ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
ACESSÃO INDUSTRIAL
DIREITO DE PROPRIEDADE
BEM IMÓVEL
PRÉDIO URBANO
OBRA COMPÓSITA
Sumário


I - O facto de a obra ser integrada ou incorporada em prédio urbano não obsta ao exercício do direito (potestativo) de acessão industrial imobiliária.

II - É necessário que a incorporação se realize de modo a que a obra constitua uma realidade física sequenciada e integrada no edifício que a recebeu, podendo ser compósita mas estruturalmente inserida e integrada; assim, por exemplo, a obra realizada em edifício arruinado ou em decomposição e que, arrancando da estrutura matricial, pela incorporação efectuada, origina um prédio de características similares, ainda que de configuração arquitectónica diversa.

III - Para que se possa falar de uma incorporação de obra nova em edifício urbano terá que arrancar-se, necessariamente, da realidade existente, como edifício receptor da incorporação, que conleva uma alteração estrutural, mas de parametrização idêntica ou funcionalmente conformada.

Texto Integral

Recorrente: - AA

Recorrido: - BB e marido CC

I. - RELATÓRIO.

Desavindo com a decisão proferida, em 10 de Fevereiro de 2011, pelo Tribunal da Relação do Porto, em que, na improcedência da apelação interposta da decisão proferida no tribunal de Gondomar, confirmou (parcialmente) a decisão proferida neste tribunal, [[1]] recorre, de revista, para este tribunal, havendo que considerar para a decisão a proferir os seguintes:

I.1. – Antecedentes Processuais.      

BB e marido CC, residentes na Rua .............., nº. ...., S. ......, Gondomar, intentaram a presente declarativa de condenação com processo ordinário contra AA, divorciado, residente na Travessa .............., nº. ....., Valbom, Gondomar, com fundamento no instituto da acessão industrial imobiliária, tendo dessumido o sequente pedido: “deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e em consequência, pedem que o Réu seja condenado a:

a) Reconhecer que a construção que edificou na construção dos Autores, melhor identificado no item 1 da PI [casa de habitação de dois pavimentos, sita na Rua ................, na freguesia de S. ......, município de Gondomar, a confrontar do Norte com o proprietário, do Sul com herdeiros de DD e Outros, do Nascente com Estrada Nacional e do Poente com caminho público, inscrita na matriz da referida freguesia sob o art. 1544º.], é pertença destes, porquanto, são estes os donos do terreno;

b) Entregar o referido andar aos aqui Autores livre, desimpedido e totalmente devoluto de pessoas e bens;

c) Deve ainda o Tribunal fixar o valor das obras edificadas pelo Réu à data da sua incorporação na propriedade dos Autores, a fim que estes o indemnizem pelo justo valor das mesmas”.

Como factos constitutivos do direito potestativo que invocaram, alegaram, em síntese, que são proprietários de um prédio urbano, composto de casa de habitação de dois pavimentos, inscrito na Matriz sob o artigo 1544º., adquirido por herança (deixada pelos pais da Autora e do Réu);

- o prédio referido anteriormente foi-lhes adjudicado no Inventário “com o ónus de que existia à época, como hoje existe, um andar construído pelo aqui Réu sobre parte – um armazém –” que, por sua vez, faz parte desse mesmo prédio (com 168 m2 de superfície coberta e 284 m2 de superfície descoberta);

- o andar referido no item antecedente possuía área de 70 m2, foi edificado “sobre parte de 168 m2 de construção”, por volta de 1975, “de boa fé”, com “conhecimento e autorização” dos anteriores proprietários, e, portanto, está implantado sobre o “património” (“terreno e armazém”) que foi dos de cujus e hoje é dos Autores;

- o valor do mencionado andar “é (…) muito inferior às benfeitorias já existentes no terreno e até ao mesmo terreno, estimando-se que o valor do andar edificado pelo Réu seja, actualmente como à data da «incorporação», cerca de 1/10 do valor do terreno em construção pertença dos Autores”;

- pelo que se verificam-se os requisitos da acessão industrial imobiliária, nos termos do nº. 3, do artigo 1340º., CC, visto que o andar foi construído “na parcela de terreno dos Autores”, pretendendo, os AA, com esse fundamento e por meio desta acção, exercer o seu direito potestativo de adquirir (e unificar com a sua) a propriedade do andar, propondo-se pagar ao Réu, como indemnização, o valor das obras ao tempo da sua realização, valor este a fixar pelo Tribunal.

O Réu foi citado e veio apresentar contestação na qual se defendeu por impugnação, excepcionou e formulou pedido reconvencional, nos seguintes termos e em síntese:

-Foi também o Réu quem, há mais de 30 anos, construiu, “de raiz”, o armazém sobre o qual se encontra implantado o questionado andar e que, antes não existia; aquilo que os AA chamam o armazém mais não era do que um pequeno anexo, constituído apenas pelas paredes respectivas e por uma cobertura em placas de zinco, insusceptível de sobre eles se construir o que quer que fosse, tanto que o Réu, para poder construir o andar, teve de nele implantar fundações e placas (térrea, do meio e de tecto);

- assim, tanto aquilo que hoje é um armazém – não da propriedade dos AA – como o andar sobre ele construído resultaram de obra realizada pelo Réu e constituem “um todo uno, único e indissociável, propriedade do Réu”;

- daí que o Réu tenha adquirido, por usucapião, um direito de superfície sobre o terreno em que está edificado esse “conjunto”, inexistindo, em consequência, a invocada acessão industrial imobiliária;

- desde há mais de 30 anos que o Réu “tem estado na posse e fruição” da “construção”, “praticando, reiteradamente, todos os actos materiais significativos da sua posse, reparando-o, pagando as respectivas contribuições, etc., posse essa que exerce à vista de toda a gente, contínua e ininterruptamente, colhendo todas as utilidades e benefícios, pacificamente, isto é, sem oposição de quem quer que seja, sempre na convicção de que a construção aludida lhe pertence, na certeza de que jamais estaria a lesar interesses de outrem, ou seja, sobre a mesma exercendo todos os poderes próprios de um proprietário …tendo-se iniciado e mantido sem qualquer violência sendo, por isso, pacífica, pública, de boa fé e com justo título”.

Além disso, “o custo do armazém e andar eram, à data da sua construção [armazém e andar], substancialmente superior ao custo da parcela de terreno incorporada”, pelo que não têm os AA o direito de adquirir [o andar] por acessão, antes e com tal fundamento esse direito [de adquirir o terreno] pertence ao Réu.

Mais refere que mesmo que assim se não entenda, sempre o valor a pagar pelos Autores pelas obras teria de ser devidamente actualizado. 

Em sede reconvencional formulou o seguinte pedido:

“Reconhecer-se que o Réu/reconvinte é proprietário do direito de superfície sobre o terreno onde se encontra implantada a construção por si levada a efeito (andar e armazém);

Condenar-se os Autores/Reconvindos a assim o reconhecerem e a absterem-se de praticar actos susceptíveis de violar tal direito do Réu/reconvinte.

Ou, se assim não se entender, ser o pedido reconvencional formulado subsidiariamente julgado procedente por provado e, em consequência:

Serem os Autores/Reconvindos condenados a reconhecer que a construção levada a efeito pelo Réu/reconvinte, constituída por andar e armazém, sendo um todo uno e inseparável, é de valor superior ao terreno incorporado e, por isso, pertença do Réu/reconvinte;

Serem os Autores/Reconvindos condenados a entregar ao Réu/reconvinte o dito prédio, livre de pessoas e bens;

Deverá o Tribunal fixar o valor das obras edificadas pelo Réu/reconvinte e do terreno incorporado, à data da construção das mesmas, a fim de que este indemnize os Autores/Reconvindos pelo justo valor, tudo com as legais consequências.”

Os Autores apresentaram Réplica, na qual, sobretudo e além do mais, impugnam a alegada inexistência do armazém e que este tenha sido construído pelo Réu (pois que já no vão do respectivo telhado o pai da A. e do Réu tinha instalada uma colchoaria, ele fora licenciado pela Câmara através do processo 317/58, no projecto de construção do andar apresentado pelo Réu já estão descritas as obras então existentes e, sobretudo, o armazém, e este está referido no inventário);

- desde a adjudicação no inventário, sempre os AA, sobre o terreno e o armazém, “exercem e praticam … todos os actos materiais significativos da sua posse, reparando-o, pagando as suas contribuições e impostos…à vista de toda a gente…contínua e ininterruptamente, colhendo todas as utilidades e benefícios, pacificamente, sem oposição de quem quer que seja, sempre na convicção de que o terreno e armazém lhe pertence”;

- nunca sobre o armazém exerceu o Réu qualquer posse.

Terminam requerendo a condenação do Réu como litigante de má-fé em multa e indemnização, “condigna a apurar no douto e prudente arbítrio do Tribunal”.

O Réu, pronunciou-se sobre os documentos e sobre a questão da litigância de má-fé, mantendo que deles se extrai que o Réu não construiu apenas o andar mas também o próprio armazém e impugnando o mais pelos AA alegado na tréplica e requerendo também, àquele título, a condenação dos AA em multa e indemnização condignas.

Apresentados nos autos vários requerimentos pelas partes a pretexto do registo da acção e da reconvenção, foi proferido despacho de aperfeiçoamento e, na sequência deste, apresentada, pelos AA, nova petição e, pelo Réu, nova contestação-reconvenção.

Seguiu-se nova Réplica e nova resposta aos documentos apresentados.

Foi proferido despacho que saneou o processo, elencou a Matéria de Facto Considerada Assente e organizada a Base Instrutória com os factos ainda controvertidos.

Indicados e produzidos os meios de prova tidos por pertinentes, realizou-se a audiência de julgamento, na qual e como se verifica da respectiva acta, foram observadas todas as formalidades legais.

O Tribunal respondeu aos quesitos da Base Instrutória, sendo certo que tal decisão sobre a matéria de facto não foi objecto de qualquer reclamação das partes.

Foi então proferida sentença, que julgou do seguinte modo:

Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal julgou procedente, por provada, a presente acção, e, em consequência, condenou o Réu AA a reconhecer que os AA. BB e marido CC são proprietários, por o terem adquirido por acessão industrial imobiliária, do andar referido em 3.1.3, 3.1.4 e 3.2.2, construído sobre o armazém referido em 3.1.3, 3.1.6, 3.2.1 e 3.2.2 integrante do prédio identificado em 3.1.1 e 3.1.2, e a entregar-lho (o andar) livre de pessoas e coisas, na condição de estes indemnizarem aquele pelo valor – a depositar nos autos no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que, após liquidação, o fixar, sob pena de caducidade do direito de adquirir ora aqui reconhecido e de eventual condenação como litigantes de má fé – das obras de construção de tal andar ao tempo da sua incorporação, devendo ter-se em conta, além do referido em 3.2.6, 3.2.7 e 3.2.11, que a construção do andar ocorreu por volta de 1975, que este tem, pelo menos, a área de 70 m2, que para levar a cabo tal construção o Réu teve de construir a laje do tecto do armazém, e, ainda, que tal valor deve ser actualizado em função dos índices de preços publicados pelo Instituto Nacional de Estatística e em relação ao momento do seu depósito no processo e considerando aquela data.

Mais julgou totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção, e, em consequência, absolveu os Autores BB e marido CC do pedido (principal e subsidiário) contra eles formulado pelo Réu AA.

