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CREDITO LABORAL
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
INDEMNIZAÇÃO POR FALTA DE AVISO PRÉVIO
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
REQUISITOS
Sumário
1. Só nos casos em que o prazo da prescrição já se tenha completado no momento em que os créditos se tornaram compensáveis é que a prescrição pode impedir a extinção da dívida por compensação, tal como estabelece o artigo 850.º do Código Civil, norma que não contraria o disposto no n.º 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003 e é aplicável no domínio dos créditos resultantes do contrato de trabalho.
2. Uma vez que a empregadora não prescindiu do prazo de aviso prévio da denúncia do contrato de trabalho tem direito a receber a indemnização prevista nos artigos 447.º e 448.º do Código do Trabalho de 2003, por falta de cumprimento daquele prazo, crédito que a empregadora tem o direito de compensar com os conferidos ao trabalhador.
3. Provando-se que o autor tem direito a receber o prémio anual relativo ao trabalho prestado em 2006, faltando apenas determinar o seu quantitativo, deve remeter-se o apuramento do respectivo montante para posterior incidente de liquidação da sentença, ao abrigo do n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. Em 14 de Fevereiro de 2008, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 1.º Juízo, 1.ª Secção, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, S. A., pedindo que a ré fosse condenada: i) a pagar-lhe € 51.107,79, respeitantes a férias, subsídio de férias e de Natal vencidos na data da cessação do contrato de trabalho e à retribuição do mês de Fevereiro de 2007, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação da relação laboral até integral pagamento, deduzidos do montante líquido já transferido para a sua conta; ii) a apurar o montante da retribuição variável de 2006 que lhe é devida, que não poderá ser inferior ao valor pago em 2005, ou seja, € 203.273, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento da mesma (no dia 1 de Janeiro de 2007) até integral pagamento; iii) a pagar-lhe € 128.096,64, correspondentes a folgas não gozadas, e de € 256.193,28, a título de retribuição por prestação de trabalho em dia de descanso semanal, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; iv) a pagar-lhe € 11.860,08, relativos à retribuição em dobro nos dez dias de descanso semanal em que trabalhou durante a deslocação à China e de € 5.930,40, a título de descansos compensatórios relativos à mesma deslocação, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; v) a pagar-lhe € 12.421,62, atinentes a pernoitas, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; vi) a pagar-lhe € 13.000, como contrapartida pela realização de crónicas para a «Revista Dez», de Maio de 2004 a Junho de 2005, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
A ré contestou, alegando que o CCT para os jornalistas, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 17, de 8 de Maio de 1982, não é aplicável à relação contratual firmada entre as partes, a partir de 1 de Janeiro de 1999, já que não se aplica aos quadros de direcção do jornal, nomeadamente aos seus directores, função exercida pelo autor, e que o prémio atribuído em função do desempenho na contribuição para a produção dos resultados económicos (e não apenas comerciais) das várias empresas e do grupo em que se insere não se trata de retribuição, mas antes de participação nos resultados.
Impugnou, também, o valor reclamado a título de proporcionais, aduzindo que nele não se deve incluir o período das férias vencidas em 1 de Janeiro de 2007, e invocou a compensação com o seu crédito pertinente à não concessão de aviso prévio pelo autor, tendo, ainda, impugnado o direito à retribuição das folgas, porque o CCT de 1982 não é aplicável e o autor não provou em que dias concretos de descanso semanal é que trabalhou, e em quantas horas, aditando que o trabalho suplementar prestado há mais de 5 anos só pode ser provado por documento idóneo, que o autor, em relação às pernoitas, não alega quantos dias completos de serviço externo prestou e quanto à alegada actividade prestada à «Revista Dez», que ela não pertence à ré, nem lhe impôs colaboração com a mesma, tendo, a final, consignado que, «na parte referente aos alegados créditos do A., anteriores a 1 de Março de 2006, que forem julgados devidos», pretende operar «a compensação com os seus próprios créditos, na parte correspondente, nos termos dos artigos 847.º e 848.º do Código Civil».
