I - Tendo o contrato de seguro celebrado entre as partes incluído nos riscos a cobrir danos sofridos decorrentes de fenómenos geológicos como: “aluimentos, deslizamentos, derrocadas e “afundimento de terras”, socorrendo-nos dos critérios interpretativos referidos nos arts. 236.º n.º 1 e 237.º do CC , podemos concluir que tendo o solo onde está implantada a moradia características geológicas específicas, com forte presença de argilas, um tomador médio de seguro, perante uma cedência do terreno ou no dizer do contrato um “afundimento de terras” na zona onde está implantada a moradia, incluía seguramente essa cedência de terreno no âmbito do contrato de seguro.
II - E o facto de à data em que se celebrou o contrato (ano de 2003) serem já visíveis as depressões do logradouro não retira a imprevisibilidade do sinistro, quando este segundo o que vem provado teve como causa um fenómeno de ordem geológica, como é o caso, da forte estiagem de 2005 com o correspondente abaixamento significativo do nível freático e alteração da carga do terreno de fundação, factores que contribuíram para a ocorrência de fissuras com diferentes extensões , pelo menos em estruturas ligeiras, como muros anexos à moradia, pavimentos e pórticos exteriores e nos anexos/ampliações construídas – H).
III - Verifica-se nexo de causalidade em função do que vem provado entre as apontadas fissuras e o referido fenómeno geológico como foi a forte estiagem do ano de 2005 com o correspondente abaixamento do nível freático do terreno onde está implantada a moradia e a consequente cedência de terras ou, no dizer do contrato de seguro no “afundimento de terras”.
IV - E sendo assim essas fissuras estão cobertas pelo contrato de seguro sendo, no entanto, de excluir do âmbito do mesmo as deficiências que as fundações apresentavam, por não terem sido executadas com a mesma profundidade que as fundações da vivenda original, porquanto essas deficiências situam-se ao nível da defeituosa execução das fundações, vícios intrínsecos e originais que a seguradora não tem de responder.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Relatório
AA intentou acção declarativa soba forma ordinária contra BB pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €38.500,00 referente a indemnização pela ocorrência em 24.08.2005 de fissuras em parte do edifício seguro na Ré contra o risco de aluimento de terras.
O A fundamenta o seu pedido alegando, em síntese:
É proprietário de uma moradia, que identifica, que foi construída em 1995 e recebeu obras de beneficiação em 1992, a qual nunca revelou quaisquer manifestações de deficiente fundação;
Em 24/08/2005, a moradia apresentou várias fissuras, mais ou menos extensas em paredes, muros e lajes, designadamente na zona das traseiras, zona de jardim e parte frontal. Essas fissuras devem-se a assentamentos diferenciais decorrentes das heterogeneidades naturais dos terrenos da fundação da moradia e à presença de argilas.
O autor celebrou contrato de seguro com a ré tipo Multi-riscos habitação, o qual tem por objecto a cobertura dos danos directamente causados aos bens que compõem a moradia, por ocorrência de sinistro fortuito, súbito e imprevisto garantido pelas coberturas , no qual se incluía o aluimento de terras, fenómenos geológicos, como aluimentos, deslizamentos derrocadas e afundimentos de terrenos.
O autor participou o sinistro à Ré que declinou a sua responsabilidade na indemnização do dano.
A Ré contestou e, depois de confirmar a celebração do contrato de seguro com o autor, defendeu que as deficiências em causa não estão abrangidas pelo contrato, alegando que as fissuras apenas se verificam nos anexos e zona ampliada da moradia, sendo originadas pela pouca profundidade das fundações dessas construções.
Alega ainda que já em 2003 a mesma empresa que realizou a peritagem do sinistro, havia verificado semelhantes fendas e rachas nos mesmos locais, donde resulta que não ocorreu um assentamento ou movimento súbito do terreno. Trata-se de assentamentos normais do terreno, não podendo considerar-se assentamentos diferenciais anómalos ou imprevistos, pelo que não estão garantidos pelo contrato.
