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DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPULSO PROCESSUAL DAS PARTES
Sumário
I) Não é nula, nos termos do artº 615º, CPC, por falta de fundamentação ou omissão de pronúncia, a decisão final de uma acção declarativa que, simplesmente, declara deserta a instância citando apenas a norma legal em que, para o efeito, se abriga, depois de, em despacho anterior notificado à autora, ter sido exarado que os autos ficavam a aguardar o impulso processual (embora não explicitando que espécie impulso) sem prejuízo do prazo referido no artº 281º. II) Contudo, a despeito de tortuosa tramitação consentida pelo tribunal, maxime já depois de este ter declarado confessados os factos articulados na petição e a pretexto de, após isso, os considerar, mesmo depois de uma resposta da autora ao convite ao aperfeiçoamento, como insuficientes, não tendo proferido a sentença consequente como por lei lhe era imposto (artº 567º, nº 2, in fine), não é de considerar causal, culposa e sancionável com a deserção da instância, por invocado incumprimento do ónus de impulso processual, a paragem do processo por mais de 6 meses sem que, nestas circunstâncias, o autor algo requeresse, uma vez que o prosseguimento e a prolação da sentença, independentemente do seu resultado, eram o caminho apontado por lei ao Juiz e, para por ele enveredar, não era necessário qualquer impulso da parte.
Texto Integral
Relator: José Fernando Cardoso Amaral (nº 148)
Adjuntos: -Des.ª Dr.ª Higina Orvalho Castelo
-Desª Dr. João António Peres de Oliveira Coelho
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
I. RELATÓRIO
Em 09-02-2015, AA, no Tribunal de Braga, por apenso à Insolvência de BB, instaurou Acção de Verificação Ulterior de Créditos, invocando o disposto no artº 146º, do CIRE, e pedindo o reconhecimento, verificação e graduação de um alegado crédito comum no valor de 86.700,00€.
Juntou diversos documentos.
Em 13-02-2015, a Secretaria notificou o seu Mandatário para pagar a Taxa de Justiça inicial devida, o que comprovou em 27-02-2015.
Em 02-03-2015, a Secretaria procedeu à citação do Administrador da Massa Insolvente (por carta registada com AR) e dos Credores, por editais, que foram conseguidas. E tentou a da própria devedora.
Em 16-03-2015, a Secretaria notificou o Sr. Advogado da autora de que a carta para citação desta, endereçada ao seu próprio administrador CC, fora devolvida, acrescentando: “pelo que nesta data foi nomeada Solicitadora de Execução a Sol(a). DD, Braga, para que a citação seja efectuada mediante contacto pessoal, nos termos do disposto no artº 231º do CPC.”
Não obstante tal indicação, em 01-04-2015, a autora apresentou um requerimento a pedir a citação edital dos credores e da insolvente.
Conclusos os autos em 08-04-2015, foi exarado o seguinte despacho:
“Fls. 55:
Estando em causa, como está, uma acção que «(…) não constitui já uma fase do processo de insolvência, ainda que com estrutura própria [e que] [r]eveste, realmente, a natureza de uma acção autónoma em que o reclamante assume a posição de autor e a massa insolvente, os credores e o devedor a posição de réus» – cfr. LUÍS. A. CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol. I, Quid Juris, Sociedade Editora, 2005, p. 493, - e prevendo o nº 1 do art. 146º do CIRE a citação edital dos credores, e não dos demais réus, deverá a secção efectuar a citação nos termos gerais e não editalmente, como pretende o reclamante.
Vai por conseguinte indeferido o requerido.
B., d.s.”
Entretanto, em 21-04-2015, a citação de que fora incumbido o Agente de Execução foi realizada por meio de “notas afixadas à porta”, após marcação de “hora certa”.
Na sequência, decorrido o prazo, conclusos novamente os autos em 04-06-2015, foi proferido o seguinte despacho:
“Fixo o valor da acção em €86.700,00 - nº 1 dos arts. 297º, 299º e 306º do CPC.
*
Declaro confessados os factos alegados pela autora – art. 567º, nº1, do CPC.
Notifique nos termos e para os efeitos do preceituado no art. 567º, nº2, do CPC.
B., d.s.”
Foram dele notificadas todas as partes, em 05-06-2015, nada tendo sido requerido.