Após o julgamento, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor, (a) «a título de férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, a quantia de € 51.107,79, à qual se deduzirão os descontos legais e a quantia já paga ao Autor pela Ré de € 14.584,58 ― [s]obre tal quantia são devidos juros de mora, desde a data da cessação do contrato de trabalho até efectivo e integral pagamento», (b) «o prémio anual relativo ao trabalho prestado em 2006, cujo liquidação se remete para execução de sentença», e, quanto ao mais, absolveu a ré. 2. Inconformados, a ré e o autor interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, formulando as seguintes conclusões:
A RÉ:
«A) O facto do período de férias não gozadas ser contado para efeitos de antiguidade, nos termos do artigo 221.º, n.º 2, do Código do Trabalho, não implica que o seja para efeito do cálculo da retribuição proporcional prevista no n.º 1 do mesmo artigo. B) Ao calcular a retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcional ao tempo de serviço prestado até à data da cessação do contrato de trabalho, considerando como “serviço prestado” o período de férias não gozadas, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 1 do artigo 221.º do Código do Trabalho. C) O Tribunal a quo reconheceu que “atento o disposto nos artigos 447.º e 448.º do Código do Trabalho teria a Ré o direito a receber indemnização igual à retribuição base acrescida de diuturnidades, ou seja, ao valor ilíquido de € 7.264,85 x 2 = € 14.529,7”.
Mas acolheu a invocação, pelo Autor, da prescrição deste crédito da Ré, não tendo, por isso, admitido a compensação. D) Sempre o Tribunal a quo deveria ter reconhecido o direito de a Ré compensar esse seu crédito (que reconheceu), mesmo que o considerasse prescrito.
É que, nos termos do artigo 850.º do Código Civil, “o crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos ser tornaram compensáveis”. E) Os dois créditos tornaram-se compensáveis na data da cessação do contrato de trabalho e nessa data não podia ser invocada a prescrição do crédito da Ré. F) Ao não reconhecer à Ré o direito de compensar o seu crédito (mesmo que prescrito) com o do Autor, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 850.º do Código Civil. G) O A. não alegou nem provou quais os objectivos que a Ré lhe fixou ou propôs para a realização no ano de 2006. Por isso, também não alegou nem provou que o objectivo a que estaria condicionada a atribuição do prémio anual tivesse sido por ele atingido. H) O A. também não provou qual a avaliação que do seu desempenho foi feita ou deveria ter sido feita no ano de 2006, nem sequer alegou nada sobre tal matéria. I) Não deveria o Tribunal a quo ter reconhecido o direito do Autor ao recebimento de um prémio cuja atribuição dependia da verificação de pressupostos que não foram provados nem sequer alegados. J) Contrariamente ao afirmado pela sentença recorrida, dos factos provados não se conclui nada a respeito dos termos em que o prémio seria calculado. O A. também nada alegou a este respeito. K) À data em que a acção foi proposta — 14.02.2008 —, o A. dispunha ou podia dispor de todos os mesmos documentos de prova que actualmente. L) As regras que regulam o incidente de liquidação não contemplam a possibilidade de alegação e prova de factos que tinham toda a possibilidade de serem conhecidos no montante em que foi instaurada a acção ou em que foi proferida a decisão. M) O Tribunal a quo não deveria ter condenado a R. se reconhece que não dispõe de todos os elementos, a saber, a avaliação do desempenho da Ré (?) para fixar o montante do prémio, quando a avaliação do desempenho como positivo e a realização dos objectivos definidos constituem pressuposto do reconhecimento do direito do A. N) Ao remeter para a execução de sentença, o Tribunal a quo está a dar ao A. uma segunda oportunidade de alegação e de prova que incidirá sobre os pressupostos da própria existência do direito reclamado. O) A sentença recorrida fez, assim, uma errada aplicação do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do CPC.»
