BURLA
FALSIFICAÇÃO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
BUSCA DOMICILIÁRIA
ARMA DE FOGO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PENA DE PRISÃO
CONTUMÁCIA
Sumário

I - O imperativo geral de fundamentação das decisões judiciais decorre do princípio geral de controlabilidade inerente ao Estado de Direito, directamente relacionado com os princípios da independência dos tribunais, da imparcialidade do juiz, da submissão do julgador à lei, bem como das garantias de defesa, defendendo-se que, por ela, se assegura a legitimidade do julgador ante a comunidade onde exerce jurisdição (cf., neste sentido, Michaelle Taruffo, in Motivação da Sentença Civil, pág. 399 e ss., nota 21).
II - Para o cumprimento desse dever não se exige a transcrição em forma de discurso indirecto do teor do depoimento das testemunhas (ou perito) na totalidade, transformando o processo oral em escrito ou que se resuma, acriticamente, o teor desses depoimentos.
III - Ao invés, satisfaz a referida obrigação legal a explicação com clareza, ainda que de forma reduzida, das razões pelas quais o tribunal credenciou determinada prova testemunhal recolhida, seja por que tais testemunhas intervieram na investigação criminal, assistiram à elaboração de tais documentos pelo arguido ou neles comparticiparam ou ainda demonstraram ter conhecimento dos factos.
IV - Nos termos do art. 174.º, n.º 1, do CPP, o visado pela busca é a pessoa que ocupa o lugar e o utiliza para um fim que a autoridade suspeita ser ilícito. Assim, o visado pela busca não tem de ser o titular do direito ao domicílio, podendo, nesses casos, a diligência realizada permitir a recolha de meios de obtenção de prova contra o arguido se no decurso da investigação for indiciada a prática de um crime.
V - Tendo o arguido, ante funcionários públicos e empregados de várias entidades públicas e privadas, usado de uma estratégia recheada de astúcia e de ardil, assumindo por inteiro, e falsamente, a identidade de JM, apresentando-se, como tal, norteado por esse desígnio, de Fevereiro de 2005 até Março de 2006, convencendo as pessoas da veracidade e seriedade dessa sua postura enganosa, consciente e voluntariamente desejada, assinando e intervindo nos documentos que lhe eram presentes, apresentando outros que forjara, com vista à obtenção de benefícios pecuniários e patrimoniais indevidos com o que, conscientemente, causou prejuízos ao Estado e a terceiros, cometeu um crime de burla e um crime de falsificação de documento.
VI - A detenção de 3 armas de fogo, indocumentadas, munições pertencentes a diversas outras armas e acessórios, denotam um grau de manifesta associalidade, de indiferença para o risco à ordem e tranquilidade públicas que as armas fora do controlo judicial geram, integra a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, da Lei 5/2006, de 23-02.
VII - Os bens jurídicos a proteger com estas incriminação são da maior importância comunitária, indispensáveis a uma sã e normal convivência social que não tolera os comportamentos descritos, elevando as necessidades de prevenção geral associadas à aplicação da pena.
VIII - São, também, elevadas as exigências de prevenção quando o arguido já foi declarado contumaz, e foi essa privação acidental e provisória da faculdade de exercício de direitos a razão visível para assumir falsamente outra identidade.
IX - Nessa situação, a pena de prisão (e efectiva) impõe-se para assegurar uma vigorosa e firme intervenção do direito penal e garantir a interiorização das consequências do crime, de emenda, e de subsequente retorno do arguido ao tecido social por forma a respeitá-lo e a não gerar insegurança e alarme social.

Texto Integral

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em processo comum , sob o n.º 4565/07.8TAVNG, com intervenção do tribunal colectivo da 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia:, foi submetido a julgamento AA, -e a final condenado:

a) Como autor pela prática de um crime de burla qualificada p. e p. pelos artigos 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;---

b) Como autor pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, als. a), e b) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;---

c) Como autor pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86º, n.º 1, al. c) e n.º 2, com referência aos artigos 3º, n.º 3 e n.º 5, al. a), 5º, n.º 1 e 7º, n.º 1, todos da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis)meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, das penas parcelares que antecedem, na pena única de(sete) anos de prisão.

Mais foi condenado ao pagamento :

À TMN – Telecomunicações Móveis, Nacionais, S.A.” da quantia de € 3.304,60, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% contados desde a notificação e até efectivo e integral pagamento.-

Ao Banco Comercial Português, S.A. da quantia total de € 34.250,62, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% contados desde a notificação e até efectivo e integral pagamento;---

Ao Finibanco, S.A, da soma de € 71.185,66, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% contados desde a notificação e até efectivo e integral pagamento;

À Vodafone Portugal Comunicações Pessoais, S.A. da quantia total de € 1.863,81, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% contados desde a notificação.

I . O arguido , inconformado com o teor da decisão , interpôs recurso em que apresentou as seguintes conclusões :

A recorrida enferma de nulidade , nos termos do art.º 374.º n.º 2 , do CPP , por falta da indicação das razões de facto e de direito e de exame crítico das provas , que serviram para a formação da convicção probatória .

A decisão recorrida viola o disposto no art.º 86.º n.º 1 c) , da Lei n.º 5 /2006 , por ter qualificado erradamente os factos , particularmente a prova produzida sobre a posse e propriedade das armas apreendidas no decorrer de uma busca , quando nas casas buscadas existia pessoa diversa da que é visada na busca e aí é identificada , o que devia ter suscitado a hipótese de dúvida quanto ao facto de quem era dono das armas ou quem as detinha .

A decisão recorrida é omissa quanto aos valores considerados para a qualificação da burla , nos termos do art.º 218.º n.º 2 a) , do CPP , violando este dispositivo que considera a qualificação .

Não é feita qualquer distinção de valores, imprescindível, desde logo, atenta a existência de despacho de arquivamento para o crime de burla , considerado no caso da TMN , sendo que por este crime lhe vem a ser atribuída a indemnização . com o que se violou o disposto nos art.ºs 71.º e 74 .º , do CPP .

A mesma falta de distinção se verifica quanto à PT e FNAC .

O arguido nunca sofreu qualquer condenação e nem é referido qual o valor com que o arguido indevidamente se locupletou .

Não é referenciado o valor dos prejuízos derivados da falsificação ou da burla , pois existem contratos celebrados com garantia real e outros com incumprimento parcial e tais factos não foram ponderados .

A pena é excessiva e devia ser fixada em 5 anos , com suspensão da execução.

A decisão recorrida violou o dispostos nos art.ºs , 40.º , 50.º , 70 .º e 71.º , do CP .

II . Foi cumprido o disposto no art.º 417.º n.º 2 , do CPP .

III . O Colectivo teve como matéria de facto provada a seguinte :

1) Em virtude de se encontrar contumaz o arguido AA resolveu assumir a identidade de BB para lhe permitir a realização de negócios jurídicos com terceiros.---

2) Para o efeito, decidiu obter os documentos pessoais desse individuo a fim de os utilizar na celebração de negócios jurídicos, resolvendo ainda assinar e preencher em nome de BB todos os documentos que se mostrassem necessários para a concretização dos negócios jurídicos que entretanto fossem por si celebrados com terceiros.---

3) Em execução de tal desígnio, o arguido dirigiu-se, no dia 4 de Fevereiro de 2005, à Conservatória do Registo Civil de Espinho, sita na cidade de Espinho onde, após se ter identificado como sendo BB, solicitou uma certidão do registo do assento de nascimento daquele, destinada à emissão do respectivo Bilhete de Identidade (B.I.).---

4) Convencido de que estava perante o BB, o funcionário que o atendeu entregou-lhe a certidão do assento de nascimento XXX de 1983 daquela Conservatória, em que se atestava que o BB tinha nascido no dia 5 de Setembro de 1976, na freguesia de Espinho e era filho de CC e DD, ambos solteiros, com residência habitual na Rua X, em Espinho.---

5) Na sua posse, em execução do referido propósito, o arguido dirigiu-se, no dia 28 de Fevereiro de 2005, à Direcção dos Serviços de Identificação Civil de Viseu, sita na cidade de Viseu, onde efectuou o pedido de B. I. n.º xxxxxxx/5, mediante a exibição da referida certidão de nascimento, assumindo a identificação de BB, declarando residir no Bairro S..., Bl. E, 2.º andar, casa X, Viseu (Coração de Jesus) e apondo no B. I. a sua fotografia, a impressão digital do seu dedo indicador direito e a assinatura de BB, fazendo crer ao funcionário que o atendeu, que se tratava efectivamente daquele.---

6) Convencido disso, já que ele lhe exibiu a certidão do seu assento de nascimento, o mesmo emitiu e entregou-lhe o B.I. por si requerido com o n.º xxxxxxx, nesse mesmo dia, com os dados de identificação do BB e a impressão digital e fotografia do arguido apostas.---

7) Em execução do referido propósito, o arguido AA dirigiu-se com esse B. I., no dia 1 de Março de 2005, à Loja do Cidadão da Direcção de Finanças do Porto, situada na Avª. Fernão Magalhães, na cidade do Porto, tendo solicitado à funcionária EE, que o atendeu, a emissão do cartão de identificação fiscal de BB, por quem se fez passar, mediante a exibição do B.I. acima referido, fazendo a inscrição para obtenção do respectivo NIF e confirmando os dados de identificação fiscal.--

8) O mesmo declarou residir na Rua P.. M... R... V..., xxx B E Dt Post., Santa Marinha, V. N. de Gaia, ter nascido em Espinho no dia 5 de Setembro de 1976 e ser titular do B. I. nº xxxxxxxxx emitido pela D.S.I.C. de Viseu.---

9) No final, assinou o documento de confirmação de dados de identificação, com o nome de BB.---

10) Convencida de que estava realmente perante o BB, a funcionária EE forneceu-lhe, no mesmo dia, o documento provisório com o NIF xxxxxxxxx.---

11) Tendo-lhe emitido, em 3 de Março de 2005, o cartão definitivo, que lhe foi remetido para a morada por si indicada.---