Em via de recurso pretendeu o Réu, ver sujeitas à sindicância do tribunal de 2.ª instância, as seguintes questões:

1ª) A de saber se da previsão legal do artigo 1340º do Código Civil se devem ter por excluídos os prédios urbanos;

2ª) A de saber se cabia aos Autores e ora Apelados, a alegação e a prova da aquisição originária do direito de propriedade relativamente ao armazém melhor referido nos nºs 3, 6., 8.e 9. da matéria de facto tida como provada e se no caso concreto, os mesmos lograram fazer tal prova;

3ª) A de saber se o custo do mesmo armazém e do andar melhor descrito nos nºs 3, 4.e 9. da matéria de facto tida como provada, era à data da sua construção, superior ao valor da parcela de terreno incorporada antes das obras realizadas;

4ª) A de saber se o Réu e ora Apelante, logrou provar todos os pressupostos de facto e de direito do direito de superfície que alega e relativamente às obras por si realizadas e já antes melhor descritas;

5ª) A da possibilidade do Réu e ora Apelante adquirir por acessão imobiliária a propriedade da totalidade do terreno em apreço, por ter ficado provado que á data da sua construção, o valor do armazém e do andar já antes melhor descritos, era superior ao valor da parcela de terreno onde se incorpora;

6ª) A que diz respeito á condenação do Réu e ora Apelante como litigante de má fé.”

Por douto acórdão proferido na Relação do Porto, em 10 de Fevereiro de 2011, foi decidido: “Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso de Apelação e, em conformidade, absolve-se o Réu do pedido de condenação como litigante de má fé.

 No mais, mantém-se a decisão recorrida”. [[2]]

È desta decisão que os Autores, irresignados, trazem a presente revista, para que o que alinham o sequente: 

I.2. - QUADRO CONCLUSIVO.

Para o recurso que interpuseram, conclui, o Réu/recorrente, com o sumário conclusivo que a seguir queda extractado.

“I – Vem o presente recurso do, aliás douto, Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Recorrente da sentença proferida a 23 de Fevereiro de 2010, pela 1.º Juízo Cível de Gondomar.

II – Encontra-se dado como assente pelo douto Tribunal "a quo", nomeadamente, que o Recorrente AA construiu um andar "sobre um armazém que faz parte da verba n.º 5 da descrição, andar esse pertencente ao referido AA", sendo que tal andar "está construído sobre tal armazém" (factos provados n.ºs 3.1.3 e 3.2.2.) sublinhado nosso.

III – Está assente, portanto, que o andar construído pelo Recorrente e que os Recorridos pretendem adquirir por via de acessão imobiliária, o foi sobre um armazém e não sobre um terreno.

IV – Ora, "a totalidade do prédio a que alude o art. 1340.º do C. Civil, atentos os fins da acessão, só pode considerar-se como sendo a nova unidade económica formada pelo terreno e pela construção edificada, já que é apenas relativamente a estes que existe o conflito de direitos que a lei quer resolver» ­Ac. ReI. Coimbra de 16/3/2010, proferido no processo n.º 301/04.9TBSPS, disponível in www.dgsi.pt

V – A lei é bem clara quando fala em terreno, pelo que em tal conceito não se poderá incluir, ainda que com recurso à interpretação extensiva, os prédios urbanos.

VI – Quisesse o legislador abranger os prédios urbanos e teria certamente previsto essa hipótese taxativamente.

VII – O art. 1340.º do CC não se mostra assim, aplicável aos casos em que se verifique a construção por um terceiro de um andar sobre um prédio urbano de outrem, não se encontrando qualquer referência à incorporação de uma obra em prédio urbano alheio, nos arts. 1339.º a 1343.º do Código Civil,

VIII – mas sim e tão só "em terreno alheio" – arts. 1340.º, n.ºs 1 e 4, 1341.º (epígrafe), 1342.º, n.º 1, e 1343°.

IX – Ou seja, a única referência a "prédio" que se encontra, decorre do n.º 1 do citado art. 1340.º, pelo que, ter-se-á então, de considerar que, atenta a definição categorial dos prédios levada a cabo pelo legislador no art. 204.º, n.º 2, do Código Civil,

X – e o teor do n.º 1 do art. 9.º da mesma Codificação, a figura jurídica da acessão industrial imobiliária é de exclusiva aplicação àquelas situações em que haja lugar à implantação de uma obra, sementeira ou plantação, por parte de um terceiro, em prédio rústico pertencente a outrem.

XI – A lei e a jurisprudência prevêem claramente que a nova "unidade económica" deverá ser formada pelo terreno e pela construção edificada.

XII – O andar construído pelo Recorrente foi-o sobre um armazém, sendo com esse armazém que a nova construção formou uma nova unidade económica e não com o terreno alegadamente propriedade dos Recorridos.

XIII – Resulta provado que, no exercício dos poderes de facto sobre a construção e edificação que o Recorrente levantou, sobre o armazém, agindo com a firme intenção de actuar com esses poderes como titular do direito de superfície, encontrando-se demonstrado o requisito do animus possidendi,

XIV – o que permite, se por mais não fosse, ter-se aquele constituído por usucapião a favor do Recorrente, um direito de superfície sobre as dita construção e edificação.

XV – Ora, a construção em apreço ocorreu há mais de 30 anos, por volta de 1975, altura desde a qual o Réu tem estado na posse e fruição da mesma, praticando, reiteradamente, todos os actos materiais significativos da sua posse, reparando-o, pagando as respectivas contribuições, à vista de toda a gente, continua e ininterruptamente, colhendo todas as utilidades e benefícios, sem oposição de quem quer que seja, sempre na convicção de que a construção aludida lhe pertence, na certeza de que jamais estaria a lesar interesses de outrem, ou seja, sobre a mesma exercendo todos os poderes próprios de um proprietário - ponto 3.1.5 dos factos provados.

XVI – É manifesta, assim, a aquisição do direito de superfície por usucapião, a qual deveria ter sido declarada procedente.

XVII – Deste modo, urge convocar neste momento de forma resumida o ponto 3.1.3 da douta sentença dos factos provados: «(…) conforme auto de adjudicação, mormente da conferência de fls. 8 e seguintes o prédio descrito na cláusula anterior na relação de bens ( ... ) fica esclarecido que a referida adjudicação não abrange um andar construído pelo interessado AA sobre um armazém que faz parte do prédio da verba n.º 5 da descrição, andar esse pertencente ao referido AA", (...) os proprietários do prédio da verba n.º 5 não poderão prejudicar as vistas das janelas do andar do interessado AA, o sublinhado é nosso.

XVIII – A verdade é que foi reconhecido pelos Recorridos o direito de propriedade do andar em causa, obrigando-se ainda a não limitar o seu direito de propriedade não podendo prejudicar as vistas das janelas do andar do Réu.

XIX – Com a presente acção, mudam a sua opinião, reivindicando a entrega do referido andar livre e devoluto, peticionando o reconhecimento da propriedade sobre aquele bem imóvel por via da acessão imobiliária industrial.

XX – bem sabendo, que o Recorrente há mais de trinta anos que o construi, que igualmente faz dele a sua habitação,

XXI – ora, tal acção, constitui actuação contra factum proprium, manifestamente ofensiva dos limites impostos pela boa fé e em clamorosa violação do princípio da confiança, ou seja, em claro abuso de direito.

 Tal descrição, refere-se aos autos de Inventário e consequente auto de adjudicação, tendo presente as partilhas que ambas partes levaram a efeito aquando do óbito dos pais da primeira Autora.

XXII – E, tal abuso de direito é de conhecimento oficioso.

XXIII – A expressão "venire contra factum proprium" significa vedação do comportamento contraditório, baseando-se na regra da pacta sunt servanda. Ou seja, existem dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo

XXIV – Resulta provado, das respostas à matéria de facto a existência do reconhecimento por parte dos Recorridos pertencer o andar ao Recorrente que o construiu e frui há mais de 30 (trinta) anos,

XXV – ora, foi este comportamento tido pelos Recorridos, ampliado ainda pela limitação do seu próprio direito de propriedade, tendo presente que ficou acordado não poderem estes prejudicar as vistas das janelas do andar do Recorrente, originou uma efectiva e concreta situação de confiança, originada pelas relações de amizade e familiares que as partes mantinham,

XXVI – confiança no que concerne a efectiva utilização do bem imóvel edificado e conservado ao longo de mais de 30 (trinta) anos, bem como, a imputação aos Recorrentes da confiança na estabilidade do "factum proprium",

XXVII – já que, foram eles Recorridos, que no auto de adjudicação em sede de inventario foi atribuído o prédio ao Recorrente com o consequente reconhecimento do direito de propriedade.

XXVIII – Os Recorridos na acção de reivindicação que intentaram contra o Recorrente, agiram claro abuso de direito.

XXIX – Assim, ao decidir como decidiu, violou o Venerando Tribunal da Relação do Porto o disposto nos arts. 9.º, 334.º, 342.º, 1316.º, 1317.º, 1325.º, 1326.º, 1340.º, 1524.º, 1525.º, 1526.º, 1528.º do Código Civil e arts. 266.º, 266.º A e 456.º do Código de Processo Civil.”

Em resposta, os Réus/recorridos rematam a respectiva argumentação com o quadro conclusivo sequente. 

1 - Alega o Recorrente nas suas Conclusões de I a XII que não existe fundamento legal para ocorrer a acessão imobiliária no caso em apreço, argumentando que o art. 1340.º do Cód. Civil não pode ser interpretado extensivamente no sentido de incluir no conceito de terreno os prédios urbanos, e por conseguinte tendo sido dado por assente que o andar que construiu não está implantado sobre o solo, mas, sobre um armazém, entende este que não se encontra preenchido o primeiro requisito para ocorrer a acessão imobiliária – ou seja, a construção de obra em terreno alheio. Acontece que,

2 - Fenece qualquer razão legal à argumentação do Recorrente, aliás, diga-se que este foi o primeiro problema que a douta sentença da 1.ª Instância e o Acórdão ora em crise descortinaram, e que de forma cabal resolveram. Pois,

3 - Veja-se que apesar do Recorrente se ter suportado quer de doutrina, como de jurisprudência para fundamentar a sua tese, o certo é que, lida a douta sentença o Acórdão ora em crise verifica-se que se apoiaram as suas decisões na Jurisprudência actual do STJ, os quais reflectem a posição maioritária da doutrina. Aliás,

4 - Diga-se, com o devido respeito, que é de tudo obsoleta a interpretação que o Recorrente faz do conceito terreno no itens VI a IX das suas conclusões face à actualidade, já que, é de todo irrisório que actualmente se entendesse que acessão imobiliária só fosse possível se a obra adquirir estivesse incorporada somente em prédio rústico como defende aquele. Aliás,

5 - É público e sabido que o espírito da acessão imobiliária caracteriza-se pela natureza inovadora e transformadora das obras que podem ter lugar em prédio alheio / seja unicamente solo / seja em construção existente / desde que não sejam obras de melhoramento e de reparação (RP / 4-3- 1997: BMJ / 465.º- 638). Daí que,

6 - Além da jurisprudência citada na douta sentença, outros mais arestos existem nesse sentido, os quais se passam a enunciar: STJ, 17-3-1998:AC/ STJ, 98, 1° - 134 e STJ, 17-3-1998: BMJ, 475 - 690. Além de que

7 - Como defende o grão Mestre Prof.° Antunes Varela na RLJ, ano 132, a pág, o instituto da acessão cobre igualmente quer as coisas móveis como as imóveis. Além de que,

8 - Atento o disposto no artigo 204.º, n.º1, alínea a) do Código Civil, a categoria de coisas imóveis abrange indistintamente quer os terrenos ou prédios rústicos quer os prédios urbanos.

