I - O STJ só conhece da matéria de facto nos casos excepcionais previstos na 2.ª parte do n.º 2 do art. 722.º do CPC.
II - A resposta, dada ao quesito 40.º, não contradiz o documento autêntico junto pelos recorrentes com relação à matéria versada naquele quesito.
III - O art. 257.º do CSC não define taxativamente o critério ou conceito de justa causa de destituição de um gerente comercial, apenas apontando, a título meramente exemplificativo, dois casos de justa causa de destituição.
IV - A justa causa pressupõe violação grave dos deveres de gerência, pelo que não é excessivo estabelecer-se como critério geral da existência da justa causa a verificação de um comportamento na actividade do gerente, ou a prática de actos pela sua parte, que impossibilite a relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe.
V - A inexistência de justa causa apenas releva para efeito do direito à indemnização. Mas esta, a indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa, deverá ter como suporte a existência de prejuízos, conforme decorre dos princípios gerais da responsabilidade civil.
VI - A consideração de todo o texto do art. 257.º do CSC e, em particular, do seu n.º 7 mostra que nada especificamente se estatui quanto ao ónus de alegar e de provar relativo à justa causa, havendo, por isso, que recorrer no tema à regra geral do art. 342.º, n.º 1, do CC.
VII - Cabe, por isso, à sociedade, ou seja, in casu, aos réus/recorrentes o ónus de prova relativamente aos factos que dizem ser integradores da justa causa para a destituição da recorrida da gerência da sociedade, para poderem deixar de ser responsabilizados pela indemnização devida à destituída.
VIII - Porque as afirmações da autora, que aqueles dizem difamatórias, integrariam um dos fundamentos para a destituição da recorrida com justa causa, cabia-lhes provar não só que as afirmações foram proferidas como também eram ofensivas da honra e consideração do réu G.
IX - Não tendo os recorrentes feito tal prova, é irrelevante o facto da autora não ter provado algumas das suas afirmações, tanto mais que não se provou a sua falsidade.
X - A aprovação das contas e do relatório de gestão pela assembleia-geral não iliba os gerentes da sua responsabilidade relativamente a actos que não tenham sido levados ao conhecimento da assembleia, nem torna lícito o que é ilícito.
XI - Os réus G e H não estavam impossibilitados de cumprir a sua obrigação de promover a alteração do pacto social da ré A para a atribuição à recorrida de um direito especial à gerência.
XII - O direito da recorrida a essa atribuição não se esgotou nem modificou pelo decurso do tempo, não tendo havido qualquer alteração anormal das circunstâncias.
XIII - Se tivesse sido atribuído à autora, como devia, aquele direito especial à gerência, não poderia a autora ser destituída pelos sócios, só o podendo ser judicialmente.
XIV - Este incumprimento, em conjunto com a destituição aprovada pelos mesmos réus, constitui causa adequada de danos sofridos pela autora.
XV - A relação de gerência não termina forçosamente aos 65 anos de idade do gerente, não sendo lícito à sociedade pôr termo a uma relação de gerência, com fundamento no facto de o gerente ter atingido aquela idade.
XVI - A não ser que contratualmente tivesse sido disposto em contrário, caso em que os recorrentes teriam que ter alegado e provado que a sociedade não manteria e lhe era lícito não manter a relação de gerência para além dos 65 anos de idade da recorrida, o que não fizeram.
XVII - O mandato da autora não tinha prazo e foi ela que auto-limitou o pedido indemnizatório aos seus 70 anos pela violação do acordo parassocial, com base no estatuído no contrato de 1998, onde se previa que, quando atingisse aquela idade, poderia exigir que a sociedade adquirisse a sua quota.
XVIII - A recorrida não podia ter-se oposto à transformação da sociedade em anónima, dado não ter um direito especial, atendendo ao incumprimento pelos réus da sua obrigação de atribuição de tal direito à autora.
XIX - Uma vez que a recorrida não tinha aquele direito, o seu voto na assembleia que deliberou a transformação era irrelevante, dado que os restantes sócios possuíam mais de 75% dos direitos de voto, por terem adquirido a quota própria anteriormente detida pela sociedade.
XX - Quanto à obrigação de indemnizar dos réus G e H, porque fundamentada em facto ilícito, qual seja a violação da sua obrigação de promoverem a atribuição à recorrida de um direito especial à gerência, a iliquidez não é impeditiva da constituição em mora, pelo que são devidos juros a contar da citação.
XXI - Por sua vez, a iliquidez da obrigação de indemnizar da ré A não é impeditiva da mora pois os gerentes da sociedade sabem ou devem saber quanto devem, uma vez que foi a sociedade que aumentou as remunerações dos gerentes e os restantes réus, por terem, enquanto sócios, votado aqueles aumentos.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1.
AA, residente, na Rua ..........., nº........., no Estoril, instaurou contra BB - Laboratório de Medicina Nuclear, L.da, com sede na ............., Lote......, Loja........, em Lisboa, e contra CC e DD, residentes na Rua General ...............l, lote ..., ....., em Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, pedindo:
a) - Fosse julgado que a autora foi destituída das suas funções de gerente da ré BB - Laboratório de Medicina Nuclear, L.da, sem justa causa.
b) – Fosse esta ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 255.384,52, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, correspondente à remuneração de gerente durante quatro anos.
c) – Fossem os réus CC e DD solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 259.649,44, sendo € 191.538,39 correspondente à remuneração de gerente por três anos e € 68.111,05 da desvalorização da sua quota na ré BB - Laboratório de Medicina Nuclear, L.da, com juros desde a citação.
Os pedidos fundados na perda da remuneração de gerente foram ampliados a fls.1168, no sentido de serem tomadas em conta, no cálculo das indemnizações, as remunerações efectivas dos gerentes da ré no período de 7 anos a considerar, ampliação que foi admitida por decisão de fls.1205 e 1206.
Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que é sócia da ré BB e, desde a constituição da mesma, quer a autora, quer o sócio CC fizeram sempre parte do conselho de gerência, enquanto o terceiro membro desse conselho foi sempre variando.
Em 12/11/1998, a autora tinha prometido ceder à sócia .... uma quota com o valor nominal de 100.000$00, mas, a pedido dos réus CC e DD, não cumpriu essa promessa, tendo acabado por ceder a estes réus uma quota de 120.000$00, com a qual os mesmos passaram a deter a maioria do capital da sociedade.
Para convencerem a autora a que assim procedesse, os réus prometeram-lhe, e ficou consignado no respectivo contrato-promessa, que, designadamente, seria promovida uma alteração do contrato social da ré BB, nele se consagrando um direito especial da autora à gerência, da qual não poderia ser destituída sem o seu acordo expresso.
Foi feita a cessão da quota, mas, apesar dos esforços da autora, que convocou três assembleias gerais para esse fim e requereu a inclusão do assunto em outras duas assembleias, os réus recusaram-se a consagrar o prometido direito especial da autora à gerência.
Em Julho de 1999, a autora e os réus CC e DD passaram a ser os únicos sócios da ré BB e o réu CC passou a gerir a sociedade como se de empresa individual se tratasse, tendo nomeado gerente um seu filho, que faz o que ele manda, cometendo diversos abusos, designadamente os indicados no artigo 24.º da petição inicial.
A autora foi chamando a atenção do réu CC em relação a essas situações, tendo este, em resposta, feito instaurar um processo disciplinar ao filho da autora e, a partir de Outubro de 2000, promoveu o afastamento desta da gerência da sociedade, o que foi efectivado em assembleia geral realizada a 24/10/2000, não sendo verdadeiros alguns dos factos apontados para a destituição da autora e nenhum deles constitui justa causa para a destituição de um gerente.
Logo após a destituição da autora da gerência da ré BB, foram praticados actos de gestão em benefício dos gerentes e de familiares destes, de que resultaram perdas para a sociedade.
A autora auferia, enquanto gerente da ré BB, o vencimento mensal ilíquido de 650.000$00, 14 meses por ano. Tinha ainda, enquanto gerente, direito a beneficiar de um seguro de saúde e a utilizar, para seu uso pessoal, uma viatura da empresa, com todas as despesas pagas por esta, a 700.000$00 anuais de gasolina, e a utilizar um telemóvel com todas as chamadas pagas, direitos que têm um valor mensal não inferior a 250.000$00.
Assim, nos termos do artigo 257° nº 3 do CSC, a autora tem direito a receber da ré BB a quantia € 255.384,52, correspondente à remuneração da gerência no período de quatro anos, para além de que a autora esperava manter-se como gerente da BB até aos setenta anos, ou seja, por mais três anos além dos quatro acima referidos, auferindo remuneração no montante equivalente a € 191.538,39. E isso só não aconteceu porque os réus CC e DD não cumpriram a obrigação, que assumiram, no contrato-promessa de 20/11/1998, de promover a atribuição à ora autora de um direito especial à gerência da ré BB, devendo estes réus responder por esse montante.
Os danos sofridos pela autora compreendem ainda a desvalorização sofrida pela sociedade BB, em consequência do montante que, na procedência da presente acção, a mesma terá de pagar à autora.
Essa desvalorização, na proporção da quota de 26,67% detida pela autora, é de 68.111,05 euros, acrescido da mesma percentagem de juros que a ré tiver de pagar.
Os réus contestaram, arguindo, por excepção, a existência de coligação ilegal de réus e, por impugnação, contrariando a realidade afirmada pela autora. Alegaram, designadamente, que foi a autora quem não promoveu, em tempo, a alteração do pacto social, para atribuição do direito especial à gerência, que precisava do acordo da outra sócia. Só propôs essa alteração, quando soube que ia haver uma cessão de quotas, que era necessária para fazer face à aquisição da quota da C.D.R., e que ficaria inviabilizada com a pretendida alteração do pacto social.
Impugnam os alegados abusos de gerência, anteriores e posteriores à destituição da autora, salientando que esta é que fez cerca de 3.000 contos de despesas pessoais, que foram pagas pela empresa, sem o acordo da gerência.
A autora foi destituída com justa causa, identificada na declaração emitida pelo réu CC no início da assembleia de 24/10/2000. Estão em causa acusações difamatórias contra o presidente do conselho de gerência da sociedade, a recusa da assinatura de ordens de transferência das retribuições dos empregados, e a defesa infundada do filho contra os interesses legítimos da sociedade.
O benefício do seguro de saúde cessava aos 65 anos e a eventual indemnização deverá ser calculada tendo por base o montante líquido da retribuição fixa, que era de 431.650$00.
A autora replicou.
No despacho saneador foi julgada admissível a coligação de réus.
Foi organizada a matéria assente e a base instrutória, que, após reclamações, ficou com a redacção que consta de fls. 627 a 639.
Foi realizada perícia colegial na fase de instrução do processo, cujo relatório consta de fls. 1276 e seguintes.
Procedeu-se ao julgamento da causa, com registo da prova produzida. No decurso da audiência de julgamento, por decisão de fls. 1697 e 1698, foi aditado um quesito à base instrutória, numerado de “40º”. A matéria de facto foi decidida nos termos que constam de fls. 1865 a 1869.
A autora apresentou alegações sobre o aspecto jurídico da causa.
Seguiu-se a sentença, tendo a acção sido julgada improcedente e absolvidos os réus dos pedidos.
Inconformada, apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 23/09/2010, decidiu, julgando parcialmente procedente a apelação, revogar a decisão recorrida e, julgando parcialmente procedente a apelação, declarar que a autora foi destituída das funções de gerente da ré sem justa causa, tendo condenado:
a) – A ré BB – Laboratório de Medicina Nuclear, L.da, a pagar à autora o montante já liquidado de € 73.822,08, acrescido da quantia correspondente à soma dos vencimentos líquidos auferidos pelos seus gerentes que não desempenham outras funções, nos meses de Novembro de 2000 a Outubro de 2004, a liquidar em execução de sentença, acrescendo em qualquer dos casos, juros à taxa legal desde a citação;
b) – Os réus CC e DD a pagar à autora o montante já liquidado de € 52.290,64, acrescido da quantia correspondente à soma dos vencimentos líquidos auferidos pelos gerentes da ré BB, que não desempenham outras funções, nos meses de Novembro de 2004 a Agosto de 2007, inclusive, também a liquidar em execução de sentença, acrescendo, em qualquer dos casos, juros à taxa legal desde a citação.
Agora, inconformados, recorreram os réus para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:
1ª - A Assembleia Geral da Sociedade considerou para a deliberação de destituição com justa causa da autora os seguintes fundamentos:
1 - Violação do dever de bom relacionamento, entendimento e colaboração com os demais gerentes e em especial com o Presidente do Conselho de Gerência, contra os interesses da sociedade, o que se infere designadamente:
a) - Das acusações infundadas e em vários casos difamatórias contra o Presidente do Conselho de Gerência, por este referidas e reiteradas pela autora na Assembleia Geral que a destituiu;
b) - Da defesa infundada do filho contra os interesses legítimos da sociedade;
c) - Da recusa de assinatura de ordens de transferência das retribuições de empregados e colaboradores da sociedade;
d) - Do não acompanhamento assíduo das actividades da sociedade.
2 - A hostilidade manifestada reiteradamente contra os demais gerentes e particularmente para com o Presidente do Conselho de Gerência, como atestam as actas do Conselho de Gerência juntas aos autos, (f ls.113 a 115, 188 a 189, 226 a 228 e 229 a 234), que punha igualmente em causa o bom governo e funcionamento normal da sociedade.
3 - Relativamente ás acusações que segundo o Acórdão se provaram e que os recorrentes consideraram infundadas:
a) - A de que o EE não tinha qualquer ligação á empresa e não estava habilitado a que lhe fossem atribuídas funções de controlo da sociedade, provou-se o contrário.
b) - A de que a viagem a Paris foi antecipado por interesse particular do réu CC, provou-se o contrário.
c) - A de que o réu CC autorizava o pagamento pela sociedade de despesas particulares, apenas se deu como provada uma e mesmo essa com algumas dúvidas.
d) - A de que o réu CC aumentou o ordenado do gerente FF sem deliberação da Assembleia Geral foi dada como provada, embora com algumas dúvidas quanto ao motivo desse aumento, sendo certo que o aumento dos ordenados dos gerentes não estava dependente de deliberação da Assembleia Geral.
2ª - De qualquer modo e quanto a estes factos há que considerar que:
a) - Nenhum deles se pode considerar ilegalidade ou abuso de confiança como a autora acusa;
b) - Todos foram sancionados pela Assembleia Geral da Sociedade que sempre aprovou as contas de gerência, na sua maioria com o voto favorável da autora, que apenas não aprovou as contas de 2000.
c) - A autora é co-autora dos actos que imputa ao réu CC, pois assinou todos os mapas de pagamento e respectivos cheques, com excepção de dois e o contrato inicial referente aos telemóveis (que incluía o de EE) teve o acordo da autora.
d) - O pagamento pela sociedade de despesas particulares de que a autora acusava o réu era praticado por ela (cfr. artigo 25 da contestação e documentos 5 a 9 juntos com a mesma).
e) - As chamadas de atenção das cartas de fls.180 e 183 são de Junho e Julho de 2000, ou seja, depois de decorridos 13 anos em que a autora foi gerente da sociedade sem ter posto em causa a conduta do co-gerente e muito depois de ocorridos os factos e aprovadas as contas e quando já existia um conflito aberto na gerência criado por ela.
3ª - Também a acusação do Acórdão recorrido de falta de colaboração com os peritos é infundada pois são os próprios peritos que enaltecem a boa colaboração da ré.
4ª - Quanto ás acusações da autora consideradas difamatórias:
a) - Provou-se, contrariamente à acusação, que GG trabalhava para a sociedade ré, com especificação do trabalho que realizava;
b) - Provou-se, contrariamente à acusação, que GG fez um estágio na Universidade Washington em SEATLE para estudo de uma nova técnica de emissão de positrões e que fez apresentação verbal do estudo feito à Directora Clínica e depois a todos os técnicos da sociedade num sábado de manhã nas instalações da sociedade, estudo esse que tinha interesse particular para a sociedade;
c) - Provou-se, contrariamente à acusação, que a ré BB possui uma máquina de lavar e que não foi paga pela mesma ré qualquer reparação em máquina de lavar da ré DD;
d) - Provou-se, contrariamente à acusação, que não foi o réu CC que determinou um empréstimo de 5.000 contos mas antes que se tratou de um empréstimo da sociedade com o acordo da autora e que não foi o réu que deu instruções para a contabilização do empréstimo com o intuito de esconder o mesmo;
e) - Provou-se, contrariamente à acusação, que o réu CC quando ficou com a maioria do capital da sociedade convidou para a gerência um representante da sócia ....;
f) - Provou-se, contrariamente à acusação, que nem o réu CC nem o réu FF recusaram à autora a anexação de uma declaração a uma acta do Conselho de Gerência.
5ª - Foi confessado pela autora que autorizou o filho, empregado da empresa, a ausentar-se do serviço, contrariando o que estava estabelecido em ordem de serviço e na lei e a ordem de outro gerente (artigo 81º da petição inicial).
6ª - Provou-se que a autora recusou-se a assinar por duas vezes os mapas de pagamentos aos empregados e colaboradores, criando uma situação de não pagamento a tempo àqueles com uma justificação inaceitável, pois a dúvida quanto a um pagamento não justificava o não pagamento a todos os outros, situação cuja gravidade levou à convocação e realização de uma Assembleia Geral Extraordinária da Sociedade (Acta de fls. 221 a 224).
7ª - Conforme confessado pela autora, no período de 29 de Setembro a 24 de Outubro de 2000, deixou de ir com regularidade à sociedade (artigo 80º da Réplica).
8ª - A deliberação da Assembleia Geral da ré que destituiu a autora da gerência com justa causa baseou-se não apenas no infundado das acusações da autora e nos factos provados, anteriormente enumerados, mas essencialmente nas consequências resultantes dessas acusações e desses factos e do clima de hostilidade manifestada pela conduta da autora nas reuniões do Conselho de Gerência e Assembleias Gerais para o governo da sociedade.
