de propriedade de que se tornou titular.
Entende-se que a recorrente não tem razão; a decisão convergente de ambas as instâncias é de manter, cabendo salientar que se adere à fundamentação do acórdão recorrido, para a qual se remete, nos termos do artº 713º, nº 5, CPC, sem prejuízo do que se segue.
Em primeiro lugar, importa dizer que não ocorre a nulidade imputada ao acórdão sob recurso - contradição entre os fundamentos e a decisão adoptada - porque, efectivamente, esta não se fundou na cláusula 13ª do contrato de exploração de pedreira concluído entre os autores e a sociedade FF, Ldª, entretanto falida; não fundou nem, em boa verdade, podia fundar, dado que não lhe foi atribuída eficácia real e por isso as suas estipulações vincularam somente os outorgantes, como resulta do princípio geral da eficácia meramente relativa dos contratos (artº 406º, nº 2, CC). Isto mesmo foi reconhecido e até claramente enfatizado no acórdão recorrido, que afirma a dada altura o seguinte: “Sem dúvida que o contrato de exploração de pedreira foi outorgado entre os AA e a Sociedade “FF Ldª; logo, a Ré e apelante CC – Importação e Exportação Lda, nele não tendo sido vista nem achada, é terceiro relativamente a tal negócio (art. 406º nº2 CC). E, como tal, e por força do princípio da eficácia relativa dos contratos, os efeitos daquele negócio vinculam apenas os respectivos subscritores; não afectam a apelante, pois ninguém se torna credor ou devedor contra vontade própria ou sem o concurso da mesma, na medida em que o nascimento dos créditos e das dívidas pertença ao âmbito da autonomia privada (Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., p. 314). Assim, para a apelante é indiferente e irrelevante o que entre as partes daquele contrato foi convencionado relativamente às pontas de blocos, alvenarias, terras, cascalhos, materiais sobrantes e ao respectivo destino e propriedade bem como à sua localização – no prédio onde se localizava a pedreira ou no contíguo, pertencente à apelante. De igual modo, as vicissitudes de tal contrato no que concerne à sua eventual caducidade em nada afectam, seja beneficiando, seja prejudicando, a apelante”.
Em segundo lugar, deve salientar-se que da adequada conjugação dos factos 1 a 5, 9, 10, 14 e 15 infere-se que as pontas de blocos e alvenarias mencionados na 2ª parte da cláusula 13ª do contrato de exploração de pedreira são propriedade dos autores. Por um lado porque se trata de materiais provenientes da exploração duma pedreira cuja pertença aos autores não foi sequer questionada na acção; esse direito de propriedade decorre do artº 1344º, nº 1, do CC, segundo o qual, na parte que aqui interessa, a propriedade dos imóveis “abrange o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico”. Por outro lado porque, justamente, o contrato de exploração de pedreira de 1/6/92 teve efeitos obrigacionais, ao estipular o pagamento de um preço pela realização da actividade de exploração industrial, mas também reais, já que o dono do terreno (e da pedreira, acrescentamos nós) cedeu à contraparte a propriedade dos blocos de granito existentes na superfície, reservando para si o domínio do material sobrante. (facto 10). Ou seja, e para usarmos as palavras da lei: o domínio deste material sobrante não foi desintegrado por efeito de negócio jurídico - no caso, o contrato de exploração de pedreira a que aludem os factos 9 e 10. Isto significa que, pelo simples facto de ter sido deixado no terreno que a ré entretanto adquiriu, o material em questão não deixou de pertencer aos autores, desde logo porque, conforme ficou demonstrado, provinha da pedreira existente no imóvel vizinho e que é pertença indiscutida dos autores.
Improcede, de igual modo, a objecção fundada no artº 1306º, nº 1, do CC. Diz este preceito o seguinte: “Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos revistos na lei; toda a restrição resultante de negocio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”. Como resulta do que já se disse, não tendo a recorrente sido parte no contrato de exploração de pedreira, em nada o seu direito de propriedade é afectado pelo teor da cláusula 13ª, desde que fique salvaguardado o direito de terceiros (no caso, os autores) sobre os materiais ali colocados; ora esse direito, um verdadeiro e próprio direito de propriedade com o conteúdo definido pelo artº 1305º, já existia quando a recorrente adquiriu o seu prédio, e não se extinguiu por virtude desta aquisição ou doutro facto juridicamente relevante entretanto ocorrido, como acima se referiu.
Improcedem, pois, ou mostram-se deslocadas todas as conclusões do recurso.
III. Decisão
Nega-se a revista.
Custas pela recorrente.