9 - Por outro lado, considerou igualmente o Acórdão, e bem, que o facto do andar em apreço ter sido construído sobre um armazém e não sobre um terreno, não impede a aplicação ao caso em apreço do disposto no artigo 1340.º, n.ºs 1 e 3 do Código Civil.

10 - E isto porque, como foi dado como provado (pontos 1 e 2 da matéria dada como provada), "o prédio alheio aqui em vista é - considerado a sua totalidade - a casa de habitação de dois pavimentos, sita na Rua ................, S. ......, em Gondomar, inscrita na Matriz sob o artigo 15440, descrita na CRP sob o n.º 0000000, a f/s. 119-Vo, do livro 8-36, e do qual faz parte o armazém”;

 11 - Além do mais, é inquestionável que o aduzido prédio, na parte excedente ao armazém e andar, é propriedade dos AA (cf. Ponto 1 dos factos provados), aliado ao facto de ter ficado igualmente assente que o dito armazém dele é parte integrante.

12 - Aliás, é isso que resulta do Ponto 3 da matéria de facto provada, o qual relata o que se descreveu no inventário no qual eram co-interessados Recorridos e Recorrente, e onde foi reconhecido que o andar era pertença deste último. Mais,

13 – resultou ainda da descrição efectuada no aludido inventário que o andar pertença do Recorrente está construído no mesmo terreno onde foi edificada a casa pertença dos Recorridos, encontrando-se fisicamente encostado e unido a uma parte da mesma e com ela tendo comunicação interna através da cozinha e uma ligação por escada exterior (ponto 2 dos factos provados) . Contudo,

14 - o mais importante de tudo, é que a laje de tecto do armazém pertença dos Recorridos constitui o pavimento do andar do Recorrente, formando ambos um corpo construtivo único e inseparável (vide ponto 17 da matéria de facto provada) tendo o seu licenciamento sido pedido por EE, pai da Autora e do Réu (ponto 7 da mesma matéria de facto dada como provada ).

15 - Pelo exposto, deve-se ter como assente que está verificado in casu o pressuposto básico da acessão imobiliária, já que o Recorrente, com o seu trabalho, ligou coisas suas (materiais de construção e outras) a um prédio alheio, coisas essas que se incorporaram e confundiram de forma permanente e material assim se criando um andar de habitação com funcionalidade e relevo económico autónomos, mas indissociável do armazém sobre o qual foi construído.

16 - Assim, decidiu o douto Acórdão, e bem, que "Deste modo é de concluir que o facto do aludido andar não estar incorporado no solo, não constitui obstáculo à pretensão dos Autores/Apelados, razão pela qual e sem mais, improcede a primeira das pretensões recursivas do Réu e ora Apelante”.

17 - Aliás, esta é a questão fulcral, pela qual defendemos que os argumentos do voto de vencido, no que respeita ao entendimento de que no caso sub judice não se encontra preenchido o pressuposto básico da acessão, são destituídos de razão legal. Porquanto,

18 - esquece-se aquele voto de vencido, de que o andar e armazém não podem ser dissociados um do outro , pois , como acima referido, a laje do tecto de um, constitui o chão do outro, pelo que, se pergunta onde está a autonomia de cada um ???.Além de que,

19 - com o devido respeito, esquece-se aquele voto de vencido que o andar do Recorrente está implantado sobre o armazém, e faz parte integrante do resto do prédio propriedade dos Recorrentes encontrando-se fisicamente ligado com a casa, pelo que, de novo se pergunta onde está a autonomia dele ???.

20 - A realidade é que, não deve ser esquecido, e parece que o Recorrente e o voto de vencido se esqueceram, é que apesar de ter sido dado como provado nos itens 3.1.1, 3.1.2 e 3.1.3 da especificação e 3.2.1 da resposta à base instrutória, o armazém onde aquele incorporou o andar é pertença dos Recorridos, o qual está incorporado no solo do prédio, também este pertença deles.

Pelo exposto,

21 - ao decidir, como decidiu quanto a esta questão, o douto Acórdão reflecte a posição maioritária da doutrina, aliás, diga-se , com o devido respeito, que é de tudo obsoleta a interpretação que o Recorrente faz do conceito terreno no itens 13 a 25 das suas Alegações face à actualidade, já que, é de todo irrisório que actualmente se entendesse que acessão imobiliária só fosse possível se a obra adquirir estivesse incorporada somente em prédio rústico como defende aquele. Na verdade,

22 - Para argumentar a existência do direito de superfície, parte o Recorrente de uma falsa premissa nos itens XIII a XVI das suas conclusões, ou seja de que foi o construtor do armazém e de que é seu proprietário. Pois,

23 - in casu não se verificam preenchidos os requisitos legais do direito de superfície, mormente, o preceituado nos artigos 1524.º e 1525.º do Cód. Civil, porquanto, resultou provado que o Recorrente não construiu o armazém, sendo que aquilo que construiu limita-se ao andar que implantou sobre aquele armazém, propriedade dos Recorridos. Por outro lado,

24 - a construção efectuada pelo Recorrente não está implantada sobre o solo do prédio dos Recorridos, mas está sobre o armazém destes, logo em contradição com o estipulado e previsto nos artigos 1524.º e seguintes do Cód. Civil. Na realidade,

25 - como bem refere o Recorrente “o art. 1524.º aponta inequivocamente, como elemento fundamental típico e especifico da superfície, a relação do superficiário com o solo . É esse, de facto, não só o aspecto essencial, mas o elemento irredutível da superfície...". Ora,

26 - reportando-nos ao caso em apreço verifica-se que tendo resultado claramente provado que o armazém não foi construído pelo Recorrente , nem dele é proprietário, então o andar que implantou não foi sobre o solo. Além do mais,

27 - nunca poderia o Recorrente invocar a aquisição do direito de superfície sobre o terreno dos Apelados pelo instituto do usucapião, quando nunca esteve na posse nem do terreno, nem do armazém sobre o qual implantou o seu andar. A verdade é que,

28 - ín casu verificam-se todos os pressuposto legais para operar a acessão imobiliária por parte dos Apelados do andar que o Recorrente implantou sobre o armazém da propriedade destes, como bem decidiu a douta sentença da 1 a Instância e Acórdão ora em crise. Vejamos,

29 - O Recorrente implantou uma construção - andar sobre um armazém dos Apelados, ou seja terreno alheio, sendo certo que, ultrapassada está a questão de tal incorporação não ter sido em terreno , mas sobre uma construção, por tudo supra exposto, e aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

30 - Nos itens XVII a XXIX das suas Conclusões o Recorrente alegou e invocou a produção dos efeitos jurídicos do abuso de direito na modalidade de veníre contra factum propríum no caso em apreço, suportando-se da breve exposição que desta figura jurídica fez o voto de vencido. Pois,

31 - sendo o andar um bem próprio do Recorrente, e o restante do prédio onde o mesmo estava implantado, um bem a partilhar, havia a necessidade, como acima já devidamente se expôs, de se descrever de forma concreta e objectiva a composição deste, como o fizeram no ponto 3.1.3 , até porque, o restante do prédio foi adjudicado aos Recorridos .É que,

32 - como já acima referido, em lado algum daquele ponto 3.1.3 da matéria de facto dada como provado, está escrito que as partes renunciaram a qualquer direito mormente, o de mais tarde virem a "resolver" a questão de um bem próprio estar edificado sobre um bem alheio. e o qual é parte integrante do restante do prédio do qual faz parte ainda uma casa. Na verdade,

33 - com o devido respeito, só essa renúncia podia criar no Recorrente uma situação de confiança e estabilidade, de forma a se preencher o requisito legal da figura do abuso de direito na modalidade invocada .

34 - Face ao exposto, há que analisar que para que ocorra abuso de direito, é necessário que se encontrem preenchidos os seus quatro pressupostos, ao abrigo da figura veníre contra factum propríum, que são, o que se passa a fazer:

35 - veja-se que do que resultou provado no ponto 3.1.3 da matéria de facto dada como provada da douta sentença, não se retira que as partes ao acordarem da forma que lá consta, renunciaram a qualquer direito de alterarem a situação posteriormente, mormente, pela via da acessão . Pelo que,

36 - não se pode retirar da conduta dos Recorrentes de só ora terem intentado a presente acção, como uma conduta contraditória e de má fé, até porque, o que resulta da Reconvenção deduzida pelo Recorrente, é que este sabia que a mesma podia ocorrer, motivo, pelo qual usou dos mesmos meios legais para reivindicar a propriedade. Assim,

37 -verifica-se que a situação de confiança, traduzida na boa-fé da própria pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium), primeiro requisito legal do abuso de direito não se encontra preenchido in casu. Aliás,

38 - é também da Reconvenção deduzida pelo Recorrente que resulta que no caso em apreço não se encontra preenchido o segundo requisito do abuso de direito. Pois,

39 - tendo o Recorrente deduzido os vários pedidos que ali deduziu demonstra que os Recorrentes não lhe deram qualquer justificação para a confiança que é necessário no abuso de direito, até porque ele também usou dos mesmos meios legais para resolver uma situação, que bem sabe que legalmente não é nem favorável, nem a um , nem a outro .Por outro lado,

40 - entendem os Recorrente que in casu falece ainda o terceiro requisito legal do abuso de direito, ou seja, o investimento de confiança, traduzido o facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa clara injustiça, visto que, com a procedência da Acção, o Recorrente será indemnizado pelo justo valor do seu bem imóvel, valor esse arbitrado por perícia judicial, inexistindo qualquer situação de injustiça.

41 - Ademais, pelos argumentos já atrás expendidos entendem os Recorridos que também não se encontra preenchido no caso sub Júdice o quarto requisito legal - uma imputação de confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de modo algum recondutível. Aliás,

42 - Pelo exposto, entendem os Recorridos que não ocorre no seu comportamento qualquer abuso de direito na modalidade de venire contra factum, sendo que, se atrevem a referir que abuso de direito verifica-se é no comportamento do Recorrente, que depois de ver defraudados os seus pedidos reconvencionais, vem numa última tentativa, socorrendo da versão simplicista do voto de vencido, tentar aquilo que não conseguiu nas duas anteriores instâncias – a improcedência da Acção. É que,

43 - enquanto o Recorrente viu que teria um resquício de fundamento legal para conseguir reivindicar pela via da acessão e do direito de superfície, não se socorreu do abuso de direito ???

44 - Pelo exposto, ao decidir consoante o douto Acórdão, não violaram Venerandos Conselheiros os arts. 9, 342, 1316, 1317, 1325, 1326, 1340, 1524, 1525, 1526, 1528 todos do Cód. Civil e arts. 266, 266-A e 456 do C.P.C., tendo feito uma correcta aplicação dos mesmos, o que já não se pode dizer do voto de vencido, o qual viola o art. 334 do Cód. Civil.”

II.3. – Questões a ser apreciadas. 

Em face do quadro conclusivo acertado pelo Autor/recorrente consideram-se pertinentes para conhecimento da pretensão recursiva do Autor, as seguintes questões:

 - Aquisição (originária) do direito de propriedade por Acessão industrial imobiliária;

- Abuso de Direito;

- Direito de Superfície.

II. - FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

O Tribunal “a quo” teve como provados os seguintes factos:

1. Os Autores são os únicos e exclusivos donos de uma casa de habitação de dois pavimentos, sito no Rua ................, na freguesia de S. Cosme, no município de Gondomar, a confrontar do Norte com o proprietário, do Sul com herdeiros de DD e outros, do Nascente com Estrada Nacional e do Poente com caminho público, inscrita na matriz da referido freguesia sob o artigo 1544°, que lhes adveio da herança aberta por óbito de FF e marido EE, pais da Primeira autora e aqui Réu AA, conforme documento n.º1 que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais [al. A da Especificação]

2. Da descrição da verba n.º 5 da relação de bens junta aos autos consta o seguinte: casa de habitação de dois pavimentos, sita na Rua ................, freguesia de S. ......., Gondomar, a confrontar do norte com o proprietário, sul com herdeiros de DD e outros, do nascente com Estrada Nacional e do poente com caminho público, descrito na Conservatória com a n.º 8918 a fls. 119 vº do Livro B-36 e inscrita na matriz da respectiva freguesia sob o art.º 1544° (...)”. [al. B da Especif.]

3. Conforme Auto de adjudicação, mormente da conferência de fls. 8 e seguintes, o prédio descrito na cláusula anterior, na Relação de Bens a fls. 5 a 7 como Verba n°5, consta que “fica esclarecido que a referida adjudicação não abrange um andar construído pelo interessadoAA sobre um armazém que faz parte do prédio da verba n°5 (cinco) da descrição, andar esse pertencente ao referido AA. O interessado AA fica com direito a acesso ao dito andar através do portão com o número de polícia ....., da Travessa .............. e corredor de acesso às escadas que estão no enfiamento do dito portão, que terão a largura deste e que será vedada com um muro de altura de 7 metros pelos interessados BB e marido (...). Os proprietários do prédio da verba n.º 5 não poderão prejudicar as vistas das janelas do andar do interessado AA. O interessado AA obriga-se a no prazo de 30 dias desocupar todo o espaço correspondente à verba n°5, entregando-a livre de pessoas e coisas aos interessados BB e marido, exceptuando um armazém (...)”. [al. C da Especif.]

4. O andar referido em 3., foi construído pelo réu em prédio pertença de FF e EE, seus pais, com conhecimento e autorização dos mesmos. [al. D da Especif.]

5. Tal edificação ocorreu, há mais de 30 anos, por volta de 1975, altura desde a qual o Réu tem estado na posse e fruição da mesma, praticando, reiteradamente, todos os actos materiais significativos da sua posse, reparando-o, pagando as respectivas contribuições, à vista de toda a gente, contínua e ininterruptamente, colhendo todas as utilidades e benefícios, sem oposição de quem quer que seja, sempre na convicção de que a construção aludida lhe pertence, na certeza de que jamais estaria a lesar interesses de outrem, ou seja, sobre a mesma exercendo todos os poderes próprios de um proprietário. [al. E da Especif.]

6. O armazém foi licenciado pela Câmara Municipal de Gondomar pelo processo n.º 3l7/58. [al. G da Especif.]

7. O Requerente de tal licenciamento foi EE.
[al. F da Especif.]

8. O armazém referido em 3., está construído no mesmo terreno onde o foi a casa referida em 1., está fisicamente encostado e unido a uma parte da mesma e com ela tem comunicação interna através da cozinha e uma ligação por escada exterior. [resposta ao quesito nº 1]

9. O andar referido em 3., está construído sobre tal armazém. [resposta ao quesito nº 2]

10. Os AA não pretendem que ao Réu continue a pertencer o andar. [resposta ao quesito nº 9]

11. O andar referido em 3.e 4. tem, pelo menos, 70 m2 de área. [resposta ao quesito nº 12]

12. O armazém sobre o qual está construído o andar tem a área de cerca de 97,5 m2, medidos pelo perímetro exterior. [resposta ao quesito nº 13]

13. À data da construção do andar, o valor deste era inferior ao do terreno (considerado este na sua totalidade) mas superior ao do armazém. [resposta ao quesito nº 14]

14. O valor do andar referido em 3.e 4. corresponde a cerca de 1/10 do valor do terreno (considerado actualmente e na sua totalidade). [resposta ao quesito nº 15]

15. Para construir o andar de habitação, o Réu teve de construir a laje de tecto do armazém. [resposta aos quesitos nº 20 e 21]

16. Sem a laje referida em 15., não era possível construir o andar. [resposta ao quesito nº 22]

17. A laje de tecto do armazém constitui pavimento do andar, formando ambos corpo construtivo único e inseparável. [resposta ao quesito nº 25]

18. O custo do armazém e andar era, à data da sua construção, substancialmente superior ao custo da parcela de terreno incorporada. [resposta ao quesito nº 26]”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Aquisição (originária) do direito de propriedade por Acessão industrial imobiliária.

Preceitua o artigo 1340.º, n.º 3 Código Civil “que se o valor acrescentado for menor, as obras, as sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação”.   

A inserção normativa do segmento de norma transcrito induz a necessidade de concitar para a presente decisão os pressupostos da acessão industrial imobiliária e, quiçá, a distinção entre acessão industrial imobiliária e benfeitorias. Na verdade, para que surja a obrigação de indemnizar por parte do dono do terreno onde a obra, as sementeiras ou plantações foram incorporadas ter-se-ão que ter por verificados os requisitos imperativos e necessários que permitam ao interventor reclamar/beneficiar do direito de ser ressarcido das despesas efectuadas com as obras realizadas no terreno do obrigado a indemnizar.

De harmonia com o estatuído no n.º1 do artigo 1340.º do Código Civil “[se] alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantação, tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações”, porém, “se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com a obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação” - n.º 3 do mencionado artigo.

Entende-se que houve boa fé se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno” - cfr. n.º 4 do artigo 1340.º, do Código Civil).

Para que o dono do terreno onde a obra, sementeira ou plantação possa reivindicar, com sucesso, o direito a aceder no direito de propriedade sobre a obra construída ou incorporada no terreno onde as obras foram incorporadas, exige a lei (de forma genérica e para todas as situações elencadas no suposto de facto constante do artigo 1340.º do Código Civil) que estejam verificados os sequentes pressupostos materiais ou substantivos: 

a) que a incorporação realizada resulte de um acto voluntário do interventor na feitura de uma obra, sementeira ou plantação;

b) que essa incorporação seja efectivada em terreno que não lhe pertença ou seja propriedade de outrem;

c) que os materiais utilizados na obra, sementeira ou plantação pertençam ao interventor/autor da incorporação;

d) que da incorporação da obra, sementeira ou plantação resulte a constituição de uma unidade inseparável, permanente, definitiva e individualizada entre o terreno e a obra, sementeira ou plantação; [[3]/[4]]

e) que o valor acrescentado pela obra, sementeira ou plantação acrescente valor (económico e substantivo) aquele que o prédio possuía antes de ter sofrido a incorporação da obra, sementeira ou plantação ser superior ao valor que o prédio tinha antes da incorporação;

f) que o interventor da obra, sementeira ou plantação tenha agido de boa fé (psicológica); e

g) que actue potestativamente de modo a formular uma pretensão de adquirir para si o direito de propriedade da coisa que sofreu a sua intervenção. [[5]]

O alinhamento dos requisitos substantivos que regem para o instituto jurídico da acessão industrial imobiliária possibilita uma primeira abordagem integradora da questão de facto adquirida para a apreciação do recurso.  

Prende-se com a questão da separabilidade ou inseparabilidade da construção edificada pelo recorrente “sobre o armazém” que faz parte do prédio de dois andares pertencente aos Autores/recorridos.  

Ainda que com posições divergentes na jurisprudência [[6]] é maioritária a posição de que nada obsta ao exercício do direito (potestativo) de acessão industrial imobiliária o facto de a obra ser integrada ou incorporada em prédio urbano. [[7]] Mister é que a incorporação se realize de modo a que a obra realizada constitua uma realidade física sequenciada e integrada no edifício que a recebeu, podendo ser compósita mas estruturalmente inserida e integrada. Assim, por exemplo, a obra realizada em edifício arruinado ou em decomposição e que arrancando da estrutura matricial, pela incorporação efectuada, origina um prédio de características similares, ainda que de configuração arquitectónica diversa.
Para que se possa falar de uma incorporação de obra nova em edifício urbano terá que arrancar-se, necessariamente, da realidade existente, como edifício receptor da incorporação, que conleva, et pour cause, uma alteração estrutural, mas de parametrização idêntica ou funcionalmente conformada. 
No caso dos autos ficou provado que o Réu/recorrente edificou, de boa fé – porque com autorização dos anteriores proprietários – um andar sobre um armazém existente (onde os anteriores proprietários exerceriam a industria de colchoaria) e que para o fazer teve de colocar uma “construir a laje de tecto do armazém”. [resposta aos quesitos nº 20 e 21] e que “sem a laje referida em 15., não era possível construir o andar.”
A questão suscitada no douto voto de vencido, da separabilidade ou inseparabilidade do andar construído pelo réu/recorrente, concita, ao contrário do desdouro que lhe conferiu o autor/recorrido, a questão axial para aferir da verificação ou não dos requisitos/pressupostos da acessão industrial imobiliária que potestativamente os autores impeliram contra o réu.
Para que uma construção efectuada num ou sobre um prédio urbano adquira a função de inseparabilidade torna-se necessário que: a) - a edificação realizada se insira ou integre no edifício, parte dele ou ruínas existentes; b) - que a construção edificada, ainda que de feição arquitectónica não coincidente ou continuada, assente e seja a continuação física do prédio ou parte dele existente; c) - que entre a construção existente e a obra edificada se perceba a confusão do existido e do inovado; d) - que não existam soluções de descontinuidade entre a construção existente e a construção realizada; e) - que se constitua uma unidade (continuada e inseparável) entre a coisa existente e o edifício que passou a existir; f) - que a construção, no seu todo e na estrutura fundante e matricial, se prefigure como uma unidade indissolúvel e permanente.

Como se procurou discernir na exposição teórica, a questão do suposto de facto que vem para ser decidido, atina com a questão de saber se a construção (obra) efectuada pelo recorrente possui um carácter permanente e inseparável da construção sobre que foi edificada ou se se constitui como um corpo ou estrutura autónoma, individualizada, destacada, funcionalmente diferenciada e estruturalmente distinta da estrutura sobre que foi construída. Vale por dizer se a construção acrescentou ou incorporou na estrutura existente um valor homologo e assimilável na estrutura existente ou, ao invés, se o valor da fracção se distingue e separa da construção existente, por ser um valor diferenciado e não integrado na mencionada construção. Ou dito de outra forma, se o valor do andar construído foi acrescentado tendo em vista a sua incorporação no armazém existente ou se ao invés foi acrescentado tendo em vista a construção de uma unidade distinta e autónoma e sem qualquer afinidade, estrutural ou funcional, com a realidade existente à data em que a construção foi efectuada.     

Para a disquisição da aporia convocada importa repristinar o tramo de matéria de facto em que se obteve consenso acerca da titularidade, destino, fruição e uso do andar. A propósito ficou adquirido que: “2. Da descrição da verba n.º 5 da relação de bens junta aos autos consta o seguinte: casa de habitação de dois pavimentos, sita na Rua ................, freguesia de S. Cosme, Gondomar, a confrontar do norte com o proprietário, sul com herdeiros de DD e outros, do nascente com Estrada Nacional e do poente com caminho público, descrito na Conservatória com a n.º 8918 a fls. 119 vº do Livro B-36 e inscrita na matriz da respectiva freguesia sob o art.º 1544° (...)”. [al. B da Especif.]