Não obstante, conclusos de novo os autos em 24-09-2015, seguiu-se o seguinte despacho:
“É manifesto, face ao teor do nº 1 do art. 146º do CIRE, que ocorre nos autos preterição do litisconsórcio necessário passivo (nº 1 do art. 33º do CPC), conducente à absolvição da instância, nos termos da al. d) do nº1 do art. 278º do CPC.
Nisso não se atentou em momento anterior, mas apenas no presente.
Pelo exposto, antes do mais notifique a autora para, querendo e em dez dias, sanar a irregularidade indicada, sob pena de absolvição da ré da instância – nº 2 do art. 6º, art. 549º do do CPC; art. 17º do CIRE.
B., d.s.”
Perante isso, a autora, notificada, juntou nova petição inicial com o alegado fim de sanar a dita irregularidade, indicando expressamente como demandadas a Massa Insolvente de BB, os Créditos da mesma Massa e a própria BB – todas elas já antes citadas.
Conclusos os autos em 30-09-2015, foi despachado o processo nos seguintes termos:
“Cite nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do art. 146º do CIRE.
B., d.s.”
De tal despacho foi notificada a autora e, após, efectuadas citações do Administrador da Massa (por carta registada) e dos Credores (por editais).
Em 23-10-2015, foi solicitada a citação do Administrador da devedora a Agente de Execução.
Em 10-12-2015, tal citação foi, pela segunda vez, realizada por meio de “notas afixadas à porta”, após marcação de “hora certa”.
Apresentados os autos conclusos em 28-01-2016, foi pela Mª Juíza deles titular exarado este despacho:
“Previamente à notificação das partes entretanto chamadas aos autos para produzirem alegações de direito, impõe-se o aperfeiçoamento da p.i. que, constato agora, é bastante deficiente do ponto de vista da factualidade alegada.
Desde logo, não se compreende qual a origem do crédito de € 65.000,00: devolução, em dobro, do sinal entregue? Mas, nesse caso, que sinal? Qual é, afinal, o contrato-promessa que está na base desse crédito? Note-se que o contrato justo a fls. 13 não nos fornece sequer uma pista a esse respeito.
Acresce que não se compreende a que título surge o contrato de compra e venda junto a fls. 16 ss. Deverão estes aspectos ser esclarecidos pela autora, sob pena de, a final, não haver como determinar o crédito e muito menos como qualificá-lo.
B., 29.01.2016”.
Notificada a autora em 01-02-2016, apresentou ela, através do seu Advogado, o seguinte requerimento:
“AA, A., já identificada nos autos, notificada (refª 144935129), vem
Expor e prestar a V. Excª os esclarecimento seguintes:
1.Quer o contrato promessa, que o contrato de compra e venda juntos fls, 16 e seguintes, estiveram na génese do sentenciado, com transito em julgado no processo que correu termos sob o nº 7055/11.0TBBRG (das extintas varas de competência mista do Tribunal Judicial de Braga). Se julgado necessário, protesta-se juntar certidão do pedido e do sentenciado;
2. Por força do aí decidido, bem como no prévio procedimento cautelar, ambas as decisões motivo de incumprimento pela insolvente, como se disse nos artigos 4 a 7 do pedido, que esta indicou/reconhecendo como crédito da Autora a quantia de 75.000,00€ (ver fls. 10 dos autos);
3. Contudo, nesse valor não foram imputadas quer os juros moratórios, despesas com custas de parte, judicias e com agentes de execução:
4. O que se adicionadas dão origem ao crédito reclamado da Autora de 86.700,00€, como se reclama. E.D.”
Sobre tal requerimento, foi proferido o seguinte despacho, em 24-02-2016:
“Não tendo sido prestados os solicitados esclarecimentos (o requerimento de fls. 79 manifestamente não cumpre o solicitado a fls. 78), aguardar-se-á pelo impulso processual da parte, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção – art. 281º do CPC -, assim se procedendo, ao invés de desde já declarar improcedente a acção, por alegadamente existir reconhecimento judicial do crédito, verificando-se aqui, apenas, uma deficiente alegação que inviabiliza a inteira compreensão dos termos da acção.
Notifique.
B., d.s.”
A autora foi notificada de tal despacho em 25-02-2016.
