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CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
RESOLUÇÃO
EXTINÇÃO DA PENHORA
Sumário
A resolução, pelo locador, do contrato de locação financeira imobiliária (com fundamento na falta de pagamento de rendas) determina a extinção da penhora da expectativa de aquisição do locado pelo locatário, por a penhora perder o seu objeto.
Texto Integral
Procº nº 360/09.3TTLMG-A.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 497)
Adjuntos: Des. António José Ramos
Des. Eduardo Petersen Silva
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório:
B…, aos 29.03.2010, intentou, por apenso à ação de Processo Comum nº 306/09.3TTLMG, procedimento cautelar de arresto contra C…, Ldª requerendo, no que importa ao recurso, o arresto do “direito à aquisição” pelo preço residual da fração autónoma descrita na Conservatória do Registo Predial de Moimenta da Beira sob o nº 773/19980225-J da freguesia de Moimenta da Beira, escritório com acesso pelo arruamento poente, composto de escritório propriamente dito e uma instalação sanitária com 68,35m2, direito esse constituído ao abrigo do contrato de locação financeira celebrado entre a arrestada e o D…, SA, proprietário dessa fração, e “registado com Ap.11 de 2005/02/24 – Locação Financeira, Prazo 120 meses, com início em 19.01.2005”, arresto esse destinado a garantir o pagamento ao requerente da quantia de €11.874,58, acrescida de juros de mora.
Tal arresto foi decretado por decisão judicial de 13.04.2010, na qual se determinou a notificação do referido Banco de que “o direito de aquisição do prédio identificado por parte da Requerida fica à ordem do Tribunal devendo para tanto informar se o direito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar ao arresto com expressa advertência de que a falta de declaração equivale ao reconhecimento da existência do direito”.
Notificado, veio o D…, SA, aos 27.04.2010, informar que o imóvel em apreço foi objeto de um contrato de locação financeira com o nº …….. celebrado entre ele e a Requerida, o qual teve início em 15.01.2005, tem vencimento previsto para 15.01.2005 e que tem como garantia uma Livrança subscrita pela Requerida e avalizada pelos seus representantes legais.
Aos 07.07.2011, veio o D…, SA, “na sequência da resolução do contrato de locação financeira imobiliária (aquisição) nº ……..”, “enquanto proprietário do bem imóvel objecto do referido contrato, aqui arrestado e penhorado, requerer seja proferido despacho de cancelamento destes encargos, nomeadamente, da Ap. 3487 de 2010/04/19 e da Ap. 1005 de 2011/01/12”.
Para tanto, alega em síntese que:
Em 19.01.2005, celebrou com a empresa E…, Ldª o Contrato de Locação Financeira Imobiliária (quisição) nº …….., havendo esta, aos 24.04.2006, por escrito, outorgado com o ora Requerente (D…) e com a C…, Ldª, contrato de cessão de posição contratual através do qual transferiu para esta todas as obrigações vencidas e vincendas decorrentes do aludido Contrato de Locação Financeira;
Tal Contrato tem por objeto a fração autónoma cujo “direito de aquisição” foi arrestado, arresto este convertido em penhora conforme Ap. 3487, de 2010/04/19 e Ap. 1005 de 2011/01/12, respetivamente, constantes da certidão do registo predial, que juntou.
A referida C…, Ldª, não obstante interpelada para tal, não lhe pagou as rendas devidas, nomeadamente as rendas vencidas em 15.04.2010, no montante de €255,62, de 15.05.2010 a 15.07.2010, no montante de €255,38 cada, e de 15.08.2010 a 15.09.2010 no montante de €256,59 cada, pelo que, através de carta registada com aviso de receção, datada de 21.09.2010, lhe comunicou a resolução do contrato de locação financeira em apreço, tudo conforme documentos que junta.
A referida resolução põe, assim, termo a todas as relações dependentes do contrato de locação financeira em apreço.
O Requerente do procedimento cautelar (B…) respondeu, pugnando pelo indeferimento liminar do requerido por falta de fundamento legal e/ou por ilegitimidade do requerente e, se assim se não entender, pelo indeferimento do cancelamento requerido.