9ª - A deliberação considerou por isso que a autora violara culposamente e com gravidade, com aquelas suas condutas, os deveres de bom relacionamento, entendimento e colaboração com os demais gerentes, sendo responsável pela impossibilidade de assegurar uma boa administração da sociedade.
10ª - A autora nada promoveu para execução do acordo parassocial de 20/11/98 até ao momento em que os réus, que procuravam encontrar outro sócio, firmaram com este um contrato promessa de cessão de parte das suas quotas.
11ª - Os réus não se recusaram a cumprir o contrato, antes propuseram à autora que se tentasse obter o acordo do novo sócio, (cfr. Acta da A.G. de 20/04/2000, a fls. 87 e 88 dos autos) o que a autora não aceitou, tendo continuado a convocar assembleias gerais.
12ª - A autora não podia naquela altura e estando em mora exigir dos réus o cumprimento da obrigação, atento o princípio da boa fé contratual (artigo 762º, nº 2 do CC), quando sabia que estes estavam impossibilitados de a cumprir sem o acordo do novo sócio, dada a obrigação assumida para com este e o imperativo legal do artigo 24º, nº l do C.S.C.
13ª - Não houve pois incumprimento definitivo e culposo da obrigação por parte dos réus, o que exclui a obrigação de indemnizar ou no mínimo deverá entender-se que houve igualmente culpa da autora na produção dos danos que invoca (artigo 570º CC).
14ª - Admitindo (sem conceder) que tenha existido incumprimento da obrigação por parte dos réus, a verdade é que não existe nexo de causalidade entre esse invocado incumprimento e a destituição da autora.
15ª - Com efeito, o facto de não ter sido atribuído à autora o direito especial à gerência em nada alterava o seu mandato como gerente da sociedade.
16ª - A deliberação da Assembleia Geral da Sociedade é um facto independente e não consequente da omissão verificada, facto esse a que a autora deu causa e não os réus, pelo que se verificou a interrupção do nexo causal.
17ª - A reforma na actividade privada é aos 65 anos, idade que a autora completou em 11/09/2002, não estando a sociedade obrigada a manter a relação de gerência com a autora se a mesma se tivesse mantido para além daquela data.
18ª - O valor da indemnização peticionada não podia por isso exceder o correspondente a dois anos de retribuição, uma vez que a partir daí, assegurada a reforma, cessaria o prejuízo, sob pena de a autora acumular ao valor da pensão de reforma o valor da retribuição, o que superaria em muito o valor do prejuízo que invocou.
19ª - Sempre ficaria por isso prejudicado o pedido indemnizatório com base no acordo parassocial.
20ª - Mas se por hipótese assim se não entender, a simples declaração da autora de que pretendia continuar na gerência até aos setenta anos, sobre a qual não foi feita qualquer prova, não pode servir de critério para fixação da indemnização, devendo antes manter-se o critério objectivo da idade da reforma.
21ª - Acresce que a autora não se opôs à transformação da sociedade em sociedade anónima (artigo 131º, nº l, alínea c) e nº 2 do C.S.C.) em 26/07/2006, sendo que a partir daí sempre deixaria de existir o direito especial à gerência e consequentemente a qualquer indemnização.
22ª - Em caso algum poderão existir juros de mora sobre uma eventual indemnização, sob pena de violação do nº 3 do artigo 805º CC, uma vez que a destituição de um gerente de uma sociedade, sendo o exercício de um direito da sociedade não pode ser considerado um facto ilícito.
Contra – alegou a autora/recorrida, pugnando pela confirmação do acórdão, formulando, em razão disso, as seguintes conclusões:
1ª - São irrelevantes para a decisão da causa as razões pelas quais o Tribunal da Relação de Lisboa desatendeu a pretensão dos recorrentes de alteração das respostas dadas a três quesitos.
2ª - A resposta dada ao quesito 40º não contradiz o documento autêntico junto pelos recorrentes com relação à matéria versada naquele quesito.
3ª - Cabia aos réus, ora recorrentes, o ónus da prova relativamente aos factos que dizem ser integradores da justa causa para destituição da recorrida da gerência da ré BB.
4ª - Esse ónus dos réus respeita também às afirmações da autora que aqueles dizem ser difamatórias, cabendo-lhes provar não só que as afirmações foram proferidas, como também que eram difamatórias.
5ª - Os recorrentes não fizeram tal prova.
6ª - É, por isso, irrelevante o facto de a autora não ter logrado provar algumas das suas afirmações, tanto mais que não se provou a sua falsidade.
7ª - Apesar disso, a autora provou a generalidade das imputações por ela efectuadas.
8ª - E naqueles em que não logrou fazer essa prova, na grande maioria dos casos não foi provado o contrário do que a recorrida afirmara.
9ª - E os casos em que o contrário se provou não têm relevância conducente a uma destituição da gerência.
10ª - A aprovação das contas e do relatório de gestão pela Assembleia Geral não iliba os gerentes da sua responsabilidade relativamente a actos que não tenham sido levados ao conhecimento da assembleia, nem torna lícito o que é ilícito.
11ª - A recorrida assinou o contrato inicial dos telemóveis, mas não a inclusão nesse contrato de novos números de telefone, sendo um de um filho do réu CC (EE) que não tinha qualquer relação com a sociedade, e desconhecendo-se a quem se destinou um dos restantes.
12ª - Aquele EE apenas foi nomeado assessor do réu CC após a destituição da recorrida da gerência da ré.
13ª - As deslocações a Paris e à EURODISNEY da ré DD e da filha dos réus CC e DD não foram feitas por motivo de interesse da sociedade.
14ª - Ainda que os réus não tivessem onde deixar a filha menor, o que não provaram, podia a criança ter ficado com a mãe, a ré DD e, se não o pudesse, cabia a eles próprios, e não à sociedade, suportar o custo da deslocação e estadia da sua filha.
15ª - Vem provado que a sociedade pagou também o custo de outras viagens da ré DD.
16ª - Os factos provados nesta e noutras matérias são fundamento suficiente para suscitar suspeitas sobre a correcção dos procedimentos dos réus CC e DD.
17ª - A inclusão nas contas da sociedade de despesas particulares do gerente e réu CC e da pessoa com quem vive em união de facto, a ré DD, constitui ilegalidade suficiente para se poder questionar a licitude dos seus procedimentos.
18ª - Não vem provado que a autora tenha tido igual procedimento, sendo que, no caso em que recebeu dinheiros da sociedade contra documentos de despesas, todos os sócios o receberam na proporção das suas quotas, o que não acontecia nos casos apontados pela autora.
19ª - Por força da lei, artigo 255º do CSC, cabe aos sócios deliberar sobre a remuneração dos gerentes, sem necessidade de disposição estatutária nesse sentido.
20ª – Os réus não forneceram aos Srs. Peritos nestes autos todos os elementos que estes solicitaram e que estavam em condições de lhes poderem ser fornecidos, relativos a matérias em que estava a em causa a actuação do réu CC.
21ª - Não tendo sequer os peritos conseguido esclarecer certas matérias, bem se compreende que as mesmas suscitassem dúvidas na recorrida.
22ª - Não é ofensivo um gerente solicitar que seja apresentada comprovação de que, quem é nomeado para o exercício de uma função que exige formação específica, tem de facto essa formação.
23ª - Face a todos os factos envolventes, era legítima a dúvida da autora sobre se a Dr.ª GG trabalhava de facto para a sociedade.
24ª - Relativamente ao estágio mandado efectuar nos Estados Unidos, em relação ao qual a autora afirmara que não se via então o seu interesse para a sociedade e que dele não fora apresentado relatório à gerência, não foi provado que esse relatório tivesse sido apresentado, e está documentalmente provado que o presidente do conselho de gerência, o réu CC, afirmava então que não tencionava efectuar na sociedade os actos sobre os quais incidiu o estágio.
25ª - Relativamente ao empréstimo feito pela sociedade ao réu CC, a autora apenas recriminou a forma da respectiva contabilização, na conta de devedores e credores, onde se provou ter sido contabilizado, em lugar de o ser, como devia, na conta de sócios ou na conta relativa adiantamentos a membros dos órgãos sociais.
26ª - A afirmação, feita nos autos, de que os réus CC e DD destituíram a autora, por se quererem ver livres dela, é posterior à destituição da autora e portanto irrelevante para apreciar a existência ou não de justa causa para a destituição.
27ª - A carta de 21 de Julho de 2000 da autora reportava-se a uma reunião de 11 de Julho anterior e não à reunião de 18 de Julho, como referem os recorrentes, pelo que é destituído de fundamento tudo quanto os recorrentes referem sobre a matéria.
28ª - Tal carta nada continha de levantamento de suspeitas ou de difamatório.
29ª - Não cabe ao tribunal suprir a falta de diligência dos recorrentes em não terem reclamado da inclusão na base instrutória de factos, que por sinal nem sequer tinham alegado.
30ª - Não existe qualquer violação, grave ou não, dos deveres da autora, enquanto gerente, relativamente ao processo disciplinar levantado pela BB a seu filho e factos em causa nesse processo.
31ª - Os gerentes não estão sujeitos a poder disciplinar nem devem obediência às determinações de outros gerentes.
32ª - Não se revestiu de qualquer gravidade a não assinatura de mapas/ordens de pagamento de remunerações (que foram assinados por outros gerentes), por deles constar, no mês de Junho, uma remuneração a um gerente superior à que lhe fora estabelecida pela assembleia geral e por, no mês de Agosto, a autora se encontrar de férias.
33ª - Aliás, a autora pretendeu que se procedesse a processamentos separados, para que se não atrasasse o pagamento das demais remunerações, o que não foi consentido pelo réu CC.
34ª - É falso, e contrário ao que vem provado, que houvesse, fosse em que período fosse, uma quase total ausência da autora da sociedade.
35ª - O conjunto dos factos provados traça um quadro que só por si justifica os comportamentos da recorrida.
36ª - Perante os comportamentos dos réus não é exigível à autora que mantenha um “bom relacionamento”, como se aqueles comportamentos não tivessem ocorrido ou lhes tivesse sido posto termo após as suas chamadas de atenção.
37ª - Os recorrentes invertem a análise correcta da situação: a recorrida não teve com relação a eles uma actuação hostil, justificativa da sua destituição; eles, sim, tiveram comportamentos que deram azo a que a autora tivesse que ter a actuação que teve, igual à que teria qualquer outra pessoa colocada nas mesmas circunstâncias.
38ª - Os réus CC e DD não estavam impossibilitados de cumprir a sua obrigação de promover a alteração do pacto social da BB para atribuição à recorrida de um direito especial à gerência.
39ª - O direito da recorrida a essa atribuição não se esgotou nem modificou pelo decurso do tempo, não tendo havido qualquer alteração normal das circunstâncias.
40ª - A recorrida não se encontrava em mora quando exigiu o cumprimento daquela obrigação.
41ª - Quando a recorrida exigiu o cumprimento daquela obrigação, apenas ela e os réus CC e DD eram sócios da sociedade, pelo que não havia que obter o acordo de qualquer outro sócio, que não existia.
42ª - Não constitui ofensa pessoal ao réu CC, por este invocada como justa causa para a destituição da autora, dizer-se que este não cumpriu a sua obrigação de promover aquela alteração do pacto social da BB.
43ª - Se tivesse sido atribuído à autora, como devia, aquele direito especial à gerência, não poderia a autora ter sido destituída pelos sócios, só o podendo ser judicialmente.
44ª - Este incumprimento, em conjunto com a destituição aprovada pelos mesmos réus, (um com o voto favorável e o outro abstendo-se mas invocando os factos supostamente integradores da justa causa), constituiu causa adequada dos danos sofridos pela autora.
45ª - A relação de gerência não termina forçosamente aos 65 anos de idade do gerente, não sendo lícito à sociedade pôr termo a uma relação de gerência com fundamento no facto de o gerente ter atingido aquela idade.
46ª - Os recorrentes teriam que ter alegado e provado que a sociedade não manteria, e lhe era lícito não manter, a relação de gerência para além dos 65 anos da recorrida, o que não fizeram.
47ª - Não é política da sociedade afastar aos 65 anos de idade os membros do seu órgão de gestão, pois o réu CC e seu irmão têm ambos mais de 70 anos e continuam como administradores da BB.
48ª - Não importa que a gerência possa legalmente não ser remunerada; o que releva é que o era e continuou a ser.
49ª - O mandato da autora não tinha prazo, e foi ela que auto-limitou o pedido indemnizatório aos seus 70 anos, com base no estatuído no contrato de 1998, onde se previa que, quando atingisse aquela idade, poderia exigir que a sociedade adquirisse a sua quota.
50ª - A recorrida não podia ter-se oposto à transformação da sociedade em anónima, dado não ter um direito especial, por virtude de os réus não terem cumprido a sua obrigação de atribuição de tal direito.
51ª - De qualquer modo, a transformação da sociedade é um facto novo que os réus não alegaram oportunamente, e por isso não pode agora ser por eles invocado.
52ª - Constitui violação da boa-fé a invocação de que a autora tinha um direito com base no qual se poderia opor à transformação da sociedade, quando foram os próprios réus que se recusaram atribuir-lhe aquele direito, em violação daquilo a que estavam obrigados.
53ª - Não tendo a recorrida aquele direito, o seu voto na assembleia que deliberou a transformação era irrelevante, dado que os restantes sócios possuíam mais de 75% dos direitos de voto, por terem adquirido a quota própria anteriormente detida pela sociedade.
54ª - A obrigação de indemnizar dos réus CC e DD fundamenta-se em facto ilícito, qual seja a violação da sua obrigação de promoverem a atribuição à recorrida de um direito especial à gerência.
55ª - A iliquidez da obrigação de indemnizar de todos os réus não é impeditiva da mora, pois estes sabem ou devem saber quanto devem: a sociedade por ter sido ela que aumentou as remunerações dos gerentes, e os restantes réus por terem, enquanto sócios, votado aqueles aumentos.
56ª - Ainda que assim não fosse, sempre haveria mora, a contar da citação, dado ser imputável aos réus a alegada falta de liquidez, por não terem junto aos autos as deliberações dos aumentos, como foi requerido que fizessem.
57ª - E se assim se não entender, então os juros a contar da citação devem incidir sobre o valor das remunerações e demais regalias sem os aumentos, pois essa parte sempre terá que ser considerada líquida.
58ª - Bem decidiu a o acórdão recorrido ao condenar em juros a contar da citação.
59ª - A decisão recorrida não violou qualquer disposição legal.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
2.As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
1º - A autora é sócia da ré BB, em cujo capital social detém o montante de € 2.394,24, dividido em quatro quotas, sendo uma com o valor nominal de € 897,84 e três de € 498,80 cada uma, tendo aquela ré BB o capital social de € 9.975,99 e sendo detentora de uma quota própria com o valor nominal de € 997,60 (alínea A).
2º - A ré BB foi constituída em 1987 entre as seguintes pessoas, singulares e colectivas, e com capital social de 2.000.000$00:
.... - Clínica de Doenças Renais, L.da, com uma quota de 500.000$00;
HH;
CCs;
DD;
A ora Autora;
II;
E cada um destes cinco com uma quota de 300.000$00 (alínea B).
3º - A administração da ré BB cabe a um conselho de gerência (alínea C).
4º - Desde a constituição da sociedade, quer a autora quer o sócio CC fizeram sempre parte do conselho de gerência (alínea D).
5º - O terceiro membro do conselho de gerência foi variando, sendo desde Fevereiro de 2000 um filho do sócio CC, de seu nome GG (alínea E).
6º - O sócio e gerente CC vive maritalmente com a sócia DD (alínea F).
7º - Em 20 de Novembro de 1998, os sócios da ré BB eram apenas a autora, com quotas no valor nominal de 600.000$00, a dita ...., com a mesma quota de 500.000$00, o réu CC e a ré DD, detendo estes dois no seu conjunto quotas com o valor nominal global de 900.000$00 (alínea G).
8º - A autora tinha prometido, em 12 de Novembro de 1998, ceder à .... uma quota com o valor nominal de 100.000$00 (alínea H).
9º - Os réus CC e DD já detinham então em conjunto 900 contos no capital de 2.000 (alínea I).
10º - Autora e réus CC e DD subscreveram o “contrato promessa de cessão de quota e acordo parassocial” de fls. 40 a 43 (alínea J).
11º - Na sequência do pacto referido na alínea J), a autora cedeu efectivamente ao réu CC a quota de 120.000$00 (alínea K).
12º - Entretanto, em 16 de Julho de 1999, a .... cedeu a sua quota ao réu CC e à ré DD, tendo ficado únicos sócios da ré BB a autora, o réu CC e a ré DD (alínea L).
13º - Em assembleia de 24/10/2000, o réu CC leu a seguinte declaração:
“Nos últimos tempos, têm-se degradado as relações no Conselho de Gerência por motivo das atitudes tomadas pela gerente Dr.ª AA, a partir do final do mês de Março.
Esta situação tem-se vindo a agravar de tal modo que, na última reunião do Conselho de Gerência em 29 de Setembro, anunciei a minha renúncia, tendo informado os restantes gerentes que apenas me mantinha em funções para assegurar a gestão corrente necessária ao funcionamento da BB.
Formalizo, neste momento, perante a assembleia que me elegeu, esse pedido de renúncia, entregando formalmente, por escrito esse pedido.
Os motivos desta atitude estão patentes nas actas do Conselho de Gerência e nas cartas que tenho recebido da gerente Dr.ª AA; contudo vou enumerá-los sucintamente para que todos os sócios possam assegurar-se da gravidade da situação.
1 - Em 21 de Junho, recebi da gerente Dr.ª AA uma carta cujo teor ofende a minha dignidade.
Sou acusado de ilegalidades, abuso de confiança e outras ofensas.
2 - Recusou-se a assinar a documentação para pagamento dos ordenados. Uma vez, alegou que havia ilegalidades; outra vez, por chantagem, alegou que só assinaria se se alterasse uma acta do Conselho de Gerência correspondente a uma reunião já passada, incluindo nela assunto que não se tinha passado na correspondente reunião.
Estes factos podiam ter tido graves consequências se não se tomassem as medidas de emergência tomadas.