Mais nada requereu.
Conclusos, por fim, os autos em 22-09-2016, ante o descrito contexto, foi proferido o seguinte despacho, com data de 26-09-2016:
“Ao abrigo dos nºs 1 e 2 do art. 281º do CPC declaro a deserção da instância.
Notifique.
Após, arquive.”
Com tal desfecho não se conformou a autora, pelo que do assim decidido interpôs recurso para esta Relação, apresentando as suas alegações e concluindo:
a)
A decisão/despacho do Tribunal “a quo”, carece de fundamentação e não aplicou o direito ajustadamente ao instituto da deserção da instancia, padecendo por via disso de nulidade.
b)
Não foi considerada, nem apreciado toda a cooperação e cumprimento escrupuloso da Autora dos actos processuais, não existindo um qualquer sinal que seja de inércia da sua parte, como facilmente se verifica pelo histórico dos actos processuais, acima identificados.
c)
A convicção e as conclusões do Tribunal no despacho em crise, desconsideram quer a doutrina, quer a Jurisprudência, quer preceitos elementares aplicados à declaração da deserção, máxime, quando o Juiz tendo o dever de comunicar às partes que o processo aguarda o seu impulso, esclarecendo-as sobre os efeitos da sua conduta”, o não fez.;
d)
Tendo o Tribunal “ a quo” considerados os factos da lide como provados, tendo, inclusive, fixado o valor à acção e tendo proferido o despacho em questão, que leva à extinção do processo, quando este ainda é útil, - porquanto já havia toda uma actividade processual pretérita - colocou em crise a obrigação a coerência do Juiz com essa actividade pretérita, posta em causa pelos seus próprios actos. Tais comportamentos contraditórios desrespeitam o artº 620º do CPC.
e)
No despacho que julgou deserta a instancia o Tribunal tinha que apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever a negligência da Recorrente; Tinha igualmente que valorar o seu comportamento no decorrer de tudo o processado, de forma a concluir se a falta de impulso que imputa à recorrente se deveu efectivamente a sua negligência. O que de igual modo não fez.
f) A decisão notificada de tão singela se reveste que tem consequência imediata a sua nulidade, por desconsiderar o artigo 668.º al. b) e d) do CPC: “è nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, e, “ .. O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar...”. .
g) Resulta claro e é verosímil que em fase alguma do processo a Recorrente deixou de praticar um ato que fosse, em que só ela devia e estava obrigada a praticar e que com essa omissão resultasse a paragem do processo.
Tão só aguardava serenamente pelo impulso oficioso da Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” (artº 6º nº 1 do CPC), que com tanta leveza se proferiu o despacho em crise, quando é (deseja-se que seja) cada vez mais desejável e cada vez mais rara a efectiva ocorrência da deserção da instancia.
h)
Como é consabido, na actual lei adjectiva a deserção não é automática pelo simples decurso do prazo, como acontecia na lei anterior, pois que, para além da falta de impulso processual há mais de seis meses é também necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover em promover o seu andamento.
Traduzindo-se o Julgamento da deserção no reconhecimento judicial da verificação do seu primeiro requisitos, para além dos demais – paragem do processo por inércia das partes.
Ora, basta uma atenta consulta ao processo para constatar que nunca o processo esteve parado por mais de seis meses sem que a Recorrente no mesmo não tivesse intervindo ou por sua exclusiva responsabilidade; Pelo contrário no mesmo sempre entreviu activamente na defesa dos seus direitos e dos demais credores, praticando todos os actos ordenados e processualmente adequado ao normal andamento do processo.
i)
Tendo protestado juntar certidão de sentença proferida no mesmo Tribunal “ a quo” e que alavancava o pedido (verificação ulterior de créditos); Não recebendo qualquer pronuncia sobre essa manifestação de cooperação, nem lhe foi comunicado que seria útil e necessário a junção aos autos de tal documento (A sentença). Pronuncia a que, s.m.o., o Tribunal “ a quo estava obrigado.
Cremos assim, que não se encontram assim e in casu preenchidos os principais requisitos (paragem do processo por seis meses por inércia da Autora, aqui Recorrente e negligência clara nessa conduta) que permitissem ao Tribunal “ a quo” proferir o despacho a decretar a deserção.