Para tanto, alegou em síntese que:
O D…, SA não é parte “na presente execução nem nela intervém incidentalmente, nos termos e com os fundamentos previstos na lei processual civil”;
Não foi arrestado ou penhorado qualquer bem imóvel do D…, pois que o que foi arrestado e posteriormente convertido em penhora foi “o direito à aquisição pelo preço estipulado com o locador financeiro”, em conformidade com o disposto no art. 860º-A do CPC;
A alegação de que foi arrestado e penhorado o bem imóvel mas, depois, requerendo o cancelamento das Ap. 3487 e Ap. 1005, que se reportam às apresentações do arresto e penhora do direito à aquisição pelo preço estipulado com o locador financeiro, consubstancia contradição entre os factos alegados e o pedido, pelo que deve o requerimento ser rejeitado.
Estando o contrato de locação financeira garantido por livrança subscrita pela C… e avalizada pelos seus representantes legais e constando do art. 6º do referido contrato que, para além das demais nele especificadas, serão por conta do locatário todas as despesas inerentes ao cancelamento de quaisquer ónus ou encargos, deveria o D…, tomando conhecimento da execução e do registo da penhora e constatando a falta de pagamento das rendas, ter incluído na livrança o montante da quantia exequenda assim assegurando o pagamento das despesas necessárias para obter o referido cancelamento de quaisquer ónus ou encargos sobre o seu prédio. Não o tendo feito, não pode agora pretender cancelar tal ónus sem ser liquidado tal encargo, devidamente registado.
Tendo o D… recebido 69 das 120 rendas, perante o incumprimento a partir da data em que foi efetuado o registo da penhora, ao proceder à resolução do contrato quando podia e devia acionar as garantias (livrança com aval), assim salvaguardando quer os seus direitos quer os direitos do exequente, agiu com abuso de direito.
“A comunicação da resolução, documento que o requerente junta, é documento bastante para o cancelamento do registo de locação financeira, mas não é documento bastante para o cancelamento da penhora, a qual, só por decisão judicial é que pode ser ordenada”.
“O exequente com a concordância do requerente Banco D…, visando o cancelamento do registo da penhora aceitaria pagar as prestações em falta na locação, sucedendo e prosseguindo como locatário naquele contrato de locação financeira.”.
Sobre o requerido pelo D… foi, aos 15.09.2011[1], proferido o seguinte despacho:
“Requerimento de fls. 151 e respectiva resposta (fls. 167 e seguintes):
Como bem salienta o requerente do procedimento cautelar, B…, nos presentes autos não se arrestou qualquer bem imóvel mas apenas o direito à aquisição pelo preço estipulado com o locador financeiro.
Face ao exposto, a pretensão do requerente terá que improceder. As vicissitudes do contrato de locação financeira não afectam a providência, oportunamente decretada.”.
Inconformado com o assim decidido, veio o Requerente/D… recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1) O BANCO D…, S.A., Sociedade Aberta celebrou com a empresa E…, LDA. o Contrato de Locação Financeira Imobiliária (aquisição) n.º …….., em 24.04.2006 a empresa E…, LDA., por meio de escrito particular, outorgou com o Banco e com a C…, LDA., aqui Requerida, contrato de Cessão de Posição Contratual através do qual transferiu para esta todas as obrigações vencidas e vincendas do referido contrato.
2) O referido contrato tem como objecto a fracção autónoma designada pela letra “J” que corresponde ao R/C do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no … ou …, freguesia e concelho de Moimenta da Beira, descrito na conservatória do Registo Predial de Moimenta da Meira sob a ficha n.º 773/ Moimenta da Beira e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 1817,
3) No âmbito dos presentes autos, arrestado o direito à expectativa de aquisição, do bem imóvel objecto do contrato, tendo este arresto sido convertido em penhora, conforme Ap. 3487 de 2010/04/19 e Ap. 1005 de 2011/01/12, respectivamente.
4) A Locatária não deu cumprimento às suas obrigações através do pagamento das rendas vencidas, não obstante para tal interpelada, pelo que o Locador, aqui Apelante, comunicou-lhe, por carta registada com aviso de recepção, datada de 21.09.2010, a resolução do contrato de locação financeira em apreço.
5) A Sociedade Locatária, contrariamente ao que estava obrigada, não restituiu o imóvel locado,
6) De acordo com o n.º 1 do artigo 21º do DL 149/95 de 24 de Junho, o Locador, ao querer instaurar o competente procedimento cautelar para apreensão do bem locado, viu-se impedido de proceder ao cancelamento da locação financeira, por se encontrar registado a favor do Apelado a expectativa de aquisição do bem imóvel objecto do contrato de locação financeira já extinto, por força da resolução.