O AUTOR:
«1. O A., ora Recorrente, restringe o seu recurso a duas decisões que lhe foram desfavoráveis ― a absolvição da R., ora Recorrida, no que diz respeito ao pagamento das folgas em atraso devidas ao A./Recorrente e ao pagamento do subsídio de compensação por serviço externo (pernoitas) devido ao A./Recorrente (pontos IV e VI da parte dispositiva da sentença).
2. No que diz respeito às duas decisões em causa a sentença proferida considerou não provados factos que o foram face ao teor da prova produzida nos autos e não ponderou adequadamente o direito aplicável ao caso sub judice.
3. No que diz respeito à decisão de não pagamento ao Recorrente das folgas em atraso ficou provado (facto n.º 30) que “era prática na R. os jornalistas acumularem os dias de descanso compensatório — folgas — e gozando as mesmas à medida que convém aos próprios e de acordo com as necessidades de serviço”.
4. Não ficou provado, e deveria ter ficado, que o A. Recorrente tinha 216 folgas em atraso, quando saiu da Recorrida, segundo os registos da Direcção de Recursos Humanos pois várias testemunhas se pronunciaram, de forma inequívoca, nesse sentido.
5. Por isso se pede a revisão da prova gravada e, mais concretamente, dos depoimentos das testemunhas CC, DD e EE.
6. A primeira testemunha supra referida — CC, Directora de Recursos humanos da Recorrida até Fevereiro de 2006 ― refere, no minuto 13:30 do seu depoimento, com muita segurança: “Em relação a esse tema (das folgas em atraso) foi- ‑me dado conhecimento pelo Director-Geral da altura que haveria um conjunto de folgas por gozar e que essas folgas transitariam da entidade que detinha o R... para a BB (R./Recorrida) e que ficariam num registo coexistido [sic]. Isso foi-me transmitido pelo Director-Geral da altura — Dr. FF” e quando lhe foi perguntado quantas folgas em atraso é que estariam em causa respondeu no minuto 14:05 do seu depoimento: “Não faço ideia. Sei que eram bastantes mas não sei dizer qual era o número.”
7. A segunda testemunha supra referida ― DD, ex-Director- ‑Geral da Recorrida — começa por duvidar do facto de ter dado essas instruções para depois concluir, ao minuto 06:48 do seu depoimento “Repare posso não me R...ar. Isto passou-se há oito anos pelo menos” e, mais adiante, ao minuto 09:58 “Posso estar equivocado. Se há uma pessoa que diz o contrário. Pode ser a minha má memória. É muito difícil sem ter elementos de consulta...eu geri no Grupo GG cerca de 600 pessoas e depois na HH cerca de 1.500. É muito difícil ter uma definição precisa sobre aquilo que se fez ou que se disse. Só com base em documentos a que eu já não tenho acesso. Se lá estivesse obviamente tê-los-ia consultado, como já não estou não posso consultá-los.”
8. Para prova das referidas folgas em atraso do Recorrente este juntou, igualmente, aos autos um “print” de “e-mails” (fls. 99 e 100) trocados entre ele e II, Coordenadora de Recursos Humanos da Recorrida.
9. A Meritíssima juiz a quo desvalorizou o referido documento não lhe conferindo qualquer valor probatório, desprezando o que foi referido pela testemunha EE ― Director de Recursos Humanos da Recorrida — que ao minuto 50:39 do seu depoimento, quando confrontado com o facto de ter recebido o e-mail em causa (uma vez que estava em cópia do mesmo) e quando lhe foi perguntado se este lhe tinha merecido algum reparo, respondeu: “Não mereceu nenhum reparo. É uma mera situação de informação que foi com certeza solicitada pelo telefone e escrita por e-mail para dar uma resposta por e-mail.”
10. Acresce que quando foi perguntado à mesma testemunha sobre se teria alguma razão para duvidar da informação constante deste e-mail responde ao minuto 50:54 do seu depoimento “Da informação que aqui está não”.