12) Ainda no mesmo dia, 1 de Março de 2005, em execução do referido propósito o arguido AA dirigiu-se ao Governo Civil do Porto, sito na mesma cidade, onde requereu a emissão de um passaporte em nome de BB.---

13) Para o efeito, preencheu um requerimento, onde se identificou como aquele e como sendo filho de CC e DD, como tendo nascido na freguesia de Espinho em 05.09.1976, como sendo natural da cidade de Espinho, como sendo residente no Bairro da S..., Bl. E, 2º, casa X, Coração de Jesus, Portugal e como sendo titular do B. I. acima referido, com o n.º xxxxxxx, documento este que foi por si exibido, com a sua fotografia aposta.---

14) Após ter preenchido o mencionado requerimento, assinou-o com o nome do BB e apôs-lhe uma fotografia sua.---

15) O arguido apôs, ainda, o nome de “BB” em dois documentos, um a autorizar a sua companheira FF a levantar-lhe o passaporte e o segundo a declarar, sob compromisso de honra, não ser titular, à data, de passaporte ainda válido.---

16) Fazendo fé no elemento de identificação por si apresentado, o Governo Civil do Porto emitiu-lhe, no dia seguinte, o passaporte HXXXXX em nome de BB, com a sua fotografia aposta, que o arguido passou a usar como se de seu se tratasse.---

17) Em execução do propósito formulado acima referido o arguido em 29 de Agosto de 2005 o arguido AA dirigiu-se à loja “PT Comunicações, S.A.” sita na Av.ª da República, n.º 868, nesta comarca de V. N. de Gaia, tendo celebrado, em nome de BB, com uma das funcionárias, o contrato de prestação de serviço fixo de telefone, com o n.º xxxxxxxxxxxx, destinado à Rua P... M... R... V..., xxx B Edifício do F... x, x.º DT Post., Santa Marinha, V. N. de Gaia.---

18) O mesmo identificou-se como tal, mediante a exibição do B.I. e cartão fiscal de contribuinte acima referidos e, com o seu punho, escreveu o nome “BB”, como se do seu se tratasse no contrato em causa, bem como no respectivo anexo, de forma a eximir-se ao pagamento das respectivas facturas.---

19) Na sequência de tal contrato, a PT passou a disponibilizar, a partir de Setembro de 2005, chamadas telefónicas para a morada do arguido AA e a emitir as facturas em nome do BB, facturas estas cujo pagamento não efectuou.---

20) Por via disso, foi tal contrato cancelado.---

21) Em execução do propósito formulado acima referido no dia 14 de Abril de 2005 o arguido AA dirigiu-se à agência do Montepio Geral (M.G.) Gaia - Sá da Bandeira, situada em Santa Marinha, nesta comarca de V. N. de Gaia, onde abriu, em nome do BB, a conta de depósitos à ordem nº xxxx/xxxx/xxxxxxx.xx.---

22) Para esse efeito, identificou-se através do B. I. n.º xxxxxxx, emitido no dia 28 de Fevereiro de 2005 e do cartão fiscal n.º xxxxxxxx, tendo, com o seu punho, aposto no verbete de assinaturas o nome de BB.-

23) Aproveitando o facto de ter aberto a conta no M. G., requereu a emissão de cheques.---

24) Na sua posse, com o seu punho, apôs o nome de “BB”, nos cheques com os n.ºs 2018919208, 218919210 e 2918919207, apôs-lhes a expressão “TGV” no local destinado ao beneficiário, a expressão “Porto”, no local da emissão, as quantias de € 300,00, em numerário e extenso, nos dois primeiros, a quantia de € 680,00, também em numerário e extenso, no último e as datas respectivas de 25.02.2006, 25.01.2006 e 25.12.2005.---

25) Estes cheques destinavam-se ao pagamento da nota de encomenda com o n.º 37335, emitida por TGV shopping, no valor de € 3.080,00.---

26) O arguido AA apôs, ainda, o nome de BB no cheque do Montepio Geral, com o n.º 6321744921, apondo-lhe a quantia de € 4.580,70, em numerário e extenso, a data de 04.03.2006 e a expressão “Gaia” no local destinado à emissão.---

27) Em execução do propósito formulado acima referido no dia 9 de Setembro de 2005 o arguido celebrou, em nome de BB, na “Corporation Dermoestética”, sita na Rua do Almada, nº 630 (Edifício Mapfre), na cidade do Porto, junto de uma funcionária, com a empresa “Crédilar” (entretanto incorporada na Credibom), em pagamento de serviços de saúde prestados por aquela empresa, o contrato de crédito com o nº xxxxxxxx, no valor de € 9.876,48, que se obrigou a liquidar em 48 prestações mensais e sucessivas.---

28) O arguido, com o seu punho, apôs no contrato o nome do BB e exibiu à funcionária os originais do B. I. nº xxxxxx, emitido no dia 28 de Fevereiro de 2005, do cartão de contribuinte e da caderneta relativa à conta n.º xx.xxxxxxx, acima mencionada, que havia aberto no M.G., documentos estes todos em nome do BB e que aquela fotocopiou e juntou ao respectivo contrato.---

29) Forneceu, ainda, cópia do modelo 3 da Declaração de IRS e respectivos anexos que havia preenchido em nome do BB, assinado com essa identificação e entregue na Repartição de Finanças de Odivelas em 02.04.2005.---

30) Convencida de que, realmente, estava perante o BB, e só por esse motivo, a funcionária remeteu o contrato em questão à firma Crédilar, que acabou por conceder ao arguido AA o crédito por ele requerido.---

31) O arguido apenas efectuou o pagamento de cinco prestações mensais, encontrando-se as restantes em dívida, no valor total de € 8.668,10,.---

32) Em execução do propósito formulado acima referido em 6 de Setembro de 2005 o arguido AA dirigiu-se à DGRN/DSIC do Porto, sita nessa cidade, onde solicitou a renovação do B. I. com o n.º xxxxxxx/5, que havia sido emitido em nome de BB, devido à alteração da sua morada para a Rua P... M... R... Vila, xxxB Edifício do F... x, x.º DT Post., Santa Marinha, V. N. de Gaia.---

33) Para isso, identificou-se como o BB mediante a exibição do B. I. que pretendia renovar, que tinha inscrita a identificação daquele e aposta a sua fotografia.---

34) Apôs, ainda, a sua impressão digital e o nome de BB, no pedido de B. I., onde declarou chamar-se assim e assumiu inteira responsabilidade pela exactidão dos elementos declarados.---

35) Inscreveu, também, a assinatura do BB no B. I. por si requerido e apôs-lhe a sua fotografia e a impressão digital do seu dedo indicador direito.---

36) Por via disso, o respectivo B. I. foi-lhe emitido e entregue, no dia 10 de Outubro de 2005, com a identificação do BB e a impressão digital e fotografia do arguido apostas.---

37) Em execução do propósito formulado acima referido no dia 20 de Setembro de 2005, o arguido dirigiu-se à agência do Finibanco, em Pindelo, Oliveira de Azeméis.---

38) Aí, junto do gerente GG, o arguido AA abriu a conta com o n.º xxxxxxxx.xx.xxx.---

39) Para alcançar tal desiderato, identificou-se com uma cópia autenticada do B.I. acima referido, com o n.º xxxxxxx, emitido em 28.02.2005 e com o cartão de identificação pessoal, ambos em nome de BB, aos quais o gerente GG tirou cópias que juntou à ficha de abertura de conta.---

40) Dias depois, o arguido exibiu o original do B.I. emitido em 10.10.2005, cuja cópia o gerente GG juntou também ao processo de abertura de conta.--

41) O arguido inscreveu, ainda, com o seu punho a assinatura do BB nas fichas de cliente particular e na ficha de assinaturas.---

42) Na sequência da abertura desta conta, o mesmo requisitou vários cheques, tendo aposto o nome de “BB”, nos cheques com os n.ºs 1327549779, 0427549780, 8327549782, 7427549783, 5627549785, 4727549786, 3827549787 e 2927549788.---

43) Para além das assinaturas, apôs-lhes, ainda, as datas respectivas de 02.01.2006, 02.02.2006, 28.08.2006, 25.07.2006, 25.06.2006, 25.05.2006, 25.04.2006 e 25.03.2006.---

44) O nome de HH, no local destinado ao beneficiário, nos dois primeiros e de “TGV”, nos seis últimos.---

45) As quantias, em numerário e extenso, de € 250,00, nos dois primeiros e de € 300,00, nos seis últimos e a expressão “Gaia”, no local da emissão, nos dois primeiros e “Porto”, nos seis últimos.---

46) Em execução do propósito formulado acima referido no dia 3 de Novembro de 2005 o arguido AA celebrou, em nome de BB, com uma funcionária, no estabelecimento comercial denominado “Fnac”, sito no Centro Comercial “Gaia-Shopping”, loja 206, na Av.ª dos Descobrimentos, n.º 549, em Santa Marinha, nesta comarca de V. N. de Gaia, o contrato “Cartão de crédito FNAC” nº xxxxxxxxxxxx com a empresa “Credibom”.--

47) De forma a convencer a funcionária que tinha a identidade do BB exibiu-lhe o B. I. com o n.º xxxxxxx, emitidos em 10.10.2005, que estava em seu nome e tinha aposta a sua fotografia e a caderneta da conta com o n.º xxx xx.xxxxxx do Montepio Geral que havia aberto igualmente em nome do BB, documentos estes aos quais a funcionária tirou cópias que juntou ao processo.---

48) O arguido AA apôs, com o seu punho o nome de “BB” na proposta de adesão ao cartão FNAC e no contrato de crédito com a Credilar.---

49) Convencida de que estava realmente perante o último, a funcionária concedeu-lhe o cartão de crédito “FNAC”, com recurso ao qual ele comprou vários produtos cujo pagamento não efectuou na íntegra, estando por pagar pelo menos a quantia de € 54,95.---