7) O Contrato de Locação Financeira tem como objecto a cedência do uso da coisa e não a transferência de propriedade, pelo que não se pode afirmar que do contrato de locação financeira resulta a expectativa do locatário adquirir a propriedade do bem objecto desse mesmo contrato.
8) A expectativa de aquisição só pode surgir quando, no final do contrato, o locatário exercita a faculdade que a lei lhe confere de adquirir o bem, mediante o pagamento do valor residual. È um direito só não nasce no termo do próprio contrato de locação, após o cumprimento integral do mesmo.
9) No caso em apreço, o Contrato de Locação Financeira, não chegou ao seu termo pelo cumprimento, tendo o mesmo sido resolvido por falta de pagamento das rendas.
10) O direito à expectativa de aquisição do bem por parte do Locatário, nunca chegou a existir, esse direito nunca chegou à esfera jurídica do Locatário.
11) Ora, não existindo um direito, a penhora desse mesmo direito jamais poderá existir, não tendo assim qualquer fundamento o registo da mesma.
Nestes termos e nos demais de direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso obter provimento, revogando-se o despacho ora e ser proferida nova decisão que ordene o levantamento dos registos de penhora nomeadamente, da Ap. 3487 de 2010/04/19 e da Ap. 1005 de 2011/01/12.”
O Recorrido (B…) contra-alegou formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1ª O douto despacho sob recurso não deve merecer qualquer reparo, por se encontrar devidamente fundamentado e conforme com o direito.
2º - A pretensão do recorrente não tem fundamento legal nem factual.
3ª - O arresto do direito à expectativa de aquisição do bem imóvel objecto do contrato, convertido em penhora, conforme Ap. 3487 de 2010/04/19 e Ap. 2011/01/12, respectivamente, e o direito de propriedade do recorrente Banco D…, SA. sobre essa mesma fração, não são incompatíveis entre si.
4ª - As vicissitudes do contrato de locação financeira, (nomeadamente, a rescisão extrajudicial pelo Banco D…, SA. Desse contrato, após o registo da penhora de direitos a favor do recorrido, e sem lançar mão das garantias que o acompanhavam) não afetam a providência, oportunamente, decretada.”
Nestes termos, nos mais de direito e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser julgado improcedente o recurso, mantendo-se, consequentemente, o douto despacho recorrido.”
O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto teve vista no processo.
Colheram-se os vistos legais.
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II. Fundamentação de Facto:
Para além do que consta do precedente relatório, face à posição das partes constante dos requerimentos em causa, bem como da demais prova documental junta (fls. 154 a 162), tem-se como provado o seguinte:
1. Havendo o BANCO D…, S.A., Sociedade Aberta, aos 19.01.2005, na posição de locador,celebrado com a empresa E…, LDA., na posição de locatária, o Contrato de Locação Financeira Imobiliária (aquisição) n.º …….., aos 24.04.2006, estes e a C…, LDA., celebraram contrato de Cessão de Posição Contratual através do qual foi transferida para esta todas as obrigações vencidas e vincendas que a locatária E… detinha no referido contrato, conforme respetivos registos constantes da certidão de registo predial que constitui o documento de fls. 154 a 159.
2. O referido contrato tem como objeto a fração autónoma designada pela letra “J” que corresponde ao R/C do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no … ou …, freguesia e concelho de Moimenta da Beira, descrito na conservatória do Registo Predial de Moimenta da Meira sob a ficha n.º 773/ Moimenta da Beira e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 1817,
3. Da mencionada certidão do registo predial consta, sob a Ap. 3487, de 2010/04/19, o registo do arresto, a favor do Requerente do procedimento cautelar (B…), “do direito à aquisição pelo preço estipulado com o locador financeiro” relativo à fração autónoma referida em 2),
4. e, bem assim, sob a Ap. 1005, de 2011/01/12, o registo da conversão do referido arresto em penhora.