Foi proferido despacho saneador, no qual se seleccionou os factos assentes e os controversos que integraram a base instrutória, selecção que não mereceu das partes reclamação.
Procedeu-se a julgamento e após decisão sobre a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar, necessária para proceder à reparação das fissuras que se verificaram na vivenda referidos nos pontos 8º e 11º dos factos provados e absolveu a Ré do demais pedido.
Inconformados A e Ré interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que através do Acórdão de fls. 500 a 503,negou provimento à apelação da Ré julgando procedente a apelação da Autora e, revogando a sentença recorrida, julgou a acção procedente e condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar necessária para proceder à consolidação do contacto entre o terreno em que assenta a moradia e as fundações da mesma com o preenchimento das cavidades e fissuras ocorridas em Agosto de 2005 no imóvel do A seguro na Ré.
A Ré novamente inconformada interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.
A Ré nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:
1) O risco é um elemento essencial do contrato de seguro, sem risco não existe seguro.
2) Nos termos art. 5, 4, c) das condições gerais da apólice, consideram-se excluídos da cobertura "aluimento de terras" os danos nos bens seguros:
• Que estejam sujeitos a acção contínua da erosão e acção das águas, salvo se aqueles fizerem prova que os danos não têm qualquer relação com aqueles fenómenos;
• Se, no momento da ocorrência do evento, o edifício já se encontrava danificado, desmoronado ou deslocado das suas fundações, paredes, tectos, algerozes ou telhados.
3) Um sinistro é um acontecimento fortuito, súbito ou inesperado susceptível de provocar o funcionamento das garantias do contrato.
4) Na medida em que já em 2003 eram visíveis no terreno depressões no logradouro, acomodações do terreno e deslocações das estruturas ligeiras, da matéria de facto provada, necessário seria pois concluir, salvo melhor opinião, que inexiste um evento fortuito, entendido como aquilo que acontece por acaso, de maneira imprevista, conforme mencionado na douta sentença proferia em l5 Instância.
5) E inexiste imprevisibilidade, porquanto os danos invocados pelo Autor não surgiram de repente, nem fortuitamente, eles já existiam desde 2003.
6) E, pela mesma razão, por já existirem desde 2003, não foram súbitos.
7) A causa - fundação das estruturas ligeiras não terem sido executadas com a mesma profundidade que as fundações da vivenda original - não cessou (apenas foram reparadas fissuras - resposta aos pontos 95 e IO9 da base instrutória), continuando a agravar as fissuras existentes, e esta causa, por seu turno, desencadeou o aparecimento de novas fissuras.
8) As circunstâncias em que se verificaram as fissuras referidas nos presentes autos violam a natureza jurídica do contrato de seguro e não se enquadram no conceito de sinistro, nem tão pouco no âmbito de cobertura do contrato.
9) Donde deveria o douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ter considerado estarmos perante uma acção continuada, perpetrada e agravada ao longo dos anos pela não consolidação do terreno em que assenta a moradia, por parte do A., aquando da ampliação da moradia e, posteriormente, durante o período decorrente entre 2003 e 2005.
10) Resulta da matéria de facto assente que não estamos perante um acontecimento fortuito, súbito ou inesperado, e sim perante um agravamento da situação já verificada em 2003.
11) E, consequentemente, não estamos perante um "sinistro" susceptível de provocar o funcionamento das garantias do contrato.
12) Para que a cobertura do contrato funcionasse na situação dos autos, era necessário, por um lado, que estivesse preenchido o conceito de "afundimento de terreno", e, por outro lado, que existisse nexo de causalidade entre esse afundimento de terreno e os danos ocorridos, o que, salvo o devido respeito, não se verifica.
13) No contexto em que se prevê, nas condições gerais do contrato de seguro, o risco "aluimento de terras", refere-se a algo violento, ocorrido por condições atmosféricas anormais (vide cláusula 3^ a. 4. das condições gerais, onde, juntamente com a expressão "afundimento", se menciona"deslizamentos, derrocadas").