50) Em execução do propósito formulado acima referido e com o objectivo de adquirir, junto do Finibanco, um empréstimo destinado à aquisição da habitação e respectivo lugar de garagem, situada na Rua O... do Porto, xxx, x.º C e xxx, na freguesia de Lordelo do Ouro, no Porto, o arguido AA entregou, em 10 de Novembro de 2005, na 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto, a requisição de registo provisório de hipoteca do referido imóvel a favor do Finibanco, que havia aposto com o seu próprio punho, o nome do BB e autenticado, em 8 de Novembro de 2005, junto do Cartório Notarial do Lic. Alberto da Costa Santos, situado nesta comarca de V. N. de Gaia.---

51) Para registo definitivo foi entregue, em 30 de Março de 2006, pelo mesmo, na mesma Conservatória, mas agora por correspondência, visto já se encontrar devidamente identificado, a requisição de registo definitivo.---

52) Em execução do propósito formulado acima referido em 08 de Novembro de 2005 o arguido AA dirigiu-se à sucursal do Millenium BCP “Gaia - Avenida”, situada na Av.ª da República, n.º 705, nesta comarca de V. N. de Gaia, onde, junto do director II, abriu a conta com o n.º 45302551268, em nome de BB, depois de o ter convencido de que era o titular de tal identidade.--

53) Para isso, exibiu-lhe o B. I. n.º xxxxxxx 5, emitido em 28.02.2005 pelo A. I. de Viseu, com a sua fotografia aposta, em nome daquele, o cartão de identificação fiscal, também em nome dele, o modelo 3 e respectivos anexos da declaração de IRS respeitante ao ano de 2004 que o arguido AA havia preenchido e entregue nas Finanças em nome do BB e uma factura emitida pela PT, também em seu nome para a residência sita na Rua P...M... R... V..., xx B x Drt.º Posterior, V. N. de Gaia, de forma a atestar a sua morada, documentos estes que a funcionária JJ fotocopiou e juntou ao processo de abertura de conta.---

54) O arguido AA, com o seu punho, apôs, ainda, o nome de BB, na proposta de abertura de conta e na respectiva ficha de assinatura.---

55) Convencido, desta forma, de que estava realmente perante o BB, o director II procedeu à abertura da conta acima referida em nome daquele, de acordo com a vontade do arguido AA que assim procedeu de forma a eximir-se ao pagamento dos créditos que pretendia contrair junto do Millenium.---

56) Nesta sequência e em execução do propósito formulado acima referido, o arguido celebrou um contrato de crédito pessoal denominado “Crediauto”, com o n.º 24987986, com o Millenium BCP, em 9 de Novembro de 2005, em nome do BB, no montante de € 29.734,20, que se comprometeu a saldar em 60 prestações mensais.---

57) Convencido de que, realmente, tratava-se do BB, de que todos os documentos que lhe haviam sido apresentados eram verdadeiros e que o mesmo fazia tenção de liquidar o empréstimo que contraíra, e só por isso, o Millenium BCP entregou-lhe a quantia por si solicitada, de que o arguido se apoderou.---

58) O arguido AA faltou ao prometido, conforme o plano que havia delineado e apenas pagou ao Millenium BCP duas prestações de € 495,97 cada, em 19.12.2005 e em 17.01.2006.---

59) Em execução do propósito formulado acima referido no dia 29 de Novembro de 2005, após assumir novamente a identidade do BB, mediante a exibição do B. I. com o n.º xxxxxxx emitido em 10.10.2005, o arguido AA celebrou, na qualidade de comprador, no Cartório Notarial sito na Rua Dr. Manuel de Arriaga, n.º 47, na cidade de Oliveira de Azeméis, perante a notária Maria Pureza Carvalho, uma escritura de compra e venda, mútuo com hipoteca, com GG e LL, ambos na qualidade de vendedores e com MM, este na qualidade de procurador do Finibanco, que assumiu a natureza de mutuante.---

60) No âmbito da referida escritura, o arguido AA comprou a GG e a LL, pelo preço global de € 140 000,00, o imóvel destinado a habitação, e respectivo lugar de garagem, situado na Rua O... do Porto, n.ºs xxx e xxx, em Lordelo do Ouro, na cidade do Porto, inscrito na matriz sob o artigo xxxx e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º xxx, do qual havia já feito o pedido de registo provisório de aquisição a seu favor, pela apresentação n.º quatro, em 10.11.2005.---

61) O arguido confessou-se devedor ao Finibanco, S.A., da quantia de € 128 500,00, que havia recebido nessa data a título de empréstimo e se destinava à compra da fracção em causa, tendo constituído a seu favor, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, hipoteca voluntária sobre as fracções adquiridas.---

62) Após ter sido lida em voz alta, o arguido AA, com o seu punho, apôs na referida escritura e respectivo documento complementar, o nome de BB.---

63) Em execução do propósito formulado acima referido no mesmo dia e local, o arguido AA celebrou com MM, este na qualidade de Procurador do Finibanco, uma escritura de contrato de mútuo com hipoteca destinada a multiusos, com a identidade do BB, mediante a exibição do mesmo B.I., no âmbito da qual o Finibanco lhe concedeu um empréstimo adicional no valor de € 29 000,00.---

64) De igual forma, confessou-se devedor ao Finibanco, S.A., da quantia de € 29 000,00, tendo constituído a favor daquele, para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada, hipoteca voluntária sobre as fracções adquiridas, apondo, com o seu punho, o nome do BB na escritura em causa e no respectivo documento complementar.---

65) Na mesma data, e por via da realização destas escrituras, porque se convenceu de que estava a negociar realmente com o BB, o Finibanco entregou ao arguido AA a totalidade dos financiamentos de € 128 500,00 e € 29 000,00 por depósito na conta de depósitos à ordem n.º xxxxxxx.xx.xxx, sediada no balcão do Pindelo, que ele se obrigou a liquidar no prazo de 40 anos, em 480 prestações mensais e sucessivas de capital e juros.---

66) O arguido apenas efectuou o pagamento das 1.ª e 2.ª prestações dos contratos de mútuo aludidos nos pontos 59) e 63) dos factos provados, vencidas respectivamente em 29.12.2005 e em 29.01.2006, nada mais tendo liquidado, estando por liquidar a quantia restante no valor de 28.778,29 correspondente ao capital mutuado do contrato aludido no ponto 63) dos factos provados e o montante remanescente relativo ao contrato aludido no ponto 59) dos factos provados.---

67) Aproveitando o facto de possuir conta em nome de BB e de estar identificado como tal, em execução do propósito formulado acima referido, na mesma data, em 29 de Novembro de 2005, o arguido AA celebrou também com o Finibanco, em nome do BB, um contrato de mútuo, no valor de € 20 000,00, que se obrigou a pagar em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 29.12.2005.---

68) Para a sua concretização, apôs, com o seu punho, o nome de BB no referido contrato e respectivo anexo, tendo-lhe, por via disso, sido depositada na conta à ordem em nome do BB, a quantia de € 20 000,00, que o arguido AA gastou em proveito próprio.---

69) Em execução do propósito formulado acima referido, o arguido preencheu, ainda, e entregou ao Finibanco, em 03.08.2006, a livrança n.º xxxxxxxxxxxxxxx, que descontou na cidade do Porto, no valor de € 20 407,37, com vencimento em 11.08.2006, colocando-lhe, no local destinado ao nome e morada do subscritor, o nome do BB e a sua morada - Rua P... M... R... V..., xxx x, x.º Drt.º Posterior, xxxx-xxx V. N. de Gaia e, no local destinado à assinatura do subscritor, o nome de BB.---

70) Com base na identificação já existente no Finibanco, em execução do propósito formulado acima referido, o arguido AA, fez, em 12 de Janeiro de 2006, no Balcão do Pindelo, em Oliveira de Azeméis, uma proposta de desconto da livrança com o n.º xxxxxxxxxxxxx, no valor de € 4 000,00, com vencimento em 06.03.2006 e de uma livrança com um número que não se logrou apurar, no valor de € 4 000,00, com vencimento em 06.02.2006, proposta esta em que, com o seu punho, mais uma vez, apôs o nome de BB.---

71) O arguido, com o seu punho, apôs o mesmo nome - BB – nas livranças em causa, como se fosse este o seu subscritor.---

72) Finalmente, em execução do propósito formulado acima referido, no dia 26 de Janeiro de 2006, na agência do Pindelo, sita em Oliveira de Azeméis, fez uma proposta de desconto das livranças com os n.º. xxxxxxxxxxxxxx e xxxxxxxxxxxxx, no valor de € 9 000,00 e € 10 000,00, respectivamente, com vencimento respectivo a 14.03.2006 e 22.02.2006, livranças estas, em que o mesmo, apôs também o nome do BB, que identificou novamente como o seu subscritor.---

73) O arguido apôs, igualmente, na proposta de desconto, o nome de BB.-

74) Convencido, assim, de que estava perante o último, o Finibanco entregou-lhe o montante inscrito nas duas livranças, que ele gastou em proveito próprio.-

75) Apesar de ter subscrito todas estas livranças, a favor do Finibanco, e de ter recebido a importância nelas aposta, o arguido AA apenas liquidou a livrança cujo número não se logrou apurar, no valor de € 4 000,00, com vencimento em 06.02.2006, não efectuando o pagamento das quantias inscritas nas restantes.---

76) O arguido não efectuou o pagamento das quantias inscritas nas restantes livranças.-

77) Com a finalidade de cobrar coercivamente os montantes em divida o Finibanco instaurou o processo executivo nº 110002/06.3TBVNG da 2.ª Vara Mista deste Tribunal.---

78) Aproveitando o facto de já ter aposto o nome de BB num contrato com a firma Credilar (entretanto incorporada na firma Credibom) e de aí se encontrar identificado como BB e em execução do propósito formulado acima referido, no dia 7 de Dezembro de 2005, o arguido AA celebrou com a mesma firma o contrato de crédito pessoal com o n.º xxxxx, no montante de € 7 951,68, traduzido num empréstimo em numerário.---