5. A C…, LDA não procedeu ao pagamento, ao BANCO D…, S.A., Sociedade Aberta, das rendas vencidas em 15/04/2010, 15/05/2010, 15/06/2010, 15/07/2010, 15/08/2010 e 15/09/2010, no valor de €255,62 cada uma das quatro primeiras e de 256,59 cada uma das duas últimas,
6. Em consequência do que o BANCO D…, S.A., Sociedade Aberta, por carta registada com aviso de receção, datada de 21.09.2010, comunicou à C…, LDA, que, caso não fossem regularizadas, até ao dia 21.10.2010, as mencionadas rendas, acrescidas dos juros de mora e demais despesas devidas conforme discriminado em tal carta, considerava, no referido dia 21/10/2010, o mencionado contrato de locação financeira “resolvido por incumprimento definitivo”, “sem necessidade de qualquer notificação adicional.”.
7. Tais rendas não foram pagas.
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III. D Direito
1. Nos termos do disposto nos artºs 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC (na redação introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artºs 1º, nº 2, al. a), e 87º do CPT (na redação aprovada pelo DL 295/2009, de 13.10), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, a única questão em apreço nos autos consiste em saber se deverá ser revogada a decisão recorrida e, consequentemente, ordenado o cancelamento dos registos Ap. 3487, de 2010/04/19 e Ap. 1005 de 2011/01/12 relativos, respetivamente, ao arresto “do direito à aquisição pelo preço estipulado com o locador financeiro” relativo à fração autónoma acima identificada e à sua conversão em penhora.
1.1. Previamente, importa esclarecer que o que foi remetido a esta Relação foram os autos de procedimento cautelar de arresto e não os de execução, sendo que, naqueles, foi proferido o despacho recorrido e processado o recurso.
Por outro lado, constando do registo predial que o referido arresto foi convertido em penhora, temos tal ato (conversão), como assente.
De esclarecer, também, que com a conversão do arresto em penhora, aquele perde a sua autonomia, deixando de existir, pois que “consumido” fica pela penhora.
2. O regime jurídico do contrato de locação financeira consta do DL 149/95, de 24.06, alterado pelos DL 265/97, de 02.10, 285/2001, de 03.11 e 30/2008, de 25.02.
Do referido regime decorre que:
- O contrato de locação financeira é aquele “pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, (…) e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.”. [art. 1º [2]].
- “Findo o contrato por qualquer motivo e não exercendo o locatário a faculdade de compra, o locador pode dispor do bem, nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação ou locação financeira ao anterior locatário ou a terceiro.” [art. 7º].
- Constitui, entre outras, obrigação do locador, “[v]ender o bem ao locatário, caso este queira, findo o contrato” [art. 9º, nº1, al. c)].
- Por sua vez, dispõe o art. 10º, nº 1, al. a), que constitui, entre outras, obrigação do locatário pagar as rendas e, o nº 2, al. f), que a este assiste o direito de “[a]dquirir o bem locado, findo o contrato, pelo preço estipulado.”
- No art. 14º, relativo a despesas, determina-se que: “Salvo estipulação em contrário, as despesas de transporte e respetivo seguro, montagem, instalação e reparação do bem locado, bem como as despesas necessárias para a sua devolução ao locador, incluindo as relativas aos seguros, se indispensáveis, ficam a cargo do locatário.”.
- Relativamente à resolução do contrato por incumprimento e cancelamento do registo, dispõe o art. 17º que:
1 – O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais, constantes da lei civil, relativas à locação.
2 – Para o cancelamento do registo da locação financeira com fundamento na resolução do contrato por incumprimento é documento bastante a prova da comunicação da resolução à outra parte nos termos gerais.
2.1. Com o contrato de locação financeira não se transmite a propriedade ou qualquer outro direito real sobre a coisa locada; com ele constitui-se, apenas, uma relação jurídica de natureza obrigacional, por via da qual o locador apenas transmite, durante determinado prazo e mediante o pagamento de determinada quantia, o direito de uso e fruição, pelo locatário, da coisa locada, mas com a possibilidade deste, querendo (direito potestativo), a adquirir no final do contrato mediante o pagamento do preço convencionado.
O que existe, pois e tão-só isso, é uma expectativa de aquisição futura do bem por parte do locatário e, daí e conforme tem sido uniformemente aceite, o arresto e/ou penhora, por parte de um terceiro credor do locatário, dessa expectativa de aquisição se enquadre no disposto no art. 860º-A do CPC [3]. O objeto desses atos é, pois e apenas, a expectativa de que o locatário venha a, findo o contrato de locação, adquiri-la (pelo preço convencionado).
Se tal aquisição ocorrer antes da venda judicial da penhora da expectativa de aquisição, só então, a penhora passará a incidir, como que por conversão automática, sobre o próprio bem transmitido (art. 860º-A, nº 3).