14)Trata-se de um fenómeno perfeitamente circunstanciado no espaço e no tempo, não de uma situação prolongada como a dos presentes autos. 15) Está provado que as fissuras ocorreram nas construções de pequenas dimensões, devido ao facto de as mesmas não estarem dotadas de fundações com a profundidade necessária para resistirem a estes fenómenos, normais, atendendo às características concretas do terreno onde foram construídas.
16) Está provado que os assentamentos diferenciais devem-se às alterações do nível freático e à presença de argilas.
17) As condições do terreno, designadamente, nível freático e a presença de argilas, onde se encontra construída a parte original da vivenda, a ampliação e as estruturas ligeiras construídas posteriormente, são iguais.
18) E, resultando da matéria de facto provada, que as alterações do nível freático e a presença de argilas no terreno apenas se traduziram nas estruturas (muros anexos e avançados, i.e., nas ampliações) que não têm o mesmo tipo de fundação da moradia principal, necessário seria concluir, salvo o devido respeito, que a causa do aparecimento das fissuras foi o facto de as fundações das estruturas ligeiras não terem sido executadas com a mesma profundidade que as fundações da vivenda original.
19) Se a causa fosse a forte estiagem de 2005 com o correspondente abaixamento significativo do nível freático local e alteração da capacidade de carga do terreno e aumento de deformação, que também ocorreu no solo onde se encontra construída a moradia principal, então também esta teria, necessariamente, fissuras, o que, conforme está provado, não ocorreu.
20) A ora Recorrente, jamais poderá ser responsabilizada por um defeito de construção, imputável ao próprio A., pelo que inexiste o necessário nexo causal entre o alegado "sinistro" e os danos.
21) Está provado que as fissuras ocorreram nas construções de pequenas dimensões, devido ao facto de as mesmas não estarem dotadas de fundações com a profundidade necessária para resistirem a estes fenómenos, normais, atendendo às características concretas do terreno onde foram construídas.
22) Da matéria de facto provada não resulta que tenham ocorrido danos nas fundações.
23) Ao contrário, da matéria de facto provada resulta que as fundações das estruturas ligeiras, em concreto o facto de não terem sido executadas com a mesma profundidade que as fundações da vivenda principal foi uma causa para o aparecimento dos danos, e não um dano em si.
24) Consolidar significa "1. Tornar ou ficar mais duro, sólido, consistente, duro ou adquirir resistência, firmeza, solidez, consistência. Solidificar. 2. Tornar ou ficar mais forte, firme, duradouro, estável/' {in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências, Verbo, 2001).
25) Ao consolidar as fundações da vivenda do Apelante mais não se faz do que tornar as fundações, que o Autor mandou construir como entendeu, mais firmes, resistentes e estáveis, o que configura um reforço do que já existe e não uma reparação de um dano que surgiu pela ocorrência de um sinistro fortuito, súbito e imprevisto.
26) 0 art. 562º do Cód. Civil estabelece "como princípio geral quanto à indemnização, o dever de se reconstituir a situação anterior à lesão, i.e., o dever de reposição das coisas no estado em que estariam, se não se tivesse produzido o dano (princípio da reposição natural)." (Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 576, 4§ Edição, Coimbra Editora).
27) Tendo em conta os danos provados nos presentes autos (fissuras em paredes e lajes correspondentes à ampliação da vivenda), a Apelada jamais poderia ser condenada a pagar uma indemnização para consolidação das fundações da vivenda.