3 - As reuniões do Conselho de Gerência são consumidas durante tempo considerável, em insultos e desconfianças que corroem todo o espírito de unidade necessário à gestão de qualquer empresa.
4 - No dia 21 de Junho, recebo uma carta, na minha qualidade de gerente da BB, em que tanto eu como o outro gerente FF somos acusados de ter recusado à Dr.ª AA o direito de anexar à acta da última reunião um documento que não tinha sido exibido nesta reunião.
5 - Declarações na acta da reunião do Conselho de Gerência de 29 de Setembro onde os demais gerentes são acusados de irregularidades graves.
6 - Relativamente ao processo disciplinar instaurado ao filho JJ, contrariou frontalmente a minha decisão, entrando em nítido conflito com anterior decisão do Conselho de Gerência e publicados na ordem de serviço nº 1 de 2000.
7 - Quase total ausência da BB, limitando-se a telefonar ao Sr. KK se necessitava de alguma coisa, como se a gerência se exercesse pelo telefone.
Só como exemplo: desde a referida reunião de gerência em 29 de Setembro até à passada semana em que foi ao Porto, apenas passou pela BB, por breves instantes, por duas vezes.
8 - No dia 17 de Outubro, recebi nova carta da Dr.ª AA com ameaças e acusações de não cumprimento das minhas obrigações.
São estes os motivos que me levam a renunciar e considerar que, com este conselho de gerência, não é possível continuar o desenvolvimento da BB” (alínea M).
14º - Em seguida, leu a autora a declaração de fl. 203 a 205 (alínea N).
15º - Em seguida, a ré DD apresentou a seguinte proposta:
“Em face da situação exposta proponho:
1 - A destituição do actual conselho de gerência, sendo no caso a Dr.ª AA, com justa causa;
2 - Eleger novo conselho de gerência” (alínea O).
16º - A proposta da ré DD foi aprovada com os votos dela própria, do irmão do réu CC e a abstenção deste (alínea P).
17º - Foram depois reeleitos gerentes o réu CC, GG, filho do réu CC, e eleita a ré DD (alínea Q).
18º - A autora auferia 431.650$00 mensais líquidos, como gerente (alínea R).
19º - Tinha ainda a autora, enquanto gerente, direito a beneficiar de um seguro de saúde e a utilizar, para seu uso pessoal, uma viatura da empresa com todas as despesas (oficina, pneus, seguro, via verde) pagas por esta, a 700.000$00 anuais de gasolina, e a utilizar um telemóvel com todas as chamadas pagas (alínea S).
20º - Estes direitos, excluindo a verba anual relativa a gasolina, têm um valor mensal não inferior a 250.000$00 (alínea T).
21º - A autora nasceu em 11/09/1937 (alínea U).
22º - A autora, por cartas de 20 de Março, solicitou aos réus CC e DD, que antes da entrada do novo sócio, fosse consagrado no pacto social o direito especial à gerência, sendo simultaneamente convocada a necessária Assembleia Geral (alínea V).
23º - Aqueles réus faltaram à assembleia (alínea V/1).
24º - A autora instou ainda aqueles réus a não cederem as suas quotas, sem que o adquirente subscrevesse obrigação idêntica” (alínea V/2).
25º - A autora, desde 20 de Março de 2000, convocou três assembleias gerais, para consagração do seu direito especial à gerência, e requereu a inclusão desse assunto em duas assembleias não convocadas por ela (alínea V/3).
26º - A autora convocou também uma assembleia para o dia 23 de Outubro de 2000, para que fosse consagrado o seu direito especial à gerência (alínea V/4).
27º - Apenas a autora compareceu à Assembleia de 23 de Outubro (alínea V/5).
28º - (Aditado cfr. fls. 599) A autora dirigiu à ré, e esta recebeu as cartas que se mostram juntas a fls. 75 e 76, cujo teor se dá por reproduzido (alínea X).
29º - A quota referida no ponto 8º dos factos provados havia sido adquirida pela autora a HH (resposta ao quesito 1º).
30º - Ao assinar o documento de fls.40 a 43, a autora desconhecia que, para consagrar o seu direito especial à gerência, era necessário a unanimidade dos sócios, estando então convencida de que eram suficientes para o efeito os seus votos e os dos réus CC e DD, só mais tarde tendo vindo a saber que era para esse efeito necessária a unanimidade (resposta ao quesito 3º).
31º - A ré “BB” vive sobretudo do trabalho especializado dos 2º e 3º réus (resposta ao quesito 4º).
32º - Além do que consta dos pontos 22 a 27 dos factos provados, ficou ainda provado que não foi consagrado o direito especial da autora à gerência (resposta ao quesito 5º).
33º - Quando a autora soube que os réus tinham prometido vender parte das suas quotas, pretendeu que fosse feita a alteração do pacto social (resposta ao quesito 5º/A).
34º - Os réus CC e DD tinham dificuldade de sozinhos suportar o custo da compra da quota de que era titular a sociedade “....” (resposta ao quesito 5º/B).
35º - Os réus procuraram encontrar um sócio (resposta ao quesito 5º/C).
36º - O réu CC nomeou, como colaboradora no trabalho de protecção contra radiações no Laboratório, GG, tendo sido efectuados pagamentos de salários em nome desta e depositados em conta bancária do réu CC (resposta aos quesitos 6º/i e 17º).
37º - O réu CC incluiu o seu filho, EE, no seguro de saúde dos empregados, que é pago pela sociedade ré (resposta ao quesito 6º/ii).
38º - O réu CC atribuiu a esse seu filho, EE, durante as férias do réu, na Suíça, funções de controlo da sociedade ré, as quais, em princípio, deverão ser reservadas a pessoas da própria organização (resposta ao quesito 6º/iii).
39º - EE doutorado em economia, foi nomeado assessor de seu pai, o réu CC, em Outubro de 2000, tendo este, ainda antes disso, colocado as instalações da sociedade ré à disposição daquele sem qualquer encargo para o mesmo (resposta aos quesitos 6º/iv, e 21º).
40º - O réu CC autorizou o pagamento, pela sociedade ré, do telemóvel atribuído ao filho do réu CC (000000000) e respectivas chamadas (resposta ao quesito 6º/v).
41º - A sociedade ré pagou despesas referentes a viagens, designadamente, da ré DD, sendo que, em Março de 2000, foram reservados voos para Zurique, tendo sido posteriormente emitida factura atinente à deslocação daquela para Amesterdão (resposta ao quesito 6º/vi).
42º - O réu CC autorizou que a sociedade ré efectuasse o pagamento da viagem da família do réu CC, à EURODISNEY, antecipando, pelo menos dois dias, à custa da sociedade ré, o início da deslocação a um congresso em Paris (resposta ao quesito 6º/vii e 24º).
43º - O réu CC determinou a realização de um estágio de GG, no Laboratório da Universidade Washington, Centro Médico (UWMC), em SEATLE, para o estudo de uma nova técnica de tomografia de emissão de positrões (PET) que, na altura, iria ser introduzida em Portugal (resposta ao quesito 6º/viii e 25º).
44º - O réu CC determinou a inclusão, nas contas da sociedade ré, de despesas que não correspondiam a aquisições desta, nem de bens nem de serviços, pelo menos no que concerne a aquisição de diversos artigos de vestuário adquiridos na loja “Max Mara”, bem como ao pagamento de despesas efectuadas com a escritura de cessão de quota da sociedade ré no Cartório Notarial de Ourique (resposta ao quesito 6º/ix).
45º - Na sociedade ré existe uma máquina de lavar roupa a esta pertencente, e foi efectuada a reparação a uma máquina de lavar (resposta ao quesito 6º/x e 28º).
46º - O réu CC aumentou o vencimento de gerente ao seu filho FF, em Fevereiro de 2000, para 975.000S00, sem deliberação da assembleia geral, tendo posteriormente, em Julho de 2000, sido deliberado proceder à redução desse vencimento para 650.000$00 (resposta ao quesito 6º/xi e 39º).
47º - A sociedade ré, com o acordo da autora, concedeu ao réu CC um empréstimo no montante de € 24.940 (5.000.000$00), o qual foi contabilizado na conta de devedores e credores (resposta ao quesito 6º/xii e 31º).
48º - A autora chamou a atenção do réu CC, com relação a factos referidos nos pontos 36 a 47 dos factos provados, nomeadamente, através das cartas constantes de fls. 180 a 183 (resposta ao quesito 7º).
49º - Em 03/11/2000, a sociedade ré concedeu à ré DD um empréstimo de € 11.971,15 (2.400.000$00), a título de adiantamento, referindo o respectivo lançamento contabilístico que era efectuado a título de “adiantamento de ordenado”, tendo sido reembolsada a quantia de € 8.866,08 (1.777.489$00) (resposta aos quesitos 9º e 32º).
50º - A remuneração extraordinária da ré DD foi aumentada em mais um por cento da facturação bruta da sociedade, o que correspondeu a € 26.660,75 (5.345.000$00) em 2000 e € 28.431,48 (5.700.000$00) em 2001 (resposta ao quesito10º).
51º - Em 2001, a sociedade ré pagou, a título de vencimentos, a quantia de € 383.742,98 (76.933.560$00), sendo € 272.910,06 (54.713.555$00) em nome da ré DD, € 45.490,66 (9.100.000$00, em nome de FF e € 65.442,26 (13.119.995$00), em nome de GG (resposta ao quesito 11º).
52º - Em 2001, a sociedade aumentou a sua facturação em € 97.015,27 (39.498.015$00), e apresentou prejuízos de € 88.724,76 (17.787.717$30) (resposta ao quesito 12º).
53º - Após ter ficado com a maioria na Sociedade, o Professor CC convidou para a gerência um representante da Sócia .... (resposta ao quesito 13º).
54º - Na Assembleia Geral de 26/07/1999, o filho do réu CC, FF, foi designado gerente (resposta ao quesito 14º).
55º - A autora votou favoravelmente a nomeação do gerente FF (resposta ao quesito 15º).
56º - Ocorreram reuniões do Conselho de Gerência, sem que tivessem sido feitas as actas das mesmas (resposta ao quesito 16º).
57º - O trabalho realizado por GG, referido no ponto 36 dos factos provados, era efectuado aos fins-de-semana e à noite para não prejudicar o funcionamento da “BB” e para eliminação dos resíduos radioactivos correspondentes ao trabalho semanal (resposta ao quesito 18º).
58º - Até Setembro de 2000, a autora assinou todos os mapas de pagamentos e respectivos cheques, salvo os atinentes aos meses de Junho e Agosto de 2000 (resposta aos quesitos 19º, 30º e 38º).
59º - Pelo menos, o contrato inicial atinente aos telemóveis teve o acordo da autora (resposta ao quesito 22º).
60º - A ré sociedade dispunha de um equipamento adaptável a técnica “PET” (resposta ao quesito 26º).
61º - GG apresentou relatório verbal à directora clínica da ré sociedade, com relação ao estágio referido no ponto 43 dos factos provados, e fez, posteriormente, num sábado de manhã, uma apresentação oral sobre o mesmo (resposta ao quesito 27º).
62º - Foram elaborados folhetos semelhantes aos que constam de fls. 1314 a 1319 (resposta ao quesito 29º).
63º - 10% do capital social da sociedade ré veio a ser adquirido por LL(resposta ao quesito 33º).
64º - A autora, durante os anos em que foi gerente da ré, deslocava-se, em regra diariamente, à sociedade ré (resposta ao quesito 34º).
65º - FF, aludido na resposta dada ao quesito 14º, deslocava-se à sociedade ré nos dias de reunião do conselho de gerência (resposta ao quesito 35º).
66º - Foi pago à ré DD, bem como a GG, mais um mês de vencimento, em cada um dos anos de 2000 e 2001 (resposta ao quesito 36º).
67º - Os 2° e 3° réus celebraram, em nome da ré sociedade, para seu uso pessoal, acordos de “leasing” com relação às viaturas marca Mercedes, matrículas 00-00-00 e 00-00-00, nos valores de € 82.454,88 (16.530.719$30) e € 126.700,00 (25.402.069$40), respectivamente (resposta ao quesito 37º).
68º - Após a data referida no ponto 13 dos factos provados, a autora deixou de exercer, nas tardes dos dias úteis, actividade remunerada (resposta ao quesito 40º).
3.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas das alegações dos recorrentes, salvo havendo outras que sejam de conhecimento oficioso.
Nessa medida, as questões que importa apreciar são as seguintes:
a) – Se deviam ter sido alteradas pela Relação as respostas que a 1ª instância deu aos artigos 12º, 24º e 40º da base instrutória.
b) – Se a destituição da autora da gerência da ré “BB” se fundamentou em justa causa, não lhe assistindo consequentemente o direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da destituição;
c) – Se houve ou não falta de cumprimento do acordo parassocial pelos réus CC e DD;
d) – Se, a ter havido incumprimento definitivo e culposo do acordo parassocial pelos réus, daí resultaram danos para a autora e se, nesse caso, existe ou não nexo de causalidade entre os danos invocados pela autora e o invocado incumprimento por parte dos réus;
e) – Se são ou não devidos juros pelos réus desde a citação.
4.
Quanto à pretendida alteração às respostas dadas à matéria de facto reportada aos artigos 12º, 24º e 40º da base instrutória.
Sob o pretexto de que cabe na competência do S. T. J. interpretar declarações negociais, dizem os recorrentes que, ao contrário do decidido, são relevantes as razões invocadas pelo Tribunal da Relação para indeferir o pedido por eles formulado de alteração das respostas dadas aos quesitos 12º, 24º e 40º, expondo em seguida porque discordam de tais indeferimentos.
Como é sabido, o fundamento principal do recurso de revista e que directamente se integra nas funções essenciais do Supremo é a violação de lei substantiva nas suas variantes de erro na determinação da norma aplicável, erro de interpretação e erro de aplicação.
No capítulo da apreciação das provas, a regra contida no n.º 2 do artigo 729 do CPC conexa com as funções prioritárias atribuídas ao Supremo Tribunal de Justiça, é a de que o Supremo, como tribunal de revista, não conhece de matéria de facto, atribuição que pertence às instâncias, salvo os casos excepcionais de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa quando ocorra ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigo 722º, n.º 2 CPC).
Sendo irrelevantes as razões pelas quais o Tribunal da Relação de Lisboa desatendeu a pretensão dos recorrentes de alteração das respostas dadas aos três aludidos quesitos e estando vedado a este Supremo Tribunal alterar a matéria de facto dos quesitos 12º e 24º, face ao disposto nas citadas disposições legais, terá o Supremo que apreciar, apenas, a eventual alteração do quesito 40º, pois, segundo os recorrentes, a resposta dada e, consequentemente, o indeferimento do pedido de alteração dessa resposta contradizem documento autêntico por eles junto aos autos.
Perguntava-se naquele quesito 40º, se após a data referida na alínea M), isto é, se após a data da destituição da autora da gerência, esta deixara de exercer qualquer actividade remunerada no período de tempo diário que despendia na 1ª ré – BB – nas tardes dos dias úteis.
A 1ª instância restringiu a resposta a este quesito, considerando provado que, “após a data referida em M), ou seja, após a data da destituição da autora da gerência, esta deixou de exercer, nas tardes dos dias úteis, actividade remunerada”.
O documento autêntico que os recorrentes afirmam contradizer esta resposta é um documento emitido pela Faculdade de Medicina de Lisboa onde se informa que, com a nomeação definitiva desde 1 de Outubro de 1998, a autora exerceu as funções de investigadora auxiliar, tendo um horário de 35 horas semanais, com sete horas diárias.
Porém, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, a resposta dada àquele quesito não contradiz este documento, antes sendo com ele compatível, como a Relação fundamenta.
Com efeito, como realça a recorrida e os factos comprovam, a autora, desde a constituição da ré BB, sempre exerceu em simultâneo a sua actividade como investigadora do Instituto de Medicina Nuclear da Faculdade de Medicina de Lisboa e a gerência daquela ré, pois não estava sujeita ao regime de exclusividade na função pública. Aliás, também os réus CC e DD trabalhavam ambos simultaneamente nas suas actividades de funcionários públicos, e na sua actividade privada na BB.
Segundo o aludido documento, o horário de trabalho integral a que a autora estava sujeita na função pública era de 35 horas semanais, que se repartiam em sete horas diárias pelos cinco dias úteis da semana, nada impedindo que dispusesse das tardes, se, como se refere, a autora cumpria aqueles períodos de trabalho das 8 às 15 horas.
Anote-se que o que se pretendia saber com este quesito era se, para efeitos da determinação da indemnização devida à autora pela sua destituição, esta, após ter sido destituída da BB passou a exercer qualquer nova actividade remunerada, no período de tempo que dedicava à gerência daquela ré.
Ora o acórdão recorrido, reanalisando os meios de prova carreados aos autos, em conjugação com o documento em causa, concluiu que a actividade profissional da recorrida, fora da sociedade ré, não se alterou depois da sua destituição, sendo essa actividade desenvolvida na primeira parte do dia, pelo que, tal como aí se refere, o documento em causa não permite questionar a resposta dada àquele quesito 40º que, por isso, não pode deixar de se manter, ou dito de outro modo, a resposta dada ao quesito 40º não contradiz o documento autêntico junto pelos recorrentes com relação à matéria versada naquele quesito.
5.
(IN)EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A DESTITUIÇÃO DA AUTORA DA GERÊNCIA DA RÉ.
O acórdão recorrido concluiu pela inexistência de justa causa para a destituição da autora da gerência da ré “BB”, assistindo-lhe, consequentemente, o direito a ser indemnizada pelos prejuízos resultantes da destituição.
Entendimento diverso é o dos recorrentes. Segundo eles teria existido justa causa para a destituição da autora, argumentando que a conclusão retirada pelo acórdão recorrido assentou em duas premissas erradas, que se traduziriam não só numa incorrecta apreciação sobre o ónus da prova das “afirmações difamatórias” imputadas à autora mas também porque “a motivação da deliberação da Assembleia Geral da Sociedade que destituiu a autora é bem mais ampla que aquela que o Tribunal da Relação considerou”, o que significa, na tese dos recorrentes, que a douto acórdão recorrido não teria analisado todas as causas invocadas para a destituição da recorrida da gerência da sociedade ré.