Até lá, “a expectativa consiste, então, na posição que o locatário tem de vir a adquirir nos termos que o contrato lho faculta - no fim do contrato e pelo preço acordado.
É essa posição que é alienada na venda executiva quando se mantenha até final da execução a penhora da expectativa de aquisição, deixando então o executado/locatário de ser parte no contrato, que nele é substituído pelo adquirente.” – Acórdão do STJ de 13.11.07, Proc. 359/07, in www.colectaneadejurisprudencia.com, Ref. 6418/2007 (e CJ TIII/07).
Porém, extinto que seja o contrato de locação, mormente por resolução do mesmo por iniciativa do locador com fundamento na falta de pagamento das rendas devidas, sem que tal aquisição se verifique, extingue-se, igualmente, o arresto/penhora da expectativa de aquisição do bem locado, pois que esses atos de apreensão deixam de ter qualquer objeto.
A penhora é ato que precede a venda judicial; ora, extinto o direito/expectativa que o executado teria de adquirir o bem, este o objeto do arresto/penhora, nada haverá para vender.
Como também se refere no citado Acórdão do STJ de 13.11.07 “a penhora mantém-se como penhora da posição contratual (direito de crédito) e inerente expectativa de aquisição, e é esse o direito que é levado á venda, sendo que se a posição jurídica do executado se extinguir, por qualquer causa de extinção do contrato, a penhora também se extingue por desaparecimento do objeto”.
Temos, pois como certo, ao contrário do entendido na decisão recorrida, que ao arresto/ penhora de tal expectativa não são indiferentes as vicissitudes do contrato de locação, mormente a sua resolução por parte do locador por falta de pagamento das rendas acordadas.
2.2. Nem se poderá, a nosso ver, alegar que, por virtude da penhora dessa expectativa, o locador esteja impedido de, posteriormente à mesma, resolver o contrato de locação com fundamento na falta de pagamento das rendas por parte do locatário/arrestado/executado ou que essa resolução seja inoponível ao arrestante/exequente.
Com efeito, o exequente, credor do locatário, é estranho à relação contratual entre o locador e locatário, carecendo de fundamento a oneração daquele (decorrente de eventual impossibilidade de resolução do contrato de locação) por virtude da responsabilidade do locatário para com o exequente (este, terceiro na relação locatícia).
Como decorre do disposto no art. 817º do Cód. Civil pelas dívidas do devedor apenas responde o seu património.
E, por outro lado e como tem sido entendimento jurisprudencial uniforme[4], o art. 820º[5] do Cód. Civil não é aplicável aos contratos sinalagmáticos, como o é o contrato de locação financeira, sob pena de se sacrificarem injustamente os interesses do locador (“devedor” quanto à cedência do uso e fruição do locado ao executado, mas credor deste quanto às rendas devidas) aos do exequente.
Na verdade, tem sido entendido, no âmbito do direito ao arrendamento (entendimento transponível para a locação financeira imobiliária), que a penhora não é impeditiva do senhorio continuar a ter o direito ao recebimento das respetivas rendas, nem desonera o devedor-executado do pagamento das mesmas, as quais, não tendo sido pagas, continuam a conferir ao senhorio, não obstante a penhora do estabelecimento comercial arrendado (no qual se inclui o direito ao arrendamento), o direito à resolução do contrato de arrendamento, resolução que é oponível ao exequente - cfr., designadamente, Acórdãos da RP de 18.09.08, Proc. 3085/08- 3ª Secção, inwww.trp.pt; da RL 22.01.04, Proc. 9130/2003-6, e de 08.07.04, Proc. 5252/2004-6, estes inwww.dgsi.pt,; e Acórdãos[6] da RL de 3.7.97, Proc. 1999, Ref. 10142/1997, RE de 13.12.01, Proc. 1802/01, Ref. 8804/2001, RL 28.09.95, Ref. 6698/1995 (também in CJ T IV/1995), RL 30.05.96, Proc. 595/96, Ref. 4495/1996 (também in CJ, T III/1006).
2.3. Ou seja, transpondo o referido para o caso em apreço, não estava a Recorrente, perante o não pagamento das rendas por parte da arrestada/executada, inibida de resolver o contrato de locação financeira, sendo que o arresto/penhora da expectativa de aquisição do locado pela executada a isso não obstava.