3. Conforme Auto de adjudicação, mormente da conferência de fls. 8 e seguintes, o prédio descrito na cláusula anterior, na Relação de Bens a fls. 5 a 7 como Verba n°5, consta que “fica esclarecido que a referida adjudicação não abrange um andar construído pelo interessado AA sobre um armazém que faz parte do prédio da verba n°5 (cinco) da descrição, andar esse pertencente ao referido AA. O interessado AA fica com direito a acesso ao dito andar através do portão com o número de polícia ....., da Travessa .............. e corredor de acesso às escadas que estão no enfiamento do dito portão, que terão a largura deste e que será vedada com um muro de altura de 7 metros pelos interessados BB e marido (...). Os proprietários do prédio da verba n.º 5 não poderão prejudicar as vistas das janelas do andar do interessado AA O interessado AA obriga-se a no prazo de 30 dias desocupar todo o espaço correspondente à verba n°5, entregando-a livre de pessoas e coisas aos interessados BB e marido, exceptuando um armazém (...)”. [al. C da Especif.]

4. O andar referido em 3., foi construído pelo réu em prédio pertença de FF e EE, seus pais, com conhecimento e autorização dos mesmos. [al. D da Especif.]

5. Tal edificação ocorreu, há mais de 30 anos, por volta de 1975, altura desde a qual o Réu tem estado na posse e fruição da mesma, praticando, reiteradamente, todos os actos materiais significativos da sua posse, reparando-o, pagando as respectivas contribuições, à vista de toda a gente, contínua e ininterruptamente, colhendo todas as utilidades e benefícios, sem oposição de quem quer que seja, sempre na convicção de que a construção aludida lhe pertence, na certeza de que jamais estaria a lesar interesses de outrem, ou seja, sobre a mesma exercendo todos os poderes próprios de um proprietário. [al. E da Especif.].”

A matéria de facto transcrita realça uma cópia de situações de facto que importa destacar para a solução a conferir para a questão da separabilidade ou inseparabilidade do andar. Assim: a) - o andar foi construído pelo Réu com consentimento dos pais que eram os donos do complexo formado pelo prédio de que os autores são proprietários e do armazém; b) - na partilha efectuada o andar ficou ablaqueado do prédio de dois andares constituindo-se como um imóvel autónomo e unidade económica diferenciada; c) - os proprietários dos dois imóveis anuíram nas condições de fruição e uso do andar, conferindo o modo de utilização dos espaços de acesso e uso (passagem) interno e servidão de vistas; d) - o imóvel não tem comunicação com o prédio de dois andares, a comunicação deste prédio é com o armazém que por sua vez tem como tecto uma laje isoladora do restante espaço do armazém (assim se presume).

Este leque de factos ou se situações de facto adquiridas possibilita ou admite depreender que: 1) - os autores, de forma consensual e autonomamente, admitiram que o andar era uma realidade autónoma, diferenciada, destacada e unimodular; b) - os autores aquiesceram que aquela unidade económica não seria acoplada ao prédio de dois andares; c) - os autores excluíram da sua esfera de acção a dominialidade sobre o mencionado andar e apartaram-se de interferir na sua titularidade; d) - reconheceram que o andar construído constituía uma realidade física, económica e individualmente destacada que importava não incluir no complexo existente.

Do que vem sendo esquematizado retiramos a ilação, segura, de que o andar, tal como se encontra inerido ou integrado no complexo edificado no terreno dos autores se constitui como uma realidade ontológica diferenciada e independente que não deve ser absorvida pela realidade dominial adjacente pela mera operação contabilística dos valores em cotejo. Na verdade, como se procurou demonstrar, o andar foi constituído como uma unidade destacada e diferenciada do prédio dos autores – aliás reconhecida e possibilitada por estes que estabeleceram o modo e forma de uso e fruição à custa do seu prédio – e não possui com o prédio destes ou com o armazém sobre que foi construído qualquer afinidade ou isonomia estrutural e/ou funcional.

Concluímos pela falência de um dos requisitos para que se possa atribuir a propriedade com base na acessão industrial imobiliária.
Ainda que assim não fosse, a pretensão dos autores soçobraria pelo valimento da excepção peremptória de direito material de abuso de direito, como procuraremos demonstrar no apartado sequente.   

II.B.2. – Abuso de Direito.   

Nas relações jurídicas estabelecidas entre os sujeitos jurídicos rege como principio invadeável aquele de que, tanto na formação como na execução dos contratos e das relações jurídicas relevantes para a ordem jurídica, se devem usar valores de boa fé e de correcção. No dizer da sentença do tribunal da cassação de 18 de setembro de 2009 “como critérios de reciprocidade, finalizados, substancialmente, em manter uma relação jurídica num binário do equilíbrio e da proporcionalidade”. “Na aplicação prática a cláusula geral de correcção e boa fé fornecem critérios de orientação teleológico de conduta nas relações de direito privado, consignando ao interprete a ideia de obrigação e realizando nesta perspectiva, o que soe chamar-se “fecho”do sistema legislativo”. [[8]]  

Ideia e critério fundante da teoria dos contratos, a clausula geral de boa fé permanece ínsita em todas as áreas do direito em que os sujeitos jurídicos devam assumir obrigações e direitos de reciprocidade e de comutatividade. Os comportamentos assumidos nas relações que se estabelecem devem pautar-se por regras de ética e de empenho pessoal no cumprimento dos deveres assumidos de modo a que se torne previsível um são e salutar desenvolvimento do relacionamento contratual estabelecido.

A dessunção das regras de comportamento de correcção relacional só são passíveis de apreciação no que é designado “direito vivente”, no sentido de que é a neste que se verte e exprime a conduta dos agentes sociais e é deste que se induz o particular-concreto para aferição dos parâmetros gerais estabelecidos como regras orientadoras do direito. [[9]]   

Daí que “o Juiz, ainda que, “não invente direito novo, mas descobre ou revela direitos e deveres através de um proceder que se pode exemplificar tendo em conta algumas premissas de método”. “Entre estas premissas, os princípios gerais (sobretudo se dotados de cobertura constitucional) desenvolvem uma função fundamental de “directiva” para o Juiz na sua actividade de correcta “concretização” da indeterminação própria do dever geral de boa fé”. [[10]]  

Corolário da cláusula geral ou princípio de boa fé é o exercício dos respectivos direitos ao eito de escopos éticos e sociais “pelo qual o próprio direito vem reconhecido e concedido pelo ordenamento jurídico positivo, o uso anormal do direito pode conduzir o comportamento do particular (no caso concreto) fora da esfera do direito subjectivo, tornando-o, por conseguinte, ilícito, segundo as normas gerais do direito material” [[11]]

A esta nova luz, o abuso do direito é concebido - na teorização feita pela mais recente jurisprudência da Corte Suprema - como uma alteração juridicamente relevante do factor causal no exercício de um direito. O abuso do direito longe de pressupor uma violação no sentido formal delineia, pois, uma utilização alterada do esquema formal do direito, finalizada pelo conseguimento de objectivos ulteriores e diversos aos que estavam indicados pelo legislador”. [[12]]   

Na estatuição do artigo 334.º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

A ordem jurídica não protege de forma indelegável e absoluta um direito subjectivo e o interesse que lhe vai adstrito, no plano de um interesse positivo e funcionalmente tutelado. No desenvolvimento da equação ou tensão entre existência e alcance de interesse e reconhecimento e exercício do direito subjectivo “a ordem jurídica não aceita uma funcionalização geral do reconhecimento da titularidade (ou só do exercício) do direito subjectivo à existência de um interesse digno de protecção legal, objectivamente apreciado, e que tenha de justificar o exercício do direito nas circunstâncias em causa. Antes o direito subjectivo (distinto, pois, por esta nota, dos poderes-deveres ou poderes funcionais) comporta um poder não estritamente funcionalizado, ainda que não necessariamente arbitrário – o que é diverso da imposição de qualquer dever ou ónus de fundamentação teleológica, mesmo apenas em termos de “razoabilidade”. A regra, no direito privado (e correspondentemente com o sentido do modelo jurídico-privado de ordenação e afectação de recursos, terá, aliás, de ser sempre a de que, pelo menos no domínio do direito subjectivo, a definição e interpretação dos interesses para que se exerce o direito subjectivo apenas cabe ao seu titular, podendo, até, incluir, como via para sua satisfação, o próprio não exercício ou a destruição do respectivo objecto (salvo no caso de direitos indisponíveis). E em termos tais que o “substrato teleológico” do exercício da posição apenas relevará quando, além do prejuízo causado a terceiros, for radicalmente dissonante, ou contrário, em relação ao que pode justificar o reconhecimento do direito subjectivo e a colocação ao seu serviço do aparelho sancionatório estadual – em termos, portanto, de a movimentação deste aparelho se revelar inexigível in casu”. [[13]]   

Na acepção de Orlando de Carvalho, versado pelo Autor citado, “O abuso de direito existe quando há um exercício do direito fora do âmbito do exercício do poder de autodeterminação que é próprio fundamento do reconhecimento de direitos subjectivos, propondo, como critério para o apurar a falta de interesse no exercício do direito a apreciar em abstracto ou concreto, e a transcendência do prejuízo em relação ao agente. Esta concepção implica, pois, uma distinção em relação à boa fé entendida enquanto norma de conduta: enquanto nesta está em causa uma regulamentação da conduta dos particulares, um problema de actuação contra legem, no abuso de direito o que é relevante não é a violação do direito objectivo, e sim a falta de interesse conjugada com a “transcendência do prejuízo”.” [[14]]  

O abuso de direito enquanto forma desviada e jurídico-socialmente reprovável de um direito subjectivo constitui-se como paralisador do exercício do direito na medida em que o interesse (positivo) prosseguido pelo respectivo titular se coloca numa posição de defraudação da expectativa jurídica expressa na estabilização jurídico-material da normação adrede. Vale por dizer que a ordem jurídica ao estabelecer consagrar as regras de accionamento e exercício dos direitos conleva um feixe de interesses que na sua tensão e conflitualidade podem obnubilar o interesse positivo associado ao direito subjectivo desde que o prejuízo que desse exercício advenha sobreleve na sua extensão e alcance.

Como consequência de uma eventual abuso do direito, o ordenamento põe uma regra geral, no sentido de recusar a tutela aos poderes, direitos e interesses exercitados em violação das correctas regras do exercício, posto serem mediante comportamentos contrários à boa fé. Nesta forma de “mancanza di tutela” está a finalidade de impedir que possam ser conseguidos ou conservadas vantagens – e direitos conexos – através de actos em si estruturalmente idóneos, mas exercitados de modo a alterar-lhe a função, “violando la normativa di correttezza”. [[15]]        

O excurso teorético que acabamos de realizar serve para justificar a solução que já deixamos anunciada, qual seja a de que estimamos revestir o exercício do direito potestativo de acessão industrial imobiliária, praticado pelos autores de ilegítimo e contrário à ordem jurídica.

Recenseando os factos mais salientes, temos que: a) - a autora mulher e o réu são filhos de FF e marido EE; b) - no inventário a que se procedeu por óbito destes a autora mulher e o autor marido reconheceram que o réu era dono de um andar construído sobre um armazém que estava anexo a um prédio de dois andares, que lhes foi adjudicado; c) - que esse andar ficou a poder ser fruído e usado pelo reconhecido proprietário, mediante a constituição de servidões de passagem e de vistas (para abreviar alusões e conceitos); d) - que os autores, apesar de não terem renunciado, expressa e formalmente, a qualquer exercício de direitos deixaram claro que o andar estava excluído do acervo da herança e não se integrava no complexo edificado no terreno.