Por último, é lícito ao recorrente, invocar a nulidade do despacho em questão, quer por omissão de pronuncia, quer pela violação do poder/dever da oficiosidade, e dos deveres de cooperação e prevenção a que acresce uma clara e manifesta falta de fundamentação.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve o despacho (refª) sere revogado, por padecer de nulidade, devendo o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado, como é de justiça e consequente ser proferida, sem mais, douta sentença que reconheça o crédito reclamado pela Recorrente.”
Não consta que tenha havido contra-alegações.
Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
No caso, importa apreciar e decidir se:
a) A decisão recorrida é nula.
b) Não se verificam os pressupostos da deserção da instância.
III. FACTOS
Relevam os atrás relatados, emergentes dos autos.
IV. DIREITO
É de crédito o direito que a autora pretende ver reconhecido judicialmente – artº 2º, nº 2, do CPC.
A acção que reputou como adequada e por que enveredou para tal é a designada por Verificação Ulterior, prevista no artº 146º e seguintes, do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE).
Tal acção segue, além dos especiais dela privativos, os termos do processo comum, em face da remissão dinâmica para o processo civil decorrente dos artºs 17º e 148º, CIRE, tendo em conta o novo Código vigente desde 2013.
De entre aqueles, avulta o do nº 4, do artº 146º (redacção introduzida pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril), segundo o qual “A instância extingue-se e os efeitos do protesto caducam se o autor, negligentemente, deixar de promover os termos da causa durante 30 dias.”
De entre estes, relacionado com o caso ora em apreço, o do nº 1, do artº 281º, CPC: “…considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.
Como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 20-10-2014[1] , “…a deserção da instância é uma sanção que se aplica à parte que, devendo dar impulso processual, por negligência sua o não faz, determinando a paragem do processo por mais de seis meses. É exigida uma omissão culposa do ónus do impulso processual, de que resulte estarem os autos parados por mais de 6 meses. Entre aquela omissão e esta paragem tem de haver um nexo de causalidade adequada.”
Em idêntico sentido, se pronunciaram, na mesma Relação:
-o Acórdão de 02-02-2015[2] : “I - O regime da Lei 41/2013, de 26/06, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, concedido à parte para impulsionar os autos, sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, ou seja, a instância fica deserta logo que o processo esteja sem impulso processual da parte durante mais de seis meses sem passar pelo patamar intermédio da interrupção da instância. II - Por assim, ser na actual lei adjectiva a deserção da instância não é automática pelo simples decurso do prazo, como acontecia na lei anterior, pois que, para além da falta de impulso processual há mais de seis meses é também necessário que essa falta se fique a dever à negligência das partes em promover o seu andamento (artigo 281.º, nº 1 do CPCivil). III - E, não sendo automática a referida a deserção, o tribunal, antes de proferir o despacho a que se refere o nº 4 do artigo 281.º do CPCivil, deve ouvir as partes por forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é, efectivamente, imputável a comportamento negligente das partes.”
-o de 07-07-2016[3] “I - A inércia das partes pode determinar a deserção da instância, o que ocorre quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses ou, tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, este se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, em qualquer caso por negligência das partes e carecendo de ser julgada por despacho do juiz. II - Na ponderação a fazer, o juiz não pode deixar de considerar o dever de gestão processual que recai sobre si próprio, nos termos enunciados no artigo 6.º do Código de Processo Civil.”
-o de 14-06-2016[4] : “I – Nos termos do artigo 281.º, nº 1 do Código do Processo Civil, a instância é considerada deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. II – O despacho a decretar a deserção da instância por força da aplicação de tal preceito não tem que ser, obrigatoriamente, precedido da audição prévia das partes nos casos em que, em algum momento nos autos, as mesmas tenham sido alertadas para as consequências da omissão do impulso processual pelo prazo de deserção.“
-finalmente, o de 24-02-2015[5] : “I - Da comparação entre o regime processual civil que actualmente vigora e aquele que imediatamente o precedeu, resulta que houve alterações significativas no domínio do instituto da deserção da instância. II - Assim, no processo declarativo, além de ter sido eliminada a necessidade de prévia interrupção da instância para a extinção da mesma com esse fundamento, houve também uma significativa redução do prazo que conduz à deserção, bem como foi introduzida a indispensabilidade de verificação jurisdicional da inactividade das partes de modo a concluir se a mesma é, ou não, juridicamente censurável. III - Esta mudança de regime deve ser também seguida pela alteração de procedimentos. Às partes exige-se um maior cuidado no acompanhamento das suas causas, para que as mesmas atinjam a finalidade normal para que foram instauradas, ou seja, a declaração, por acto jurisdicional, do direito controvertido, e ao tribunal, por sua vez, exige-se igualmente que só cancele a tutela jurisdicional que lhe foi solicitada se houver dados bastantes para concluir, com certeza, pelo total alheamento das partes em relação à referida finalidade.