79) Para o efeito, a Credilar preencheu o contrato em causa e enviou-o para a morada do arguido AA, situada na Rua P... M... R... V..., 101 B 3, nesta cidade de V. N. de Gaia.---

80) Este, por sua vez, depois de lhe inscrever, com o seu próprio punho, o nome do BB, devolveu-o para a sede da Credilar.---

81) Porque se convenceu da autenticidade dos documentos de identificação que tinha em seu poder e de que estava a negociar com o BB, a Credilar entregou o montante acima referenciado, que o arguido AA gastou em proveito próprio.---

82) Apesar de se ter obrigado a liquidar a quantia de € 7 951,68, que aquela empresa lhe concedeu, em 48 prestações mensais, iguais e sucessivas, o mesmo apenas pagou duas prestações, até 21 de Fevereiro de 2006, ficando em dívida a quantia de € 7 322,34.---

83) Em execução do propósito formulado acima referido em 16 de Janeiro de 2006, o arguido AA compareceu no estabelecimento comercial denominado “PUROGAIA – Representações Comerciais, Sociedade Unipessoal, Lda”, situado na Rua da Baíza, 1153, nesta comarca de V. N. de Gaia, tendo sido atendido por uma funcionária, a quem comprou um purificador de ar, no valor de € 3 880,00.---

84) Em pagamento de tal artigo, realizou o contrato de crédito com o n.º xxxxxxx, no valor de € 6 558,00, intitulando-se como BB.---

85) Para convencer a funcionária que o atendeu de tal identidade, exibiu-lhe o original do B. I. n.º xxxxxxx, com a sua fotografia aposta, o cartão de contribuinte com o número fiscal xxxxxxx, emitido em 10.10.2005, a demonstração da liquidação de IRS e a caderneta da conta do M. G., documentos estes todos em nome do BB.---

86) Convencida, assim, de que estava perante o último, a funcionária preencheu-lhe o contrato acima identificado e juntou-lhe cópias dos documentos de identificação que lhe foram exibidos pelo arguido.---

87) Por fim, o arguido apôs, com o seu punho, o nome do BB, na proposta do contrato de crédito com a Credilar, que aquela funcionária enviou à dita empresa e que veio a ser aprovada.---

88) Desta forma, foi-lhe concedido o crédito por si solicitado, no valor de € 6 558,00, que ele se obrigou a pagar à Credilar em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas.---

89) Não obstante tal promessa, o mesmo não efectuou o pagamento de qualquer prestação.---

90) Em execução do propósito formulado acima referido em 24 de Janeiro de 2006 o arguido AA dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “4x4 Autoboutique” situado no Centro Comercial “Gaia Shopping”, na Av.ª dos

Descobrimentos, em Santa Marinha, nesta comarca de V. N. de Gaia, tendo solicitado ao funcionário OO, que o atendeu, a celebração de um acordo de adesão ao serviço de telefone móvel com a “TMN – Telecomunicações Móveis Nacionais, S. A.”, em nome do BB.---

91) Para o convencer de que era o último, o arguido AA exibiu-lhe o B. I. n.º xxxxxxx com a sua fotografia aposta e o cartão de contribuinte com o n.º fiscal xxxxxxx, ambos em nome de BB.---

92) O referido funcionário tirou cópias a tais documentos e, convencido de que estava perante o BB, celebrou com o arguido AA a proposta de acordo de adesão e o respectivo aditamento, com o n.º xxxxxx, juntos por cópia a fls. 674 e 675, em nome daquele, segundo o qual ele aderiu a um pacote de negócios através da inclusão de 16 cartões, atribuindo-lhe um plafond de 800 minutos.---

93) O arguido AA apôs na aludida proposta e respectivo aditamento, o nome do BB.---

94) O arguido AA não fez o pagamento à TMN das chamadas por si efectuadas, estando por pagar as facturas n.º 160779231, emitida em 05.02.2006, no valor de € 234,94, n.º 161019356, emitida em 05.03.2006, no valor de € 1.025,35, n.º 161436585, emitida em 05.04.2006, no valor de € 2.034,26 e n.º 162027797, emitida em 05.05.2006, no valor de € 1.05.---

95) Em execução do propósito formulado acima referido no dia 5 de Maio de 2006 o arguido AA dirigiu-se à Loja Vodafone Negócios, sita no n.º 94 da Praça Mouzinho de Albuquerque, na cidade do Porto, onde solicitou à funcionária NN, que o atendeu, a realização de um contrato de serviços telefónico móvel e fixo de telefone, em nome do BB, para a residência por si habitada, sita na Rua P...M... R... V..., xxx B., xº. Posterior, em Vila Nova de Gaia.---

96) Para determinar a referida funcionária a celebrar o contrato em nome daquele, o arguido AA exibiu-lhe um documento comprovativo da declaração de início de actividade, o B.I. com o n.º xxxxxxx 5, emitido em 10.10.2005, com a sua fotografia aposta, uma factura da PT Comunicações com a sua morada e o cartão da DGI com o NIF xxxxxx, documentos estes todos em nome do BB e cujas cópias foram juntas ao respectivo contrato.---

97) Para finalizar a concretização do contrato, o arguido apôs-lhe o nome de BB.---

98) Convencida de que estava realmente perante aquele, a funcionária NN permitiu-lhe a celebração do contrato por si solicitado, a que foi atribuída a conta n.º xxxxxxxxx.---

99) Por via de tal contrato, foram-lhe atribuídos oito números de telefone móvel através dos quais o arguido efectuou diversas chamadas telefónicas, que não pagou à Vodafone.---

100) Por este facto, a Vodafone desactivou-lhe o serviço por si requerido.—

101) No dia 13 de Junho de 2006, no interior das suas residências, o arguido AA, tinha as seguintes armas e munições:---

a) Na residência situada na Praceta A... G..., no n.º xxx, R/C centro frt.,Valadares, dentro de uma caixa existente no quarto, uma pistola semiautomática, de marca “Star”, calibre .22 mm. Long Rifle (equivalente a 5,6mm no sistema métrico), com o número de série HK 940157, com carregador acoplado, municiado com oito munições do mesmo calibre;---

b) Na residência sita na Rua P... M... R... V..., Bl. xxx B, Ed. F... x, x.º Drt.º Posterior, em Coimbrões, detinha o arguido:---

- num dos quartos em cima da cama: - quatro cartuchos de caçadeira, calibre12; - duas munições de calibre .22 mm. longo; - doze munições de calibre .22mm.; e dez munições de calibre 6,35 mesmo;---

- noutro quarto: - um carregador cromado compatível com arma de calibre .22mm., contendo uma munição do mesmo calibre; um carregador em metal, de cor preta, marca “Walther”, compatível com arma de calibre 6,35 mm.,Browning (.25 ACP ou .25 AUTO, na designação anglo-americana), de marca Walther, de modelo TPH e eventualmente modelo TP, com capacidade para seis munições, municiado com cinco munições do mesmo calibre; - uma carabina de tipo “Lever-Action”, calibre .22 Long Rifle (equivalente a 5,6 mm no sistema métrico), de marca “Winchester”, modelo 63-22 L Superspeed e Super X com o n.º de série 61176ª, fabricada em New Haven, no Connecticut, de origem norte-americana (E.U.A.); e - uma carabina de marca “Cherokee, calibre .22, com o n.º de série CFK 2578, fabricada em New Haven, no Connecticut, de origem norte americana (E.U.A.).

102) Todo este material encontrava-se em boas condições de utilização.---

103) Em virtude de se encontrar contumaz o arguido AA resolveu assumir a identidade de BB para lhe permitir a realização de negócios jurídicos com terceiros.

104) Ao agir como acima se descreveu, o arguido AA fê-lo sempre com o propósito alcançado de celebrar negócios jurídicos com terceiros e, para o efeito, abusou da assinatura do BB para:--

- fabricar e falsificar os B. I.’s emitidos em 28.02.2005 e em 10.10.2005 e fazer constar falsamente dos mesmos a identificação daquele como se da sua se tratasse, juntamente com a sua fotografia, apesar de saber que se tratava de um documento autêntico emitido pelas autoridades oficiais;---

- requisitar o cartão de identificação fiscal com o NIF XXXXXXXXX e dele fazer constar erradamente a identificação do BB, que sabia ser um facto juridicamente relevante, apesar de saber estava perante um documentoautêntico emitido pelas autoridades oficiais;---

- solicitar a elaboração do passaporte em nome do BB e dele fazer constar falsamente a sua fotografia, muito embora soubesse que se tratava de um documento autêntico emitido pelas autoridades oficiais;---

- celebrar com a PT um contrato de prestação de serviço telefónico fixo destinado à sua morada, em nome de uma pessoa que já não existia e assim se eximir ao pagamento das respectivas chamadas;---

- para abrir a conta n.º xxxxxxxxxxx.xx no Montepio Geral, em nome de outrem, para, assim, poder requisitar cheques que pretendia utilizar como forma de pagamento, que não pretendia liquidar e, desta forma, auferir um benefício ilegítimo;---

- assinar e preencher os cheques de fls. 150 do apenso do Montepio Geral, com a intenção alcançada de adulterar esses títulos transmissíveis por endosso e de colocar em crise a fé pública inerente, de forma a obter uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito;---

- assinar o contrato de prestação de crédito com o n.º xxxxxxxx com a firma “Credilar” e o modelo 3 da Declaração de IRS entregue na Repartição de Finanças de Odivelas em 02.04.2005, com a finalidade de auferir um benefício ilegítimo;---

- abrir a conta n.º xxxxxxxx.xx.xxx na agência do Finibanco, do Pindelo, em

20.09.2005, com o objectivo de a poder movimentar e requisitar cheques para utilizar como meio de pagamento, cuja liquidação não pretendia concretizar, de forma a auferir um benefício ilegítimo;---

- assinar e preencher os cheques de fls. 142, 148 e 149 do apenso com a finalidade conseguida de adulterar esses títulos transmissíveis por endosso e de colocar em crise a fé pública inerente, de forma a obter uma vantagem patrimonial a que se sabia sem direito;---