28) Ao assim, não se decidir, violou pois o Acórdão recorrido, quanto dispõem os artºs 427º e 434º do Cod. Comercial, artºs 483º, 499º 562° do Cód. Civil
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve dar-se provimento ao presente recurso, alterando o Acórdão recorrido nos termos preconizados neste articulado, assim se fazendo,
JUSTIÇA ,
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
Os factos provados são os seguintes:
1- Mostra-se registado a favor da Autora a propriedade do prédio urbano, sito na Rua ............ , nº...- Bairro das Casas Económicas do Restelo, moradia .........– registado na 3ª Conservatória do Registo Predial , sob o nº 000000000 freguesia de Belém, inscrito na matriz respectiva sob o art. 2167- A) dos factos assentes;
2- O Autor celebrou com a Ré um contrato de seguro , do tipo “Multi- Riscos Habitação” titulado pela apólice nº 000000000 com início em 12/09/03 , com duração de “ 1 ano e seguintes” relativo à moradia referida supra - B) dos factos assentes;
3- Consta nos arts. 2º nº1 das Condições Gerais do Contrato “ o presente contrato tem por objecto a cobertura dos danos directamente causados aos bens indicados nas condições particulares pela ocorrência de um sinistro fortuito, súbito e imprevisto garantido pelas coberturas indicadas no art. 1º desta apólice – C);
4- No artº 1º a 4. Das Condições Gerais do Contrato inclui-se nos “ riscos principais” “ Aluimento de Terras “- D);
5- No art. 3º a 4 das Condições Gerais do Contrato estabelece-se que “ Aluimento de Terras- garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos : aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimento de terras”- E)
6- O Autor participou à Ré a existência de fissuras e a Ré em 19/01/06 comunicou ao Autor que não indemnizaria esses danos. F);
7- A moradia referida foi construída em 1955/56 e foi registada inicialmente a favor do Autor e da sua ex-cônjuge, em 16/01/1984- G);
8- Verificam-se fissuras, com diferentes extensões , pelo menos em estruturas ligeiras, como muros anexos á moradia, pavimentos e pórticos exteriores e nos anexos / ampliações construídas depois do edifício principal estar concluído - H)
9- A moradia referida em A) recebeu obras de beneficiação em 1992- 1º da BI ;
10- A parte original da vivenda, antes da ampliação, nunca teve quaisquer manifestações de deficientes fundações - 2º da BI
11- O Autor constatou o surgimento das fissuras mencionadas em H) em finais de Agosto de 2005 e também surgimento de fissuras em paredes e lajes correspondentes à ampliação da vivenda – 3º da BI ;
12- As fissuras referidas em H) observam-se a olho nu numa divisão situada nas traseiras da moradia, na zona do quintal e também nas traseiras , na zona do jardim e na parte frontal - 4º da BI;
13- As fissuras foram causadas pela forte estiagem de 2005 com o correspondente abaixamento significativo do nível freático local e alteração da capacidade de carga do terreno de fundação e aumento da respectiva deformidade e por as fundações das estruturas ligeiras não terem sido executadas com a mesma profundidade que as fundações da vivenda original. 5º e 15º da BI;
14- Esses assentamentos diferenciais devem-se às alterações do nível freático e à presença de argilas – 6º da BI;
15- A consolidação do contacto entre o terreno em que assenta a moradia e as fundações da mesma com preenchimento de cavidades e fissuras é uma solução para o problema da fissuração verificado - 7º da BI
16- O custo dessa intervenção terá o valor não apurado - 8º da BI
17- Já em 2003 se verificavam nas estruturas ligeiras e no anexo da vivenda fissuras semelhantes às agora invocadas, tendo sido objecto de reparação - 9º e 10º da BI;
18- Os muros anexos e avançados onde se verificam a maior parte das fissuras , não tem o mesmo tipo de fundação da moradia principal - 11º da BI;
19- Já em 2003 eram visíveis depressões no logradouro semelhantes ás ora invocadas - 13º da BI
20- O que indica que já nessa altura existiam vestígios de acomodação dos terrenos ao logradouro e deslocações das estruturas ligeiras - 14º da BI
Apreciando:
Conforme decorre das precedentes conclusões, a questão a dirimir no presente recurso, consiste no essencial determinar, no âmbito do contrato de seguro, aqui em causa, socorrendo-se da interpretação das Condições Gerais e Particulares da Apólice de Seguro - riscos cobertos e exclusões - se deve ou não ter por excluído o direito à indemnização peticionado pelo Autor .