Com este quadro factual estamos em crer que os requisitos materiais que regem para o abuso de direito se encontram preenchidos. A adjudicação constante do inventário constitui-se como um contrato ou acordo de partilha que obriga os contraentes a, na sua execução, cumprir os pontos acordados e a observar os termos do acordo celebrado. Com a gestação e consecução do acordo quanto à forma como ficavam distribuídos os bens que constituíam o acervo da herança dos pais de autora e réu ficou estabelecido um patamar relacional que induzia um nível de segurança elevado em ambos os contraentes. Com o reconhecimento do direito de propriedade, com o estabelecimento do regime de fruição e uso dos espaços de acesso e de vistas, criou-se, no réu uma legitima e reconhecida expectativa, jurídica tutelada, de que a propriedade do andar não seria questionada ou importunada pelos seus vizinhos.

Nem se diga, como fazem os autores, que seria necessário ter existido uma renúncia, expressa e formal, para que o réu estivesse posto a recato do exercício de qualquer direito potestativo por parte dos autores. A formação dos contratos e a sua execução têm, como se procurou demonstrar, regras de boa fé e de correcção que não exigem escritura pública ou declarações formais dos contraentes para que possam vigorar e ser reclamadas nas relações internas dos contratos. Não se tornaria necessário, em nosso juízo, que, perante as declarações de vontade expressas e vertidas no auto de adjudicação qualquer dos contraentes tivesse necessidade de formalizar uma manifestação de renúncia a qualquer exercício de direito posterior. O estabelecimento de um nível de confiança, meridianamente compreensível e inteligível, passava, no caso concreto, por ter ficado acordado que o andar ficava excluído da adjudicação e que os autores reconheciam para além do direito de propriedade sobre o andar os direitos reais menores e conexos que permitiam a fruição e uso desembaraçado e desenvolto do imóvel.

O exercício de um direito potestativo de acessão industrial imobiliária constitui-se, assim, e no caso que nos ocupa, como uma violação do principio da boa fé contratual e da correcção que deve presidir e reger para os acordos, autónoma e livremente assumidos. È violador do principio da boa fé a postergação dos compromissos assumidos, nomeadamente aqueles que se revelaram geradores de níveis de confiança e de expectativa jurídica passível de tutela, e a quebra dos deveres de correcção e de equilíbrio que foram estabelecidos entre os contraentes.

Ao propor uma acção em que derrogava o reconhecimento do direito de uso, fruição e disposição de um bem, os autores agiram contra princípios de correcção e boa fé ilaqueador da tutela do direito que peticionam, devendo, por isso, ser-lhes inviabilizada a sua acção.

II.B.3. – Aquisição do Direito de superfície.

A solução dada ao direito peticionado pelo Autor acarta a necessidade de conhecimento do pedido reconvencional, nomeadamente da constituição do direito de superfície, por usucapião.

Nas conclusões XII a XVI pugna o recorrente pelo reconhecimento da constituição de um direito de superfície por, há mais de 30 anos que tem fruído e usado do andar que construiu sobre o armazém.

O artigo 1524.º do Código Civil define como direito de superfície como a “faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter construções”.

Seguindo de perto o estudo de Armindo Ribeiro Mendes “[tendo] especialmente em vista o caso da superfície no direito português vigente:

a) O direito de superfície entendido como figura complexa é um direito real menor pelo qual se efectua um parcelamento jurídico de um prédio, pela derrogação do princípio da acessão, de modo que o titular desse direito tem «a faculdade de cons­truir ou manter, perpétua oU temporariamente uma obra em terreno alheio ou de nele fazer ou manter plantações» (art.1524.o do Código Civil);

b) O direito de superfície, entendido em sentido restrito como poder de construir ou plantar em solo alheio, não se con­funde com a propriedade da obra ou plantação superficiária, pois que lhe é logicamente anterior, sendo em certa medida um direito «prodrómico» que pode existir sem que exista actual­mente uma propriedade superficiária;

c) O direito de superfície não é, para o nosso Código Civil, só um «direito de implantação» ou concessão ad aedificandum, mas também um «direito de manter» obra ou árvores já existentes alienadas separadamente do solo (art.1528.º do Código Civil);

d) O direito de superfície recaindo sobre uma parte de um prédio que é o objecto também de um direito propriedade do fundeiro, incidindo este, porém, sobre parte distinta da primeira, integra-se numa situação de conflito de direitos reais sobre partes de uma coisa.

Em conclusão, podemos definir o direito de superfície como o direito real menor de fazer e manter obra ou plantação (a propriedade superficiária) em solo alheio, ou ter aí obra ou plantação próprias, já existentes antes da constituição do direito, e a alienadas separadamente do solo.” [[16]/[17]

O direito real de superfície tanto pode ser constituído sobre o solo como sobre uma construção já existente. Na verdade preceitua o artigo 1526.º do C. Civil que “o direito de construir sobre edifício alheio está sujeito às disposições deste título e às limitações impostas à constituição da propriedade horizontal; […]”.

As situações são de natureza diferente, porque o direito de construir ou de plantar em terreno alheio é uma concessão “ad aedificandum” ou “ad plantandum”, feita pelo proprietário do solo – uma autorização que se dá a outrem para construir.

O direito sobre construção já existente não é uma concessão feita, é um direito sobre construção já feita, do tipo do direito de propriedade.

São, pois, dois direitos de natureza diferente. O primeiro – a concessão “ad plantandum” ou “ad aedificandum” – é um direito real autónomo “in re aliena”, sobre coisa de outrem. O segundo – a propriedade da obra separada do solo – é um direito de propriedade.” [[18]/[19]]  

 Resulta do ensinado que a constituição do direito de superfície pode revestir duas modalidades: uma sobre terreno ou solo alheio e outra sobre construção já existente no terreno alheio, pertencente a um superficiário, e sobre a qual é edificado uma nova construção. [[20]] “. [[21]]   

Do que vem dito extrai-se que o superficiário pode construir em edifício alheio ficando, no entanto a construção sujeita às regras da propriedade horizontal. [[22]]   

Vem provado que o andar foi construído sobre um armazém que não pertencia ao réu – a construção do armazém foi efectuada pelo pai deste. O réu tinha fundado o pedido de reconhecimento do direito de superfície no facto de ter sido ele o construtor do armazém e, concomitantemente, do andar que ocupa. A constituição do direito de superfície, no pressuposto de facto alegado pelo réu, far-se-ia por as construções – armazém e andar – terem sido construídas ou implantadas num espaço de solo que era propriedade de outrem e ter decorrido o tempo necessário para aquisição por usucapião. Porém, como ficou sublinhado na sentença de 1.ª instância o réu não logrou provar os factos donde decorria o respectivo direito. [[23]]

A questão que cumpre colocar atina com o seguinte: não tendo sido o réu a implantar os alicerces ou as fundações da construção em que assenta o andar por si construído com o assentimento e consentimento de seu pai pode mesmo assim adquirir o direito de superfície equivalente ao terreno ocupado pelo andar? O que vale por perguntar se o superficiário a quem o dono/proprietário ou fundeiro permitiu a edificação de uma construção sobre uma sua construção implantada no terreno pode adquirir o direito de superfície, por usucapião, dado que a construção efectuada o foi há mais de trinta (30) anos?

Como se disse supra, o artigo 1256.º do Código Civil permite que seja edificada construção sobre uma construção existente, podendo essa construção ser autorizada por proprietário ou superficiário da construção existente, de modo a constituir-se um prédio em propriedade horizontal. No caso em apreço, em face da titularidade do direito de propriedade sobre o armazém e pelas próprias característica e utilidade adstrita a este imóvel não se tornará possível a constituição de um prédio em que pudesse vir a ser constituída a propriedade horizontal. Ficaria, assim, por incompatibilidade de direitos e impossibilidade de constituir um imóvel de funcionalidade e destino comum e direccionado á constituição de um prédio em regime de propriedade horizontal, totalmente desprotegido o direito do dono do imóvel construído sobre prédio alheio, ainda que com autorização, consentimento e anuimento do proprietário deste último imóvel. Vale por dizer que sobre o andar/imóvel assim construído se constituiria uma vacacio jurídica relativa ao solo e às fundações em que assenta, por o proprietário do imóvel construído não deter qualquer direito sobre o terreno e, consequentemente, sobre as fundações do prédio em que o andar está construído e assenta. Em derradeiro transe, e em hipótese ad absurdum, o proprietário do imóvel/andar construído, pela forma indicada, poderia ver o proprietário do imóvel em que o seu assenta derruí-lo e com esse derruimento fazer derruir, necessariamente, o seu andar. O proprietário do andar ficava, assim, constrangido, por não poder reagir, opondo um direito sobre o solo, a assistir ao desmoronamento do seu imóvelanda, por supressão do edifício-base. Criar-se-ia, assim, uma situação de ausência ou vazio de direito que impedia uma eficaz e subsistente oposição a uma atitude de confrontação com a actual situação.

Neste cenário qual a saída jurídico-legal para o que parece ser uma situação que a lei não previu. Afigura-se-nos que a solução só poderá ser a de, mesmo não tendo sido o dono da construção edificada sobre imóvel que não lhe pertencia, o proprietário ou superficiário desta última, atribuir a possibilidade de adquirir o direito de superfície sobre o terreno em que o imóvel está construído. Só deste modo será possível criar uma solução que salvaguarde a posição do proprietário do imóvel construído sobre um outro que não lhe pertence e evitar uma situação de não direito ou de ausência de direito que impeça o proprietário do imóvel matricial de propulsionar acções contra as quais o outro não poderá opor um direito validamente constituído. A sanação de uma situação de não direito ou de vazio de direito relativo ao solo e às respectivas fundações em que sustentam a construção seria susceptível de gerar uma conflitualidade que só a atribuição/regularização com a conferência de um direito de superfície, ao réu, pode obviar.                               

Deverá, pois, ter provimento o fundamento esgrimido pelo réu para que possa ser constituído o direito de superfície, nos dos artigos 1526.º do Código Civil, evitando desta forma um non liquet de tutela de direito quanto ao direito de solo abrangido pela construção de que o réu é proprietário.  

III. - DECISÃO.

Na defluência do exposto, decidem os Juízes que constituem este colectivo na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder a revista, e, em consequência:

- Julgar a acção de reivindicação, por acessão industrial imobiliária, improcedente;

- Julgar a reconvenção procedente, reconhecendo ao réu o peticionado direito de superfície:  

- Condenar o recorrente nas custas.

  Lisboa, 20 de Setembro de 2011                 

             
Gabriel Catarino (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

  _____________________________

[1] “Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal julga procedente, por provada, a presente acção, e, em consequência, condena o Réu AA a reconhecer que os AA. BB e marido CC são proprietários, por o terem adquirido por acessão industrial imobiliária, do andar referido em 3.1.3, 3.1.4 e 3.2.2, construído sobre o armazém referido em 3.1.3, 3.1.6, 3.2.1 e 3.2.2 integrante do prédio identificado em 3.1.1 e 3.1.2, e a entregar-lho (o andar) livre de pessoas e coisas, na condição de estes indemnizarem aquele pelo valor – a depositar nos autos no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que, após liquidação, o fixar, sob pena de caducidade do direito de adquirir ora aqui reconhecido e de eventual condenação como litigantes de má fé – das obras de construção de tal andar ao tempo da sua incorporação, devendo ter-se em conta, além do referido em 3.2.6, 3.2.7 e 3.2.11, que a construção do andar ocorreu por volta de 1975, que este tem, pelo menos, a área de 70 m2, que para levar a cabo tal construção o Réu teve de construir a laje do tecto do armazém, e, ainda, que tal valor deve ser actualizado em função dos índices de preços publicados pelo Instituto Nacional de Estatística e em relação ao momento do seu depósito no processo e considerando aquela data.