- celebrar o contrato de cartão de crédito com o n.º xxxxxxxxxxxxxxx com a“Credibom”, para, desta forma, se eximir ao pagamento dos objectos comprados com recurso a tal contrato;---

- efectuar, junto da C.R.P., o registo da hipoteca do imóvel por si adquirido, sito na Rua O... do Porto, no n.º xxx, x.º C e xxx, na cidade do Porto, a favor do Finibanco, para que este lhe concedesse o crédito destinado à sua aquisição, como aconteceu e autenticar a assinatura em causa, do BB, no Cartório Notarial do Lic. Alberto Santos, com o objectivo de, assim, se eximir ao pagamento do referido crédito e conseguir um benefício patrimonial a que se sabia sem direito;---

- para abrir, em 24.11.2005, a conta em nome do BB, no Millenium BCP, com o n.º xxxxxxxx e, desta forma, conseguir concretizar o contrato de crédito com o n.º xxxxxxx, no valor de € 29 734,20, cujo reembolso não pretendia efectuar, como aconteceu;---

- celebrar, em 29.11.2005, as escrituras de compra e venda e de contrato de mútuo com o Finibanco para obter os empréstimos de € 128.500,00, € 29.000,00 e € 20 000,00 e se eximir ao respectivo pagamento e assim tornar a obter um benefício ilegítimo;---

- preencher as cinco livranças que entregou ao Finibanco com a intenção alcançada de adulterar títulos transmissíveis por endosso e de colocar em crise a fé pública inerente;---

- assinar a proposta, com o Finibanco, de desconto das livranças, de forma a conseguir, como aconteceu, descontar o montante nelas inscrito e se eximir ao respectivo pagamento;---

- celebrar com a empresa “Credilar” o contrato de crédito com o n.º xxxxxxx e, assim, obter a quantia de € 7.951,68 e se eximir ao respectivo pagamento;---

- assinar o contrato de crédito n.º xxxxxxx, no valor de € 6.558,00, para obter tal quantia em nome de outrem e, assim, se eximir ao seu pagamento, como aconteceu;---

- celebrar com a TMN o contrato de adesão com o n.º xxxxxxx de forma a poder efectuar chamadas telefónicas em nome de outra pessoa e, assim, se eximir ao seu pagamento, como aconteceu;---

- celebrar com a Vodafone, em 05.05.2006, o contrato de prestação de serviço fixo e móvel e assim se eximir ao pagamento das chamadas efectuadas, como sucedeu.---

105) Ao assumir a identidade do BB, o arguido AA, actuou sempre com o propósito alcançado de celebrar negócios jurídicos com terceiros e, para o efeito, induziu em erro e enganou deliberadamente:---

- a funcionária que o atendeu na “Corporation Dermoestética”, determinando-a a que, por causa disso, praticasse actos que acarretaram à firma “Credilar” prejuízos patrimoniais, como aconteceu;---

- o director do Millenium BCP, II, determinando-o a que, por causa desse engano, praticasse actos que provocaram àquela instituição bancária prejuízos patrimoniais, como aconteceu;---

- o funcionário do Finibanco que o atendeu na altura em que requereu os

empréstimos de € 128 500,00, € 29 000,00 e € 20 000,00, determinando-o a que, por causa disso, praticasse actos que acarretaram ao Finibanco prejuízos patrimoniais, como aconteceu;---

- o funcionário que lhe recepcionou o contrato de crédito com o nº. xxxxxxx, celebrado com a “Credilar”, determinando-o a que, por causa desse engano, praticasse actos que acarretaram à sua entidade patronal prejuízos patrimoniais, como sucedeu;---

- a funcionária da “Purogaia”, determinando-a a que, por causa desse engano, praticasse actos que acarretaram para a Credilar um prejuízo patrimonial;---

- a funcionária da “Vodafone”, NN, determinando-a a que, por causa desse engano, praticasse actos que acarretaram à sua entidade patronal prejuízos patrimoniais, como aconteceu.---

106) O arguido AA determinou-se sempre de forma voluntária e consciente e com a intenção alcançada de obter para si vantagem económica a que sabia não ter direito, provocando nos lesados o correspondente empobrecimento patrimonial.---

107) Sabia que os cheques e as letras de câmbio são títulos comerciais transmissíveis por endosso e que assim punha em crise a credibilidade que a generalidade das pessoas atribuía a esses títulos como meio de pagamento, bem como, punha em causa a fé pública de documentos que dela especialmente gozam.---

108) As armas e munições pertencem ao denunciado que não possui licença de uso e porte de arma de defesa nem autorização de detenção de arma de defesa na habitação.---

109) O arguido não justificou a sua posse, nem as mesmas se encontram registadas e manifestadas.---

110) Apesar de saber que não as podia usar ou deter sem que as mesmas se encontrassem registadas e manifestadas e sem possuir a respectiva licença, o arguido quis, como conseguiu, guardá-las nessas circunstâncias, não se abstendo de as ter na sua posse.---

111) O mesmo tinha conhecimento de que as mencionadas armas e munições eram de fogo e que, devido às suas características perfurantes, quando manuseadas, são susceptíveis de ferir o corpo das pessoas e mesmo provocar-lhes a morte, tendo capacidades letais.---

112) O arguido actuou livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.----

113) Subjacente à abertura da conta de depósitos à ordem identificada no ponto 52) dos factos provados o BCP concedeu ainda ao arguido em nome de BB o cartão de crédito AmericanExpress n.º xxxx-xxxxx- xx-x, cujos valores relativos aos pagamentos mensais foram debitados na mesma conta.---

114) A partir de 26.09.2006 a conta de depósitos à ordem identificada no ponto 52) dos factos provados movimentada pelo arguido apresenta um saldo negativo de € 5.507,56.---

115) Com a outorga do contrato aludido no ponto 95) dos factos provados o arguido tinha à disposição mensalmente 800 minutos gratuitos de conversação, mediante o pagamento de uma assinatura mensal.---

116) Na data constante no ponto 95) dos factos provados e nas circunstâncias descritas nos pontos 95) a 99) dos factos provados o arguido celebrou ainda um aditamento ao contrato descrito no ponto 95) dos factos provados através do qual se obrigava à fidelização dos referidos serviços pelo período de 24 meses no plano tarifário Pack Empresas 800.---

117) O arguido não pagou as assinaturas mensais dos meses de Maio e Junho de 2006, bem como as chamadas efectuadas nesse período nos valores de 166,06 e 865,51, respectivamente.---

118) O arguido também não liquidou os dois equipamentos telefónicos (um Nokia e um Motorola) fornecidos no âmbito do referido contrato celebrado com a Vodafone descritos no documento de fls. 1167 no valor de € 832,24.---*

119) À data dos factos o arguido não tinha antecedentes criminais.---

V. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :

O arguido nas suas conclusões de recurso aponta , desde logo , à decisão recorrida os vícios da falta de fundamentação da matéria de facto e de direito , bem como a falta de exame crítico da decisão recorrida .

Ao longo da história processual penal a decisão em sede de matéria de facto e sua motivação foi um território mítico , recebendo-se aquela acriticamente , aceitando-se que o juiz pudesse actuar na enunciação da sentença ao abrigo de um “ estado de menor consciência da dificuldade do seu ofício “ , ficando as afirmações projectáveis no exterior em que se traduz o seu labor decisório a salvo , por incorrecto , da exigência de indicação dos elementos probatórios em que o juiz que viu e ouviu as provas alicerçou a sua convicção , escreve Perfecto Ibañez , in Sobre a Formação Racional da Convicção Judicial ,estudo publicado na Revista Julgar , ed. da ASJP , Janeiro-Abril 2011,págs . 158-160 .

No plano do direito a justificação da matéria respectiva não tem suscitado controvérsia , até pela maior facilidade de que se reveste porque tais elementos são “ subjectivamente tratáveis , discutíveis e abordáveis em qualquer momento jurisdicional não dependentes da percepção sensorial do juiz “ , escreve ainda aquele autor , in estudo citado , pág. 161 .

Mas , diversamente , a compreensão de que o julgador se lança , antes de decidir , à pesquisa do incerto , tendendo a sua posição a ser de “ perplexidade “ , de quem não sabe a quem aderir , no dizer de Muratori , in Defectos de La Jurisprudência, Imprenta de la Viuda de Joaquin Ibarra , 1974 , 17 , em que o que pretende alcançar inere à categoria do conhecimento provável e o acervo fáctico não é resultado lógico das premissas de qualquer lei geral universal , é inevitável o dever de o juiz fundamentar eficazmente o decidido , forçando –o a “ um imperativo de autoconsciência do próprio processo de formação da convicção “ naquele duplo plano .

Essa fundamentação tem que ficar impressa na acta de julgamento , mas não tem de reflectir , “…mimeticamente tudo o que se passou em julgamento , antes oferecer uma síntese intelectualmente honesta e suficientemente expressiva do resultado do exame contraditório das distintas fontes de prova “, ainda segundo Perfecto Ibañez , in estudo citado , pág. 172 .

A fundamentação representa ao fim e ao cabo um segmento aberto na decisão onde se explicita o raciocínio que levou a uma certo resultado , ancorado nos factos provados , a razão por que se preferiu uma solução em vez de outra , face ás provas exibidas , atribuindo a umas um valor positivo e a outras negativo , na síntese decisória , isto no plano dos factos ; no plano de direito a menção da norma aplicável , após a enunciação dos critérios interpretativos possíveis , autorizando um correcto enquadramento jurídico .

IV . A nossa CRP elevou o dever de fundamentação das decisões judiciais à categoria de valor constitucional no art.º 205 .º n.º 1 , vertendo no art.º 374.º do CPP uma fórmula exigente , fechada pelo aditamento, na alteração trazida pela lei n.º 59/98 , de 25/8 , da necessidade de o julgador proceder ao exame crítico das provas , completando aquele grau de exigência , reforçando-o, para explicitar “ o iter” decisório não que já não emergisse conexionadamente tal dever , mas forçando o julgador , agora , como que a mais um sequente exame de consciência do seu escrito que é a sentença , escrito ( não descrição ) - “ rigorosamente funcional “ com uma marca de utilidade , de convencimento dos destinatários e de terceiros , envolvidos no caso concreto .