5.1.
Quanto ao ónus da prova:
Começam os recorrentes por discordar do acórdão na parte em que sustenta que “não era à autora que incumbia a veracidade dos factos que imputou à gerência dos outros réus, mas a estes que incumbia fazer prova de que essas imputações eram infundadas” e de que “a falta de alguns dos factos alegados no artigo 24º da petição inicial, de onde não pode ser extraída a conclusão da falsidade dessas imputações, não prejudica a autora. Era à ré que incumbia fazer prova dessa falsidade”.
Segundo eles, estando em causa afirmações difamatórias por parte da recorrida, caberia a ela provar tais afirmações.
Salvo o devido respeito, não assiste razão aos recorrentes.
A consideração de todo o texto do artigo 257º do CSC e, em particular, do seu n.º 7 mostra que nada especificamente se estatui quanto ao “onus alegandi et probandi” relativo à justa causa, havendo, por isso, que recorrer no tema à regra geral do artigo 342º, n.º 1 do Código Civil.
O que está em causa nos autos é saber se existe ou não justa causa para a destituição da autora da gerência da ré.
Este Supremo Tribunal tem entendido[1] que ao gerente destituído apenas cabe provar que foi destituído, que sofreu os danos e o nexo de causalidade entre a destituição e os danos, cabendo à sociedade provar a existência de justa causa para a destituição, como facto impeditivo do direito de indemnização invocado pela autora.
E esse ónus da prova dos réus estendia-se, naturalmente, a todos os factos integrantes da justa causa invocada para a destituição, onde se integravam as alegadas afirmações consideradas difamatórias pela ré. Ou seja, em consonância com o exposto, bem concluiu o douto acórdão, ao considerar que não era à autora que incumbia fazer prova da veracidade dos factos que imputou à gerência dos outros réus, mas a estes que incumbia fazer a prova de que essas imputações eram infundadas.
Assim, se uma das causas invocadas consiste em terem sido proferidas afirmações difamatórias, cabe à sociedade provar não só que as afirmações foram proferidas, mas também que tais afirmações eram ofensivas da honra do visado.
Deste modo é irrelevante o facto da recorrida não ter provado algumas das afirmações por si feitas. Com efeito, não recaindo sobre a autora qualquer ónus de prova em relação a essa matéria, a falta de prova de algumas dessas imputações feitas não pode ser valorada contra ela, como pretendem os recorrentes.
Por outro lado, a resposta negativa a um quesito apenas significa não ter sido provado o facto quesitado e não que se tenha demonstrado o facto contrário, tudo se passando como se aquele facto não tivesse sido articulado. Donde, a falta de prova de alguns desses factos não permite que dessa resposta negativa se extraia a conclusão da falsidade dessas imputações, nem, consequentemente, pode prejudicar a autora.
E não é verdade, ao contrário do que afirmam os recorrentes, que a sociedade tenha provado na grande maioria dos casos o contrário do que a recorrida afirmou. Em poucos casos logrou fazer essa prova e tais casos não têm relevância conducente a uma destituição da gerência, como muito bem se afirma no acórdão recorrido.
5.2.
Quanto às causas invocadas para a destituição da recorrida.
O n.º 1 do artigo 257º do Código das Sociedades Comerciais estatui, em termos meramente dispositivos, a livre revogabilidade da relação entre a sociedade e o gerente por acto unilateral e discricionário daquela, independentemente de justa causa. Dito de outro modo, esta norma consagra o princípio da liberdade de destituição dos gerentes, a todo o tempo e independentemente de existir, ou não justa causa.
Embora a lei, para além dos casos que especificamente aponta como constituindo justa causa de destituição, como acontece com a violação do dever de concorrência (artigo 254º, n.º 5 CSC), não forneça uma definição do que seja a justa causa de destituição, aponta-nos, porém, o caminho para a determinação desse conceito, nomeadamente, no n.º 6 do citado artigo 257º, considerando “exemplificativa e genericamente, como tal, a violação grave dos gerentes e a sua incapacidade para o exercício normal das suas funções[2]”.
Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela, não definindo a lei “justa causa”, deve o seu conteúdo ser, em princípio, “apreciado livremente pelo tribunal”. Observam estes autores que, em Itália, é unanimemente reconhecida, como causa justa, não a causa subjectiva mas a causa objectiva, considerando-se como tal toda a circunstância que torne contrário aos interesses do mandante (no caso da revogação do mandato com justa causa) o prosseguimento da relação jurídica[3].
Escreve a propósito Baptista Machado[4] que “será justa causa qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual e, segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim […]”.
Quanto à jurisprudência sobre a matéria, esta vai variando nas definições do que seja justa causa de destituição, apontando, porém, todas elas para um facto ou situação que pela sua gravidade torne impossível a manutenção da relação de confiança que pressupõe o exercício do cargo.
Doutrina e jurisprudência convergem, pois, no entendimento, segundo o qual, para que exista justa causa de destituição, é necessário que haja ou incapacidade para o exercício do cargo ou que ocorram factos de tal modo graves e violadores dos deveres de gerência que impossibilitem a manutenção da relação de gerência.
Como se escreve no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/1996, processo n.º 102/96 da 1ª Secção, face à licitude genérica da destituição de gerente, o problema de haver, ou não, justa causa releva para efeitos de eventual indemnização. “E, neste particular, para análise jurisdicional, interessam os factos trazidos ao processo e, neste comprovados, ainda que não explicitados na deliberação de destituição, embora insertos nas razões genéricas dessa deliberação”.
Reportando-nos ao caso em apreço, constata-se que a autora foi destituída na Assembleia Geral da Sociedade de 24/10/2000, fundando-se a destituição nos motivos enunciados na declaração do réu CC, exarada na respectiva acta e transcrita no elenco dos factos provados sob o n.º 13, do seguinte teor:
“Nos últimos tempos, têm-se degradado as relações no Conselho de Gerência por motivo das atitudes tomadas pela gerente Dra. AA a partir do final do mês de Março.
Esta situação tem-se vindo a agravar de tal modo que, na última reunião do Conselho de Gerência, em 29 de Setembro, anunciei a minha renúncia tendo informado os restantes gerentes que apenas me mantinha em funções para assegurar a gestão corrente necessária ao funcionamento da BB”.
Formalizo neste momento, perante a assembleia que me elegeu, esse pedido de renúncia, entregando, formalmente, por escrito esse pedido.
Os motivos desta atitude estão patentes nas actas do Conselho de Gerência e nas cartas que tenho recebido da gerente Dra. AA; contudo vou enumerá-los sucintamente para que todos os sócios possam assegurar-se da gravidade da situação.
1 - Em 21 de Junho recebi da gerente Dra. AA uma carta cujo teor ofende a minha dignidade.
Sou acusado de ilegalidades, abuso de confiança e outras ofensas.
2 - Recusou-se a assinar a documentação para pagamento dos ordenados. Uma vez, alegou que havia ilegalidades; outra vez por chantagem alegando que só assinaria se se alterasse uma acta do Conselho de Gerência correspondente a uma reunião já passada, incluindo nela assunto que não se tinham passado na correspondente reunião.
Estes factos podiam ter tido graves consequências se não se tomassem as medidas de emergência tomadas.
3 - As reuniões do Conselho de Gerência são consumidas durante tempo considerável, em insultos e desconfianças que corroem todo o espírito de unidade necessário à gestão de qualquer empresa.
4 - No dia 21 de Junho, recebo uma carta, na minha qualidade de gerente da BB, em que tanto eu como o outro gerente FF, somos acusados de ter recusado à Dra. AA o direito de anexar à acta da última reunião um documento que não tinha sido exibido nesta reunião.
5 - Declarações na acta da reunião do conselho de gerência de 29 de Setembro onde os demais gerentes são acusados de irregularidades graves.
6 - Relativamente ao processo disciplinar instaurado ao filho JJ, contrariou frontalmente a minha decisão entrando em nítido conflito com anterior decisão do Conselho de Gerência e publicados na ordem de serviço n.º 1 de 2000.
7 - Quase total ausência da BB, limitando-se a telefonar ao Sr. KKse necessitava de alguma coisa, como se a gerência se exercesse pelo telefone.
Só como exemplo desde a referida reunião de gerência em 29 de Setembro até à passada semana em que foi ao Porto, apenas passou pela BB, por breves instantes, por duas vezes.
8 - No dia 17 de Outubro recebi nova carta da Dra. AA com ameaças e acusações de não cumprimento das minhas obrigações.
São estes os motivos que me levam a renunciar e considerar que, com este conselho de gerência, não é possível continuar o desenvolvimento da BB”.
Foi no seguimento desta declaração que, depois de a autora ler a declaração que consta de fl. 203 a 205 dos autos, que a ré DD apresentou a proposta de destituição da autora, nos seguintes termos:
“Em face da situação exposta proponho:
1 - A destituição do actual conselho de gerência, sendo no caso a Dra. AA, com justa causa;
2 – Eleger novo conselho de gerência"
Proposta que foi aprovada com os votos dela própria, do irmão do réu CC e a abstenção deste.
Sendo esses os fundamentos da destituição, era em relação a eles que cumpria apreciar a verificação da existência de justa causa, o que o acórdão recorrido fez, não merecendo, em nosso entender, qualquer censura.
Como nele se refere, nunca foi questionada, in casu, a capacidade da autora para o exercício normal das suas funções, pelo que interessa apenas indagar se a matéria de facto provada permite identificar comportamentos culposos da ora autora que, pela sua gravidade ou consequências, tornassem inexigível à sociedade a manutenção da relação de gerência.
E, porque, como se referiu, para análise jurisdicional, interessam os factos trazidos ao processo e neste comprovados, ainda que não explicitados na deliberação de destituição, embora insertos nas razões genéricas dessa deliberação, tais factos que, em concreto, integram os fundamentos que foram invocados para a destituição da autora, na já referida e transcrita declaração do réu CC, lida na assembleia de 24/10/2000, poderão, em síntese, resumir-se aos seguintes pontos:
a) - As acusações difamatórias da autora contra o réu CC, presidente do conselho de gerência;
b) - A recusa de assinatura das ordens de transferência das retribuições dos empregados;
c) - A defesa infundada do filho (no processo disciplinar que lhe foi instaurado) contra os interesses da sociedade.
d) – O não acompanhamento assíduo das actividades da sociedade.
5.2.1.
Quanto ao primeiro fundamento de destituição: acusações difamatórias.
Defendendo os réus que os apontados fundamentos constituem justa causa da destituição da autora da gerência da sociedade, a eles competiria, desde logo, a prova de que a autora proferiu acusações contra o réu CC e, a tê-las, proferido que tais afirmações seriam difamatórias.
Doutrinariamente pode definir-se a difamação como a atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético – social, isto é, que sejam ofensivos da reputação do visado.
Na linguagem da lei, a difamação compreende comportamentos lesivos da honra e consideração de alguém. Enquanto a honra constitui o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, a consideração será o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a forma como a sociedade vê cada cidadão.
Acusações difamatórias serão, portanto, afirmações que atribuem a alguém factos ou condutas, ainda que não criminosos, mas que sejam ofensivas da reputação do visado.
Tais afirmações não serão, porém, censuráveis, se a imputação vise realizar interesses legítimos, como sucede, por exemplo, quando se exerce qualquer direito, bem como quando se actue no cumprimento de um dever ou se faça a prova da verdade da imputação ou a mesma seja tida, de boa fé, como verdadeira.
Em relação ao primeiro ponto, alegadas acusações difamatórias, considerou o acórdão recorrido que ficaram provados os seguintes factos, para os quais a autora chamou a atenção do réu CC, mantendo-se, para melhor identificação, a numeração que consta do elenco da matéria de facto:
37 - O réu CC incluiu o seu filho, EE, no seguro de saúde dos empregados, que é pago pela sociedade ré (resposta ao quesito 6º/ii).
38 - O réu CC atribuiu a esse seu filho, EE, durante as férias do réu, na Suíça, funções de controlo da sociedade ré, as quais, em princípio, deverão ser reservadas a pessoas da própria organização (resposta ao quesito 6º/iii).
39 - EE, doutorado em economia, foi nomeado assessor de seu pai, o réu CC, em Outubro de 2000 e este, ainda antes, colocou as instalações da sociedade ré à disposição daquele sem qualquer encargo para o mesmo (resposta ao quesito 6º/iv, e 21º).
40 - O réu CC autorizou o pagamento, pela sociedade ré, do telemóvel atribuído ao filho do réu CC (000000000) e respectivas chamadas (resposta ao quesito 6º/v e alínea J).
42 - O réu CC autorizou que a sociedade ré efectuasse o pagamento da viagem da família do réu CC, à Eurodisney, antecipando, pelo menos dois dias, à custa da sociedade ré, o início da deslocação a um congresso em Paris (resposta aos quesitos 6º/vii e 24º).
44 - O réu CC determinou a inclusão, nas contas da sociedade ré, de despesas que não correspondiam a aquisições desta, nem de bens nem de serviços, pelo menos no que concerne a aquisição de diversos artigos de vestuário adquiridos na loja “Max Mara”, bem como ao pagamento de despesas efectuadas com a escritura de cessão de quota da sociedade ré no Cartório Notarial de Ourique (resposta ao quesito 6º/ix).
46 - O réu CC aumentou o vencimento do gerente, seu filho, FF, em Fevereiro de 2000, para 975.000$00, sem deliberação da assembleia geral, tendo posteriormente, em Julho de 2000, sido deliberado proceder à redução desse vencimento para 650.000$00 (resposta ao quesito 6º/xi e 39°).
48 - A autora chamou a atenção do réu CC, com relação a factos referidos nos pontos 36 a 47 dos factos provados, nomeadamente, através das cartas constantes de fls. 180 a 183 (resposta ao quesito 7º).
Pronunciando-se sobre estes factos, no sentido de se apurar, se os mesmos integram afirmações que atribuíam ao réu CC factos ou condutas ofensivas da reputação do visado, considerou o acórdão recorrido que ficou provada a matéria de facto alegada pela autora e negada pelos réus. E acrescenta que, “para além disso, verifica-se que, em relação a certos factos apenas limitadamente provados, existiu falta de colaboração da ré, que, designadamente, não facultou aos peritos documentação por eles solicitada. Como é o caso de boa parte das despesas alegadas no último parágrafo do artigo 24º da petição inicial, incluídas no quesito 6º, ou das despesas de viagens. Estes artigos da base instrutória receberam respostas restritivas, mas, para além de ter ficado parcialmente demonstrada a alegação da autora, como é o caso das despesas efectuadas na “Max Mara” e no cartório Notarial de Ourique, não ficou demonstrada a falsidade de qualquer parcela do ali alegado”.
Discordam os recorrentes da valoração destes factos retirada pela Relação, pelas seguintes razões:
A - Os factos provados não permitem qualificar as acusações contra o réu CC, antes mencionadas, como ilegalidades e abuso de confiança, tratando-se apenas de irregularidades ou “faltas criticáveis”, “desde logo, porque (i) todos foram sancionados pela Assembleia Geral da Sociedade, que sempre aprovou as contas da gerência, na sua maioria, com o voto favorável da autora, que apenas não aprovou as contas de 2000 e (ii) para além disso, a autora, como gerente da sociedade é co – autora dos actos que imputa ao réu CC, pois, nomeadamente, (a) assinou todos os mapas de pagamento e respectivos cheques com excepção de dois e (b) o contrato inicial atinente aos telemóveis, (que incluía o do EE), teve o acordo da autora.
B) - Acresce que, segundo eles, o que se provou é muito menos do que a acusação, ou seja, dito de outro modo, há afirmações ofensivas da honra e consideração do Prof. CC proferidas pela autora, cuja veracidade esta não logrou demonstrar.
C) – “Mas, mesmo em relação ao que se deu como provado destas acusações, há, como ficou demonstrado, imputações falsas e inaceitáveis da parte de um gerente contra outro, na medida em que, quem acusa, assinava folhas de pagamento e cheques relativamente a actos que pretende imputar apenas ao outro gerente, ignorando igualmente que aprovou as contas onde tais actos estão incluídos”.
D) - autora refuta a douta argumentação dos recorrentes e, nesta parte, com justeza, em nosso entender.
Quanto ao afirmado em A), importa realçar que as Assembleias Gerais de aprovação de contas, se têm a virtualidade de ilibar os gerentes de responsabilidade, (quando a têm, pois, para tal, é necessário que os actos geradores de tal responsabilidade tenham sido levados ao conhecimento da assembleia), não têm a virtualidade de tornar lícito o que é ilícito.
“Por outro lado, reduzindo as ilegalidades aos pagamentos e ao contrato de telemóveis, esquecem os recorrentes tudo o resto que vem provado nos autos, como sejam, por exemplo, os pagamentos pela sociedade de roupas que a esta não cabe suportar, os pagamentos de viagens de familiares do réu CC, os indevidos aumentos de remunerações do gerente FF, filho do réu CC, o pagamento de seguro do outro filho (EE)”.
Quanto ao afirmado em B), particularmente no que se refere aos pontos 37 a 40, note-se que, ao contrário do alegado pelos recorrentes, não resultou provado que o filho do réu CC, o EE, “colaborava com o pai na administração da sociedade”, nem que apenas utilizava o gabinete do pai, nem era doutorado em economia.
Aliás, a nomeação do filho EE, como assessor do réu CC na sociedade, apenas ocorreu após a destituição da autora da gerência da sociedade, em reunião do conselho de gerência, que teve lugar logo após a destituição da autora/recorrida e nesse mesmo dia (vide acta – fls. 778).
Também, como muito bem refere a recorrida, só naquela acta de fls. 775 foram tratados três assuntos, suscitados pela autora e dos quais o réu CC, também gerente da sociedade, não dera sequer conhecimento prévio à autora, ou seja, (i) a colocação de um gabinete à disposição de um filho do réu; (ii) realização de um estágio nos Estados Unidos da América por uma médica da sociedade a expensas desta; (iii) atribuição ao referido EE da função de fiscalização dos documentos de caixa, apesar desse filho não desempenhar funções na sociedade e de essa tarefa ter sido feita pela autora nas ausências do réu CC.