E julga totalmente improcedente, por não provada, a reconvenção, e, em consequência, absolve os Autores BB e marido CC do pedido (principal e subsidiário) contra eles formulado pelo Réu AA.”

[2] A decisão proferida no Tribunal da Relação tem junto um voto de vencido em que a Exma. Senhora Desembargadora estima que não estão verificados os pressupostos da acessão industrial por, em síntese, este instituto requerer “[uma] união, inseparável, de coisa. É necessária a integração para que a acessão funcione. Porém, a inseparabilidade considerada para efeitos de acessão, não é material mas económica. Basta que a divisão traga prejuízo para alguma das partes para que a coisa formada se deva considerar indivisível. Ora, no caso em apreço, o andar construído pelo Apelante é perfeitamente separável, em termos económicos, do armazém sobre o qual foi construído, constituindo uma unidade económica distinta e independente. O armazém é que tem ligação, através da cozinha, (ponto 8.º da matéria de facto) com a casa de habitação de dois pavimentos pertencente aos Apelados. Como no acórdão se diz, o referido andar de habitação têm ‘’funcionalidade e relevo económico autónomos”, logo é separável, economicamente, do armazém sobre o qual está construído, pelo que falta um requisito básico da acessão. Na verdade, a acessão pressupõe a construção de coisa nova, mediante a alteração da substância daquela em que a obra é feita. No caso, já vimos que não houve verdadeira incorporação, pois o armazém sobre o qual foi construído o andar manteve a  sua autonomia.”  
[3] Por incorporação é entendido “[uma] ligação permanente que provoca a perda da individualidade das coisas unidas ao solo, pela formação de uma coisa única, um corpo único, como dizem P. lima e A. Varela, não desmembrável sem alteração da substância do todo. […] Incorporação traduz, portanto, a ideia de união de uma coisa a outra em termos que impliquem a perda da individualidade física e jurídica da coisa incorporada, e, por decorrência, a impossibilidade de separação das duas coisas sem’ alterar substancialmente o conjunto obtido através daquela união.” - Cfr. Quirino Soares, In “Acessão e Benfeitorias”, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV, Tomo I, pág. 12.  

[4] A acessão pressupõe que uma coisa se una ou incorpore de forma inseparável (definitiva, permanente) a outra. Não basta a mera adjunção, justaposição ou um simples nexo de afectação ou destino: é necessário que a coisa se una a outra ou se integre ou incorpore (faça corpo) com a outra, sendo que esta inseparabilidade deve ser entendida em sentido económico e não meramente material. Consequentemente, duas ou mais coisas encontram-se unidas de modo inseparável quando a desincorporação, embora física e materialmente possível, destruísse ou danificasse gravemente a coisa principal. – cfr. Mónica Jardim e Dulce Lopes, in “Acessão Industrial Imobiliária e Usucapião versus Destaque”, publicado em “O Urbanismo, o Ordenamento do Território e os Tribunais”, 2010, Almedina, págs. 757 a 812.  

[5] A tese da necessidade de uma manifestação de vontade do interventor para o exercício do direito de aceder no direito de propriedade não é uniforme. Assim para os Professores PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in “Código Civil Anotado”, vol. III, págs. 165 e 166, a aquisição ocorre automaticamente, ipso iure, desde o momento da incorporação. De facto, estes autores, apesar de não combaterem, de jure condendo, a razoabilidade da tese segundo a qual a aquisição por acessão supõe o prévio exercício de um direito potestativo, consideram que ela não tem “cabimento no quadro das soluções consagradas na lei.”

“Com efeito (dizem):

“– quando, no domínio da acessão, o legislador quis introduzir uma solução inquestionavelmente potestativa, como é a hipótese do artigo 1343.º, usou a expressão «pode adquirir» (que é a adequada à natureza do direito, aí, consagrado), bem diferente da do artigo 1340.º, em que usa a fórmula «adquire» (uma vez realizados os factos ali previstos);

– se o legislador não tivesse pensado a aquisição como automática, ter-se-ia preocupado, a exemplo do que sucede nos artigos 1333.º, n.º 4 e 1335.º, n. ºs 1 e 2, com as consequências de o beneficiário da acessão não pretender adquirir o direito de propriedade que a acessão lhe faculta;

– em se tratando de obras ou plantações, a renúncia do proprietário do terreno ao direito potestativo implicaria a constituição do direito de superfície, e, por isso, a necessidade de dar a tal acto de renúncia a forma solene da escritura pública.

“Do lado tese potestativa, “perfilam-se argumentos baseados no sentido das expressões usadas pelo legislador (que revelam o carácter facultativo que se quis atribuir à acessão) e não faltam, também, apelos ao sistema.

Assim, é o caso de o legislador ter estabelecido uma reciprocidade entre a aquisição por acessão e o pagamento (o titular «adquire pagando», segundo os termos dos artigos 1339.º e 1340.º, «faz seu... contanto que indemnize», de acordo com o n.º1, do artigo 1333.º), reciprocidade que se não conciliaria com a automaticidade e imperatividade da aquisição, pois que, neste caso, a contrapartida resumir-se-ia à obrigação de pagar aqueles valor e indemnização; é, também, a explícita expressão contida no artigo 1343a, onde se afirma que «o construtor pode adquirir... pagando»; é, finalmente, o conteúdo de outros artigos que expressam, em específicas regulamentações, o carácter facultativo que o legislador pretendeu atribuir à acessão (1333.º, n.º 2 e 1340.º, n.º 2, que subordinam a aquisição a uma licitação, e 1333.º, n.º 3, 1334.º, 1335.º e 1341.º, onde se prevêem hipóteses em que o beneficiário não queira exercer o direito de acessão).

[…]

A defesa da tese potestativa alimenta-se, por fim, das alegadas melhores virtualidades da aquisição facultativa para satisfazer a maior parte dos interesses envolvidos no fenómeno da acessão.

Diz-se, em resumo:

– a tese da imperatividade da aquisição equivale a impor ao beneficiário o pagamento de uma indemnização que ele pode não estar em condições de prestar de imediato;

– equivale, ainda, a sujeitar o dono do terreno à perda do domínio (no caso de ser o sacrificado) sem a contrapartida do pagamento simultâneo da correspondente indemnização;

– a tese potestativa possibilita o arranjo consensual do conflito, o que não sucede com a da imperatividade, pois, segundo esta, a solução daquele resulta automaticamente da realização dos factos contidos na previsão da lei;

– com a aquisição automática, o risco começaria logo a correr por conta do beneficiário da acessão, o que não seria, em muitos casos, justo, pois ele podia desconhecer, ainda, a incorporação.” ” (cfr. QUIRINO SOARES, ― “Acessão e Benfeitorias”, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV, Tomo I, pág. 21).

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, e só a título de exemplo, os Acórdãos de 07-04-2011 (Conselheiro Moreira Alves) onde se doutrinou: “I- A acessão verifica-se sempre que com a coisa que é propriedade de alguém se une ou incorpora outra coisa que não lhe pertencia (art. 1325.º do CC), constituindo uma das formas de aquisição originária do direito de propriedade, reportando-se a aquisição do direito ao momento da verificação dos respectivos factos (art. 1317.º do CC), i.e., ao momento da união ou da incorporação. II- É pacífico, na doutrina e jurisprudência, que tal união ou incorporação há-de traduzir-se numa ligação das duas coisas, definitiva e permanente, de tal modo que seja impossível a sua separação sem alterar a própria substância da coisa que, assim, terá de formar uma unidade económica distinta da anteriormente existente. III- Na hipótese do art. 1340.º do CC, trata-se de construção ou obra em terreno alheio, enquanto na prevista no art. 1343. do CC, a construção tem de ser efectuada em terreno do construtor, prolongando-se, porém, em terreno alheio. Neste último caso, é essencial que a construção ocupe os dois terrenos. IV- A acessão tem carácter potestativo, necessitando, para se operar a aquisição, da manifestação de vontade do beneficiário nesse sentido, sem que a outra parte se possa opor à aquisição, desde que verificados os respectivos requisitos. V- A previsão do art. 1343.º do CC apenas se aplica quando fique provado que a maior parte da construção tenha sido implantada em terreno próprio do incorporante e só uma pequena parte da construção ocupe o terreno alheio. De contrário, cai-se na previsão geral do art. 1340.º do CC.” E ainda o Ac do STJ de 22-06-2005 (Oliveira Barros) :” I - Nos termos do art. 1325º C.Civ., a acessão industrial imobiliária ocorre quando com um prédio que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que não lhe pertence, daí advindo uma ligação material, definitiva e permanente entre a coisa acrescida e o prédio e a impossibilidade de separação das duas coisas sem alteração substancial do todo obtido através dessa união. II - Constituindo, fundamentalmente, um modo de resolução do conflito de direitos entre o dono da obra e o dono do solo, a acessão industrial imobiliária é, conforme arts.1316º e 1317º, al.d), C. Civ., uma forma potestativa de aquisição originária do direito de propriedade, de reconhecimento necessariamente judicial, em que o pagamento do valor do prédio funciona como condição suspensiva da sua transmissão, embora com efeito retroactivo ao momento da incorporação. III - Os pressupostos substantivos da acessão industrial imobiliária, estabelecidos no art.1340º C.Civ., são os seguintes : a) - a incorporação consistente no acto voluntário de realização da obra, sementeira ou plantação; b) - a natureza alheia do terreno sobre o qual é erguida a construção, lançada a sementeira ou efectuada a plantação; c) - a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação; d) - a formação de um todo único entre o terreno e a obra; e) - o maior valor da obra relativamente ao terreno; e f) - a boa fé do autor da incorporação. IV - Não agindo de boa fé quem sabe ou admite que a construção é feita em terreno alheio, a boa fé exigida para este efeito consiste, conforme nº4º do mesmo art.1340º, em o autor da obra desconhecer que o terreno era alheio ou em a incorporação ter sido autorizada pelos donos do terreno, e deve existir no momento da construção. V - Na falta de autorização expressa, a autorização pode revestir a forma tácita, ou seja, pode assentar em factos que, com toda a probabilidade, a revelem, ou seja, em situações em que a autorização resulta de um negócio que pretende ter por consequência a transmissão do prédio a favor do autor da incorporação, como é, por exemplo, o caso de um contrato translativo nulo por falta da forma legal. VI - É ainda pressuposto da acessão industrial imobiliária o pagamento do valor que o prédio tinha antes da obra.”  