O exame é a avaliação das provas ; a crítica é o juízo analítico a que deve proceder , apontando-lhe o caminho seguro para a uma decisão condenatória ou absolutória .

Através da fundamentação o julgador presta contas não só aos destinatários directos da decisão , mas também à opinião pública , procurando convencê-la da justeza da decisão , acedendo ao seu controle difuso , social e democrático num contexto histórico em que , como disse Marta Dias, in A Fundamentação do Juízo Probatório –Breves Considerações , in R ev. supracitada , pág. 181 , de “ exacerbado igualitarismo e de total abjuração à hierarquia , em que o argumento de autoridade perdeu consistência. “

O imperativo geral de fundamentação das decisões judiciais decorre do princípio geral de controlabilidade inerente ao Estado de direito , directamente relacionado com os princípios da independência dos tribunais , da imparcialidade do juiz , da submissão do julgador à lei , bem como das garantias de defesa , defendendo-se ainda que , por ela , se assegura a legitimidade do julgador ante a comunidade onde exerce jurisdição , neste sentido cfr. Michelle Taruffo , in Motivação da Sentença Civil , págs . 399 e segs . , nota 21.

E é , ainda , uma consequência do reconhecimento a um “ fair trial “ , a um “ due process of law “ , consagrado nos art.ºs 10.º , da CUDH e 6.º , § 1.º da CEDH .

V. No caso concreto :

A motivação decisória ancora-se num vasto leque de depoimentos de testemunhas ( 17 ) e num muito extenso e diversificado número de documentos , entre os quais os que enunciam a sua declaração judicial em situação de contumácia , relatórios periciais , autos de busca e de apreensão , nestes se englobando os de armas e munições que serviram de base à fixação da matéria de facto e à condenação do arguido .

O Colectivo explicou, com clareza , de forma resumida , é certo , porém bastante , as mais variadas razões pelas quais credenciou aquela prova testemunhal recolhida, seja porque tais testemunhas intervieram na investigação criminal , assistiram à elaboração de tais documentos pelo arguido ou neles comparticiparam ou demonstraram ter conhecimento dos factos e valorando os seus depoimentos e o teor dos documentos , e “ no seu conjunto , alicerçou-se nas regras de experiência comum “ , que são enunciados conclusivos , de aceitação social geralmente aceite à luz do art.º 127.º , do CPP .

Não se exige , sequer , para motivar a decisão judicial que o julgador transcreva em forma de discurso indirecto o teor do depoimento da testemunha ( ou perito ) na totalidade , transformando a processo oral em escrito , ou resuma acriticamente , o teor de cada , mas apenas que recolha , como se fez , selectiva e conscientemente , da sua prestação os elementos pertinentes a uma boa e verdadeira decisão , assente numa narrativa de igual valia ( cfr. R e v. Julgar , já citada , págs . 150 e 195 . )

O Tribunal recorrido em matéria de direito fez constar da matéria de facto provada os elementos factuais objectivos e subjectivos integrantes dos descritivos da acção típica , para neles apoiar a subsunção lógico-jurídica, sendo infundada a crítica que dirige ao acórdão recorrido .

VI . Como resultados autos a pessoa visada com a busca foi FF, sua companheira ; o local da busca , consta do mandado , foram as residências do arguido onde , além do mais , se localizaram duas carabinas e uma pistola , além de munições próprias daquelas armas .

Nos termos do art.º 174.º , n.º 1 , do CPP , o visado pela busca é a pessoa que ocupa o lugar e o utiliza para um fim que a autoridade suspeita ser ilícito ; só a suspeita funda a legitimidade para o recurso a esse meio de obtenção de prova .

O visado pela busca não tem que ser necessariamente o titular do direito ao domicílio e no caso tal sucede , mas essa circunstância não é impeditiva de aquela diligência poder servir de recolha de meios de obtenção de prova contra o arguido ; ou seja de os conhecimentos derivados daquela se estenderem, posteriormente , ao titular do domicílio, se no decurso da investigação , e mercê de tal diligência este for indiciado da prática de um crime , in casu apurar-se que as armas lhe pertenciam . Neste sentido cfr. Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário ao Código de Processo Penal , pág. 486 .

O estado de necessidade investigatória inerente a uma cada vez maior complexidade de indagação dos factos e sua gravidade postula que , na concordância prática do interesses persecutório criminal em jogo , validar as provas obtidas , sobretudo quando obtidas a partir de meios de provas legais .

A ” concordância prática “ , como uma das finalidades do processo penal , no sentido de que o remédio para um carácter irremediavelmente antinómico e antitético das finalidades do processo penal impõe que se estabeleça uma harmonia entre elas “ de forma a atribuir a cada uma máxima eficácia possível , ou seja de cada finalidade há-de salvar-se , em cada situação , o máximo conteúdo possível , optimizando-se os ganhos e minimizando-se as perdas axiológicas e funcionais “ –Cfr . Prof. Figueiredo Dias , In Do princípio da “ objectividade ao princípio da liberdade do comportamento do Ministério Público no Processo Penal , citado por Manuel Guedes Valente , Escutas Telefónicas , Da Excepcionalidade à Vulgaridade , pág. 58 , notas 112 a 114 .

Sem relevo pois , o reparo quanto à aquisição da prova da pertinência e apreensão das armas , munições e carregadores ao arguido , por ser outra pessoa a viver no local do domicílio do arguido, onde aquelas foram objecto de apreensão e busca , pois se trata de matéria de facto adquirida legalmente , cuja modificabilidade é vedada a este STJ , enquanto Tribunal de revista , historicamente destinado à reponderação da matéria de direito , nos termos do art.º 434.º , do CPP., não manifestando o Colectivo dúvidas quanto à circunstância de serem pertença do arguido , sem ofensa ao disposto no art.º 86.º n.º 1 c) , da Lei n.º 5/2006 , de 23/2 .

VI . A matéria de facto que importa reter e de forma simplificada tem como ponto de partida o facto de o arguido se encontrar contumaz e , por isso , resolveu assumir a identidade de BB para lhe permitir a realização de negócios jurídicos com terceiros.

O arguido resolveu construir uma pessoa com diferente identidade, de que falsamente se fez portador, depois seguiu um percurso criminal em busca de alcance patrimonial ilegítimo e viver à custa do alheio pelo recurso a meios engenhosos e estratagemas altamente condenáveis , a seguir de evidenciar , num contexto de absoluto desrespeito pelo património alheio e regras de indispensável subsistência comunitária , de intolerável violação .

Na verdade , em execução de tal desígnio, o arguido no dia 4 de Fevereiro de 2005, obteve na Conservatória do Registo Civil de Espinho, após se ter identificado como sendo BB, uma certidão do registo do assento de nascimento daquele, destinada à emissão do respectivo BI

A partir daí fabricou e falsificar os B. I.’s emitidos em 28.02.2005 e em 10.10.2005 e fez constar falsamente dos mesmos a identificação do BB como se da sua se tratasse, apondo-lhe a sua fotografia , usando-os .

O arguido requisitou o cartão de identificação fiscal com o NIF XXXXXXXXX e dele fez constar falsamente a identificação do BB .

De seguida solicitou a elaboração do passaporte em nome do BB e dele fez constar falsamente a sua fotografia , para, depois , celebrar com a PT Comunicações , S A , um contrato de prestação de serviço telefónico fixo destinado à sua morada, juntando o seu NIF .

O arguido abriu a conta n.º xxxxxxxx.xx de depósitos à ordem no Montepio Geral, com o nome de outrém , para assim poder requisitar e obter cheques que pretendia utilizar como forma de pagamento, que não pretendia liquidar -fls . 150 do apenso –e que preencheu e assinou com a intenção alcançada de adulterar esses títulos transmissíveis por endosso e de por em crise a sua fé pública , três dos quais , no valor de 1280€ , para pagamento de uma dívida à TVG –Shopping .

No cheque sob o n.º 6321744921 apõs-lhe a menção de 4580, 70 €.

Na Corporation Dermostética –Porto celebrou um contrato de prestação de serviços de saúde para cuja liquidação no valor de 9.876, 48€ fez um contrato de concessão de crédito com a Credilar , depois Credibom , que não pagou .

Igualmente abriu , também , a conta n.º xxxxxxx.xx.xxx, na agência do Finibanco, do Pindelo, Oliveira de Azeméis , em 20.09.2005, com o objectivo de a poder movimentar e requisitar cheques para utilizar como meio de pagamento, cuja liquidação não pretendia concretizar, assinando e e preenchendo os cheques de fls. 142, 148 e 149 do apenso, com os valores de 250€nos dois primeiros e 300 € nos 6 últimos .

Com a FNAC , conseguiu obter o cartão de crédito FNAC , onde obteve produtos , não pagando à Credibom o valor de 54, 95 €

O arguido efectuou , com o nome de BB , junto da C.R.P. do Porto o registo provisório da hipoteca do imóvel por si adquirido na cidade do Porto, a favor do Finibanco, para que este lhe concedesse o crédito destinado à sua aquisição, assinando os documentos precisos com o nome de BB , reconhecendo notarial e previamente a sua assinatura .

No Millenium BCP, com o n.º xxxxxxxxx e, desta forma, conseguir concretizar o contrato de crédito pessoal denominado “Crediauto”, com o n.º xxxxxxx, com o Millenium BCP, em 9 de Novembro de 2005, em nome do BB, no montante de € 29.734,20, que se comprometeu a saldar em 60 prestações mensais., de que apenas pagou duas prestações , no valor de 497, 97 € cada .