Quanto aos factos do ponto 42 sobre a viagem a Paris, afirmam os recorrentes que a antecipação da viagem se verificou não pelas razões apontadas pela autora mas sim por interesse da sociedade, acrescentando que a autora acusou também o réu CC de mandar pagar pela sociedade viagens particulares da família, o que não provou minimamente.
Salvo o devido respeito, não lhes assiste razão.
O que vem afirmado pelos recorrentes admite-se que possa ser verdadeiro relativamente à viagem do réu CC mas tal não é aplicável à viagem da ré DD nem ao pagamento pela sociedade da viagem da filha de ambos à Eurodisney e respectivas estadias.
Ainda que se tivesse provado que a ré DD se deslocou a Paris, no interesse da sociedade, (e não provou), é evidente, ainda assim, que, se aqueles réus tivessem que levar a filha consigo, cabia a eles e não à sociedade suportar o custo da respectiva deslocação e estadia. Mas não se tendo provado que a ré DD, mãe da criança, tivesse ido a Paris por motivo de interesse da sociedade, sempre poderia ficar em Portugal com a filha. E, se não podia, ou não queria, cabia aos pais da criança e não à sociedade suportar os custos da sua deslocação e estadia.
Quanto às outras viagens particulares, que os recorrentes dizem não ter sido provadas minimamente, vem provado (resposta ao quesito 6º/vi) que a sociedade pagou despesas referentes a viagens, nomeadamente da ré DD, e que, em Março de 2000, foram reservados voos para Zurique, tendo sido depois emitida uma factura respeitante a uma deslocação da ré DD para Amesterdão.
Em todo o caso, a requisição de uma viagem para Zurique não se ajusta à facturação de uma viagem a Amesterdão, e era naturalmente aos réus que incumbia esclarecer essa desajustamento, que não obteve resposta no exame pericial.
Assim, também se não identifica aqui uma falta da autora susceptível de justificar a sua destituição da gerência da sociedade.
Quanto ao ponto 44, referem os recorrentes que todas as despesas questionadas pela autora apenas duas foram consideradas provadas e mesmo, quanto a uma dessas, o Tribunal teve dúvidas (as despesas da Max Mara).
Relativamente aos factos considerados provados, nesse ponto 44º como nos demais, relembra-se que o Supremo Tribunal de Justiça não tem competência para os censurar, como atrás se referiu. Ora, ao contrário do alegado, não foram apenas provadas duas das despesas questionadas. Mas ainda que tivessem sido apenas duas as despesas que a sociedade não devia suportar e suportou, tal facto constitui ilegalidade suficiente para que os sócios, como era o caso da autora, pudessem questionar a licitude dos procedimentos.
Quanto ao ponto 46º, relativamente ao aumento da remuneração do gerente FF por decisão exclusiva do réu CC, sem que a assembleia geral o tivesse aprovado, dizem os recorrentes que “não havia estatutariamente obrigatoriedade de fixação dos vencimentos dos gerentes pela assembleia geral”, parecendo querer dizer, neste contexto, que nada impediria o réu CC de proceder a esse aumento do gerente FF, seu filho, pelo que a afirmação da autora seria ofensiva da honra do visado.
Mas sem razão.
O artigo 255º, n.º 1 CSC estabelece, como regra, o direito do gerente, sócio ou não sócio, a ser remunerado pelo serviço prestado nessa qualidade à sociedade. Porém, o contrato de sociedade pode estipular que a gerência não é remunerada.
Assim, não estipulando o contrato de sociedade que a gerência não é remunerada, o gerente tem direito a uma remuneração a fixar por deliberação dos sócios. Apesar de no texto do artigo 255º não aparecer a palavra “deliberação” outro não pode ser o sentido do preceito, pois só por meio de deliberação, nalguma das formas admitidas pela lei, os sócios exprimem uma vontade imputável à sociedade.
Deste modo, nada constando do contrato da sociedade ré quanto à remuneração dos gerentes, é patente a irregularidade manifestada no aumento da remuneração do gerente FF por decisão exclusiva do réu CC.
Quanto ao ponto 48º, as instâncias consideraram provado que “a autora chamou a atenção do réu CC, com relação a factos referidos nos pontos 36º a 47º dos factos provados, nomeadamente, através das cartas constantes de fls. 180 a 183”.
Assim, ao contrário do defendido pelos recorrentes, a chamada de atenção feita pela recorrida ao réu CC relativamente à actuação deste não se reporta apenas às cartas de fls. 180 a 183, ou seja, fê-lo por outras formas e também por meio daquelas cartas.
Com referência àquelas cartas, alegam os recorrentes que se passaram 13 anos, sem que a recorrida tenha posto em causa a conduta do co – gerente.
Como salienta a recorrida, esta “só podia chamar a atenção para aqueles factos, depois deles terem ocorrido, e não antes, e, portanto, não é de estranhar que, sem que nada de anormal ocorresse, (…), a recorrida nada tenha posto em causa anteriormente”, nada comprovando nos autos que as chamadas de atenção apenas tenham sido feitas “muito tempo depois de ocorridos os factos”, nem que tenham sido feitas muito depois da autora haver tomado conhecimento da ocorrência dos factos.
Quanto ao afirmado em C), nem quanto aos dois casos que apontam, têm, a nosso ver, os recorrentes razão.
De facto, os mapas/ordens de pagamento são a lista mensal de remunerações, pois que outros não existiam e, como consta dos autos, a autora/recorrida, logo que se apercebeu de que a remuneração do gerente FF, filho do réu CC, estava a ser paga em excesso, (50% superior ao estabelecido pela assembleia geral), recusou assinar o mapa respectivo e a correspondente ordem de pagamento.
Ao contrário do alegado pelos recorrentes, não vem provado que a autora assinasse todos os cheques de pagamentos a efectuar pela sociedade e, quanto a “folhas de pagamento”, apenas existiam as folhas mensais de remuneração que a autora se recusou a assinar no mês de Junho, por ter então notado que continha o salário de um gerente superior ao devido, nunca tendo os pagamentos excessivos anteriormente feitos ao mesmo gerente sido submetidos ou aprovados por qualquer assembleia geral da ré BB.
Quanto aos telemóveis, nunca esteve em causa o contrato inicial, mas sim a posterior inclusão nesse contrato, sem conhecimento da recorrida, de outros telefones, pagos pela sociedade, sendo um para o filho do réu CC, (não o FF gerente da BB), mas o EE que não exercia qualquer função na sociedade, desconhecendo-se a quem se destinou um dos restantes telemóveis.
Consideram, seguidamente, os recorrentes que a acusação do acórdão recorrido de falta de colaboração com os peritos é infundada, porquanto deram inteira colaboração para a peritagem, como ao próprios peritos reconheceram, ao afirmarem que “devemos salientar que, para a realização do nosso trabalho, nos foram disponibilizadas instalações em condições básicas de trabalho, assim como a colaboração de que necessitámos, designadamente na pesquisa de documentação, prestação de esclarecimentos e na obtenção de fotocópias”.
Teriam os réus inteira razão se o relatório se circunscrevesse a esta passagem. Se está correcta a transcrição do relatório pericial, atrás citada, a verdade é que deste também consta que certos elementos foram pedidos pelos peritos e não lhes foram fornecidos, nomeadamente, a discriminação dos custos associados ao telefone usado pelo EE, bem como o comprovativo de despesa contabilizada na conta de Contencioso e Notariado, onde se encontrava contabilizada a escritura de aquisição de uma quota cedida a terceiros pelos réus, conforme resposta ao quesito 6/ix, e que o mesmo lhes não foi presente.
Como realça a recorrida, e com inteira justeza, “seja por falta de colaboração, seja por falta de elementos contabilísticos ou documentos de suporte, a verdade é que em muitas matérias que a recorrida questionou, nomeadamente as relativas a despesas suportadas pela sociedade aparentemente a esta alheias, os elementos facultados aos peritos, seja porque outros não existiam ou não lhes foram convenientemente fornecidos, deixam as maiores das dúvidas sobre aquilo a que se reportam, quer por descrição demasiado genérica das facturas, quer por omissão do beneficiário ou beneficiários dos cheques emitidos, como tudo se vê nomeadamente de páginas 12 a 14 do relatório”.
Ora, “se nem os peritos conseguiram esclarecer estas matérias, as dúvidas que sobre elas surgiram no espírito da autora, e que ela expressou, não podem deixar de se considerar legítimas”.
Acrescenta, seguidamente, o acórdão recorrido que, “para além da resposta restritiva dada a este ponto da matéria de facto, suscita-se a existência de divergências entre a matéria de facto provada e a que foi alegada pela autora, nos seguintes pontos da matéria de facto:
36 - O réu CC nomeou como colaboradora no trabalho de protecção contra radiações no Laboratório, GG e foram efectuados pagamento de salários em nome desta e depositados em conta bancária do réu CC (resposta aos quesitos 6º/i, e 17º).
41 - A sociedade ré pagou despesas referentes a viagens, designadamente, da ré DD, sendo que, em Março de 2000, foram reservados voos para Zurique, tendo sido posteriormente emitida factura atinente à deslocação daquela para Amesterdão (resposta ao quesito 6º/vi).
43 - O réu CC determinou a realização de um estágio de GG, no Laboratório da Universidade Washington - Centro Médico (UWMC) - em Seatle, para o estudo de uma nova técnica de tomografia de emissão de positrões (PET) que, na altura, iria ser introduzida em Portugal (resposta aos quesitos 6º/viii, e 25º).
45 - Na sociedade ré existe uma máquina de lavar roupa a esta pertencente, e que foi efectuada a reparação a uma máquina de lavar (resposta aos quesitos 6º/x e 28º).
47 - A sociedade ré, com o acordo da autora, concedeu ao réu CC, um empréstimo no montante de € 24.940, correspondendo a 5.000.000$00, o qual foi contabilizado na conta de devedores e credores (resposta aos quesitos 6º/xii, e 31º).
57 - O trabalho realizado por GG, referido no ponto 36 dos factos provados era efectuado aos fins-de-semana e à noite para não prejudicar o funcionamento da “BB” e para eliminação dos resíduos radioactivos correspondentes ao trabalho semanal (resposta ao quesito 18º).
59 - Pelo menos, o contrato inicial atinente aos telemóveis teve o acordo da autora (resposta ao quesito 22º).
60 - A ré sociedade dispunha de um equipamento adaptável à técnica “PET” (resposta ao quesito 26º).
61 - GG apresentou relatório verbal à directora clínica da ré sociedade, com relação ao estágio referido no ponto 43 dos factos provados, e fez, posteriormente, num sábado de manhã, uma apresentação oral sobre o mesmo (resposta ao quesito 27º).
Seguidamente, passou a apreciar, em concreto, essas divergências, pronunciando-se em relação a cada um dos factos atrás referidos.
Não obstante a clareza e o rigor colocados na apreciação de cada um desses pontos, os recorrentes questionam a valoração que a Relação fez de alguns deles, pretendendo desse modo demonstrar que, ao contrário do decidido, a destituição da autora da gerência foi com justa causa. Assim sendo, interessará salientar a valoração do acórdão em relação a esses factos e as divergências dos recorrentes quanto a essa valoração:
Pontos 36 e 57:
Em relação a estes pontos, a autora alegou que a ex-esposa do R. CC não exercia qualquer actividade na sociedade que justificasse o pagamento de retribuição. E os réus alegaram e provaram o que consta daqueles dois pontos da matéria de facto.
Mas também ficou provado, como consta do mesmo ponto 36, que a retribuição em causa era depositada em conta do réu CC, procedimento susceptível de suscitar as dúvidas que, a esse respeito, foram levantadas pela autora na sua carta de 21 de Junho. Aliás, nessa carta a autora não questiona, propriamente, o facto de ter passado a ser processada remuneração em nome da ex-esposa do réu CC, mas antes o aumento de 50% da remuneração que já vinha sendo processada nesse nome. E não ficou provado que a autora tivesse conhecimento da actividade exercida pela ex-esposa do réu na sociedade.
E também ficou provado o aumento, pelo réu CC, na mesma ocasião, do vencimento do seu filho FF em 50%, tudo levantando dúvidas sobre a realidade dessas alterações, em que a autora não interveio.
Não se vê, assim, que, ao questionar os aumentos em causa, e a realidade subjacente aos mesmos, sem que se evidencie que tivesse conhecimento da actividade desenvolvida na empresa pela ex-esposa do réu, a autora tenha excedido, por alguma forma, os seus deveres de gerente.
Não obstante a clareza da apreciação e valoração destes factos, afirmam os recorrentes que a Dr.ª GG tinha habilitações específicas para as funções que desempenhava na BB, parecendo pretender dizer que, se a mesma tinha de facto as habilitações específicas exigíveis para as funções, para as quais aquele dizia havê-la nomeado, (mas a cuja efectivação a autora nunca assistiu), o pedido feito ao réu CC foi ofensivo e, como tal, por este considerado.
Ora, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, os factos provados não demonstram que o réu CC tivesse comprovado à autora as habilitações da Dr.ª GG, nem que a autora a tivesse visto na sociedade, pois que a Dr.ª R...... trabalhava para a sociedade apenas aos fins – de – semana e à noite.
Acresce que, sendo o salário, pago nominalmente àquela, depositado em conta do réu CC, dela separado judicialmente de pessoas e bens, era mais do que legítima a dúvida se aquela trabalhava para a sociedade, podendo o réu CC ter feito a comprovação das habilitações específicas da Dr.ª R...., caso as possuísse, como poderia ter feito a prova de que aquela era co – titular da conta, onde as remunerações daquela eram depositadas, sendo certo que a ele cabia fazer tal prova e não a fez.
E o facto da autora ser gerente não significa que ela soubesse tudo o que se passava na sociedade e neste caso concreto ainda menos pelas já apontadas razões.
A referência que a autora faz a “funções que lhe estão a ser atribuídas pelo gerente, Prof. CC” não pode ser descontextualizada para dela se extrair que a autora sabia que a Dr.ª R.... de facto trabalhava para a sociedade. Com efeito, a aludida expressão, no seu contexto, não significa que a autora soubesse que a Dr.ª GG exercia de facto tais funções, mas apenas e tão só que sabia que o Prof. G..... dizia que a remuneração paga pela sociedade ao seu cônjuge se devia ao facto de lhe ter atribuído aquelas funções.
Pontos 43, 60 e 61:
Dizem os recorrentes que a autora afirmou que “o réu CC determinou a realização de estágios no estrangeiro, sem proveito aparente para a sociedade, e sem prestação de relatório de estágio à gerência, e sem que então se compreendesse a razão de ser desses estágios (após a destituição da ré gerente veio a compreender-se com a realização de investimentos em equipamento e acessórios adequados à realização da técnica de positrões, investimentos esses que o réu CC sempre negara pretender efectuar)”.
E o que se provou, foi que “o réu CC determinou a realização de um estágio de GG, no Laboratório da Universidade Washington – Centro Médico (UWMC) – em Seatle, para estudo de uma nova técnica de tomografia de positrões que, na altura, ia ser introduzida em Portugal” e “a ré sociedade dispunha de um equipamento adaptável à técnica PET”.
Mais se provou que a GG fez uma apresentação verbal do relatório à Directora Clínica da ré, com referência ao aludido estágio e fez, posteriormente, um sábado de manhã, uma apresentação oral sobre o mesmo.
Pronunciando-se sobre esta questão, considerou o acórdão recorrido que “está aqui em causa a realização, pela Dr.ªR...., de um estágio no Laboratório da Universidade Washington - Centro Médico (UWMC) - em Seatle, matéria em relação à qual, a ora autora questionou, à data, o interesse da sociedade na sua realização, nos termos que constam da sua carta de 23 de Março de 2000, com cópia a fls. 123.
As dúvidas ali expressas são aparentemente justificadas, sugerindo ainda que a ora autora não tinha, então, conhecimento do projecto de investimento no equipamento PET, apesar de se tratar de um investimento da ordem dos € 650.000,00.
E questão do relatório desse estágio é seguramente secundária, considerando-se, em todo o caso, que a realização de um investimento da ordem do que foi realizado, justificava mais do que duas apresentações verbais, não se evidenciando ainda que a ora autora tivesse tomado conhecimento de qualquer delas.
No ponto 60 foi julgado provado que a sociedade dispunha de um equipamento adaptável a técnica PET, mas dos autos resulta inequivocamente que o respectivo investimento foi efectuado no ano de 2001, muito depois de a autora ter questionado a realização do estágio, e até da sua destituição. Aliás, isso também resulta da alegação dos próprios réus, provada no ponto 43.º do elenco da matéria de facto”.
Dizem os recorrentes que não se compreende a afirmação feita no acórdão de que se justificava mais do que duas apresentações verbais; que a autora, como gerente, podia pedir um relatório a quem fez o estágio; que não se justifica que a autora não tenha estado presente no sábado em que foi feita a apresentação oral e que se a autora tinha dúvidas lhe competia a ela esclarecer-se junto da directora clínica e da pessoa que fez o estágio.
Em nosso entender, a apreciação feita no douto acórdão recorrido não merece qualquer censura.
A realização da nova técnica implicava um investimento a efectuar pela sociedade da ordem dos 650.000 euros e o réu CC não tinha intenção de executar tal técnica na sociedade, como afirmou em reunião de 11 de Julho de 2000 (cfr. fls. 759).
A autora era gerente e não lhe foi dado conhecimento prévio desse estágio, nem vem provado que tenha sido informada da apresentação verbal de qualquer relatório desse estágio à directora clínica nem da exposição oral num sábado de manhã.
A consideração feita pelo acórdão recorrido de que a questão do relatório desse estágio era seguramente secundária, considerando-se, em todo o caso, que a realização de um investimento da ordem do que foi realizado, justificava mais do que duas apresentações verbais, não se evidenciando ainda que a ora autora tivesse tomado conhecimento de qualquer delas, parece-nos correcta.