Neste domínio, importa ter presente que é pacífico o entendimento, segundo o qual é matéria de direito a interpretação do negócio jurídico, quando não se dirija do enquadramento ao apuramento da vontade real das partes, mas faltando o conhecimento desta vontade real, deve seguir-se os critérios previstos nos arts. 236 nº1 e 238 nº1 do C. Civil , competindo a este Supremo neste quadro legal determinar o sentido em que deve ser fixado o objecto contratual .
No contrato de seguro o declaratário corresponde á figura do tomador médio, sem especiais conhecimentos jurídicos ou técnicos, tendo em consideração, em matéria de interpretação do contrato, o sentido que melhor corresponda à sua natureza e objecto, vale dizer ao “âmbito do contrato” nas suas vertentes da “definição das garantias , dos riscos cobertos e dos riscos excluídos” adoptando o sentido comum ou ordinário dos termos utilizados na apólice ou, quando seja o caso, o sentido técnico dos termos que “ claramente se apresentem em tal conteúdo ( cfr. Ac. STJ de 19/10/2010 – Proc. 13/07 .1TBCHV. G1: J. C. Moitinho de Almeida “ Contrato de Seguro” Estudos pag. 124; José Vasques “ Contrato de Seguro pag. 350 e 355).
Ainda respeito da tutela da vontade do segurado não se deve esquecer também o critério interpretativo do art. 237 do C. Civil , segundo o qual “ em casos dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações”.
O Ac. deste Supremo de 28/3/1995 in BMJ 445- 519 socorrendo-se deste critério considerou “ de que as condições gerais devem interpretar-se restritivamente : impõe-se, como regra, o princípio in dúbio contra stipulatorem, na medida em que a aplicação do mesmo conduzir a um maior equilíbrio das prestações”. Assim “ se em caso de litígio se pretender extrair das cláusulas significações que o aderente não surpreendeu, não poderá tal significação prevalecer”.
Postas estas considerações , importa, agora, confrontá-las com o contrato, aqui em causa.
O art. 2º nº1 das Condições Gerais do Contrato estabelece “ o presente contrato tem por objecto a cobertura de danos directamente causados aos bens indicados nas condições particulares pela ocorrência de um sinistro fortuito, súbito e imprevisto garantido pelas coberturas indicadas no art. 1º desta apólice”.
E no art. 1º a 4 das Condições Gerais do Contrato inclui-se nos riscos principais o “ Aluimento de Terras “
E no art. 3º a 4 das Condições Gerais do Contrato estabelece-se que o risco “ Aluimento de Terras “ garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos : aluimentos, deslizamentos, derrocadas e “afundimentos de terrenos”.
Vejamos, então, o que vem provado:
O Autor celebrou com a Ré um contrato de seguro, do tipo “Multi- Riscos Habitação” titulado pela apólice nº 000000000 com início em 12/09/03, com duração de “ 1 ano e seguintes” relativo à moradia referida supra - B) dos factos assentes;
Consta nos arts. 2º nº1 das Condições Gerais do Contrato “ o presente contrato tem por objecto a cobertura dos danos directamente causados aos bens indicados nas condições particulares pela ocorrência de um sinistro fortuito, súbito e imprevisto garantido pelas coberturas indicadas no art. 1º desta apólice – C);
No artº 1º a 4. Das Condições Gerais do Contrato inclui-se nos “ riscos principais” “ Aluimento de Terras “- D);
No art. 3º a 4 das Condições Gerais do Contrato estabelece-se que “ Aluimento de Terras- garante os danos sofridos pelos bens seguros em consequência dos seguintes fenómenos geológicos : aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimento de terras”- E)
O Autor constatou o surgimento das fissuras mencionadas em H) em finais de Agosto de 2005 e também o surgimento de fissuras em paredes e lajes correspondentes à ampliação da vivenda – cfr. Resposta ao quesito 3º da BI;
As fissuras referidas em H) observam-se a olho nu, numa divisão situada nas traseiras da moradia na zona do quintal e também nas traseiras, na zona do jardim e na parte frontal - cfr. resposta ao quesito 4º da BI;
As fissuras foram causadas pela forte estiagem de 2005 com o correspondente abaixamento significativo do nível freático local e alteração da capacidade de carga do terreno de fundação e aumento da respectiva deformidade e por as fundações das estruturas ligeiras não terem sido executadas com a mesma profundidade que as fundações da vivenda original - cfr. respostas aos quesitos 5º e 15º da BI
Esses assentamentos diferenciais devem-se às alterações do nível freático e à presença de argilas - cfr. resposta ao quesito 6º da BI,
A consolidação do contacto entre o terreno em que assente a moradia e as fundações da mesma com preenchimento de cavidades e fissuras é uma solução para o problema da fissura verificado.