-Em 29.11.2005, celebrou com o Finibanco escrituras de contrato de mútuo ao obter os empréstimos de 128.500,00, confessando-se dele devedor , para pagamento do imóvel citado , bem como e adicionalmente mais € 29 000,00 , de que pagou , apenas , a 1.ª e 2 .ª prestações , constituindo hipotecas a favor do banco mutuante , e ainda mais € 20 000,00 que dissipou totalmente em proveito próprio

O arguido preencheu , ainda , cinco livranças que entregou ao Finibanco com a intenção de conseguir o seu desconto , assinando a proposta respectiva ao Finibanco, dele conseguindo o valor das livranças descontadas de 20.407, 37€ 4.000€ ( duas ) , uma de 9.000€ e outra de 10.000€ , de que só reembolsou o dito banco em 4.000€

O arguido celebrar com a empresa “Credilar” o contrato de crédito com o n.º xxxxxx e, assim, obter a quantia de € 7.951,68€ , ficando em dívida 7.322, 34 €

Foi-lhe , ainda , ao abrigo do contrato de crédito n.º xxxxxx, um empréstimo no valor de € 6.558,00€ , que não satisfez e nem era intenção fazê-lo .

Na “ 4x4 Autoboutique “ fez um contrato de adesão à TMN-Telecomunicações Nacionais , S A , para poder efectuar chamadas telefónicas em nome de outra pessoa , atribuindo-lhe o “ plafond “ de 800 minutos de conversações , vindo a eximir-se ao seu pagamento.

O arguido celebrou com a Vodafone, em 05.05.2006, o contrato de prestação de serviço fixo e móvel , também se eximindo ao pagamento das chamadas efectuadas

De frisar, ainda , que na residência situada na P... A... G..., no n.º xxx, R/C centro frt.,Valadares, dentro de uma caixa existente no quarto, uma pistola semiautomática, de marca “Star”, calibre .22 mm. Long Rifle (equivalente a 5,6mm no sistema métrico), com o número de série HK 940157, com carregador acoplado, municiado com oito munições do mesmo calibre e na a residência sita na Rua P... M... R... V..., Bl. xxx B, Ed. F... x, x.º Drt.º Posterior, em Coimbrões, detinha o arguido:---

- num dos quartos em cima da cama: - quatro cartuchos de caçadeira, calibre 12; - duas munições de calibre .22 mm. longo; - doze munições de calibre .22 mm.; e dez munições de calibre 6,35 mesmo;---

- noutro quarto: - um carregador cromado compatível com arma de calibre .22 mm., contendo uma munição do mesmo calibre; um carregador em metal, de cor preta, marca “Walther”, compatível com arma de calibre 6,35 mm.,

Browning (.25 ACP ou .25 AUTO, na designação anglo-americana), de marca Walther, de modelo TPH e eventualmente modelo TP, com capacidade para seis munições, municiado com cinco munições do mesmo calibre;

- uma carabina de tipo “Lever-Action”, calibre .22 Long Rifle (equivalente a 5,6 mm no sistema métrico), de marca “Winchester”, modelo 63-22 L Superspeed e Super X com o n.º de série 61176ª, fabricada em New Haven, no Connecticut, de origem norte-americana (E.U.A.); e - uma carabina de marca “Cherokee, calibre .22, com o n.º de série CFK 2578, fabricada em New Haven, no Connecticut, de origem norteamericana (E.U.A.).

Essas armas , munições e acessórios achavam-se em condições funcionais e o arguido , sem razão para as deter , à face da lei , não podia ignorar o seu carácter proibido .

VII . Os factos integram crime de burla qualificada , falsificação e posse ilegal de armas .

Com a incriminação da falsificação prevista nos art.ºs 256.º e segs . do CP , visa-se acautelar o valor probatório dos documentos , que são “ uma voz morta “ , no dizer de Luis Romero Soto , Studios de Derecho , Ano XXI , 2 .ª Época , Setembro de 1960 , vol. XIX, n.º 58 , prolongando a vontade e o pensamento do seu autor para além do tempo da sua materialização , por isso a protecção dispensada a esses meios de prova visa assegurar e se propõe afirmar a confiança e a fé pública , garantindo-se o desenrolar da vida em sociedade , das relações mútuas, naquele clima prospectivo .

E quer se trate de documento particular quer público em relação ambos o Estado deve propiciar a sua genuidade na circulação documental como garantia de estabilidade nas relações humanas .

Um documento é falso quando não corresponde à realidade ; na falsidade intelectual existe divergência entre o que o documento relata e o que de facto aconteceu –cfr. Marques Borges , Dos Crimes de Falsificação de Documentos , Moeda , Pesos e Medidas, pág.30 ; a falsidade repousará , então , num substracto ético-psicológico : a mentira , a inverdade ( cfr. Helena Moniz , O Crime de Falsificação de Documentos, pág. 134 ) ; cria-se um documento , no todo ou em parte , integrando-se nele um elemento declarativo diferente do que foi realizado; na falsidade material o documento é genuíno originariamente , mas posteriormente alterado; não há correspondência ao genuíno na parte extrínseca –cfr., ainda , Marques Borges , op . e loc. cit .

O crime de falsificação é um delito de perigo abstracto , na previsão das als. a ) a d) ou a) a b) , do art.º 256.º n.º 1 , do CP , redacção actual e anterior , respectivamente , em que a simples falsificação do documento constitui já uma situação que torna possível uma futura lesão de valores jurídico-criminais protegidos , donde o tipo legal conter uma malha alargada de previsão , tornando punível o uso e , até , o simples facultar ou deter documento falsificado, sendo nestas duas hipóteses de dano , consumando-se o crime quando o documento é colocado em circulação .

VIII . O crime de burla , de execução vinculada , em que a lesão do bem jurídico decorre da consequência de uma muita particular e específica forma de comportamento , que se traduz na utilização de um expediente tendente a induzir outra pessoa em erro ; não basta o emprego de um simples meio enganoso , antes que seja causa efectiva do erro em que se encontra a vítima .

Revestindo a natureza de um crime material ou de resultado a sua consumação passa por um duplo nexo de imputação objectiva : entre a conduta enganosa do arguido e a prática pelo burlado de actos tendentes a uma diminuição do património , próprio ou alheio , e , depois , entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial –cfr . A. M. Almeida Costa , in Comentário Conimbricense do Código Penal , II , pág . 293 .

Para que se esteja em face de um crime de burla, não basta, porém, o simples emprego de um meio enganoso: torna-se necessário que ele consubstancie a causa efectiva da situação de erro em que se encontra o indivíduo. De outra parte, também não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se, ainda, que nesse engano resida a causa da prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais (cfr. , ainda , autor citado in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, pág. 292-293).

No essencial trata-se de indagar o valor ou o conteúdo comunicacional , globalmente considerado , na relação desenvolvida .

É que podendo a burla consumar-se através de declarações ou palavras , inferir-se de actos concludentes , ou de omissão , a atitude externa do agente só passa a integrar aquele delito quando assume um especial conteúdo , caindo então na alçada penal .

Apesar da imoralidade que pode acompanhar a celebração de certos negócios , que, pelo empolar de qualidades , o objecto negocial não preenche , ou o seu preço não justifica ou as circunstâncias negociais não legitimam , o acto praticado pode ser analisado à luz de um dolo civil , afastando-se o criminal .

Este só se ajusta à “ fattispecie “ penal quando o burlão pelo recurso à mentira , à maquinação , no intuito de prejudicar o burlado ou terceiro , usa de astúcia , enquanto instrumento de deslocação patrimonial indevida.

A astúcia é, materialmente , algo mais que aquela mentira ; é um “ plus “ que lhe acresce e que lhe empresta , sob a forma de cenário adrede criado , uma “ mise- en- scéne “ , que tem por fim dar crédito à mentira e inevitavelmente enganar , escreve Garraud , citado pelo Prof. Beleza dos Santos , in Estudo publicado na R L J , ano 76 , n.º 27 , 278 .

A palavra “ astuciosamente “ empregue no preceito citado , com fonte no CP suíço , tem o sentido de artificiosamente , acrescendo à mentira , funcionando como seu reforço , manifestado habilmente sob a forma de factos , atitudes e aproveitamento das circunstâncias , que aquela inverdade tornem crível .

A astúcia torna a mentira , já de si condenável , em verdade intransponível .

A burla configura uma hipótese de “ auto-lesão “ , estruturalmente análoga às situações de autoria mediata em que o domínio de facto do “ homem de trás “ deriva do estado de erro do lesado acerca do circunstancialismo em que actua ( cfr. Comentário , cit. , pág . 289 -299 ) .

No plano dos factos, a conduta do agente comporta a manipulação de variadas pessoas caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista.

O arguido , ante funcionários públicos e empregados de várias entidades públicas e privadas , usou de uma estratégia recheada de astúcia, e de ardil ,de forma coincidente : assumir por inteiro , e falsamente , a identidade do BB, apresentando-se como tal , norteado por esse uniforme desígnio, de Fevereiro de 2005 a Março de 2006 , convencendo as pessoas previamente da veracidade e seriedade dessa sua postura enganosa , consciente e voluntariamente desejada , assinando e intervindo nos documentos que lhe eram presentes , apresentando outros que forjara , em vista da realização prática dos seus objectivos , de obtenção de benefícios pecuniários e patrimoniais indevidos com o que , conscientemente, causou prejuízos ao Estado e a terceiros , o que à evidência ressalta .

A detenção das 3 armas de fogo , indocumentadas , munições pertinentes a diversas outra armas e acessórios , denota um grau de manifesta associalidade , de indiferença para o risco à ordem e tranquilidade públicas que as armas fora do controle policial geram , atento o carácter criminógeno que se revela na detenção nessas condições .

VIII . O arguido controverte a medida da pena , reputada de excessiva , logo injusta ; a justiça da pena é uma aspiração do condenado e da comunidade , que não tolera penas injustas .

Num passado remoto a pena era a medida , por vezes ilimitada , da vingança ante o mal causado , variando , por vezes , em função dos costumes , natureza do crime e do “ status “ do condenado , só na Idade Média , por influência do catolicismo , surge como verdadeira sanção , a fim de proporcionar tempo de interiorização , reflexão ao condenado e modo de reparação do dano .