[6] cfr. os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Ac. do STJ de 12-02-2004 (Oliveira Barros) “I - A acessão é uma causa de aquisição originária, retroactiva, do direito de propriedade - arts. 1316º e 1317º, al. d), de que, no caso da acessão industrial imobiliária, regulada no art.1340º, n.º 1, todos do C. Civ., são pressupostos ou requisitos: 1º - a incorporação de uma obra em solo ou terreno alheio 2º- a boa fé definida no nº4º desse mesmo artigo ( cfr. também art.1260º, nºs 1 e 2 ); e 3º - que o valor das obras seja superior ao valor do terreno antes da incorporação. II - Justificada, em tal caso, interpretação extensiva do art.1340º, n.º 1, C. Civ. (ubi eadem ratio legis, ibi eius dispositio), uma vez que o que verdadeiramente caracteriza e justifica a acessão industrial imobiliária é a natureza inovadora e transformadora das obras, desde que não se trate de simples obras de melhoramento ou de reparação, as obras em prédio alheio susceptíveis de determinar acessão podem ter lugar tanto no solo, como em construção nele existente, podendo, pois, ser objecto de acessão um prédio urbano em que tenham sido realizadas obras que tenham alterado efectiva e radicalmente a sua substância. III - O requisito da boa fé pode, consoante n.º 4 do art.1340º, ser preenchido pelo consentimento, que pode ser tácito”, e Ac De 01-06-2010 (Sousa Leite) “I - O art. 1340.º do CC não é aplicável aos casos em que se verifique a construção por um terceiro de um andar sobre um prédio urbano de outrem. II - Nos arts. 1339.º a 1343.º do CC não é feita qualquer referência à incorporação de uma obra em prédio urbano alheio, mas sim e apenas em terreno alheio – arts. 1340.º, n.ºs 1 e 4, 1341.º (epígrafe), 1342.º, n.º 1, e 1343.º. III - Já que a única referência a “prédio” se encontra plasmada no n.º 1 do citado art. 1340.º, ter-se-á, então, de considerar que, atenta a definição categorial dos prédios levada a cabo pelo legislador no art. 204.º, n.º 2, do CC e o teor do n.º 1 do art. 9.º da mesma Codificação, a figura jurídica da acessão industrial imobiliária é de exclusiva aplicação àquelas situações em que haja lugar à implantação de uma obra, sementeira ou plantação, por parte de um terceiro, em prédio rústico pertencente a outrem.”
[7] cfr. neste sentido Antunes Varela, in Professor Antunes Varela na RLJ, ano 132, a pág.255. 
[8] Extraída de “La Buona Fede e L’ Abuso del Diritto. Principii, fattispecie e cauistica”, de Gianluca Falco, Giuffrè Editore, Milano, 2010, pág. 4 e 6. 
[9] Cfr. Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 20 (Cassação de 13 de abril de 1999, in Foro It., 1999, 12,I,3558)
[10] Vetorri, in “Il diritto dei contratti fra Constituzione, códice civile e códice di settore”, in Riv. Trim. Dir, proc. civ., 2008,3, 751, citado em Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 21 e 22. “Questa operazione vaIutativa compiuta daI giudice di merito nell’ applicare clausole generali non sfugge ad una verifica in sede di giudizio di legittimità, Sotto iI profilo della correttezza dei metodo seguito nell’ applicazione della clausola generale, proprio perché l’ operatività, in concreto di norme di tale tipo deve rispettare criteri e principii desumibili dall’ordinamento general (a cominciare dai principi costituzionali) e dalla disciplina particolare in cui la concreta fattispecie si colloca.
Lo stesso giudice di legittimità, (cui spetta, quindi, iI giudizio sulle opzioni di valori dei giudice dii merito), e, d’altra parte, anche giudice della logjcità delle decisioni” dello stesso (art. 360 n. 5 c.p.c.), in quanto anche ancorata a standards che possono definirsi sociali: per esser la stessa società iI punto di riferimento paramétrico dei processo lógico; ne consegue che iI controllo esercitato dalla Suprema corte, ai sensi dell’art. 360, n. 3, c.p.c., comprenderà non solo l’erronea interpretazione, e dunque iI fraintendimento, del significato del concetto indeterminato o elástico, ma anche l’ errónea applicazione dello stesso com riferimento ai caso di specie e, dunque, l’erronea. sussunzione della fatlispecie materiale concreta nella fattlspecie legale astratta delineata dal legislatore com l’utilizzazione di quel concetto.” 
[11] Gianluca Falco, in op. loc. cit. pág. 23. “Qggi, l’abuso deI diritto viene, dunque, individuate nel comportamento di un soggetto che esercita i diritti che gli derivano dana legge o dal contratto per realizzare uno scopo diverso da qüello cui questi diritti sono preordinati: la figura concerne, cioè, le ipotesi nelle quali un comportamento, che formalente integra gli estremi dell’ esercizio del diritto soggettivo, deve ritenersi illecito sulla base di alcuni criteri di valutazione.”
[12] Cianluca Falco, in op. loc. cit. pág. 381. Na sentença (cassação) de 18 de setembro de 2009, definiram-se os elementos constitutivos do abuso de direito pela forma seguinte:”1) a titularidade de um direito atribuída a um sujeito;2) a possibilidade que o concreto exercício do referido direito possa ser efectuado segundo uma pluralidade de modalidade não rigidamente predeterminada; 3) a circunstância que tal exercício concreto, ainda que se formalmente respeitador da moldura atributiva do referido direito, seja desenvolvido segundo uma modalidade censurável com respeito a um critério de valoração jurídico ou extra jurídico; 4) a circunstância que, devido  a uma tal modalidade de exercício, se verifique uma desproporção injustificada entre o beneficio do titular do direito e o sacrifício daquele que è constrito à contraparte”.       
[13] Mota Pinto, Paulo, in “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, Vol., Coimbra Editora, 2008, pag. 485.
[14] Op. loc. cit. pag. 485 que cita Orlando de Carvalho in “Teoria Geral do Direito Civil”, 1981, págs. 45.
[15] Gianluca Falco, op. loc. cit. pág. 387.
[16] cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in ROA, ROA, 1972,I, págs. 41-42. 

[17] Cfr. Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol.III, Coimbra Editora, pág. 239. ““Para caracterizar com o devido rigor a posição complexa do superficiário há que distinguir a dupla face em que se desdobra o direito de superfície.
Por um lado, o superficiário é, ou virá a ser, proprietário da obra ou plantação. É de um verdadeiro direito de propriedade, sujeito à respectiva disciplina, que se trata. Embora o artigo 1524.º o não diga expressis verbis, pela razão apontada no n.º 6 desta anotação, a natureza jurídica do vínculo que prende o superficiário à obra ou plantação resulta inequivocamente do disposto no artigo 1528.° Ao definir o princípio geral relativo à sua constituição, este artigo diz, com efeito, que o direito de superfície pode resultar da alienação da obra ou das árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo. No mesmo sentido cabe ainda invocar o disposto no artigo 24. °, 1, al. a), da Lei n.º 2030, segundo o qual ao superficiário é assegurada a propriedade do edifício, enquanto o direito de superfície lhe pertencer.”
[18] Cfr. Álvaro Moreira e Carlos Fraga, in Direito Reais. Segundo as prelecções do Prof. Mota Pinto ao 4.º ano Jurídico de 1970-1971”, Almedina, 1971, pág. 290 e 291.

[19] Armindo Ribeiro Mendes, ROA, 1972,I, págs. 45. “Constituído um direito de superfície inerente a determinado imóvel (prédio rústico, ou urbano no caso do artigo 1526.°), opera-se um parcelamento jurídico da coisa. (pág. 44)

a) O superficiário tem um direito real «de construir ou manter» obra ou fazer ou manter plantação em solo alheio direito que pode ser objecto de outros direitos reais de gozo ou de garantia (vejam-se artigos 1539.° e 1541.°, de onde parece inferir-se que é o próprio direito de superfície e não a obra superficiária que é objecto de outros direitos reais).

b) O proprietário do solo ou fundeiro (designação que o Prof. Oliveira Ascensão entende ser preferível à legal) tem um direito de propriedade que recai sobre o solo independente­mente da propriedade superficiária da obra que nele se incor­pora, isto é, um direito de propriedade sobre uma parte (ideal) do prédio parcelado pela constituição da superfície.

A existência destes dois direitos sobre partes da mesma coisa, em conflito, não esgota as posições muito complexas do fundeiro e superficiário, as quais contém outros direitos reais, como veremos adiante.”

[20]Rigorosamente entendido como direito de construir, o direito de superfície tem por objecto o solo de outrem, numa parte verdadeiramente ideal a superfície; tal direito estende-se à obra superficiária, uma vez realizada o direito de superfície é então direito de manter construção em solo alheio e direito de propriedade superficiária. O objecto do direito de superfície, entendido como direito de construção, é, na generalidade dos casos, um prédio rústico, podendo todavia, pelo seu exercício, surgir um prédio urbano, se for construído um edifício com autonomia económica (art. 204.º, n.º 2, do CC). Nos casos de alienação de obra já existente, não pode já falar-se de um direito real de construção. Nestes casos o direito de superfície, isto é, de manter obra própria em chão alheio, refere-se ao solo em que a obra está incorporada, e é através da constituição superfície, a superfície que se opera idealmente o parcelamento do prédio urbano em terreno e construção (esta, segundo a regra geral da acessão, formava com o solo um todo - o prédio urbano.
Um caso especial acha-se previsto no art. 1526.º do CC. Pode ser constituído um direito de construção sobre edifício alheio com o objectivo de ampliar tal edifício pela construção de novos andares. Este direito real de construção está sujeito às limitações impostas à constituição da propriedade horizontal (maxime, à do are 1451. °), além de se reger pelas disposições do Título V, do Livro III. «Levantado o edifício», parece extinguir-se este «direito de construir sobre edifício alheio» (que a lei não designa por superfície), passando o superficiário ou construtor a ser proprietário da sua fracção e «condómino das partes referidas no art. 1421.º, nomeadamente do solo em que estava construído o primitivo edifício». Parece que a construção do andar funciona como conditio jjuris resolutiva do direito de construção e suspensiva do regime de propriedade horizontal. Se ocorrer eventualmente a destruição da parte levantada pelo superficiário achamos que deve aplicar-se o artigo 1428.º e não o art. 1536.º, n.º 1, al. b) do CC” – cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in op. loc. cit. págs. 45-48.
[21] Cfr. Armindo Ribeiro Mendes, in op.loc. cit. pág. 47-48. Cfr. ainda o Ac. do STJ de 06-11-2007, in www.stj.pt em que se procede à caracterização do direito do superficiário sobre a coisa construída como um verdadeiro direito de propriedade sobre a cosa edificada ou plantada. “I – O direito de superfície, sendo além do mais direito de construir ou de fazer plantações em terreno alheio, existe antes de concretizadas as construções ou as plantações, período de tempo em que incide apenas sobre o espaço aéreo ou o subsolo, embora incida posteriormente também sobre as aludidas construções ou plantações, como de forma pelo menos implícita resulta do disposto nos arts. 1528.º e 1538.º, n.º 1, do CC. II – Destes normativos, conjugados ainda com os arts. 1534.º, 1541.º e 688.º, n.º 1, als. a) e c), do CC, decorre que o direito do superficiário sobre a coisa implantada é uma verdadeira propriedade, não um simples direito real de gozo de coisa alheia (pertencente ao proprietário do solo), semelhante por exemplo ao usufruto, mas um direito de domínio sobre coisa própria, que incide em consequência também sobre o espaço aéreo e o subsolo por ela ocupados. III – O direito de superfície e o direito de propriedade do proprietário do solo constituem realidades jurídicas distintas, susceptíveis de serem objecto de relações jurídicas independentes, com a possibilidade de constituição e subsistência separada de direitos reais de garantia, como a penhora ou a hipoteca, só sobre o prédio constituído pelo espaço aéreo e pelo subsolo integrantes do direito de superfície, ou só sobre o prédio constituído pelo solo respectivo.”
[22] Cfr. Antunes Varela, in op. loc. Cit. pág. 544-545.
[23] Cfr. troço da decisão adrede. “Além disso, porque não demonstrado o fundamento pressuposto para a invocação do direito de superfície e que era a de o Réu também ter sido o construtor do armazém e de aquele direito se ter constituído por usucapião sobre o terreno onde o mesmo está implantado e, ainda, porque a pretendida acessão, igualmente, pressuponha, como obra do Réu e um todo, o armazém e andar e, assim, a acessão sobre o terreno onde estão implantados, constatando-se, afinal, que a obra do Réu não abrange aquele e que o valor da obra do andar não é maior que o valor da totalidade do prédio antes dela.”