ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
CONHECIMENTO DO MÉRITO DA CAUSA
OBJECTO DO PROCESSO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
DECISÃO QUE PÕE TERMO À CAUSA
Sumário

I - Segundo estabelece o art. 432.º do CPP são susceptíveis de recurso para o STJ:
- Decisões das Relações proferidas em 1.ª instância;
- Decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do art. 400.°;
- Acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito;
- Decisões interlocutórias que devam subir com os recursos atrás referidos.
II - Por outro lado, preceitua o art. 400.º, n.º 1, al. c), que não é admissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.
III - Decisão que não conheça, a final, do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem com a não interlocutória que não conheça do mérito da causa. Com efeito, o texto legal ao aludir a decisão que não conheça, a final, abrange todas as decisões proferidas antes e depois da decisão final e ao aludir ao objecto do processo, refere-se, obviamente, aos factos imputados ao arguido, aos factos pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o se da investigação judicial, o seu como e o seu quantum, pelo que contempla todas as decisões que não conheçam do mérito da causa.
IV - O traço distintivo entre a redacção actual e a anterior à entrada em vigor da Lei 48/07, de 29-08, reside pois na circunstância de anteriormente serem susceptíveis de recurso todas as decisões que pusessem termo à causa, sendo que actualmente só são susceptíveis de recurso as decisões que põem termo à causa quando se pronunciem e conheçam do seu mérito.
V - Assim, são agora irrecorríveis as decisões proferidas pelas Relações, em recurso, que ponham termo à causa por razões formais, quando na versão pré-vigente o não eram. Ou seja, o legislador alargou a previsão da al. c) do n.º l do art. 400.° do CPP, ampliando as situações de irrecorribilidade relativamente a acórdãos proferidos, em recurso, pelo Tribunal da Relação.
VI - Certo é que o acórdão do Tribunal da Relação ora impugnado, o qual se pronunciou sobre decisão proferida pelo Desembargador Relator na qual se considerou não enfermar de nulidade, por alegada omissão de pronúncia, acórdão anteriormente proferido por aquele mesmo Tribunal na sequência de recurso de decisão de 1.ª instância que condenou o recorrente na pena única de 3 anos de prisão, cai na previsão daquela al. c) do n.º 1 do art. 400.°, tal como cabia na redacção pré-vigente. Com efeito, trata-se de uma decisão proferida em recurso, que não pôs termo à causa nem conheceu do seu mérito. Trata-se pois de decisão irrecorrível.

Texto Integral



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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, com os sinais dos autos, interpôs recurso de acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido na sequência de reclamação para a conferência de decisão do desembargador relator que indeferiu arguição de nulidade de acórdão proferido por aquela relação que negou provimento ao recurso por si interposto de decisão de 1ª instância que o condenou na pena única de 3 anos de prisão pela prática de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla qualificada.

Na motivação apresentada pugna pela revogação do acórdão impugnado, posto que nulo, bem como pelo decretamento da nulidade do acórdão que confirmou a sentença condenatória contra si proferida em 1ª instância.

O recurso foi admitido.

Não foi apresentada resposta.

Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu douto parecer no qual se pronuncia no sentido da rejeição do recurso por irrecorribilidade da decisão impugnada, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, ou seja, por se tratar de decisão proferida, em recurso, que não conhece, a final, do objecto do processo.

Respondeu o recorrente defendendo que em matéria de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça a lei adjectiva penal, no artigo 432º, nada diz que permita sustentar que só há recurso para o Supremo Tribunal de decisões finais do Tribunal da Relação ou das decisões que ponham termo à causa, razão pela qual a decisão impugnada é recorrível, sendo materialmente inconstitucional a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º quando conjugada com o artigo 432º, n.º 1, alínea b), ao prever a irrecorribilidade de acórdão da relação que esteja ferido de nulidade por omissão de pronúncia, por violação dos artigos 20º e 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, ao introduzir uma restrição desproporcionada e sem fundamento material de limitação no direito de sindicar por recurso actos nulos gravemente lesivos de direitos e do acesso à justiça.

No exame preliminar relegou-se para conferência o conhecimento da questão prévia suscitada pelo Ministério Público atinente à rejeição do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

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O artigo 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal[1], estabelece que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência, se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414º, n.º 2, ou o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417º.

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 414º preceitua que o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação.

Certo é entendermos que o recurso interposto pelo arguido AA é inadmissível por a decisão impugnada ser irrecorrível, razão pela qual será rejeitado.

Especificando sinteticamente os fundamentos da rejeição, conforme impõe o n.º 2 do artigo 420º, dir-se-á.

Segundo estabelece o artigo 432º são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça:

- Decisões das relações proferidas em 1ª instância;

- Decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400º;

- Acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito;

- Decisões interlocutórias que devam subir com os recursos atrás referidos.

Por outro lado, preceitua o artigo 400º, n.º 1, alínea c), que não é admissível recurso dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo[2].

Decisão que não conheça, a final, do objecto do processo, é toda a decisão interlocutória, bem com a não interlocutória que não conheça do mérito da causa.

Com efeito, o texto legal ao aludir a decisão que não conheça, a final, abrange todas as decisões proferidas antes e depois da decisão final e ao aludir ao objecto do processo, refere-se, obviamente, aos factos imputados ao arguido, aos factos pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação (ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o se da investigação judicial, o seu como e o seu quantum[3], pelo que contempla todas as decisões que não conheçam do mérito da causa.

O traço distintivo entre a redacção actual e a anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, reside pois na circunstância de anteriormente serem susceptíveis de recurso todas as decisões que pusessem termo à causa, sendo que actualmente só são susceptíveis de recurso as decisões que põem termo à causa quando se pronunciem e conheçam do seu mérito[4].

Assim, são agora irrecorríveis as decisões proferidas pelas relações, em recurso, que ponham termo à causa por razões formais, quando na versão pré-vigente o não eram, ou seja, o legislador alargou a previsão da alínea c) do n.º1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, ampliando as situações de irrecorribilidade relativamente a acórdão proferidos, em recurso, pelo Tribunal da Relação[5].

Certo é que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora impugnado, o qual se pronunciou sobre decisão proferida pelo desembargador relator na qual se considerou não enfermar de nulidade, por alegada omissão de pronúncia, acórdão anteriormente proferido por aquele mesmo tribunal na sequência de recurso de decisão de 1ª instância que condenou o recorrente na pena única de 3 anos de prisão, cai na previsão daquela alínea c) do n.º 1 do artigo 400º, tal como cabia na redacção pré-vigente.

Com efeito, trata-se de uma decisão proferida em recurso, que não pôs termo à causa nem conheceu do seu mérito.

Trata-se pois de decisão irrecorrível.

Aliás, a própria decisão que se lhe encontra subjacente, ou seja, o acórdão que confirmou a decisão de 1ª instância que condenou o recorrente na pena única de 3 anos de prisão, também é irrecorrível. Com efeito de acordo com a alínea f) do n.º 1 do artigo 400º, não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

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Quanto à questão da inconstitucionalidade da norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400º suscitada pelo recorrente na resposta apresentada ao parecer emitido pelo Ministério Público, dir-se-á que a nossa lei fundamental ao assegurar a todos o acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20º, n.º 1) e ao estabelecer que o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (artigo 32º, n.º 1), limita-se a exigir a existência do duplo grau de jurisdição, como o Tribunal Constitucional tem decidido[6], posto que a apreciação do caso ou causa por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas.

O mesmo sucede com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem que se limita a exigir no artigo 2º, n.º 1, do Protocolo n.º 7, o direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal, direito que, aliás, admite seja objecto de excepção (n.º 2) em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o julgamento seja efectuado pela mais alta jurisdição, bem como quando a condenação tenha lugar no seguimento de recurso de decisão absolutória. Aliás, relativamente a decisões penais não condenatórias ou que se não pronunciem sobre o objecto do processo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, declara inaplicável o direito ao duplo grau de jurisdição, como nos dá conta Ireneu Cabral Barreto, A Convenção dos Direitos do Homem Anotada (3ª edição), 377.

Deste modo, é evidente que a alínea c) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, norma aplicável no caso vertente, não enferma de inconstitucionalidade material.

                                                                      *

Termos em que se acorda rejeitar o recurso.

Custas pelo recorrente, com 5 UC de taxa de justiça, a que acresce o pagamento de 4 UC, a título de sanção processual, nos termos do n.º 3 do artigo m420º do Código de Processo Penal.

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Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Janeiro de 2012

Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa

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[1] - Serão deste diploma todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.
[2] - Trata-se de redacção introduzida pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto.
A redacção anterior era a seguinte:
«1. Não é admissível recurso:

c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não ponham termo à causa».


[3] - Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (1981), I, 144/145.

[4] - Ao aludirmos a susceptibilidade de recurso queremos com isso significar que nem todas aquelas decisões são recorríveis, uma vez que a recorribilidade não depende só da disciplina contida naquela alínea c) do n.º 1 do artigo 400º, estando dependente do preceituado nas demais alíneas.

[5] - Cf. entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 08.03.05 e 08.03.26, proferidos nos Recursos n.ºs 220/08 e 820/08.
[6] - Entre outros o acórdão n.º 49/03, publicado no DR, II Série, n.º 90, de 03.04.16, fls. 5929.