2.4. Embora não o referindo nas contra-alegações, disse o Recorrido, na oposição ao requerido pelo D…, que aceitaria, com a concordância deste, pagar as prestações em falta na locação, prosseguindo como locatário naquele contrato de locação.
A cessão da posição contratual da C…, LDA, no contrato de locação financeira, para o Recorrido dependia de acordo tripartido: entre Recorrente (locadora), a executada (locatária) e o Recorrido, não se mostrando que tal tenha ocorrido, nem sendo aquela a isso obrigada. Por outro lado, resolvido que foi o contrato de locação, a (eventual) celebração de novo contrato de locação entre Recorrente e Recorrida nada tem a ver com a matéria que se discute nos autos e sempre careceria do acordo da Recorrente, que a isso não era obrigada.
Diferente da cessão da posição contratual seria a sub-rogação do Recorrido no crédito da Recorrente sobre a executada decorrente, nos termos dos arts. 606º do Cod. Civil e 859º, nº 2, ex vi do art. 860º-A, estes do CPC (cfr. também arts. 767º, nº 1, e 592º do Cód. Civil), se o Recorrido, em substituição do executado, houvesse procedido ao pagamento das rendas em dívida (para alem das demais vincendas se não fossem pagas pela executada), o que, todavia, não ocorreu, nem isso foi alegado ou constituiu fundamento da oposição por este (Recorrido) aduzida. Para além de que, nos termos do disposto no art. 856º, nº 5, do CPC, sempre poderia o Recorrido ter requerido ao juiz a prática, ou a autorização para a prática, dos atos que se lhe afigurassem indispensáveis à conservação do direito de crédito arrestado/ penhorado, pelo que, nesse âmbito, sempre poderia ter oportunamente manifestado a sua intenção de, ao abrigo das citadas disposições legais, proceder ao pagamento de eventuais rendas que viessem a estar em atraso e requerido que de tal fosse o D… informado para os necessários efeitos, o que não sucedeu.
Nem se diga que o D… também não prestou tal informação, pois que, e desde logo, aquando da prestação das informações, por este, no âmbito do art. 856º, nº 3, do CPC, as rendas relativas a maio de 2010 a setembro de 2010 ainda não se haviam vencido, não se nos afigurando que caiba ao devedor/locador a obrigação de “avisar”, quando tal não lhe foi solicitado, que o locatário não procedeu ao pagamento das rendas, sendo certo que o único interessado na manutenção da penhora, se nisso tivesse interesse, era o arrestante/exequente, ora Recorrido.
Por outro lado, e ainda que se entendesse (o que não se concede) que por parte do locador se teria verificado a omissão do dever de informar, ainda assim tal omissão nem teria como consequência a impossibilidade e/ou inoponibilidade da resolução do contrato de locação. Quando muito poderia determinar para o locador a obrigação de indemnização caso se mostrassem reunidos os respetivos pressupostos – cfr., por todos, Acórdãos da RP de 22.01.04, Proc. 9130/2003-6, e da RL de 08.07.04, Proc 5252/2004-6, inwww.dgsi.pt; e da RL de 30.05.96, Proc 595/96, Ref. 4495/1996, inwww.colectaneadejurisprudencia.com (e CJ, T III/1996).
Também não procede a argumentação, aduzida pelo Recorrido aquando da oposição ao requerido pelo D…, de que este deveria ter incluído na livrança avalizada (garantia oferecida pela locatária no âmbito do contrato de locação) o montante do crédito exequendo uma vez que as despesas relativas ao cancelamento de quaisquer ónus ou encargos sobre o prédio recairiam sobre o locatário e só assim o locador poderia obter o cancelamento dos mesmos.
Desde logo, as despesas que recaem sobre o locatário a que se reporta o contrato de locação são as despesas inerentes, próprias, dos atos de cancelamento de ónus e encargos, nestas não cabendo os créditos de que o locatário possa ser devedor para com terceiros. Estes, créditos, não são uma despesa. Parece que o que o Recorrido pretenderia seria que fosse o locador a “cobrar” o seu (do Recorrente, terceiro na relação locatícia) crédito, através da sua inclusão, e posterior acionamento, na livrança. Esta, livrança, garante os créditos do locador, não os créditos de terceiros, para além de que nem se sabe, sequer, quando tal garantia foi oferecida, mormente se o foi após o conhecimento, pelo locador, do crédito do Recorrido, o que não foi alegado (aliás, sendo o contrato de locação financeira de abril de 2006 e havendo o D… sido notificado do arresto em abril de 2010 – momento em que tomou conhecimento do crédito do Recorrido - o que parece poder indiciar-se é que a livrança seria de data muito anterior).