Em Becaria a pena justa precisa , apenas , de ter o rigor bastante para afastar os homens da senda do crime , desempenhando a função de reprovação e de prevenção do crime .

O nosso CP consagra no art.º 41 .º ,n.º 1 , uma concepção utilitarista da pena , propondo-se a protecção dos bens jurídicos e a reinserção social do agente .

Esta pura concepção utilitarista é minoritária , predominando, na penologia moderna , entre a teleologia das penas uma concepção mista que combina um fim de retribuição com a da prevenção , cabendo à pena naquela concepção um fim de castigo , estabelecendo o equilíbrio desfeito pela prática da infracção penal e à prevenção , nas concepções utilitaristas ou relativas –onde se distingue uma função de reparação e outra de prevenção geral - uma missão de defesa social , resultando a sua eficácia da medida como leva em conta os seus efeitos político-sociais utilitários .

À reinserção social pede-se , para alguns , por ex.º Mir Puig , uma função social de “ criar possibilidades de participação nos sistemas sociais “ ao arguido , a criação de mecanismos e condições para que o indivíduo retome o convívio social e uma vida normais.

O objectivo da reinserção -e esta é a concepção dominante – é proporcionar ao condenado condições sociais para a sua reintegração efectiva na sociedade , evitando-se a sucumbência na reincidência , promovendo a neutralização dos seus efeitos , segundo Pablos Molina , não se tratando de converter o agente do crime num homem completamente novo , como que numa metamorfose que nele se opera , mas como um processo direccionado à escolha , livre e consciente dos seus caminhos no retorno ao tecido social que antes ostracizou , escreve Vítor Gonçalves Machado , in A Reintegração Social do Preso , acessível in http: // jus.vol.br./revista /texto 18118 .

IX. Os bens jurídicos a proteger com a incriminação são da maior importância comunitária, indispensáveis a uma sã e normal convivência social que não tolera procedimentos como os do arguido , criando uma nova identidade , com todo o cortejo de inconvenientes que isso acarreta , em termos de insegurança económica e social , reprovando esse comportamento antiético , que nem a reiteração nem o decurso do tempo fez frenar , o que patenteia uma firme vontade criminosa .

Donde a necessidade de pena , que , nos termos do art.º 71.º n.º 1 , do CP , leve em apreço o grau de culpa e as necessidades de prevenção , além de ponderar as circunstâncias que não fazendo parte do descritivo típico deponham a favor ou contra o arguido –n.º 2 .

O art.º 40.º , do CP , não pode compreender-se dissociadamente do preceito do art.º 71.º citado , porque se aquele repercute a filosofia inspiradora das penas em geral , este recolhe os critérios em que se deve fundar a pena em concreto .

A medida concreta da pena é limitada , no seu topo , pela moldura da culpa e dentro dessa moldura actuam as submolduras da prevenção, geral e especial , aquela ligada ao fim público das penas , de contrariar a vontade criminosa dos demais cidadãos , servindo de instrumento de contenção , a fim de estabilizar a confiança dos cidadãos na lei e nos seus órgãos aplicadores ; a última norteada pelo propósito de evitar a sucumbência na reincidência do arguido , levando a interiorizar os maus efeitos do crime , fornecendo-lhe regras de fidelização futura ao direito .

Há uma medida desejável , ao menos teoricamente , da pena ditada por razões de prevenção geral , mas por razões pessoais da vida do arguido , que o direito penal , dentro do princípio da menor compressão , deve afectar no mínimo , é possível baixar , até se situar num patamar abaixo do qual ela se não pode sediar sob pena de contrariar , intoleravelmente , aquelas expectativas comunitárias .

O dolo do arguido, ou seja a vontade consciente e livre de delinquir é muito intenso , o desvalor da acção não só no sentido de contrariedade à lei , como da grandeza do desvalor do resultado , modo de execução e sua repetição , ou seja a ilicitude não menos gravosa .

A frequência com que crimes como os praticados pelo arguido surgem no tecido social exige uma intervenção vigorosa e firme do direito penal , com o que se concorda quando o Colectivo realça fortes necessidades de prevenção geral , mas já se discorda quando se pondera que as necessidades de prevenção especiais não se fazem sentir com a mesma intensidade .

O arguido já foi declarado contumaz , e é essa privação potencialmente acidental , provisória , da faculdade de exercício de direitos , a razão visível para assumir falsamente outra identidade , ainda assim insuficiente para se envolver na teia criminosa por que enveredou , não goza de bom comportamento anterior , tendo a pena que revestir-se de uma magnitude que ofereça garantias de interiorização das consequências do crime , de emenda , e subsequente de retorno ao tecido social por forma a respeitá-lo e a não gerar insegurança e alarme social , não oferecendo quem se envolve no projecto criminoso delineado razões para crença na sua espontânea fidelização futura ao direito .

XI . Resta , ainda , tecer algumas considerações sobre o pedido cível indemnizatório , particularmente o deduzido pela TMN :

O arguido entende que se mostram violados os art.ºs 71.º e 74.º , do CPP , por quanto aos factos que o integram ter sido proferido despacho de arquivamento pelo M.º P.º , por falta de queixa e , deste modo , legitimidade para o exercício da açcão penal .

E na verdade o M.º P.º proferiu despacho expresso a fls. 966 declarando que , podendo embora indiciar-se a prática de um crime de burla relativamente à PT , à FNAC , na medida em que o arguido obteve um cartão “ FNAC “ , que lhe permitiu obter um crédito junto da Credilar e à TMN , todavia por carência de queixa e falta de legitimidade para acusar por esse crime de burla, ordenava o arquivamento dos autos , nos termos dos art.ºs 48.º, 49.º e 50.º, do CPP .

É ao M.º P.º enquanto titular do exercício da açcão penal que lhe incumbe , pela acusação , definir o objecto do processo , não cabendo ao juiz sindicar os indícios, apenas controlando os termos da acusação , no caso processualmente grave previsto no art.º 311.º n.º 2 , do CPP .

Por outro lado é , ainda , a acusação que baliza e pressupõe os termos da dedução do pedido cível indemnizatório ; o lesado que tiver manifestado o seu propósito de ser indemnizado é notificado da acusação para aquele pedido formular ; se não tiver manifestado aquele desígnio ou não tiver sido notificado para o efeito , tem o prazo de 2º dias para o efeito a contar da notificação ao arguido –art.º 77.º n.ºs 2 e 3 , do CPP .

O demandante circunscreve o pedido cível ao âmbito acusatório .

De resto o pedido cível é deduzido pelo lesado , condicionadamente à configuração de facto criminoso , de crime , ainda que não tenha sido ou não possa constituir-se assistente , nos termos do art.º 74.º n.º 1 , do CPP , o que não abdica da verificação dos pressupostos formais essenciais ao nascimento de um facto para ser perseguido penalmente , no caso , enquanto condição objectiva de punibilidade , vista a natureza semipública do crime de burla relativamente á TMN , ou seja a queixa .

Mal se compreenderia , de resto , que o M.º P.º não tendo deduzido acusação pudesse o lesado enxertar acção cível , a seu bel prazer , que se move na órbita dos factos advindos ao processo penal por forma válida e provados , de que está dependente .

Por isso que se sufraga o entendimento segundo o qual não devia integrar o elenco dos factos penalmente relevantes integrantes de crime único de burla qualificada aqueles , minimamente segmentares , por que foi deduzido pedido cível pela TMN , incorrendo em nulidade o acórdão do Colectivo ao conhecer e condenar por eles , por excesso de pronúncia , nos termos do art.º 374.º n.º 2 a) , do CPP , como não se devem considerar para o cômputo pecuniário da burla os factos atinentes à FNAC , sendo que , relativamente à PT eles não são sequer contabilizados , sem embargo de se mostrarem pertinentes ao descritivo do crime de falsificação .

XII . Fora de dúvida que o valor pecuniário da burla , obtido à luz do art.º 202 b) , do CP ,por isso de valor consideravelmente elevado , é o que se mostra em conexão , em nexo causal adequado com o expediente fraudulento usado pelo arguido , somatório total das acções penal e civilmentemente relevantes , excluídas as importâncias atinentes à TMN e à FNAC, e não o deduzido das importâncias, escassas , de quase nulo valor atenuativo , que o arguido restituiu a alguns dos queixosos , no valor de 6.829, 62€ , considerando que o prejuízo total causado é de 289.559,70€ (9876, 48€ +8668,10€ +29.734, 20€ +128.500.00€+29.000€ +20.000€ +20.407, 37€+ 4.000€ +4.000€ +9.000€ +10.000€ +7.951, 68€ +6.558 € + 1.863, 87€ (esta parcela última a importância atinente à Vodafone) , valor global que o Colectivo não explicitou -o que melhoraria tecnicamente o decidido -, porém obtido através de adrede operação de cálculo , somando simples e materialmente as verbas que elencam os factos provados , sem os modificar , irrelevando o facto de o pedido cível deduzido pelo Finibanco ser largamente inferior ao prejuízo provado , que bem pode , por critérios de oportunidade , ter-se limitado a recorrer à acção penal quanto a esta parcelar cobrança, oportunamente recorrendo a outros meios para a restante , só ao pedido desencadeado no processo havendo que atender .

XIII .Tudo visto e ponderado :

As penas parcelares aplicadas , como a unitária , ponderando o conjunto , grave , dos factos e a personalidade altamente defeituosa do arguido , atendendo aos fins a atingir e aos meios de que , sem rebuços , são justas e equitativas não oferecendo qualquer reparo, não possuindo qualquer virtualidade redutora as entregas efectuadas aos lesados pelo arguido .

Na parte penal confirma-se o decidido .

No aspecto cível :

É parcialmento nulo o acórdão recorrido na parte em que condenou , julgando procedente o pedido cível indemnizatório formulado pela TMN, o que se declara , absolvendo-se o arguido , não se englobando no valor da burla a importância atinente FNAC .

Taxa de justiça: 10 Uc,s .

Custas na proporção do decaimento .

Lisboa, 12 de Outubro de 2011

Armindo Monteiro (Relator

Santos Cabral