IV - Por regra, pois, não pode, nem deve, proceder a esse cancelamento sem se certificar previamente que esse alheamento, propositado ou negligente, existe, sendo que uma das formas de o conseguir é através do exercício do contraditório prévio, que o juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo.”
Também a Relação de Lisboa, no Acórdão de 26-02-2015[6] : “1. No novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, além de se ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou-se também a figura da interrupção da instância, ficando a instância deserta logo que o processo, por negligência das partes, esteja sem impulso processual durante mais de seis meses. 2.A deserção da instância, enquanto causa de extinção da instância, deixou de ser automática, carecendo de ser julgada por despacho do juiz, ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial. 3.No despacho de julga deserta a instância o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, o que significa que terá de efectuar uma valoração do comportamento das partes, por forma a concluir se a falta de impulso em promover o andamento do processo resulta, efectivamente, da negligência destas, pelo que, num juízo prudencial, deverá o julgador ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas, bem como, e por força do princípio da cooperação, reforçado no nCPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei, agora substancialmente mais curto.”
Ora, a apelante arguiu a nulidade do despacho em causa, por falta de fundamentação, omissão de pronúncia e violação do poder/dever de oficiosidade, de cooperação e prevenção, além de defender que o Tribunal nele “não aplicou o direito ajustadamente”, ou seja, teria havido erro de julgamento.
Aos despachos aplicam-se, com as necessárias adaptações, as mesmas regras procedimentais previstas para as sentenças – artº 613º, nº 3, CPC.
Relativamente à sua fundamentação:
É nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Com efeito, o artº 205º, nº 1, da Constituição da República, estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
O artigo 154º, do Código de Processo Civil (CPC), no seu nº 1, dispõe que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, e, no nº 2, que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
Com o objectivo de simplificar, excepciona desta proibição (adesão) o caso de despacho interlocutório que seja de manifesta simplicidade e se a contraparte não tiver apresentado oposição.
No que tange à sentença, regula especialmente o artº 607º.
A fundamentação das decisões judiciais (incluindo despachos que não sejam de mero expediente ou proferidos no uso de um poder discricionário[7] ) é, pois, uma exigência constitucional e legal[8] .
Além disso, é nela que o tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir, como lhe compete, qualquer pedido controverso ou dúvida suscitada no processo, maxime o conflito entre as partes, e lhes impor a sua decisão.
A fundamentação é imprescindível ao processo equitativo e contraditório e constitui uma garantia deste.
A sua concretização depende das exigências traçadas pelo legislador em cada área do direito, designadamente processual.
O nível de densificação exigido varia de acordo com a natureza e efeitos da decisão, não podendo nem devendo ser o mesmo no simples despacho relativo à relação processual ou na complexa sentença que decide sobre o mérito de uma causa.
Critério intransponível, na medida em que definidor do limite de conformidade com aquele princípio básico, é o de a fundamentação se expressar em termos que permitam apreciar e compreender as razões, motivos e sentido da decisão por forma a promover a sua aceitação e acatamento pacíficos ou a possibilitar a sua crítica e impugnação, mormente por via de recurso.
No caso, o despacho limitou-se a expressar que “Ao abrigo dos nºs 1 e 2 do artº 281º do CPC declaro a deserção da instância”.
Considerando que a alusão ao nº 2 se mostra manifestamente desfasada, releva apenas o nº 1.
Atenta a clareza da norma em que tal decisão se estriba e a sequência da respectiva tramitação, é suficientemente perceptível que, embora muito parco nos termos com que se exprimiu e justificou, o tribunal recorrido a julgou aplicável à situação verificada nos autos e que, portanto, há mais de seis meses eles estavam parados por falta de impulso processual devida a negligência da autora.
Sobretudo para esta, a quem os efeitos de tal despacho mais directamente dizem respeito e de cuja consciencialização não pode arredar-se a intervenção mediadora do seu mandatário forense no sentido de a esclarecer e prevenir, após a notificação do anterior com que este necessariamente se conexiona, face à exortação, à advertência e ao anúncio que então lhe foram feitos, era, em termos normais, de esperar que, decorrido o prazo referido na lei e nada promovendo ela nos autos, o tribunal consideraria imputável à sua conduta omissiva e censurável a paragem do processo.
Admitindo-se que uma tal fundamentação se fica pelo grau de suficiência e que a sua melhoria no sentido de a completar e tornar mais clara, mencionando nela os factos tomados como relevantes e o respectivo enquadramento jurídico dado, alguns ganhos poderia aportar, não estamos, contudo, ante uma falta absoluta que a Jurisprudência e a Doutrina exigem para fulminar de nulo o despacho.
Reportando-se ele ao anterior, ciente a autora do decurso do prazo neste mencionado sem que algo tenha requerido, ele limita-se a declarar o efeito já antes anunciado e pela razão então expressa.
Da mesma perspectiva, também não cremos estar-se perante omissão de pronúncia.
Nos termos do artº 615º, nº 1, alínea d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar[9] .
Com efeito, atenta a função e competência dos Tribunais e dos Juízes decorrentes da Constituição, das demais Leis, designadamente orgânicas, estatutárias e processuais, devem em geral aqueles administrar a justiça, proferindo despacho sobre as matérias pendentes (artº 152º, nº 1) e, em particular, deve a sentença resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artº 608º, nº 2).
Claro que a recorrente preconiza que devia ter sido conhecido o mérito ou fundo da causa, considerando estarem reunidas as condições para tal, e não julgada deserta a instância.
Sucede que, na sequência do referido despacho que antecedeu o recorrido, o tribunal considerou ser necessário que ela desse aos autos impulso processual e, portanto, que, não o tendo feito no decorrido prazo de seis meses, a questão suscitada, tal como anunciara, limitava-se ao destino a dar à instância pendente mas paralisada e não à apreciação do pedido e da causa de pedir.
Ora, saber se tal paralisação e desfecho se devem à perspectiva com que o tribunal encarou o desenvolvimento da lide ou à expectativa criada em torno desta pela apelante e qual delas é a juridicamente mais correcta é problema de acerto ou erro de julgamento sobre a questão pertinente a decidir e não de falta de conhecimento desta.
Do mesmo passo, ter havido ou não desrespeito pelo pelos deveres de “oficiosidade”, de “cooperação” e de “prevenção”, é problema que contende com a interpretação e aplicação das normas respectivas à luz do iter processual e não de validade do despacho.
Improcede, pois, a arguida nulidade deste.
Como ressalta do historial dos autos inicialmente feito, em que é bem patente o caminho tortuoso percorrido, uma vez citados os réus e nenhuma contestação tendo sido apresentada (finda, portanto, a fase dos articulados), não tendo havido despacho liminar, nem pré-saneador ou saneador nem qualquer outra diligência ou despacho pelo tribunal julgados necessários à regularização da instância ou ao aperfeiçoamento da petição, por decisão de 04-06-2015, foram, nos termos expressos do artº 567º, nº 1, declarados confessados os factos articulados pela autora na sua petição inicial.
Concomitantemente, como dispõe o nº 2, do mesmo artigo, foram as partes notificadas disso e de que dispunham do prazo para exame e alegações.
Nenhuma delas fez uso de tal direito, muito menos pôs em causa tal despacho.
Manda a lei que “em seguida é proferida sentença, julgando a causa conforme for de direito”.
Em vez de prosseguir, o Tribunal, estranhamente, arrepiou caminho, retrocedeu e, em vez de proferir sentença e julgar a causa, em função dos factos disponíveis e confessados, subsumindo-os e decidindo, descortinou uma “preterição do litisconsórcio necessário passivo”, enveredou pelo caminho do convite à sanação da irregularidade, ordenando depois a repetição da citação dos réus inicialmente demandados.
Como se não bastasse, mantendo-se a revelia de todos eles já antes cominada com a confissão ficta dos factos articulados, o tribunal entendeu, ainda, noutro despacho posterior, que a petição “é bastante deficiente” e que “impõe-se o aperfeiçoamento”, conduzindo a autora para a apresentação de requerimento com que disse prestar os esclarecimentos.
Considerando, ainda em outro subsequente despacho, que tal requerimento “não cumpre o solicitado” e, por isso, “não tendo sido prestados os solicitados esclarecimentos”, mandou aguardar “pelo impulso processual da parte, sem prejuízo do decurso do prazo de deserção – art. 281º do CPC -, assim se procedendo, ao invés de desde já declarar improcedente a acção, por alegadamente existir reconhecimento judicial do crédito, verificando-se aqui, apenas, uma deficiente alegação que inviabiliza a inteira compreensão dos termos da acção.”
Ora, a parte (autora), notificada expressamente, já havia prestado, através do Sr. Advogado que a patrocina, os esclarecimentos que quis, pode e soube.
Se melhor não fez, não nos parece ser caso de o Tribunal lhe exigir mais “perfeição” ou “diligência” – até porque não concretizou que esclarecimentos mais pretendia ou em que medida não foram satisfeitos os anteriores –, nem, a pretexto da falta destas ou na perspectiva de “desde já declarar improcedente a acção” com que a advertiu, considerar que há falta de impulso processual necessário devido a falta de diligência da autora.
O tipo de impulso e o grau de diligência da parte não podem ser levados ao ponto de satisfazer todos os pressupostos antevistos pelo Tribunal como necessários, em sua perspectiva, para viabilizar e garantir, em termos exímios e com eficácia, a procedência da acção nem, em caso de insatisfação, pretextar o não conhecimento de mérito, sobretudo no epílogo de uma tramitação como a descrita e depois de, sem reacção alguma de qualquer das partes, terem sido confessados os factos articulados na petição.
Com eles, e como diz a lei, deverá ser proferida sentença e julgada a causa conforme for de direito.
Para isso, não se prevê e é desnecessário qualquer impulso. Cabe ao tribunal, independentemente de qualquer juízo prévio de oportunidade ou sobre o mérito da pretensão e respectivos fundamentos, decidir, fazendo-o coerentemente com a tramitação por si próprio antes sancionada e operando a subsunção dos factos disponíveis ao direito aplicável, uma vez verificados todos os demais pressupostos objectivos e subjectivos da instância.
O processo ficou parado, pois, devido a erro de leitura dos autos e de interpretação e aplicação das regras legais, não a falta de diligência da autora. Esta cooperou, como entendeu. Apesar da advertência que lhe foi dirigida e de nada mais ter feito, não depende dela, mas da actuação do Mº Juiz do processo, o desfecho da lide – actuação em que, apesar de tudo, confiou e que espera, como é seu legítimo direito, independentemente da bondade ou maldade do resultado.
Não é, pois, certo que, valorada a conduta processual da autora no contexto descrito e em função da expectativa criada, haja por parte dela um alheamento dos autos censurável.
Procedendo, pois, a apelação, deverá revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se o prosseguimento dos autos.
V. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.
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Sem custas.
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Notifique.
Guimarães, 05 de Janeiro de 2017
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José Fernando Cardoso Amaral
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João António Peres de Oliveira Coelho
[1] Proferido no processo nº 189/13.9TJPRT.P1, relatado pelo Desembargador Soares Oliveira).
[2] Proferido no processo nº 4178/12.2TBGDM.P1, relatado pelo Desembargador Manuel Fernandes.
[3] Proferido no processo nº 1058/08.0TBFLG.P1, relatado pelo Desembargador Correia Pinto.
[4] Proferido no processo nº 1390/10.2TJPRT.P1, relatado pelo Desembargador José Igreja Matos.
[5] Proferido no processo nº 2673/07.4TBVNG.P1, relatado pelo Desembargador João Diogo Rodrigues.
[6] Proferido no processo nº 2254/10.5TBABF.L1-2, relatado pela Desembargadora Ondina Carmo Alves.
[7] Artigos 152º, nº 4, e 630º, nº 1, do CPC.
[8] Cfr. normas citadas.
[9] Definido o conceito de questão à luz do artº 608º, nº 2, CPC.