Carece, também e como decorre do que se disse, de falta de fundamento a alegação de que o Recorrente deveria ter acionado a livrança (com aval), “salvaguardando os direitos do exequente,” ainda que registados, nem essa omissão, constitui qualquer abuso de direito.
Nada na lei obrigaria o Recorrente a acionar tal garantia. Aliás, esta constitui garantia, não do crédito do Recorrido, mas dos eventuais créditos do Recorrente, decorrentes da relação contratual locatícia, nem estando o locador, perante a falta de cumprimento do pagamento das rendas, impedido de resolver o contrato de locação, nem lhe competindo a “cobrança” do crédito do Recorrido, nem garantir o crédito deste.
Resta acrescentar, ainda que não retomada nas contra-alegações do recuso, que não existe qualquer ilegitimidade por parte do Recorrente, sendo certo que, sendo ele o locador e proprietário do locado, e havendo resolvido o contrato de locação (com fundamento na falta de pagamento de rendas), tem manifesto interesse em ver extinta a penhora da expectativa de aquisição do bem locado por parte do executado (pois que, só assim, dele poderá dispor livremente), penhora essa que, aliás e pelo que se disse, ficou esvaziada de conteúdo; e, na qualidade em que interveio acidentalmente nos autos o requerimento apresentado é meio processual próprio de suscitar a questão.
E, por outro lado, também não existe qualquer contradição insanável seja no requerimento do Recorrente, seja no recurso por este interposto, pois que bem se percebe que o que ele pretende é que cesse o arresto/penhora decretada com o consequente cancelamento dos respetivos registos prediais.
3. Assim e em conclusão, resolvido que foi, pelo locador e com fundamento legal, o contrato de locação financeira, extinguiu-se, por consequência, a penhora da expectativa (designada como “direito” no registo predial) de aquisição do locado pelo locatário por falta de objeto, assim se impondo o cancelamento dos registos efetuados sob as Ap. 3487 de 2010/04/19 e Ap. 1005 de 2011/01/12, relativos, respetivamente, ao arresto e penhora.
Deste modo, procede o recurso.
*
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide considerar extinta a penhora do “direito à aquisição”, por parte da arrestante/executada C…, LDA, “pelo preço estipulado com o locador financeiro”, ora Recorrente, da fração autónoma designada pela letra “J” que corresponde ao R/C do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no … ou …, freguesia e concelho de Moimenta da Beira, descrito na conservatória do Registo Predial de Moimenta da Meira sob a ficha n.º 773/ Moimenta da Beira e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art. 1817, e, consequentemente, determina-se o cancelamento dos correspondentes registos relativos ao arresto e penhora efetuados as Ap. 3487 de 2010/04/19 e Ap. 1005 de 2011/01/12.
Custas pelo Recorrido.
Porto, 15-02-2012
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva ________________ [1] Cuja impressão consta de fls. 206, pois que, apesar de se tratar do despacho recorrido, ele não constava do suporte em papel dos autos.
[2] Os artigos de ora em diante indicados sem menção de origem reportam-se ao DL 149/95.
[3] Ao caso, tendo em conta a data do requerimento inicial de arresto (sendo que, naturalmente, a penhora e, por consequência, a execução, há de ser posterior), é aplicável o CPC, na redação introduzida pelo DL 226/2008, de 20.11 e que entrou em vigor aos 31.03.2009.
[4] Tirada embora a propósito da resolução, por falta de pagamento de rendas, do contrato de arrendamento pelo senhorio, mas que, pela sua similitude, é também aplicável ao caso da locação financeira.
[5] Que dispõe que: “Sendo penhorado algum crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor, verificada depois da penhora, é igualmente ineficaz em relação ao exequente.”.
[6] In www.colectaneadejurisprudencia.com.
(Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico) ___________________ SUMÁRIO
A resolução, pelo locador, do contrato de locação financeira imobiliária (com fundamento na falta de pagamento de rendas) determina a extinção da penhora da expectativa de aquisição do locado pelo locatário, por a penhora perder o seu objeto.
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho