I - A intimação judicial que tem o efeito interruptivo do prazo de impugnação afirmado no n.º 1 do art. 106.º do CPTA é a prevista no n.º 2 do art. 60º: a intimação judicial da entidade que proferiu o acto para fornecer as indicações que faltaram na notificação ou certidão que as contenha. O caso presente não se situa nesse âmbito, tendo a intimação objecto diferente: a obtenção de determinadas informações que, na perspectiva do requerente, podem levar à procedência do recurso do acto proferido pelo CSM (a sua condenação no processo disciplinar).
II - E, se é verdade que o requerente poderia requerer no âmbito do recurso que interpôs da deliberação do CSM que o puniu as informações aqui pretendidas, também o é que a lei (arts. 104.º e ss. do CPTA) lhe permite lançar mão do presente procedimento, inexistindo qualquer norma que lhe imponha a opção por um ou por outro desses meios. Por outro lado, saber se as informações pretendidas, no caso de a intimação proceder, podem ou não ser utilizadas pelo requerente no âmbito do recurso que interpôs, é questão que não cabe aqui decidir, mas sim nesse recurso, se ali for suscitada.
III -Nos termos do art. 5º da Lei n.º 46/2007, «todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo». Mas isso não é assim se estiver em causa um «documento nominativo» que, na definição do art. 3.º, n.º 1, al. b), é «o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada». Na verdade, de acordo com o disposto no art. 6.º, n.º 5, «um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade».
IV - No caso vertente, o documento administrativo que conterá as informações pretendidas pelo requerente é o relatório da última inspecção ordinária ou extraordinária realizada ao serviço prestado pelo juiz que o precedeu em determinado juízo.
V - Das informações aí constantes, só a identidade do inspector judicial que realizou a última inspecção ao serviço do juiz que o antecedeu naquele tribunal não está coberta pela restrição do n.º 5 do art. 6.º, pois as restantes referem-se a dados acerca de pessoa singular identificada envolvendo apreciação sobre a sua prestação de serviço. O requerente não se encontra munido de autorização escrita da pessoa a quem se refere aquele documento, pelo que as demais informações só podem ser-lhe fornecidas se «demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade».
VI - O requerente, começando por dizer que fez o pedido de prestação das referidas informações por elas serem absolutamente indispensáveis «à preparação e elaboração do recurso» a interpor para o STJ da deliberação do CSM que, no âmbito de processo disciplinar, o condenou em pena de multa, acaba por afirmar serem essenciais as informações também para o exercício do seu direito de «revisão da pena». Contudo, não importa aqui averiguar se aquelas informações são necessárias para efeito de revisão da deliberação condenatória, visto que essa situação não se coloca agora e pode nunca vir a colocar-se, pois a condenação não está ainda estabilizada. A revisão só pode ser equacionada após o trânsito em julgado da decisão, nos termos do art. 449.º, nº 1, do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo disciplinar, por força do disposto no art. 131.º do EMJ.
VII - Nem sempre a infracção disciplinar se encontra tipicamente descrita. Para além de tipos de infracção especificamente previstos, nos termos do art. 82.º do EMJ «constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».
VIII - Nem sempre a infracção disciplinar se encontra tipicamente descrita. Para além de tipos de infracção especificamente previstos, nos termos do art. 82.º do EMJ «constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».
IX - Se é certo que o CSM, tendo conhecimento de uma infracção disciplinar praticada por um juiz, não pode deixar de instaurar o respectivo procedimento, também o é que a qualificação de um facto como infracção disciplinar, designadamente pela via da violação de um dos deveres profissionais, depende de uma apreciação, de um juízo avaliativo sobre esse facto. Existe aí uma margem de apreciação, não se tratando por isso de uma actividade estritamente vinculada. Estando em causa atrasos na prolação de decisões, como no caso, a lei não diz qual o número ou a extensão dos atrasos necessários para se ter como preenchida a infracção disciplinar. A operação de qualificar ou não como infracção disciplinar uma situação de atrasos processuais envolverá a consideração de diversas circunstâncias, como o volume de serviço, a sua complexidade e até a comparação com a prestação de outros juízes em idênticas condições.
X - No caso, o requerente propõe-se fazer valer em sede de recurso da deliberação que o condenou a alegação de que a comparação da sua prestação profissional com a do juiz que antes dele exerceu funções no mesmo tribunal o favorece, pelo que, não tendo o juiz anterior sido punido, também ele, requerente, o não poderá ser, sob pena de violação dos ditos princípios. No fundo, o que o requerente diz é: se no desempenho do juiz anterior não foi vista qualquer infracção disciplinar, também nenhuma pode configurar o desempenho do requerente, que, na comparação, não fica a perder. Situando o requerente a violação desses princípios no âmbito da qualificação de determinados factos como infracção disciplinar, fora portanto do âmbito de uma actividade estritamente vinculada, a sua alegação, se demonstrada, pode, em abstracto, proceder em sede de recurso da deliberação que o puniu.
XI - E não é ao relatório da inspecção realizada a um qualquer juiz de um qualquer tribunal que quer ter acesso, mas ao relatório da última inspecção ao serviço do juiz que o antecedeu no tribunal, do juiz que será o responsável pelo estado do serviço no momento em que o requerente iniciou as suas funções. Dito de outro modo, o requerente quer ter acesso a elementos que, dizendo embora respeito a outro juiz, terão relevância na avaliação da sua própria prestação. Tem por isso um interesse directo, pessoal e legítimo na obtenção das informações de serviço constantes do relatório da última inspecção ordinária ou extraordinária ao serviço do juiz que o antecedeu.
XII - Resta averiguar se esse interesse é suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade para sacrificar o valor protegido com a restrição do direito de acesso a documentos nominativos. À luz desse princípio, consagrado no art. 18.º, n.º 2, da CRP, tal sacrifício pode ter lugar se «necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
XIII - O requerente pretende com as informações constantes do relatório de inspecção ao serviço do juiz que o antecedeu fazer valer, em sede de recurso, a alegação de violação daqueles princípios e, por essa via, obter a sua absolvição no processo disciplinar. O acesso a essas informações é, pois, nessa perspectiva, necessário à defesa desse seu interesse. Por outro lado, as informações pretendidas referem-se a dados exclusivamente de serviço. E do acesso a elas pode depender a absolvição do requerente no processo disciplinar. Este interesse do requerente, de ser absolvido, não é menos valioso que o interesse protegido pela restrição de acesso a um relatório de inspecção de outro juiz, sobrepondo-se-lhe mesmo, quando, como no caso, os dados ali referidos, dizendo embora directamente respeito ao juiz cujo serviço foi objecto da inspecção, se podem repercutir na avaliação funcional do requerente. Justifica-se, pois, que, no caso, se reconheça ao requerente o acesso aos dados de serviço do relatório da última inspecção efectuada ao seu antecessor, acesso esse que se limitará a dados e considerações de serviço, mantendo-se reservados outros dados, como a proposta de classificação, eventuais referências a classificações anteriores e menções de natureza disciplinar.
IX - Quando um juiz incorre em atrasos, estes tanto podem ser em processos com termo de conclusão recente como em processos com conclusão de há muito tempo. E a circunstância de o juiz anterior ter tido em seu poder processos do Juízo numa altura em que já ali não prestava serviço, entregando-os mais tarde, só pode significar o propósito de regularizar ou minorar as situações de atrasos processuais da sua responsabilidade, situações essas que nunca seriam relativas a conclusões abertas posteriormente à cessação de funções. Não se vislumbra como é que o juiz anterior poderia ter consigo processos com termo de conclusão posterior à sua cessação de funções e mesmo posterior à tomada de posse do requerente, se, por um lado, não tinha nisso qualquer interesse e, por outro, já não tinha a disponibilidade desses processos. Aliás, a decisão que proferisse em tais processos nem poderia manter-se, por falta de jurisdição, pois ostentaria necessariamente uma data posterior à cessão de funções.
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
AA, juiz de direito, em 11/04/2011, ao abrigo dos artºs 104º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), requereu ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a intimação do Conselho Superior da Magistratura (CSM) para prestação de informações e passagem de certidão, com os seguintes fundamentos:
«1. O requerente é Juiz de Direito, em comissão de serviço no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
2. No dia 22 de Dezembro de 2008, foi instaurado um processo de inquérito contra o requerente, tendo o Conselho Superior da Magistratura, no dia 16 de Março de 2009, deliberado a sua conversão em processo disciplinar.
3. O processo disciplinar em que o requerente é arguido tramitou no digno Conselho Superior da Magistratura sob o nº 72/09 e tem por objecto o exercício de funções do requerente enquanto titular do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, entre 11/09/2006 e 29/08/2008, e a pretensa existência de atrasos na tramitação de processos.
4. O referido processo disciplinar culminou recentemente com a decisão do Conselho Plenário do requerido que aplicou uma injusta pena de multa ao aqui requerente.
5. Como o requerente alegou e provou em sede disciplinar, quando iniciou funções no citado 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda este tinha um acentuado volume de processos pendente (cerca de 2790 processos), sendo seu titular o Exmo. Sr. Dr. Juiz B...M..., tendo o requerente procedido a uma recuperação do Juízo para cerca de 1800 processos.
6. Assim, e por ser absolutamente indispensável à preparação e elaboração do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de tal injusta punição, que entretanto deu entrada em 18/03/2011, o requerente dirigiu ao requerido, no dia 7 de Março de 2011, um pedido de prestação de informação e de passagem de certidão – cfr. documento 1 que ora se anexa.
7. Pedido que, até à presente data, não foi objecto de qualquer resposta por parte do requerido.
8. A este passo e para que se perceba o que se solicitou que o requerido certificasse, cumpre alegar o seguinte:
9. No decurso do processo disciplinar (no que releva em Agosto de 2010), o requerente solicitara ao requerido que emitisse certidão sobre se o seu ilustre antecessor naquele Juízo (o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M...) fora ou não objecto de processo disciplinar, por que razões, se fora ou não punido e qual a punição que mereceu.
10. Porém, o requerido, também nessa altura, jamais cumpriu o dever legal de informação que sobre si recai.
11. Só após a propositura de uma intimação para passagem de certidão e prestação de informações (que correu termos no presente Tribunal sob o nº 1752/10.5BELSB e que foi considerada integralmente procedente por decisão de 4/11/2010) é que o requerido emitiu a certidão, tendo o requerente sido notificado da mesma apenas em 08 de Fevereiro de 2011 – cfr. doc. 1 junto ao pedido de passagem de certidão que se anexou como documento 1.
12. Todavia, surpreendentemente, resulta dessa certidão que o citado Magistrado não foi punido pelo estado em que se encontrava e em que deixou o 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda ou por qualquer atraso na tramitação dos processos.
13. Ora, face a tal situação e face ao teor da decisão do Conselho Plenário que puniu o requerente, é absolutamente essencial para poder impugnar cabalmente essa decisão, conhecer com rigor:
a) a identidade do Senhor Inspector que realizou a última Inspecção ordinária e/ou extraordinária realizada ao trabalho do Sr. Dr. Juiz Dr. B...M..., respeitante à sua titularidade do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda – o que poderá ser utilizado para eventual arguição de violação dos princípios da imparcialidade e da igualdade e dedução de incidente de suspeição;
b) com o mesmo sentido e maior alcance no que toca aos princípios da razoabilidade, igualdade e da justiça, todo o teor dessa inspecção ordinária e/ou extraordinária (o relatório completo da mesma, o que se requer que seja feita através de certidão), na medida em que nessas inspecções é obrigatório aferir, entre o mais que se revela pertinente e, assim, no que se refere à identificação de processos em atraso, o perfeito estado, necessidades e deficiências do Juízo, e esse, como está provado, estava afundado quando o requerente tomou posse no referido
1º Juízo, tendo sido essencialmente recuperado pelo injustamente arguido no processo disciplinar supra mencionado;
c) o número concreto e exacto de processos que o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M..., à data em que cessou funções (31/08/2006), deixou com conclusão aberta e com atraso no despacho/decisão a proferir, com indicação discriminada do número de processo, espécie de processo, a respectiva data de conclusão, natureza do despacho/decisão a proferir, data em que veio a ser proferida decisão – nos termos do ponto 3.1.21 da matéria de facto provada do acórdão do Plenário deste Conselho Superior da Magistratura, proferido no processo disciplinar nº 72/2009, em que é arguido o requerente;
d) o número concreto e exacto de processos que o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M... teve na sua posse, quando já era titular do 1º Juízo da Guarda o aqui requerente, com indicação discriminada do número de processo, espécie de processo, a respectiva data de conclusão, natureza do despacho/decisão a proferir, data em que veio a ser proferida decisão e data em que efectuou a entrega, na secretaria do 1º Juízo, dos respectivos processos que teve consigo depois de deixar de ser titular do 1º Juízo em causa – nos termos do ponto 3.1.2 1 da matéria de facto provada do acórdão do Plenário deste Conselho Superior da Magistratura, proferido no processo disciplinar nº 72/2009, em que é arguido o requerente;
e) o tempo exacto que o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M... teve na sua posse cada um desses processos após ter deixado de ser titular do 1º Juízo da Guarda, ou seja, o número exacto de anos, meses e dias que tais processos estiveram na sua posse;
f) caso não seja possível prestar as informações solicitadas, indicar os concretos e objectivos motivos da impossibilidade – tudo conforme documento 1 já junto.
14. Como se referiu no pedido de passagem de certidão enviado em 07/03/2011 (documento 1), as informações solicitadas são, entre o muito mais, relevantes para afastar qualquer dúvida de que o anterior titular do 1º Juízo não levou consigo processos com conclusão aberta depois de o requerente ter tomado posse (note-se que há imputações de atrasos em processos concretos, que se terão concluído poucos dias após a tomada de posse do aqui requerente), sendo que se encontra provado nos autos disciplinares que teve consigo, após deixar de ser titular do 1º Juízo, algumas dezenas de processos e que foram entregues mais tarde (cfr. ponto 3.1.21 da matéria de facto provada da decisão punitiva).
15. Como se revela por demais evidente, o requerente necessita de ter acesso a tais informações para que possa impugnar cabal e plenamente a decisão que o puniu (e isto sem prejuízo de, por constrangimento do prazo legal, o requerente se tenha visto na necessidade de dar entrada do seu recurso, o que não o impede de, conhecidos os factos que se pretende que sejam certificados, aditar supervenientemente o recurso apresentado).
16. Sendo assim, as informações que se solicitaram são essenciais à descoberta da verdade material e são cruciais para que o arguido possa exercer, em pleno, os seus direitos de defesa, de impugnação da decisão punitiva, de revisão da pena e obtenção de uma decisão justa, que se encontram previstos constitucionalmente nos arts. 20º, 32º e 269º, nº 3, da CRP, e também no art. 165º do EMJ e arts. 59º e ss. do ED, e para que tenha direito a um processo justo e equitativo (arts. 20º, nº 4, in fine, e 32º da Constituição da República e 6º da CEDH) – direitos ou interesses legítimos cuja defesa se pretende assegurar com o pedido ora efectuado, para além dos princípios da imparcialidade e da igualdade.
17. Nestes termos, o requerente é titular de um interesse directo, pessoal e legítimo na obtenção das informações que solicita, verificando-se, igualmente, todos os restantes pressupostos para a mobilização do presente meio processual.
18. Sendo que, como já se disse, o pedido do requerente não foi objecto de qualquer resposta, até à presente data, por parte do requerido.
19. Deste modo, impedindo o exercício do direito fundamental do requerente de acesso à informação, o requerido incumpriu e violou o princípio da administração aberta e o dever legal de prestação de informação que sobre si recai, entre o mais, nos termos dos arts. 7º e 61º e ss. do CPA.
Termos em que
deve a presente intimação ser julgada totalmente procedente e o digno Conselho Superior da Magistratura intimado a emitir informação narrativa, ou como se prefere, certidão que indique com rigor:
a) a identidade do Senhor Inspector que realizou a última Inspecção ordinária e/ou extraordinária realizada ao trabalho do Sr. Dr. Juiz Dr. B...M..., respeitante à sua titularidade do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda;
b) todo o teor dessa inspecção ordinária e/ou extraordinária (o relatório completo da mesma, o que se requer que seja feita através de certidão);
c) o número concreto e exacto de processos que o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M..., à data em que cessou funções (31/08/2006), deixou com conclusão aberta e com atraso no despacho/decisão a proferir, com indicação discriminada do número de processo, espécie de processo, a respectiva data de conclusão, natureza do despacho/decisão a proferir, data em que veio a ser proferida decisão – nos termos do ponto 3.1.21 da matéria de facto provada do acórdão do Plenário deste Conselho Superior da Magistratura, proferido no processo disciplinar nº 72/2009, em que é arguido o requerente;
d) o número concreto e exacto de processos que o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M... teve na sua posse, quando já era titular do 1º Juízo da Guarda o aqui requerente, com indicação discriminada do número de processo, espécie de processo, a respectiva data de conclusão, natureza do despacho/decisão a proferir, data em que veio a ser proferida decisão e data em que efectuou a entrega, na secretaria do 1º Juízo, dos respectivos processos que teve consigo depois de deixar de ser titular do 1º Juízo em causa – nos termos do ponto 3.1.21 da matéria de facto provada do acórdão do Plenário deste Conselho Superior da Magistratura, proferido no processo disciplinar nº 72/2009, em que é arguido o requerente;
e) o tempo exacto que o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M... teve na sua posse cada um desses processos após ter deixado de ser titular do 1º Juízo da Guarda, ou seja, o número exacto de anos, meses e dias que tais processos estiveram na sua posse;
f) caso não seja possível prestar as informações solicitadas, indicar os concretos e objectivos motivos da impossibilidade».
Citado, o CSM alegou:
-Em sessão plenária de 05/04/2011, indeferiu o pedido de prestação de informação e passagem de certidão que o requerente lhe apresentara em 07/03/2011.
-Os tribunais administrativos são incompetentes em razão da matéria para decidir a presente questão, visto estar em causa uma deliberação do plenário do CSM, que só pode ser impugnada mediante recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
-Em todo o caso, o pedido de prestação de informação e passagem de certidão não pode proceder.
-De facto, os elementos que o requerente pretende são reservados, por dizerem respeito a outro juiz, e, nos termos do artº 6º, nº 5, da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto “um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade”.
-E, por um lado, não se mostra que o requerente esteja munido dessa autorização e, por outro, não se alega qualquer circunstância que possa ser subsumida a um seu interesse pessoal e legítimo que possa conflituar e ultrapassar o interesse do outro juiz, não se vendo que os elementos pedidos sejam indispensáveis à preparação e elaboração do recurso da deliberação que o puniu.
Notificado desta resposta, o requerente veio dizer, em 17/05/2011:
-O CSM afirma ter indeferido o pedido de prestação de informação e passagem de certidão por deliberação de 05/04/2011, mas o requerente não foi ainda notificado disso.
-A competência para decidir o caso pertence aos tribunais administrativos.
-O requerente não pretende obter dados pessoais ou íntimos do outro juiz.
-Esses dados são essenciais à elaboração do recurso da deliberação que o puniu.
-Devem por isso ser consideradas improcedentes as alegações do CSM e procedente a acção.
Por sentença de 29/06/2011, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa declarou-se incompetente, em razão da matéria, «para conhecer da presente acção administrativa de intimação para prestação de informações e passagem de certidões», declarando competente o Supremo Tribunal de Justiça.
Inconformado, o requerente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, tendo o recurso aí sido julgado improcedente, por acórdão de 12/09/2011, e o processo remetido ao Supremo Tribunal de Justiça.
Neste Supremo Tribunal, tendo vista do processo, o MP emitiu o seguinte parecer:
«O recurso ao meio processual previsto nos arts. 104º e segs., para efectivação do exercício do direito à informação procedimental com vista à impugnação do acto deve verificar-se previamente à interposição do recurso contencioso do mesmo acto.
Aliás, com o requerimento de intimação judicial mantém-se o efeito interruptivo do prazo de impugnação (art. 107 do CPTA).
Não é a situação que, no caso, se verifica: o requerente, ao invés, previamente ao requerimento de intimação judicial (destinado a obter informação procedimental tida por necessária à interposição do recurso contencioso) interpusera já recurso contencioso do acto, conforme deixou consignado no art. 6º do requerimento, a fls. 7.
O presente requerimento de intimação judicial padece, irremediavelmente, de inutilidade originária – e, nesse sentido, sofre de ilegalidade.
Na verdade, tendo o recorrente optado por imediata interposição de recurso contencioso, teria, consequentemente, de ser no processo de recurso que haveria de suscitar a necessidade de obtenção das informações em causa, tidas por necessárias para a sua defesa, nesse mesmo processo – mais precisamente, no proc. nº 41/11.2YFLSB desta secção de contencioso – sendo a matéria aí apreciada.
Termos em que se conclui no sentido de o presente requerimento dever ser rejeitado, por manifesta ilegalidade – patente que se mostra o vício de inutilidade originária do mesmo requerimento
Deverá, previamente à decisão, dar-se conhecimento ao requerente do teor deste parecer».
Notificado do parecer, o requerente disse:
«(…).
5. Salvo o devido respeito, que é muito, não assiste razão ao digno Magistrado.
6. Em primeiro lugar, o art. 106° do CPTA reporta-se, expressa e claramente nos termos do seu n° 1, aos pedidos de informação e passagem de certidão efectuados ao abrigo do art. 60°, n° 2, do CPTA, isto é, aos casos em que o acto administrativo padece de deficiente notificação, omitindo-se a indicação do sentido da decisão, do autor do acto, da data ou dos fundamentos da decisão,
7. vindo o interessado, assim, pedir à administração esses elementos em falta, ao abrigo não apenas do direito à informação como também e em primeira linha até do direito à notificação dos actos administrativos, conforme consagrado no art. 268°, n° 3, da Constituição da República Portuguesa.
8. Ora, é evidente que o caso vertente não se inscreve nessa hipótese normativa, por não estar em causa a omissão, em sede de notificação, de quaisquer elementos essenciais do acto.
9. O requerente vem pedir, isso sim, informações que entende serem essenciais ao cabal exercício dos seus direitos de defesa, constitucional e legalmente consagrados e, bem assim, à descoberta da verdade material, face à decisão punitiva que lhe foi aplicada no âmbito do processo disciplinar n° 72/09 – tudo conforme explicitado em sede de requerimento de intimação,
10. E tudo ao abrigo do direito fundamental de acesso à informação e, bem assim, do princípio da administração aberta, com consagração constitucional nos arts. 268°, n° 2, da CRP e 7°, 64° e 65° do CPA.
11. Decorre do que vimos de alegar que, não tendo o requerente exercido o direito à informação consagrado no art. 60°, n° 2, do CPTA, não podia o mesmo contar com a interrupção do prazo de impugnação e ficar, assim, à espera da informação para depois recorrer do acto... porque depois teria, na verdade, passado o prazo para o efeito, e veria, certamente, precludido o seu direito de recurso da injusta sanção de que foi objecto.
12. Sempre se diga, ainda assim e em abono da verdade, que o pedido de informação foi efectuado (7/3/2011) antes mesmo de dar entrada o recurso do acto punitivo (18/3/2011), e foi realizado com a menção de “muito urgente” (cfr. autos a fls...), embora sem qualquer efeito na resposta (que não se obteve sequer até ao momento...),
13. acrescendo que a necessidade de obter as presentes informações surgiu, como se sabe, na sequência de um outro pedido de informação ao Conselho Superior da Magistratura, pelo que, apenas após ter obtido resposta a esse pedido (já em execução de intimação judicial para o efeito), o requerente pôde fazer o presente.
14. Acresce ao que vimos de dizer que, ainda que se tratasse no presente de um caso de deficiente notificação, sendo aplicável o aludido art. 106° do CPTA e, bem assim, o art. 60°, n° 2 dessa lei processual, a verdade é que, ainda assim, o particular não tem de lançar mão da intimação previamente à interposição do recurso da decisão punitiva, ao contrário do que sustenta (embora sem qualquer arrimo normativo, principiológico ou outro) o Digno Magistrado – valendo isto, aliás, para qualquer hipótese legal de intimação para acesso a informação.
15. De facto, a lei consagra uma faculdade para o particular (nos termos literais e expressos do n° 2 do art. 60°), cujo exercício redunda, como garantia que é, num beneficio para o interessado, concretamente, no beneficio de interrupção do prazo de impugnação do acto,
16. Ora, sendo assim, como é, o seu não exercício (ou exercício tardio) resulta tão só na perda daquele beneficio, mas jamais por jamais poderia resultar na preclusão do direito (fundamental) dos administrados ao pleno conhecimento das decisões administrativas que lhes digam respeito e, bem assim, do direito de acesso à informação administrativa!
17. O exercício do direito à informação (e isto vale para qualquer uma das suas dimensões) não está nem pode estar, pois, sujeito a qualquer prazo – coisa diferente é a perda do beneficio que se poderia retirar do seu exercício dentro de determinado prazo (concretamente, a interrupção de um prazo de caducidade).
18. Em suma, nada impõe, nem pode impor que o requerente tivesse que propor a intimação antes de ter recorrido do acto punitivo, sendo que interpretação contrária a esta viola, de forma intensa e insuportável, o direito fundamental de acesso à informação – e isto independentemente, até, de estar aqui em causa ou não o direito à informação do art. 60°, n° 2, do CPTA (que é evidente que não está).
19. Por outras palavras, inexiste, pois, a “inutilidade originária” que o Digno Magistrado assaca ao presente processo de intimação, razão pela qual inexiste qualquer manifesta ilegalidade do requerimento de intimação, jamais podendo o mesmo ser rejeitado, aliás por este ou por qualquer outro motivo.
20. Em segundo lugar, temos que o processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões dos arts. 104° e ss. do CPTA se assume como um meio processual principal e próprio (o que não invalida que possa assumir, mormente nos casos do art. 60°, n° 2, uma função processual acessória de outros meios processuais, designadamente impugnatórios),
21. um meio especificamente destinado a tutelar o direito à informação, este perspectivado como um verdadeiro direito subjectivo, independente de qualquer pretensão impugnatória ou judiciária (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Femandes Cadilha, Comentário ao CPTA, 2ª edição revista, Almedina, 2007, pp. 613 e ss.).
22. Diga-se, aliás, que ainda antes da reforma do contencioso administrativo e da entrada em vigor do CPTA, o Supremo Tribunal Administrativo assumia já a intimação prevista no art. 82° da antiga LPTA (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos) como meio processual principal destinado a tutelar o direito à informação, desligado, portanto, da função instrumental inicial da figura (cfr. AA. e loc. cit.).
23. Decorre do que vimos de alegar que:
24. Como meio processual principal que é, a presente intimação tem autonomia relativamente ao recurso contencioso do acto punitivo (processo n° 41/1 1.2YFLSB), e isto em nada contende com uma eventual função instrumental da informação a que se pretende ter acesso em relação à impugnação do acto.
25. Como meio processual próprio que é, gizado pela lei para reagir contra qualquer forma de recusa do direito à informação (cfr. AA. e loc. cit.), a presente intimação é o (único) meio adequado à obtenção da informação administrativa requerida.
26. Estando, pois, em causa, o direito subjectivo do requerente à informação, independentemente da função instrumental que a informação em apreço possa assumir na impugnação do acto punitivo.
27. Temos, pois e assim, que inexiste qualquer fundamento (legal, principiológico ou outro), nem o Digno Magistrado o concretiza, que sustente o entendimento expresso no Parecer a que se responde, no sentido de que o requerente deveria ter suscitado a necessidade de obter as informações em questão no âmbito do recurso contencioso do acto punitivo mencionado.
28. No entanto, ainda que assim não fosse, o que se alega sem prescindir minimamente do que vimos de alegar, a verdade é que o requerente veio, expressamente, requerer a este digno Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do aludido processo n° 41/l1.2YFLSB, a notificação do CSM para prestar as informações que são objecto da presente intimação – cfr. doc. n° 1 que se protesta juntar.
29. Sendo que, tanto quanto sabemos, até à presente data tal pedido não foi objecto de qualquer decisão.
30. Uma última nota para dizer o que nos parece evidente e que decorre já de tudo quanto vimos de expor:
31. Ou seja, e sempre ressalvado o devido respeito, a interpretação explanada no Parecer constituiria uma manifesta e incomportável violação do direito do requerente à tutela jurisdicional efectiva (cfr. art. 268°, n° 4, da CRP), e
32. dos direitos do requerente (enquanto arguido de processo disciplinar) de defesa, de impugnação da decisão punitiva, de revisão da pena e obtenção de uma decisão justa (cfr. arts. 20°, 32°, 269°, n° 3, da CRP, 165° do EMJ e 59° e ss. do ED), a que acresce o direito do mesmo a um processo justo e equitativo (cfr. arts. 20°, n° 4, in fine, e 32° da CRP e 6° da CEDH),
33. bem como, já o dissemos, contra o direito do requerente à informação (cfr. arts. 268°, n°s 1 e 2 da CRP e 61° a 65° do CPA).
Termos em que,
roga mui respeitosamente que a presente intimação seja julgada procedente e, fazendo-se assim Justiça, sejam prestadas as informações solicitadas, com todas as consequências legais».
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Fundamentação:
Sobre a questão prévia colocada pelo MP:
O artº 106º, nº 1, (por lapso, escreveu-se artº 107º) do CPTA prevê a interrupção do prazo de impugnação do acto administrativo, mas em casos diferentes do aqui em causa.
Dispõe, com efeito, essa norma:
«O efeito interruptivo do prazo de impugnação que decorre da apresentação dos pedidos de informação, consulta de documentos ou passagem de certidão, quando efectuados ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 60º, mantém-se se o interessado requerer a intimação judicial (…)».
Por sua vez, o nº 2 do artº 60º estabelece:
«Quando a notificação ou a publicação do acto administrativo não contenham a indicação do autor, da data ou dos fundamentos da decisão, tem o interessado a faculdade de requerer à entidade que proferiu o acto a notificação das indicações em falta ou a passagem de certidão que as contenha, bem como, se necessário, de pedir a correspondente intimação judicial, nos termos previstos nos artigos 104º e seguintes deste Código».
A intimação judicial que tem o efeito interruptivo do prazo de impugnação afirmado no nº 1 do artº 106º é a prevista no nº 2 do artº 60º: a intimação judicial da entidade que proferiu o acto para fornecer as indicações que faltaram na notificação ou certidão que as contenha.
O caso presente não se situa nesse âmbito, tendo a intimação objecto diferente: a obtenção de determinadas informações que, na perspectiva do requerente, podem levar à procedência do recurso do acto proferido pelo CSM (a sua condenação no processo disciplinar).
E, se é verdade que o requerente poderia requerer no âmbito do recurso que interpôs da deliberação do CSM que o puniu as informações aqui pretendidas, também o é que a lei (artºs 104º e seguintes do CPTA) lhe permite lançar mão do presente procedimento, inexistindo qualquer norma que lhe imponha a opção por um ou por outro desses meios.
Por outro lado, saber se as informações pretendidas, no caso de a intimação proceder, podem ou não ser utilizadas pelo requerente no âmbito do recurso que interpôs, é questão que não cabe aqui decidir, mas sim nesse recurso, se ali for suscitada.
Não ocorre, pois, fundamento para não conhecer da intimação.
Sobre o mérito do pedido:
1. Como se viu, o requerente pediu, em 07/03/2011, ao CSM determinadas informações e a passagem da respectiva certidão. Em 11/04/2011, alegando não ter ainda obtido resposta do CSM, apresentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa o pedido de intimação daquele órgão para prestar e certificar as pretendidas informações. O CSM respondeu já ter indeferido o pedido, por deliberação de 05/04/2011, dizendo o requerente, em 17/05/2011, não ter ainda sido notificado dessa deliberação, desconhecendo-a.
A falta de resposta ao pedido de prestação de informações e passagem de certidão ou o seu indeferimento são para este efeito equivalentes, como resulta dos artºs 104º e 105º do CPTA.
As informações que o requerente pretende que o CSM preste, certificando-as, são as seguintes:
«a) a identidade do Senhor Inspector que realizou a última Inspecção ordinária e/ou extraordinária realizada ao trabalho do Sr. Dr. Juiz Dr. B...M..., respeitante à sua titularidade do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda;
b) todo o teor dessa inspecção ordinária e/ou extraordinária (o relatório completo da mesma, o que se requer que seja feita através de certidão);
c) o número concreto e exacto de processos que o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M..., à data em que cessou funções (31/08/2006), deixou com conclusão aberta e com atraso no despacho/decisão a proferir, com indicação discriminada do número de processo, espécie de processo, a respectiva data de conclusão, natureza do despacho/decisão a proferir, data em que veio a ser proferida decisão – nos termos do ponto 3.1.21 da matéria de facto provada do acórdão do Plenário deste Conselho Superior da Magistratura, proferido no processo disciplinar nº 72/2009, em que é arguido o requerente;
d) o número concreto e exacto de processos que o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M... teve na sua posse, quando já era titular do 1º Juízo da Guarda o aqui requerente, com indicação discriminada do número de processo, espécie de processo, a respectiva data de conclusão, natureza do despacho/decisão a proferir, data em que veio a ser proferida decisão e data em que efectuou a entrega, na secretaria do 1º Juízo, dos respectivos processos que teve consigo depois de deixar de ser titular do 1º Juízo em causa – nos termos do ponto 3.1.21 da matéria de facto provada do acórdão do Plenário deste Conselho Superior da Magistratura, proferido no processo disciplinar nº 72/2009, em que é arguido o requerente;
e) o tempo exacto que o Exmo. Senhor Dr. Juiz de Direito B...M... teve na sua posse cada um desses processos após ter deixado de ser titular do 1º Juízo da Guarda, ou seja, o número exacto de anos, meses e dias que tais processos estiveram na sua posse».
Nos termos do artº 5º da Lei nº 46/2007, «todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo».
Mas isso não é assim se estiver em causa um «documento nominativo» que, na definição do artº 3º, nº 1, alínea b), é «o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada».
Na verdade, de acordo com o disposto no artº 6º, nº 5, «um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade».
2. O documento administrativo que conterá as informações pretendidas pelo requerente é o relatório da última inspecção ordinária ou extraordinária realizada ao serviço prestado pelo juiz que o precedeu no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, o Dr. B...M.... É esse o documento de que fala. É certo que nas alíneas c), d) e e) alude a informações sobre determinados dados que concretiza. Mas não refere qualquer outro documento onde possam constar nem se vê que outro documento referente àquele juiz poderia conter esses dados, para além do relatório de inspecção ou de um processo disciplinar, estando esta última possibilidade excluída, visto o requerimento de intimação ter como ponto de partida precisamente o facto de ao Dr. B...M... não haver sido movido qualquer processo disciplinar com referência aos elementos de que pede informação.
Das referidas informações, só a da alínea a) – a identidade do inspector judicial que realizou a última inspecção ao serviço do juiz que o antecedeu naquele tribunal – não está coberta pela restrição do nº 5 do artº 6º, pois as restantes referem-se a dados acerca de pessoa singular identificada envolvendo apreciação sobre a sua prestação de serviço.
O requerente não se encontra munido de autorização escrita da pessoa a quem se refere aquele documento, pelo que as informações das alíneas b), c), d) e e) só podem ser-lhe fornecidas se «demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade».
3. O requerente, começando por dizer que fez o pedido de prestação das referidas informações por elas serem absolutamente indispensáveis «à preparação e elaboração do recurso» a interpor para o Supremo Tribunal de Justiça da deliberação do CSM que, no âmbito de processo disciplinar, o condenou em pena de multa, recurso esse que acabou por apresentar em 18/03/2011 (nº 6 do requerimento de intimação), acaba por afirmar serem essenciais as informações também para o exercício do seu direito de «revisão da pena» (nº 16 do requerimento de intimação).
Contudo, não importa aqui averiguar se aquelas informações são necessárias para efeito de revisão da deliberação condenatória, visto que essa situação não se coloca agora e pode nunca vir a colocar-se, pois a condenação não está ainda estabilizada. A revisão só pode ser equacionada após o trânsito em julgado da decisão, nos termos do artº 449º, nº 1, do CPP, aplicável subsidiariamente ao processo disciplinar, por força do disposto no artº 131º do EMJ.
4. Diz o requerente que, quando tomou posse, o tribunal estava «afundado», com cerca de 2790 processos pendentes, tendo sido «essencialmente recuperado» por si, que passou a pendência para 1800 processos», sendo que, apesar disso, foi condenado em pena de multa, por atrasos na tramitação de processos, enquanto o juiz anterior não foi punido pelo estado em que deixou esse 1º Juízo. Terá por isso a deliberação que o condenou, por pretensos atrasos na tramitação de processos, violado os princípios «da razoabilidade, da igualdade e da justiça», pretendendo obter informações concretas sobre a situação em que se encontrava o tribunal aquando da última inspecção ao serviço do juiz que o antecedeu, com vista à arguição no recurso daquela deliberação da violação desses princípios.
Nem sempre a infracção disciplinar se encontra tipicamente descrita. Para além de tipos de infracção especificamente previstos, nos termos do artº 82º do EMJ «constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».
Se é certo que o CSM, tendo conhecimento de uma infracção disciplinar praticada por um juiz, não pode deixar de instaurar o respectivo procedimento, também o é que a qualificação de um facto como infracção disciplinar, designadamente pela via da violação de um dos deveres profissionais, depende de uma apreciação, de um juízo avaliativo sobre esse facto. Existe aí uma margem de apreciação, não se tratando por isso de uma actividade estritamente vinculada. Estando em causa atrasos na prolação de decisões, como no caso, a lei não diz qual o número ou a extensão dos atrasos necessários para se ter como preenchida a infracção disciplinar. A operação de qualificar ou não como infracção disciplinar uma situação de atrasos processuais envolverá a consideração de diversas circunstâncias, como o volume de serviço, a sua complexidade e até a comparação com a prestação de outros juízes em idênticas condições.
No caso, o requerente propõe-se fazer valer em sede de recurso da deliberação que o condenou a alegação de que a comparação da sua prestação profissional com a do juiz que antes dele exerceu funções no mesmo tribunal o favorece, pelo que, não tendo o juiz anterior sido punido, também ele, requerente, o não poderá ser, sob pena de violação dos ditos princípios. No fundo, o que o requerente diz é: se no desempenho do juiz anterior não foi vista qualquer infracção disciplinar, também nenhuma pode configurar o desempenho do requerente, que, na comparação, não fica a perder.
Situando o requerente a violação desses princípios no âmbito da qualificação de determinados factos como infracção disciplinar, fora portanto do âmbito de uma actividade estritamente vinculada, a sua alegação, se demonstrada, pode, em abstracto, proceder em sede de recurso da deliberação que o puniu.
E não é ao relatório da inspecção realizada a um qualquer juiz de um qualquer tribunal que quer ter acesso, mas ao relatório da última inspecção ao serviço do juiz que o antecedeu no tribunal, do juiz que será o responsável pelo estado do serviço no momento em que o requerente iniciou as suas funções. Dito de outro modo, o requerente quer ter acesso a elementos que, dizendo embora respeito a outro juiz, terão relevância na avaliação da sua própria prestação.
Tem por isso um interesse directo, pessoal e legítimo na obtenção das informações de serviço constantes do relatório da última inspecção ordinária ou extraordinária ao serviço do juiz que o antecedeu no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda.
Resta averiguar se esse interesse é suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade para sacrificar o valor protegido com a restrição do direito de acesso a documentos nominativos. À luz desse princípio, consagrado no artº 18º, nº 2, da Constituição, tal sacrifício pode ter lugar se «necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
O requerente pretende com as informações constantes do relatório de inspecção ao serviço do juiz que o antecedeu fazer valer, em sede de recurso, a alegação de violação daqueles princípios e, por essa via, obter a sua absolvição no processo disciplinar. O acesso a essas informações é, pois, nessa perspectiva, necessário à defesa desse seu interesse. Por outro lado, as informações pretendidas referem-se a dados exclusivamente de serviço. E do acesso a elas pode depender a absolvição do requerente no processo disciplinar. Este interesse do requerente, de ser absolvido, não é menos valioso que o interesse protegido pela restrição de acesso a um relatório de inspecção de outro juiz, sobrepondo-se-lhe mesmo, quando, como no caso, os dados ali referidos, dizendo embora directamente respeito ao juiz cujo serviço foi objecto da inspecção, se podem repercutir na avaliação funcional do requerente. Justifica-se, pois, que, no caso, se reconheça ao requerente o acesso aos dados de serviço do relatório da última inspecção efectuada ao serviço do Dr. B...M... no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, acesso esse que se limitará a dados e considerações de serviço, mantendo-se reservados outros dados, como a proposta de classificação, eventuais referências a classificações anteriores e menções de natureza disciplinar.
4. Afirma ainda o requerente (no nº 14 do requerimento de intimação) que as informações solicitadas, tendo certamente em vista as indicadas nas alíneas c) e d), «são relevantes para afastar qualquer dúvida de que o anterior titular do 1º Juízo não levou consigo processos com conclusão aberta depois de o requerente ter tomado posse», dúvida que se justificaria por
I) haver «imputações de atrasos em processos concretos, que se terão concluído poucos dias após a tomada de posse do aqui requerente»;
II) estar «provado nos autos disciplinares que teve consigo (o juiz anterior), após deixar de ser titular do 1º Juízo, algumas dezenas de processos e que foram entregues mais tarde (cfr. ponto 3.1.21. da matéria de facto provada da decisão punitiva».
Neste ponto, o requerente refere-se a dados que constarão do processo disciplinar em que é arguido ele próprio, com o nº 72/2009 (sendo no STJ o recurso nº 41/11.2YFLSB), como se vê da alínea c) do nº 13 do seu requerimento.
Devendo entender-se, pelas razões já apontadas, que o requerente só pode ter querido obter estas informações através do relatório da última inspecção de que foi objecto o serviço prestado no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda pelo juiz anterior, está prejudicado o conhecimento desta alegação, visto se ter reconhecido em 3 o seu direito de acesso a esse documento.
De qualquer modo, sempre se dirá que, se o requerente tinha em vista qualquer outro documento, esta sua alegação, assim perspectivada, não poderia proceder.
Note-se que o requerente não afirma qualquer facto; diz antes querer afastar uma dúvida. E não se vê que os alegados factos de I) e II) suscitem a dúvida que diz pretender ver afastada. Na verdade, quando um juiz incorre em atrasos, estes tanto podem ser em processos com termo de conclusão recente como em processos com conclusão de há muito tempo. E a circunstância de o juiz anterior ter tido em seu poder processos do 1º Juízo numa altura em que já ali não prestava serviço, entregando-os mais tarde, só pode significar o propósito de regularizar ou minorar as situações de atrasos processuais da sua responsabilidade, situações essas que nunca seriam relativas a conclusões abertas posteriormente à cessação de funções. Não se vislumbra como é que o juiz anterior poderia ter consigo processos com termo de conclusão posterior à sua cessação de funções e mesmo posterior à tomada de posse do requerente, se, por um lado, não tinha nisso qualquer interesse e, por outro, já não tinha a disponibilidade desses processos. Aliás, a decisão que proferisse em tais processos nem poderia manter-se, por falta de jurisdição, pois ostentaria necessariamente uma data posterior à cessão de funções. E o invocado ponto 3.1.21 da matéria de facto provada no processo disciplinar em que o requerente foi punido, como se vê do artº 94 do seu requerimento de interposição de recurso (ao qual se teve acesso), afasta a dúvida referida, ao afirmar que «o antecessor do arguido (Dr. B...M...), à data em que cessou funções, (…) ficou na posse de algumas dezenas de processos conclusos para decisão».
5. Em relação à informação da alínea a), não havendo restrições ao direito de lhe aceder, não há que averiguar da valia do interesse alegado pelo requerente, uma vez, que, nos termos do artº 5º da Lei nº 46/2007, nenhum tem que enunciar.
Decisão:
Em face do exposto, decidem os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em deferir o pedido de intimação, nos moldes referidos, devendo, em consequência, o Conselho Superior da Magistratura, fornecer ao requerente, no prazo de 8 dias, certidão do relatório da última inspecção ordinária ou extraordinária ao serviço prestado pelo juiz Dr. B...M... no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, certidão essa que conterá, para além da identidade do respectivo inspector judicial, os dados e considerações relativos ao serviço prestado, sendo, nos termos do artº 6º, nº 7, da Lei nº 46/2007, expurgada toda a restante informação, como a proposta de classificação, eventuais referências a classificações anteriores e menções de natureza disciplinar.
Sem custas.
Notifique o requerente e o requerido.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2012
Manuel Braz (relator)
Fernandes da Silva
João Camilo
Pires da Graça
Garcia Calejo
Serra Baptista
Lopes do Rego
Henriques Gaspar