Com efeito, era à gerência e não à directora clínica e aos demais técnicos da ré que cabia decidir sobre a realização ou não do investimento necessário à execução da nova técnica e, portanto, era à gerência que cabia decidir ou não sobre a realização de tal estágio e, sendo este feito, se se justificava ou não a realização do investimento.
Neste contexto, bem se justifica a afirmação constante do acórdão recorrido de que o assunto, (investimento de mais de cento e trinta mil contos), carecia de mais do que o relatório verbal feito à directora e apresentação feita aos técnicos.
Ao contrário do preconizado pelos recorrentes, não cabia à gerente procurar informar-se junto dos técnicos, antes sendo obrigação do presidente do conselho de gerência decidir em conjunto com os demais gerentes, incluindo a autora, se o estágio devia ou não ser feito, o que aquele não fez, e determinar a realização do relatório, o que aquele não exigiu.
Aliás, não se provou que a técnica em causa (técnica de emissão de positrões) tenha sido executada na sociedade.
Assim, era verdadeira a afirmação da autora, ao referir que o estágio em causa não tinha aparentemente proveito para a sociedade e não foi prestado relatório à gerência.
Ponto 45
Relativamente à reparação de uma máquina de lavar, cujo custo a autora afirmou ter o réu CC tentado incluir nas constas da sociedade, respeitando, porém, tal reparação a uma máquina da ré DD, provou-se, apenas, que foi efectuada uma reparação de uma máquina de lavar e que na sociedade ré existe uma máquina de lavar roupa a esta pertencente, ou seja, não se provou nem que a reparação respeitava a uma máquina da sociedade nem que respeitava a uma máquina da dita DD. Ou seja, não se provou que a despesa de reparação incluída nas contas da sociedade respeitasse a uma máquina da ré DD.
Deste modo, da falta de prova deste facto, e de outros alegados na petição, não pode ser extraída a conclusão da falsidade de tais factos, pelo que a falta de prova não pode prejudicar a autora, já que aos réus incumbia fazer prova dos factos integrantes da justa causa de destituição.
Consideram, porém, os recorrentes que a reparação que a autora alega ter sido feita em máquina da ré DD constante da factura, de que juntou fotocópia para sustentar a sua afirmação, não foi seguramente paga pela ré BB, pelo que não pode deixar de concluir-se que a afirmação da autora é difamatória.
Ora, salvo o devido respeito, a autora nunca disse que o custo da reparação daquela máquina tivesse sido satisfeito pela ré BB. O que a autora afirmou foi que tinha sido tentado incluir aquela despesa nas contas da sociedade. Mas não passou de tentativa sem resultado e, por isso, a sociedade de facto não pagou a dita reparação.
Aliás, tendo-se provado que na sociedade existe uma máquina de lavar roupa e se, como alegam mas não provam os recorrentes, foi efectuada a reparação dessa máquina, seria legítimo perguntar por que não pagou a sociedade essa reparação, estando a factura atinente àquela reparação entre os documentos a contabilizar na sociedade.
Ponto 47:
Afirmou a autora que “o réu CC constituiu dívidas pessoais, de vários milhares de contos (5.000 contos), que por instruções suas foram contabilizados na conta de outros devedores e credores, em lugar de o serem na conta sócios, para que se não detectasse facilmente que era ele o devedor, e que como tal se mantém”.
Neste ponto foi julgado provado, em resposta aos quesitos 6º/xii), e 31º, que “a sociedade ré, com o acordo da autora, concedeu ao réu CC, um empréstimo no montante de € 24.940,00 (5.000.000$00), o qual foi contabilizado na conta de devedores e credores”.
Pretendem os recorrentes que a autora acusou o réu CC de ter constituído dívidas para com a sociedade e que teria dado aquela ordem para que se não detectasse facilmente que era ele o devedor, o que permitiria equacionar a existência de justa causa de destituição.
O acórdão recorrido considerou que, “nos termos da sua alegação, a autora não questionou a realização desse empréstimo, mas apenas a forma da sua contabilização. A censura ali feita parece visar apenas as instruções do réu CC em relação à forma de contabilizar o empréstimo em causa, e não a sua existência, o que não permite equacionar a existência de justa causa de destituição”.
Aceitamos a valoração feita pelo acórdão recorrido. Parece-nos que, no contexto em que esta afirmação foi proferida, a autora não acusou o réu CC de ter constituído dívidas para com a sociedade, tanto mais que sacara o cheque que foi entregue ao réu CC. O que a autora recriminou foi a forma de contabilização da dívida, que foi levada à conta de devedores e credores, e aí contabilizada, em lugar de o ser à conta de sócios ou à conta de adiantamentos a membros do órgão de gestão.
Ora, em tal conta, é difícil determinar se o empréstimo foi ou não pago e, por isso, a recriminação da autora sobre tal forma de contabilização, que se justifica.
Outros pontos:
A afirmação feita nos autos de que os réus CC e DD quiseram ver-se livres da autora apenas porque ela se opunha a práticas de gestão e em relação à qual apenas foi dado como provado o que se passou na assembleia de destituição não tem qualquer relevância para a apreciação da existência ou não de justa causa de destituição.
Na sua comunicação de renúncia, exarada na acta da assembleia de 26/10, em que o réu CC fez a síntese dos motivos que foram assumidos pela sociedade como fundamento da destituição da autora, referiu o facto de, ele próprio e o seu filho FF, terem sido acusados pela autora de lhe terem recusado a anexação de um documento à acta de uma reunião, documento que, prossegue este réu, não tinha sido exibido nessa reunião, e que, afinal, viria a ser anexado à acta de uma reunião subsequente.
Discordando da valoração feita pelo acórdão recorrido, pretendem os recorrentes demonstrar a falsidade de afirmação feita pela autora, em carta de 21 de Julho de 2000 e para isso reportam as suas afirmações, como respeitando a uma reunião de 18 de Julho, quando não era a acta da reunião desse dia que estava em causa mas sim a acta da reunião de 11 de Julho, o que desde logo invalida tudo quanto os recorrentes ali afirmam.
Naquela carta de 21 de Julho, a recorrida refere que não lhe foi permitido aditar a declaração que pretendia à acta da reunião de 11 de Julho, pelo que a enviava para que fosse transcrita no respectivo livro.
Considerou o acórdão recorrido que, “em relação a esta questão, tudo o que está provado é o teor da referida carta, datada de 21/07/2000, junta a fls. 181, e, segundo se julga, nada do ali afirmado foi desmentido ao longo do processo. Na referida carta a autora tem em vista a acta da reunião do conselho de gerência realizada a 11/07/2000, afirmando que a mesma foi aprovada pelos gerentes CC e FF em reunião de gerência realizada no dia 18 de Julho e que, no dia 20 de Julho, o Prof. G...... lhe recusou a junção a essa acta de uma declaração escrita”.
Acrescenta, seguidamente, o acórdão recorrido, que, “em relação a esta sucessão de factos, julga-se que não existe verdadeira divergência nas posições das partes, que terão em vista momentos temporais diferentes. Parece resultar da posição da autora que a declaração em causa apenas foi apresentada no dia 20 de Julho, e não em qualquer reunião anterior. E a sua junção ao livro de actas apenas teve lugar na acta de 29 de Setembro seguinte, depois da referida carta de 21/07, onde a autora apontou a recusa do réu CC, nada permitindo concluir que o afirmado pela autora nessa carta fosse infundado”.
Salvo o devido respeito, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, o acórdão valorou correctamente a situação.
Nada aqui há de levantamento de suspeitas ou de difamatório por parte da autora. É feita uma afirmação, que correspondia à realidade, e, se não correspondia, caberia aos ora recorrentes prová-lo, o que não fizeram.
Conclui-se, assim, que não pode ser julgada verificada a existência de justa causa de destituição fundada em acusações difamatórias da autora contra o réu CC.
5.2.2.
Depois de analisadas as alegadas acusações difamatórias da autora contra o réu CC, presidente do conselho de gerência, que constituiriam o 1º dos fundamentos considerados para a destituição da autora, passemos a apreciar o segundo fundamento dessa destituição que, no dizer dos recorrentes, se consubstancia na recusa de assinatura das ordens de transferência das retribuições dos empregados.
Com efeito, a destituição da autora foi, depois das acusações difamatórias, fundada no facto de a autora ter recusado assinar, por duas vezes, a documentação para pagamento de ordenados, alegando, num dos casos, a existência de ilegalidades e, no outro, condicionando a assinatura à alteração de uma acta do conselho de gerência.
Quanto a esta recusa de assinatura dos mapas de pagamento das remunerações, afirmam os recorrentes que se tratou de facto revestido de “gravidade”, porque os mapas tinham que ser assinados até determinada data, por dois gerentes, estando então um de férias e que isso levou à convocatória de uma assembleia extraordinária para o mês de Agosto, além de que poderia a autora assinar a ordem de pagamento relativamente a todos os outros trabalhadores, (a discordância resumia-se ao vencimento excessivo do gerente filho do réu CC), pagando-se todos os outros salários.
A matéria que, a este propósito, foi declarada assente, é limitada à que consta do ponto 58 do respectivo elenco, do seguinte teor:
“Até Setembro de 2000, a autora assinou todos os mapas de pagamentos e respectivos cheques, salvo os atinentes aos meses de Junho e Agosto de 2000”. Ou seja, o tribunal apenas julgou provado que a autora não assinou os mapas de pagamento atinentes aos dois aludidos meses, sem qualquer esclarecimento.
Assim sendo, considerou o acórdão recorrido que, “na falta de melhores elementos, não é possível ir além do que foi alegado pela própria autora, nos artigos 58º e seguintes da petição inicial, onde a mesma afirmou que apenas se recusou a assinar documentação para pagamento de ordenados nos meses de Junho, em relação ao gerente FF, e de Agosto, em relação à ora ré DD. No primeiro caso, o montante processado era superior, em mais de 50% ao aprovado em assembleia geral. No último, era diferente do que fora aprovado em conselho de gerência.
Do assim alegado pela autora, ficou efectivamente provado que o vencimento do gerente FF foi aumentado pelo réu CC em Fevereiro de 2000, sem deliberação da assembleia geral, de Esc. 650.000$00 para Esc. 975.000$00, tendo sido posteriormente deliberado, em Julho de 2000, reduzir esse vencimento, de novo para o valor de Esc. 650.000$00.
Também está provado o teor da carta da autora de 21/06/2000, onde a mesma afirma exactamente que, tendo em conta aquele aumento de vencimento do gerente FF, não vai dar andamento ao respectivo pagamento.
E, por fim, estando assente que a sociedade dispunha de três gerentes, é seguro que esta recusa da autora não tinha, como não teve, a virtualidade de impedir que esse, e outros pagamentos tivessem sido efectuados”.
Ao que, correctamente, vem referido e apreciado no acórdão recorrido, acresce que o mapa e a ordem de pagamento eram um só para todos os trabalhadores, pelo que só com desdobramento seria possível processar uns e não outros.
O mapa/ordem de pagamento foi assinado pelos outros dois gerentes, o que comprova que o terceiro gerente não se encontrava de férias, como agora afirmam os recorrentes. O mapa/ordem de pagamento em causa era o relativo ao mês de Junho, como consta da resposta aos quesitos 19º, 30º e 38º e não o relativo ao mês de Julho como alegam agora os recorrentes.
A assembleia de Agosto serviu apenas para nomear procurador da sociedade um irmão do réu CC.
Com inteira justeza, diz a recorrida que “a gravidade da situação, se grave fosse, não teria origem na recusa da autora em assinar mapas de pagamentos com remunerações superiores ao determinado pela assembleia geral, mas sim na inclusão, por determinação do réu CC, de remunerações excessivas a pagar a seu filho. Dizer-se que a culpa é de quem recusa pagar o que é ilegal em lugar de o ser de quem comete a ilegalidade, é inverter por completo a análise da situação”.
Quanto ao mapa/ordem de pagamento relativo às remunerações do mês de Agosto, o outro que não foi também assinado pela autora, como também consta da resposta aos mesmos quesitos 19º, 30º e 38º, tal se deveu ao facto de a autora se encontrar de férias nesse mês.
Assim, não se revestiu de qualquer gravidade a não assinatura de mapas/ordens de pagamento de remunerações (que foram assinados por outros gerentes), por deles constar, no mês de Junho, uma remuneração a um gerente superior à que lhe fora estabelecida pela assembleia geral e, por no mês de Agosto, a autora se encontrar de férias, pelo que também aqui não se identifica justa causa para destituição da autora da gerência da sociedade.
5.2.3
Um outro fundamento para a destituição da autora foi a quase total ausência desta da BB.
A este propósito refere o acórdão recorrido que “também não ficou esclarecido o fundamento de destituição da autora traduzido na sua “quase total ausência da BB”, designadamente no período posterior à reunião do conselho de gerência de 29 de Setembro de 2000. No ponto 64 do elenco da matéria de facto o tribunal julgou mesmo provado que, durante os anos em que foi gerente da ré, a autora se deslocava, em regra, diariamente, às respectivas instalações. E nada foi concretamente esclarecido em relação ao período posterior a 29/09/2000”.
Os recorrentes discordam desta apreciação, pois, segundo eles, é a autora que confessa que, “quanto ao período indicado entre 29 de Setembro e 24 de Outubro de 2000, terá ido menos vezes à sociedade”, sendo, pois, “a própria autora que reconhece que, durante o período em causa, deixou de ir diariamente à sociedade”. “E para quem, segundo diz, desempenhava as funções que menciona no artigo 80º da réplica, já o apenas passar pela sociedade era muito pouco, mas o ir menos vezes à sociedade é quase nada”.
Como se referiu, as instâncias consideraram provado que, durante os anos em que foi gerente da ré, a autora se deslocava, em regra, diariamente, às respectivas instalações (ponto 64). E vem também provado (quesito 35º) que FF, filho do réu CC, se deslocava à sociedade ré nos dias de reunião do conselho de gerência”.
Parece-nos que, perante esta assiduidade de um e de outro gerente, tem razão o acórdão recorrido, ao considerar que não terá ficado suficientemente esclarecido o fundamento de destituição da autora traduzido na sua “quase total ausência da BB”,
A transcrição que os recorrentes fazem da alegada confissão da autora de que em determinado período “terá ido menos vezes à sociedade” é truncada. Importaria que os recorrentes transcrevessem os restantes artigos do petitório dos quais resulta que, no espaço de um mês em causa, a autora deixou apenas de ir à sociedade durante cinco dias e num período em que se encontrava doente.
Anote-se que o que ficou provado é que a autora se deslocava, em regra, à sociedade, e não que a autora passava pela sociedade. Esta substituição da primeira expressão pela segunda é abusiva. Enquanto a primeira expressão pode significar que a autora ali permaneceria, ou não, a segunda inculca a falsa ideia de que a autora ali ia e logo saía.
5.2.4
Por último, a destituição da autora foi fundada na alegação de que aquela, em relação ao processo disciplinar que foi instaurado ao seu filho JJ, contrariou frontalmente a decisão do gerente CC e a anterior deliberação do conselho de gerência, publicados na ordem de serviço n.º 1 de 2000.
Diz o acórdão que “esta é mais uma situação que não foi esclarecida, desde logo, em termos de alegação. Nos artigos 32 e seguintes da sua contestação, os réus remeteram para o relatório do instrutor do processo disciplinar, nada mais acrescentando sobre o assunto. E naquele relatório, junto a fls. 328 a 332, nem sequer foi julgada verdadeira, por incongruente, a alegação do arguido de que a mãe, ora autora, o tinha autorizado a ausentar-se para ir às aulas”. “É certo que, na petição inicial da acção, a autora assumiu ter autorizado provisoriamente o filho a ir às aulas, até ser entregue a documentação escolar, justificativa da sua condição de trabalhador-estudante. Mas esse facto não pode ser considerado separadamente de tudo o mais que ali foi alegado, e que não é adequadamente posto em causa por quaisquer factos provados”.
Alegam, então, os recorrentes que, “se o facto não é posto em causa por quaisquer dos factos provados, isso resulta de essa matéria não ter sido levada à base instrutória”, pelo que seria mais adequado, no seu entendimento, ordenar que a base instrutória fosse ampliada para que a questão fosse melhor esclarecida.
Salvo o devido respeito, não assiste razão aos recorrentes.
Se estes não reclamaram da não inclusão de qualquer facto relativo a este assunto na base instrutória, não cabe ao tribunal suprir essa falta de diligência, tanto mais quanto é certo que o acórdão recorrido afirma que a situação não foi esclarecida, “desde logo em termos de alegação”, como realça a recorrida nas suas doutas alegações.
Anote-se que a acusação feita na assembleia geral que destituiu a autora foi a de que relativamente ao processo disciplinar instaurado ao filho da autora, JJ, aquela teria contrariado frontalmente a decisão do gerente CC, entrando em nítido conflito com anterior decisão do Conselho de Gerência e publicada na ordem de serviço n.º 1 de 2000.
Esta matéria não foi alegada pela ré, nem provada, pelo que não poderia constituir fundamento da existência de justa causa para a destituição da recorrida.
Acresce que nenhum dos réus invocou a alegada ordem de serviço n.º 1 de 2000. A admitir-se que se trata da “Nota de Serviço Interna de 21 de Março de 2000”, que a recorrida juntou como documento n.º 92-A da petição (fls. 241), dela não consta nenhuma decisão do Conselho de Gerência, mas sim do réu CC, e por ela não podiam estar abrangidos os gerentes, quando o réu CC afirmava que constituiria infracção disciplinar grave a alteração de orientações de serviço feitas por ele, pois os gerentes não estão obrigados a obedecer ao que seja determinado por outro gerente.
Resulta do que se deixou exposto que o acórdão recorrido, com vista à sua valorização, analisou cuidada e detalhadamente os factos apontados à recorrida e tomou em conta o ónus da prova, bem como o facto de a falta de prova de algum facto não constituir prova do seu contrário, antes significando apenas que esse facto se não provou, podendo, portanto, ser ou não verdadeiro.