Já em 2003 se verificavam nas estruturas ligeiras e no anexo da vivenda fissuras semelhantes às agora invocadas , tendo sido objecto de reparação . cfr. respostas 9º e 10º da BI;
Os muros anexos e avançados onde se verificam a maior parte das fissuras não tem o mesmo tipo de fundação da moradia principal.
As divergências das instâncias residem apenas no âmbito dos danos cobertos pelo contrato de seguro.
A 1ª instância restringe a cobertura aos danos resultantes dos assentamentos diferenciais, concluindo que as rachas e fissuras verificadas estão garantidas pela apólice, excluindo da cobertura a consolidação das fundações da moradia nos termos em que peticiona ( cfr. art. 13 da pi).
Por seu turno, o Acórdão recorrido considera que o contrato de seguro abrange a consolidação das fundações da moradia que a A reclama na acção.
Antes de mais o presente recurso suscita desde logo, a questão de saber se o sinistro dos autos configura uma situação de “aluimento de terreno” coberta pelo seguro, alegando a recorrente ainda ser necessário existir um nexo de causalidade entre esse afundimento de terreno e os danos ocorridos.
Vejamos:
Efectivamente segundo o art. 1º a 4º das Condições Gerais da Apólice inclui-se nos “ “riscos principais” “ Aluimentos de Terras “
E o seu art. 3º e 4 que esse risco “ Aluimentos de terras cobre danos sofridos pelos bens seguros em resultado de fenómenos geológicos : aluimentos, deslizamentos, derrocadas e afundimento de terras”.
Confrontando este clausulado com a factualidade provada resulta, pelo menos , a existência de um fenómeno de características geológicas traduzido fundamentalmente na “ forte estiagem do ano de 2005 com o correspondente abaixamento significativo do nível freático local e alteração de carga do terreno de fundação e aumento da respectiva deformidade”o que, à luz do aludido contrato seguro, poderá configurar uma situação de “ afundimento de terras” ou utilizando linguagem mais corrente e comum “cedência de terreno”.
De facto tudo indicia que o solo onde está implantada a moradia, tem umas características geológicas específicas, com forte presença de argilas, facto certamente conhecido do tomador do seguro e, daí de no seguro que fez ter procurado acautelar a situação de cedência de terreno ou no dizer do contrato “ afundimento de terras”.
Foi certamente essa especificidade do terreno onde está implantada a moradia (com forte presença de argilas) que levou o A, como tomador de seguro, a ter essa preocupação e o certo é, que fê-la traduzir na apólice, circunstância esta que a Ré, pelos vistos, também aceitou, ao incluir uma cláusula a cobrir como risco principal a situação de “ afundimento de terras”.
E se em 2003 ( data em que foi celebrado o contrato) já eram visíveis as depressões no logradouro semelhantes às ora invocadas, o certo é que a Ré não obstante esse quadro celebrou o presente contrato.
E não se diga, como a recorrente que não houve aqui um sinistro imprevisível ou fortuito, porque como vem provado “ as fissuras foram causadas pela forte estiagem de 2005 com o correspondente abaixamento significativo do nível freático local e alteração da capacidade de carga do terreno de fundação e aumento da respectiva deformidade e por as fundações das estruturas ligeiras não terem sido executadas coma a mesma profundidade que as fundações da vivenda original – 5º e 15 da BI.
Significa que, pelo menos, as condições climatéricas que ocorreram no ano de 2005 e que, reconheça-se, também contribuíram para o sinistro, eram imprevisíveis para as partes em 2003.
E sendo assim e socorrendo-nos também dos critérios interpretativos supra referidos, nomeadamente dos citados arts. 236 nº1 e 237 do C. Civil , podemos concluir que um tomador médio perante um abaixamento ( cedência ) de terras como aquele que ocorreu no caso dos autos, incluía um sinistro desse tipo no âmbito da cobertura do contrato de seguro aqui em causa, cujo risco principal a cobrir abrange o “ aluimento de terras” ou “ afundimento de terras” que em linguagem mais corrente também pode ser denominado por “ cedência ou abaixamento de terreno” .
Quanto ao nexo de causalidade podemos concluir, em função do que vem provado que as apontadas fissuras referenciadas na alínea H) dos factos assentes tiveram fundamentalmente duas causas, a forte estiagem de 2005 com o correspondente abaixamento significativo do nível freático e alteração da carga do terreno de fundação e o facto de as fundações das estruturas ligeiras não terem sido executadas com a mesma profundidade que as fundações da vivenda original.
Neste particular acompanhamos a sentença da 1ª instância, quando restringe a cobertura do seguro às fissuras e rachas, excluindo do mesmo as deficiências das fundações, que, segundo o que vem provado, se prendem antes com o facto de não terem sido executadas com a mesma profundidade que as fundações da vivenda original.
Estamos, aqui, ao nível da defeituosa execução das fundações, vícios intrínsecos e originais, que obviamente a seguradora não tem de responder.
E, por isso, como bem se observa na sentença da 1ª instância, a consolidação das fundações não está abrangida pelo contrato de seguro, aqui, em apreço.
Não se acompanha, por isso, o Acórdão recorrido, quando este inclui também no âmbito do contrato de seguro, as deficiências que ocorreram nas fundações.
Em conclusão:
1- Tendo o contrato de seguro celebrado entre as partes incluído nos riscos a cobrir danos sofridos decorrentes de fenómenos geológicos como : “aluimentos , deslizamentos, derrocadas e “afundimento de terras”, socorrendo-nos dos critérios interpretativos referidos nos arts. 236 nº1 e 237 do C. Civil , podemos concluir que tendo o solo onde está implantada a moradia características geológicas específicas, com forte presença de argilas, um tomador médio de seguro, perante uma cedência do terreno ou no dizer do contrato um “afundimento de terras” na zona onde está implantada a moradia, incluía seguramente essa cedência de terreno no âmbito do contrato de seguro.
2- E o facto de à data em que se celebrou o contrato serem ( ano de 2003), já visíveis as depressões do logradouro não retira a imprevisibilidade do sinistro, quando este segundo o que vem provado teve como causa um fenómeno de ordem geológica , como é o caso , da forte estiagem de 2005 com o correspondente abaixamento significativo do nível freático e alteração da carga do terreno de fundação, factores que contribuíram para a ocorrência de fissuras com diferentes extensões , pelo menos em estruturas ligeiras, como muros anexos á moradia , pavimentos e pórticos exteriores e nos anexos / ampliações construídas – H).
3- Verifica-se nexo de causalidade em função do que vem provado entre as apontadas fissuras e o referido fenómeno geológico como foi a forte estiagem do ano de 2005 com o correspondente abaixamento do nível freático do terreno onde está implantada a moradia e a consequente cedência de terras ou, no dizer do contrato de seguro no “afundimento de terras”.
4- E sendo assim essas fissuras estão cobertas pelo contrato de seguro sendo, no entanto, de excluir do âmbito do mesmo as deficiências que as fundações apresentavam, por não terem sido executadas com a mesma profundidade que as fundações da vivenda original, porquanto essas deficiências situam-se ao nível da defeituosa execução das fundações , vícios intrínsecos e originais que a seguradora não tem de responder.
III- Decisão:
Nestes termos e considerando o exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em conceder parcialmente a revista, revogando o Acórdão recorrido, mantendo o decidido pela 1ª instância.
Custas pela Ré e A na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 08 de Março de 2012
Tavares de Paiva (Relator)
Abrantes Geraldes
Bettencourt de Faria