Ora, o conjunto de todos os factos provados, nomeadamente daqueles que a recorrida imputou aos recorrentes, só por si justifica a actuação que a autora teve. Foram os comportamentos dos réus que deram azo a que a autora tivesse que ter a actuação que teve, igual à que teria qualquer outra pessoa colocada nas mesmas circunstâncias.
E se, analisada ponto por ponto a actuação da autora, o acórdão recorrido não encontrou justa causa para a destituição da autora, não pode a mesma ser encontrada pelo conjunto de todos esses pontos.
Não nos parece também que a autora haja violado uma obrigação de bom relacionamento. Este não depende apenas de uma parte, mas sim do comportamento de todas as partes. E se uma ou duas delas se comportam por forma menos correcta, merecedora de críticas, e mantêm o comportamento depois de para ele lhes ser chamada a atenção, como aconteceu no caso dos autos, não pode exigir-se à outra parte que mantenha o mesmo bom relacionamento, que deixe de apontar os actos susceptíveis de crítica.
Deste modo, tudo visto e ponderado, bem decidiu o acórdão recorrido, ao concluir que a destituição da autora da gerência da ré, operada por deliberação da assembleia geral de 24/10/2000, não foi fundada em justa causa, assistindo-lhe, por isso, o direito a indemnização nos termos do artigo 257º n.º 7 do Código das Sociedades Comerciais.
6.
Quanto à falta de cumprimento pelos réus CC e DD da obrigação de atribuição à recorrida de um direito especial à gerência da BB.
Por contrato de 20 de Novembro, os réus CC e DD e a autora/recorrida obrigaram-se a promover uma alteração ao pacto social (da BB), de forma a que no mesmo se consignasse um direito especial da sócia primeira contratante (a recorrida) à gerência, nos termos do qual a identificada sócia não poderia ser destituída de gerente pela sociedade sem o seu consentimento.
O acórdão recorrido decidiu que os réus CC e DD incumpriram a obrigação de promover a alteração do pacto social da sociedade BB, de forma a consignar no mesmo um direito especial da ora autora à gerência, obrigação que foi assumida no âmbito do “contrato-promessa de cessão de quota e acordo parassocial” de 20/11/1998, nos termos da sua cláusula nona, acima referida.
Para tanto considerou o douto acórdão que “não foi questionada, nem se identifica fundamento para tanto, a validade do referido contrato-promessa, ou de qualquer das suas cláusulas, designadamente, da cláusula nona ora em apreço. Não é causa de invalidade o facto de o cumprimento da obrigação ali assumida não estar, à data, na exclusiva disponibilidade dos outorgantes, uma vez que havia outra sócia. Obviamente que era possível obter esse consentimento, e foi certamente nesse pressuposto que os ora réus contrataram. É irrelevante o facto de a autora desconhecer que a pretendida alteração dos estatutos carecia da unanimidade de sócios. E a necessidade dessa unanimidade também não diminuía o valor vinculativo da obrigação assumida, obrigação cujo cumprimento incluiria, à partida, a obtenção do acordo da outra sócia.
Terá, pois, de assentar-se na validade dessa cláusula contratual, vinculativa das partes nos seus precisos termos.
Prosseguindo, importa igualmente reconhecer que não foi estabelecido prazo para o cumprimento da obrigação estabelecida na referida cláusula, ou para o exercício do correspondente direito, que, consequentemente, poderia ser exercido a todo o tempo. E também é seguro que esse direito e as correspondentes obrigações não sofreram alteração com o simples decurso do tempo, não tendo ficado provado qualquer facto com potencial eficácia modificativa ou extintiva dos mesmos.
Mostra-se, assim, irrelevante a alegação dos réus no sentido de que a autora só promoveu a alteração dos estatutos, quando soube que os réus tinham prometido ceder parte das suas quotas, e ainda que a autora sabia que eles, réus, não podiam suportar sozinhos o elevado custo da compra da quota da .....
Como se disse, a autora não estava vinculada a exercer o seu direito em prazo, ao menos em prazo curto. E a autora é alheia à aquisição, pelos réus, da quota da .... e às dificuldades que os mesmos sentiram no seu pagamento, ou à forma como as ultrapassaram. Mesmo que a compra da quota tivesse deixado os réus na impossibilidade de cumprirem a sua obrigação perante a autora, e não deixaram, essa impossibilidade ser-lhes-ia exclusivamente imputável. Uma obrigação validamente constituída não se extingue pelo facto de o devedor se colocar voluntariamente numa situação de impossibilidade de cumprimento.
Aqui chegados, resta afirmar que os réus não cumpriram a obrigação assumida, apesar de terem sido, sucessivamente, interpelados para o efeito pela autora, tendo faltado às assembleias que a mesma convocou com essa finalidade e tendo recusado a discussão do assunto nas assembleias em que a mesma pretendeu o seu aditamento. Aliás, não só não promoveram a alteração do pacto social no sentido pretendido pela autora como, em sentido contrário, promoveram, nos termos já referidos, a sua destituição da gerência, incorrendo, assim, em incumprimento definitivo daquela obrigação.
E, consequentemente, na obrigação de indemnizar a autora dos danos para ela resultantes desse incumprimento, nos termos do artigo 798º do CC”.
Para os recorrentes, ao contrário do decidido, não houve incumprimento definitivo e culposo da obrigação por parte dos réus, o que exclui a obrigação de indemnizar ou, no mínimo, deverá entender-se que houve igualmente culpa da autora nos danos que invoca (artigo 570º CC) e isto porque “a autora não podia naquela altura, e estando em mora, exigir dos réus o cumprimento da obrigação, atento o princípio da boa fé contratual (artigo 762º, n.º 2 CC), quando sabia que estes estavam impossibilitados de a cumprir sem o acordo do novo sócio, dada a obrigação assumida para com este e o imperativo legal do artigo 24º, n.º 1 do CSC)”.
Com efeito, acrescentam, “a autora nada promoveu para a execução do acordo parassocial de 20/11/98 até ao momento em que os réus, que procuravam encontrar outro sócio, firmaram com este um contrato promessa de cessão de parte das suas quotas”, sendo certo que “os réus não se recusaram a cumprir, antes propuseram à autora que se tentasse obter o acordo de novo sócio, o que a autora não aceitou, tendo continuado a convocar Assembleias Gerais”.
Em suma, alegam os recorrentes que, (i) quando a partir de Março de 2000, a autora lhes solicitou o cumprimento do acordado, lhes era então “praticamente impossível” cumprir o acordado e que, (ii) não tendo anteriormente promovido a alteração do pacto social, a autora se encontrava em mora.
Não assiste, a nosso ver, razão aos recorrentes.
Ficou provado que a autora e réus CC e DD, em 20/11/98, subscreveram o “contrato-promessa de cessão de quota e acordo parassocial” de fls. 40 a 43, em cuja sequência a autora cedeu efectivamente ao réu CC a quota de 120.000$00 (alíneas J e K).
Entretanto, em 16/09/1999, a .... cedeu a sua quota ao réu CC e à ré DD, tendo ficado únicos sócios da ré BB a autora, o réu CC e a ré DD (alínea L).
A autora, por cartas de 20 de Março, solicitou aos réus CC e DD que, antes da entrada do novo sócio, fosse consagrado no pacto social o direito especial à gerência, sendo simultaneamente convocada a necessária Assembleia Geral (alínea V), mas aqueles réus faltaram à referida assembleia (alínea V/1).
A autora instou ainda aqueles réus a não cederem as suas quotas, sem que o adquirente subscrevesse obrigação idêntica (alínea V/2).
Em vão, “a autora, desde 20/03/2000 convocou três assembleias gerais para consagração do seu direito especial à gerência e requereu a inclusão desse assunto em duas assembleias não convocadas por ela” (alínea V/3).
A autora convocou também uma assembleia para o dia 23/10/2000, para que fosse consagrado o seu direito especial à gerência (alínea V/4) mas “apenas a autora compareceu à assembleia de 23 de Outubro” (alínea V/5).
A autora dirigiu à ré, e esta recebeu, as cartas que se mostram juntas a fls. 75 e 76, cujo teor se dá por reproduzido (alínea X).
Estes factos provados comprovam que a autora instou os réus a cumprir, ainda numa fase em que apenas os réus e a autora eram sócios da BB, tendo-se estes furtado ao cumprimento do acordado. Assim, os réus distorcem a verdade, quando referem que “propuseram à autora, ainda antes de terem cedido uma quota a terceiro, que tentasse obter o acordo do novo sócio à alteração do pacto, e que, portanto, não incumpriram e que, “pelo contrário, foi a autora que recusou a proposta dos réus”.
Anote-se que a assembleia, em que os réus fizeram tal “proposta” à autora, teve lugar em 20/04/2000 e só por escritura de 27/04/2000 os réus cederam parte das suas quotas ao outro sócio, por acaso, irmão do réu CC, pelo que não se vislumbra a impossibilidade de os recorrentes cumprirem o acordado nem a mora da recorrida.
Ainda que estivessem em dificuldades financeiras, (o que se não provou), quando negociavam a cedência de parte das suas quotas ao outro sócio, essa alegada situação não constituía uma impossibilidade de cumprimento. A prestação mantinha-se possível, pelo que não existia tal impossibilidade.
Por outro lado, como salientou o acórdão recorrido, a autora podia exigir o cumprimento da obrigação a todo o tempo, sendo certo que, como resultava da cláusula 9ª do referido contrato, a obrigação de promover a alteração do pacto social cabia tanto aos recorrentes como à recorrida, não existindo, em qualquer caso, mora da autora, pois não se verificam os requisitos enunciados no artigo 813º CC.
Como muito bem refere a recorrida, tendo em conta a aludida cláusula contratual, o único acto que a autora, enquanto credora, teria que praticar seria o de votar favoravelmente a alteração do pacto, dado que dispunha de mais de 25% dos direitos de voto, atenta a quota própria detida pela sociedade e só o não fez porque nunca lhe foi dada a oportunidade para isso, apesar de ter pedido o cumprimento do contrato em cartas dirigidas aos réus e de ter convocado diversas assembleias gerais para o efeito e pedido a inclusão dessa matéria em assembleias convocadas pelo réu CC.
Não vemos, por isso, como possam réus concluir que houve mora por parte da autora, mora essa que apenas existiria se a autora não praticasse os actos necessários ao cumprimento da obrigação ou não aceitasse a prestação que lhe tivesse sido oferecida.
Pelo contrário, os factos comprovam que, quando a recorrida exigiu o cumprimento daquela obrigação, apenas ela e os réus CC e DD eram sócios da sociedade, pelo que não havia que obter o acordo de qualquer outro sócio, que não existia.
Porque o direito da recorrida a essa atribuição não se esgotou nem modificou pelo decurso do tempo, nem tendo havido qualquer alteração anormal das circunstâncias, os réus CC e DD não estavam impossibilitados de cumprir a sua obrigação de promover a alteração do pacto social da BB para atribuição à recorrida de um direito especial à gerência.
Concluindo, não existiu qualquer mora por parte da autora, tanto mais que não havia prazo estabelecido para o cumprimento e também se não verificou qualquer alteração anormal das circunstâncias que pudesse conduzir à modificação do contrato, pelo que, manifestamente os réus incorreram em incumprimento definitivo daquela obrigação de atribuição à recorrida de um direito especial à gerência da BB.
7.
E terá existido nexo de causalidade entre este incumprimento e a destituição da autora da gerência da BB?
Para os recorrentes, mesmo admitindo que possa ter existido incumprimento da obrigação por parte dos réus, não existirá, segundo eles, nexo de causalidade entre esse incumprimento e a destituição da autora da gerência e isto porque “o facto de não ter sido atribuído à autora o direito especial à gerência em nada alterava o seu mandato como gerente da sociedade. A deliberação da Assembleia Geral da Sociedade é um facto independente e não consequente da omissão verificada, facto esse a que a autora deu causa e não os réus, pelo que se verificou a interrupção do nexo causal”.
Não assiste, a nosso ver, razão aos recorrentes.
Se os réus tivessem cumprido a sua obrigação, tendo sido atribuído à autora aquele direito especial à gerência, a Assembleia Geral da BB não poderia ter destituído a autora, mesmo com justa causa, face ao estabelecido no artigo 257º, n.º 3 CSC, pois, tendo um sócio direito especial à gerência, só judicialmente pode ser destituído.
Acresce que foi esta a obrigação de cujo incumprimento a autora/recorrida acusou os réus, acusação que o réu Godinho considerou ofensiva, um dos fundamentos invocados para a destituição da recorrida.
Assim, os réus não só não introduziram no pacto social o direito especial da autora, que se tinham vinculado a ali introduzir, como destituíram a autora com o seu voto. Recorde-se que, perante “as acusações ofensivas” de que o réu CC alegava ter sido vítima, a destituição da autora ficou, formalmente, a dever-se ao voto favorável da ré DD, à abstenção do réu CC, que não votou mas invocou as causas da destituição e ao voto favorável do quarto sócio, irmão do réu CC.
O conjunto destas actuações dos réus constituiu, pois, causa de destituição e portanto causa adequada dos danos sofridos pela autora com essa destituição.
8.
Os danos.
Os danos em que a autora alicerçou o pedido de indemnização resultam, quer da destituição da gerência sem justa causa, quer da não consagração de um direito especial a essa mesma gerência, por incumprimento do acordo parassocial.
8.1.
Quanto à destituição da autora da gerência sem justa causa:
O n.º 7 do artigo 257º do CSC trata da indemnização a que tem direito o gerente destituído sem justa causa.
A fonte do direito à indemnização é conforme os casos, ou o contrato de gerência ou a lei. O gerente destituído sem justa causa tem sempre direito a indemnização, desde que sofra prejuízos pela destituição, mas esse seu direito, existência e montante, nasce em primeiro lugar do contrato e só se este for omisso a tal respeito intervém o n.º 7 do artigo 257º CSC.
Interpretando esta norma, refere o saudoso Prof. Raul Ventura[5] que “o montante da indemnização pode ser contratualmente estipulado (primeira parte do n.º 7); não o tendo sido, tem o gerente direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, mas, para o cálculo da indemnização, distinguem-se duas hipóteses. Se o gerente foi designado por tempo determinado, entende-se que ele não se manteria no cargo por mais tempo do que faltar para perfazer esse prazo, isto é, que ele não seja reeleito; se o gerente foi designado por tempo indeterminado, entende-se que ele não se manteria no cargo por mais de quatro anos (a contar da data da destituição)”, acrescentando, seguidamente, que “deste preceito se infere a natureza dos prejuízos que a lei considera indemnizáveis: são os resultantes da perda dos proventos do gerente, nesta qualidade, durante certo tempo (não há prejuízo, se a gerência for gratuita); a indemnização consiste, portanto, na quantia correspondente aos esperados proventos”.
Não havendo, in casu, indemnização contratualmente estipulada e uma vez que a designação da autora como gerente era sem prazo são, apenas, atendíveis os danos verificados no período de quatro anos posterior à destituição.
“Trata-se de um limite que a lei concede, estabelecendo uma solução de compromisso entre os interesses da sociedade, que pode destituir os seus gerentes a todo o tempo, sem necessidade de justa causa, e os interesses destes, conferidos pelo estatuto de gerentes”, como considerou o acórdão recorrido.
Discordando desta interpretação, afirmam os recorrentes que a sociedade não era obrigada a manter a relação de gerência para além dos 65 anos, sendo essa a idade legal da reforma, e que por isso a indemnização não poderia exceder dois anos, dado que, dois anos depois da destituição, a autora atingiu aquela idade e, em consequência, a pensão de reforma somada à indemnização excede o valor dos danos.
Os recorrentes estão a alegar factos novos, razão pela qual esta questão está afastada da apreciação, neste recurso.
Mas ainda que assim se não entendesse, não assiste razão aos recorrentes, pois a idade de 65 anos não é impositiva de reforma, sendo apenas a idade de acesso à pensão por velhice, nos termos do artigo 22º do DL 329/93, de 25 de Setembro. Nada obriga a relação de gerência a terminar aos 65 anos do gerente, não sendo lícito à sociedade pôr termo a uma relação de gerência com fundamento no facto do gerente ter atingido aquela idade, se nada tiver sido convencionado contratualmente, como não foi no caso em apreço.
Ainda que, por mera hipótese, tal fosse lícito, considera e bem a recorrida que não bastaria dizer nas alegações que a sociedade não era obrigada a manter a relação de gerência. Teriam, nessa hipótese, os réus que ter alegado e provado que a sociedade não manteria a relação de gerência, para além dos 65 anos.
Ora os réus não alegaram oportunamente e, portanto, não o podem fazer agora.
Por outro lado, não sendo a reforma obrigatória aos 65 anos, mas apenas possível, também teriam os réus que ter alegado, e provado, que a autora se reformava aos 65 anos, o que igualmente não alegaram nem provaram, sendo certo que a sua reforma da função pública não implicava o termo da sua actividade privada.
Aliás não é política da sociedade afastar os membros do seu órgão de gestão aos 65 anos de idade. Basta atender às idades do réu CC e do seu irmão, que continuam como administradores da BB.
Quanto ao facto de a gerência poder não ser remunerada, questão que também não foi invocada anteriormente, tal circunstância não constitui fundamento para diminuição da indemnização. O que interessa era que a gerência era remunerada e que a autora era remunerada e que os gerentes em outras funções atribuídas continuam a ser remunerados e viram as suas remunerações aumentadas.
Assim, dentro da normalidade das circunstâncias e da experiência da vida, nenhuma censura merece o acórdão recorrido, ao considerar que a recorrida continuaria a ser remunerada e que veria a sua remuneração ser aumentada, nos mesmos termos em que são remunerados e foram aumentadas as remunerações dos outros gerentes que se encontravam perante a sociedade nas mesmas circunstâncias da autora.
8.2.
Quanto à responsabilidade fundada em incumprimento culposo de obrigação contratual, não opera qualquer limite aos danos atendíveis, ressalvado apenas o nexo de causalidade entre eles e o facto gerador da obrigação de indemnizar.
A este propósito, considerou o acórdão recorrido que deve ser reconhecida a existência de nexo de causalidade entre o incumprimento da obrigação de atribuição de um direito especial à gerência da sociedade e a perda dos rendimentos de gerente até aos setenta anos de idade da autora, acrescentando que “a questão foi bem esclarecida pela própria autora, designadamente, no articulado réplica e é isenta de dúvidas”.
Considera, seguidamente, que “não ficou assente que a autora iria manter as funções de gerente até aos setenta anos, sabendo-se apenas que era essa a sua vontade e que nada foi alegado no sentido de questionar essa vontade”. Porém, “a actividade de gerente exercida pela autora, e ressalvada a relação conflituosa que, por último, foi vivida na gerência, não era particularmente exigente, nada permitindo questionar a capacidade da autora para continuar até ao termo indicado, nem a sua vontade de o fazer”.
Alegam os recorrentes que a simples declaração da autora de que pretendia continuar na gerência até aos setenta anos, sobre a qual não foi feita qualquer prova, não pode servir de critério para a fixação da indemnização, devendo antes manter-se o critério objectivo da idade da reforma.
Assim, ainda com vista a diminuir o montante indemnizatório, alegam os recorrentes que não foi provado que a autora trabalharia até aos 70 anos de idade, como ela afirmou na petição inicial.
Mais uma vez, em nosso entender, não assiste razão aos recorrentes.
Com efeito, uma vez que foram os réus quem deu causa à cessação de funções da autora na gerência da ré sociedade, e sendo esta a causa dos danos por ela sofridos, era aos mesmos réus que cabia alegar e provar que, sendo o caso, a autora sempre cessaria funções em momento anterior ao por si indicado.
Aliás, a autora poderia não ter limitado o seu pedido indemnizatório ao valor das remunerações até aos 70 anos, pois o seu mandato não tinha prazo. Poderia ter pedido que a indemnização fosse a correspondente às remunerações que auferiria, enquanto fosse viva e estivesse em condições físicas e intelectuais de trabalhar, sendo a mesma paga mensalmente.
No entanto, no contrato celebrado com os réus, em Novembro de 1998, previu-se na cláusula 6ª a possibilidade de, após o decurso de um prazo de oito anos a contar desse contrato, a autora querer vender as suas quotas, a previsão de tal possibilidade resultava de ser então que a autora atingiria os 70 anos de idade, porque efectivamente só até essa idade pretendia a autora trabalhar.
Daí que a autora tenha auto – limitado o valor indemnizatório às indemnizações que auferiria até aos 70 anos, como ela própria reconhece e aceita.
O critério objectivo, para determinar o valor indemnizatório, não são, pois, os 65 anos previstos como idade para acesso à pensão de reforma, mas sim os 70 anos de idade, como a autora peticionou baseada na citada disposição contratual.
Consideram, depois, os recorrentes que o facto da sociedade ter sido transformada em sociedade anónima em 2006, na qual não poderia manter-se o direito especial da autora à gerência e o facto da autora não ter votado contra a transformação nem a esta se ter oposto com a invocação de tal direito, nos termos do artigo 131º, n.º 1, alínea c) do CSC, era o bastante para que a indemnização não pudesse ser calculada, como foi, até aos 70 anos da autora.
Esta questão é nova. Só agora é invocada, pelo que não poderá ser apreciada, neste recurso. Ainda assim não poderá deixar de se salientar que os réus raiam as fronteiras da má fé, ao alegarem que a autora tinha um direito com base no qual se poderia opor à transformação da sociedade, quando foram os próprios réus que se recusaram a atribuir-lhe aquele direito, em violação daquilo a que contratualmente estavam vinculados.
Não tendo a recorrida aquele direito, o seu voto na assembleia que deliberou a transformação era irrelevante, dado que os restantes sócios possuíam mais de 75% dos direitos de voto, por terem adquirido a quota própria anteriormente detida pela sociedade, não se compreendendo, por isso, como possam vir agora invocar que a autora tinha tal direito e com base nele se podia ter oposto à transformação da sociedade.
Deste modo, dada a violação do acordo parassocial, estes réus devem responder pela perda de retribuições, e demais contrapartidas patrimoniais do exercício da gerência, no período subsequente ao abrangido pela indemnização da ré sociedade, e até perfazer 70 anos.
8.3.
Quanto à medida da indemnização.
Considerou o douto acórdão recorrido que, “em qualquer dos casos, e vistos os princípios gerais da obrigação de indemnização, estabelecidos nos artigo 562.º e seguintes do CC, a sua medida deve ser a adequada a colocar a lesada, ora autora, na situação em que estaria, se não tivessem ocorrido os factos geradores da obrigação de indemnizar. A atribuição da indemnização tem como critério, e como medida, a anulação dos efeitos do acto em que a lei funda a obrigação de indemnizar.
Ou seja, no caso, a ré sociedade, tendo também em conta o limite de quatro anos estabelecido no n.º 7 do artigo 257º do CSC, deve satisfazer à autora o montante equivalente às retribuições, e demais complementos salariais, que, não fora a destituição, lhe teriam sido satisfeitos nos quatro anos posteriores à destituição. Dessa forma irá, tendencialmente, colocar a autora na situação patrimonial em que a mesma estaria se tivesse continuado a ser gerente durante mais quatro anos.
Por seu turno, uma vez que foram os réus CC e DD quem deu causa à cessação de funções da autora na gerência da ré sociedade, e sendo esta a causa dos danos por ela sofridos, devem estes réus responder pela perda de retribuições, e demais contrapartidas patrimoniais do exercício da gerência, no período subsequente ao abrangido pela indemnização da ré sociedade, e até perfazer 70 anos.
“Os valores da retribuição a atender são os líquidos, parecendo seguro que as parcelas dos descontos e contribuições, que incidem sobre o montante ilíquido do vencimento, não se traduzem em vantagens patrimoniais para o respectivo titular. É o montante líquido do vencimento que, deduzido das respectivas contribuições e impostos, é recebido pelo respectivo titular e incremente o seu património. É, seguramente, o que se passa com o imposto de IRS e, mesmo em relação à contribuição para a Segurança Social, julga-se não ser possível estabelecer uma relação directa entre cada um dos pagamentos e a situação patrimonial da pessoa a eles sujeita”.
Acrescenta, seguidamente, que “a autora requereu, e foi admitido, que as indemnizações pedidas fossem calculadas, tendo por base as remunerações efectivas dos gerentes da ré no período de 7 anos a considerar, ampliação que foi admitida e que agora importa ter em conta”.
“Sendo que, nos termos já referidos, o processo não permite fixar, com suficiente rigor, a progressão verificada nos vencimentos dos gerentes da ré sociedade no período relevante”, decidiu remeter a liquidação dos montantes indemnizatórios para liquidação posterior, devendo, desde já, liquidar-se as indemnizações fundadas nos direitos relativos à utilização de veículo automóvel e outros, referidos nos pontos 19 e 20 da matéria de facto, respectivamente fixados nos montantes de 250.000$00/mês e 700.000$00/ano, encontrando-se a média mensal de 308.333$33, a que correspondem € 1.537,96”.
Este valor, multiplicado por quarenta e oito meses, perfaz o total de € 73.822,08.
“Em relação aos réus CC e DD está em causa o período subsequente aos quatro anos posteriores à destituição da autora, até esta perfazer setenta anos de idade. Ou seja, estão em causa os meses de Novembro de 2004 até Agosto de 2007, ambos inclusive, num total de trinta e quatro meses, que perfazem o total de € 52.290,64”.
Porque em relação ao quantum da indemnização, no pressuposto de que a mesma é devida, seja a emergente da destituição sem justa causa, seja a emergente do não cumprimento da obrigação contratualmente assumida de promoverem alteração do pacto social da ré BB para atribuição à recorrida de um direito especial à gerência, as partes não manifestam qualquer discordância, confirma-se o que foi decidido.
9.
Resta finalmente apreciar a questão dos juros.
Como se referiu, o acórdão recorrido condenou a ré BB a pagar à autora o montante já liquidado de € 73.822,08, acrescido da quantia correspondente à soma dos vencimentos líquidos auferidos pelos seus gerentes que não desempenham outras funções, nos meses de Novembro de 2000 a Outubro de 2004, a liquidar em execução de sentença, acrescendo, em qualquer dos casos, juros à taxa legal desde a citação.
Condenou, ainda, os réus CC e DD a pagar à autora o montante já liquidado de € 52.290,64, acrescido da quantia correspondente à soma dos vencimentos líquidos auferidos pelos gerentes da ré BB, que não desempenham outras funções, nos meses de Novembro de 2004 a Agosto de 2007, inclusive, também a liquidar em execução de sentença, acrescendo, em qualquer dos casos, juros à taxa legal desde a citação.
Os recorrentes consideram que, estando em causa a fixação de uma indemnização, não é possível o vencimento de juros de mora, enquanto a mesma se não tornar líquida, sob pena de violação do n.º 3 do artigo 805º CC, uma vez que a destituição de gerente de uma sociedade, sendo o exercício de um direito da sociedade, não pode ser considerado um facto ilícito.
Mais uma vez não têm, em nosso entender, os recorrentes razão.
Como se referiu, há duas obrigações que estão em causa: a obrigação de indemnizar da sociedade, emergente da destituição da autora da gerência e a obrigação de indemnizar dos réus CC e DD, emergente do facto ilícito do não cumprimento da obrigação de promoverem alteração do pacto social para atribuição à recorrida de um direito especial à gerência, obrigação contratualmente assumida.
Assim, quanto a estes dois réus, a obrigação emerge sem dúvida de um facto ilícito e, portanto, a iliquidez não é impeditiva da constituição em mora, a contar da citação (cfr. artigo 805º, n.º 3 CC).
E quanto à obrigação da sociedade, deixará, ou não, de existir mora a contar da citação?
Dispõe a 1ª parte do n.º 3 do artigo 805º que, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
Desde logo, importa referir que, in casu, há um determinado montante conhecido de todas as partes, montante que é o encontrado com base naquilo que a recorrida auferia à data da destituição. O desconhecimento, a iliquidez, respeita apenas ao que a autora auferiria, para além daqueles montantes por virtude de aumentos de remunerações, se a autora se mantivesse em funções após a data em que foi destituída, como atrás se explicitou.
Assim, a iliquidez, a existir, existe apenas em relação aos montantes dos aumentos de vencimento entretanto ocorridos.
Entendemos, porém, que essa iliquidez não implica que não sejam devidos juros desde a citação, como, desde logo resulta da 1ª parte do n.º 3 do artigo 805º do CC.
Com efeito, interpretando este preceito, ensina o saudoso Prof. Antunes Varela[6] que “a justificação do preceito baseia-se naturalmente na circunstância de não ser razoável exigir ao devedor que ele cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objecto exacto da prestação que lhe cumpre realizar”, donde, se o devedor souber qual o montante exacto da sua prestação, existe mora independentemente da falta de liquidez[7].
Ora, como realça a recorrida, a sociedade ré conhece bem o montante da prestação por ela devida, pois foi a sociedade ré que deliberou os aumentos, sendo o réu CC, Presidente do respectivo Conselho de Gerência e tendo, quer ele, quer a ré DD, estado presentes como sócios nas assembleias em que tais aumentos foram deliberados, com os seus votos favoráveis.
Não existe, portanto, falta de liquidez da dívida impeditiva da mora a contar da citação.
Além disso, a iliquidez não implica também que não sejam devidos juros desde a citação, “se a falta de liquidez for imputável ao devedor, caso em que a mora existe, desde a sua conduta impeditiva da determinação do montante da dívida[8]” (1ª parte do n.º 3 do artigo 805º CC).
In casu, a falta de liquidez não pode deixar de ser imputável à sociedade devedora que não juntou aos autos as actas das assembleias gerais onde foram deliberados os aumentos de remuneração dos gerentes, apesar de haver sido expressamente requerido que o fizessem, aquando da ampliação do pedido.
Também, por isso, os juros sempre deverão contar-se desde a citação.
Em conclusão:
1ª – O Supremo Tribunal de Justiça só conhece da matéria de facto nos casos excepcionais previstos na 2ª parte do n.º 2 do artigo 722º do CPC.
2ª – A resposta, dada ao quesito 40º, não contradiz o documento autêntico junto pelos recorrentes com relação à matéria versada naquele quesito.
3ª – O artigo 257º do Código das Sociedades Comerciais não define taxativamente o critério ou o conceito de justa causa de destituição de um gerente comercial, apenas apontando, a título meramente exemplificativo, dois casos de justa causa de destituição.
4ª – A justa causa pressupõe violação grave dos deveres de gerência, pelo que não é excessivo estabelecer-se como critério geral da existência da justa causa a verificação de um comportamento na actividade de gerente, ou a prática de actos pela sua parte, que impossibilite a relação de confiança que o exercício do cargo pressupõe.
5ª – A inexistência de justa causa apenas releva para efeito do direito à indemnização. Mas esta, a indemnização devida ao gerente destituído sem justa causa, deverá ter como suporte a existência de prejuízos, conforme decorre dos princípios gerais da responsabilidade civil.
6ª – A consideração de todo o texto do artigo 257º CSC e, em particular, do seu n.º 7 mostra que nada especificamente se estatui quanto ao ónus de alegar e de provar relativo à justa causa, havendo, por isso, que recorrer no tema à regra geral do artigo 342º, n.º 1 do Código Civil.
5ª – Cabe, por isso, à sociedade, ou seja, in casu, aos réus/recorrentes o ónus da prova relativamente aos factos que dizem ser integradores da justa causa para a destituição da recorrida da gerência da sociedade, para poderem deixar de ser responsabilizados pela indemnização devida à destituída.
6ª - Porque as afirmações da autora, que aqueles dizem ser difamatórias, integrariam um dos fundamentos para destituição da recorrida com justa causa, cabia-lhes provar não só que as afirmações foram proferidas como também eram ofensivas da honra e consideração do réu CC.
7ª – Não tendo os recorrentes feito tal prova, é irrelevante o facto da autora não ter provado algumas das suas afirmações, tanto mais que se não provou a sua falsidade.
8ª – A aprovação das contas e do relatório de gestão pela assembleia geral não iliba os gerentes da sua responsabilidade relativamente a actos que não tenham sido levados ao conhecimento da assembleia, nem torna lícito o que é ilícito.
9ª – Os réus CC e DD não estavam impossibilitados de cumprir a sua obrigação de promover a alteração do pacto social da ré BB para atribuição à recorrida de um direito especial à gerência.
10ª – O direito da recorrida a essa atribuição não se esgotou nem modificou pelo decurso do tempo, não tendo havido qualquer alteração anormal das circunstâncias.
11ª – Se tivesse sido atribuído à autora, como devia, aquele direito especial à gerência, não poderia a autora ser destituída pelos sócios, só o podendo ser judicialmente.
12ª – Este incumprimento, em conjunto com a destituição aprovada pelos mesmos réus, constitui causa adequada de danos sofridos pela autora.
13ª – A relação de gerência não termina forçosamente aos 65 anos de idade do gerente, não sendo lícito à sociedade pôr termo a uma relação de gerência, com fundamento no facto de o gerente ter atingido aquela idade;
14ª – A não ser que contratualmente tivesse sido disposto em contrário, caso em que os recorrentes teriam que ter alegado e provado que a sociedade não manteria e lhe era lícito não manter a relação de gerência para além dos 65 anos de idade da recorrida, o que não fizeram.
15ª – O mandato da autora não tinha prazo e foi ela que auto-limitou o pedido indemnizatório aos seus 70 anos pela violação do acordo parassocial, com base no estatuído no contrato de 1998, onde se previa que, quando atingisse aquela idade, poderia exigir que a sociedade adquirisse a sua quota.
16ª – A recorrida não podia ter-se oposto à transformação da sociedade em anónima, dado não ter um direito especial, atendendo ao incumprimento pelos réus da sua obrigação de atribuição de tal direito à autora.
17ª – Uma vez que a recorrida não tinha aquele direito, o seu voto na assembleia que deliberou a transformação era irrelevante, dado que os restantes sócios possuíam mais de 75% dos direitos de voto, por terem adquirido a quota própria anteriormente detida pela sociedade.
18ª – Quanto à obrigação de indemnizar dos réus CC e DD, porque fundamentada em facto ilícito, qual seja a violação da sua obrigação de promoverem a atribuição à recorrida de um direito especial à gerência, a iliquidez não é impeditiva da constituição em mora, pelo que são devidos juros a contar da citação.
19ª – Por sua vez, a iliquidez da obrigação de indemnizar da ré BB não é impeditiva da mora pois os gerentes da sociedade sabem ou devem saber quanto devem, uma vez que foi a sociedade que aumentou as remunerações dos gerentes e os restantes réus, por terem, enquanto sócios, votado aqueles aumentos.
20ª – Por outro lado, sempre haveria mora, a contar da citação, dado ser imputável aos réus a alegada falta de liquidez, por não terem junto aos autos as deliberações dos aumentos, como foi requerido que o fizessem.
10.
Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o douto acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 6 de Outubro de 2011
Granja da Fonseca (Relator)
Silva Gonçalves
Pires da Rosa
_________________________________________
[1] Ac. STJ de 27/10/1994, CJ, 1994, Tomo III, 112.
Ac. STJ de 1/06/1999, BMJ, 488º,361.
Ac. STJ de 10/02/2000, BMJ, 494,353.
Ac. STJ de 11/07/2006, (relator Azevedo Ramos), citado no acórdão recorrido.
[2] Prof. Raul Ventura, Sociedade por Quotas, Volume III, 91.
[3] Código Civil Anotado, Volume II, 3ª edição, anotação ao artigo 1170º, 731.
[4] Pressupostos da Resolução por Incumprimento, 1979, página 21.
[5] Sociedade por Quotas, Volume III, 119.
[6] Código Civil Anotado, Volume II, 4ª edição, página 64/65.
[7] Vide Acórdão da Relação de Évora de 26/01/1984, sumariado in BMJ 335º, 356 e Acórdão do STJ de 22/01/1981, in BMJ 303º, 356.
[8] Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, página 895.