11. A testemunha insinua que as folgas em atraso foram registadas no Departamento de Recursos Humanos pela sua antecessora, de forma irregular, mas não concretiza minimamente essa suspeita pelo que o facto incontestável, por si expressamente reconhecido, é que as folgas em atraso do A./Recorrente eram, à data da sua saída, 216, segundo os registos da Direcção de Recursos Humanos.
12. De acordo com o referido documento (junto a fls. 99 e 100 dos autos), a Coordenadora de Recursos Humanos transmite ao Recorrente, em 30 de Janeiro de 2007, com o conhecimento do Director de Recursos Humanos, a informação constante dos registos de folgas que administra. Essa informação não foi contestada por ninguém, inclusive o próprio Director de Recursos Humanos a considerou correcta.
13. Nesse pedido de informação o Recorrente, antes de anunciar a sua saída da empresa Recorrida, questiona a Coordenadora de Recursos Humanos sobre qual o número de descansos compensatórios acumulados, por gozar — vulgo ”folgas em atraso” — e esta responde, sem hesitação, com cópia para o Director de Recursos Humanos, que tem 216 folgas por gozar.
14. Da reapreciação da prova gravada requerida e da reapreciação do documento de fls. 99 e 100 decorre que o A./Recorrente tinha 216 dias de descanso compensatório por gozar, registados na Direcção de Recursos Humanos, pelo que deverá ser acrescentado um facto 30.-A à matéria de facto provada com o seguinte teor “o A., na data de saída da empresa, tinha registadas na Direcção de Recursos Humanos da R. 216 dias de descanso compensatório — folgas — acumulados, por gozar”.
15. Refere o Tribunal a quo que no que respeita ao pedido de € 128.096,64 (cento e vinte e oito mil e noventa e seis euros e sessenta e quatro cêntimos) relativo a folgas não gozadas que “... o A./Recorrente não demonstrou, como lhe incumbia, que trabalhou em dias de descanso compensatório, acumulando pois folgas e que trabalhou em dias de descanso semanal...”
16. Ora, salvo o devido respeito, o pedido que o A./Recorrente formulou na sua PI, no que diz respeito às folgas em atraso, não tem a sua origem em trabalho em dias de descanso compensatório mas sim em ausência de gozo de dias de descanso compensatório vencidos e constantes do registo existente para o efeito na Direcção de Recursos Humanos. Estes dias de descanso compensatório não foram gozados na pendência do contrato de trabalho mas sê-lo-iam, seguramente, se este tivesse perdurado.
17. Assim sendo, o A./Recorrente deverá ser compensado pelas folgas já vencidas e registadas na Direcção de Recursos Humanos, cujo gozo ficou prejudicado pela cessação do contrato de trabalho.
18. Esse valor deve equivaler ao pagamento de um dia de trabalho por cada folga não gozada.
19. Dado que o período normal de trabalho diário do A. era de 7 horas (equivalente a um período semanal de 35 horas) e o valor hora definido no seu último recibo era de € 84,72 (cfr. Doc. 2 junto à PI), o valor diário devido será de € 593,04, sendo que esse valor diário multiplicado pelo número total de folgas registadas na Direcção de Recursos Humanos — 216 — ascende a € 128.096,64, acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento.
20. Com efeito, a jurisprudência é pacífica a este respeito, citando-se por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2009 proferido no processo número 08S3914: “(...) Tornando-se impossível o gozo de folgas ou períodos de descanso obrigatório, por, entretanto, haver cessado a relação laboral existente entre o trabalhador que a elas tinha direito e a sua entidade patronal, não pode deixar de assistir àquele, no mínimo, o direito à correspondente remuneração (...)” (destaque nosso).
21. Quanto à decisão de absolvição da R./Recorrida do pagamento do subsídio de compensação por serviço externo, devido por força da convenção colectiva de trabalho aplicável, considerou a Meritíssima Juiz a quo que a cláusula invocada pelo Recorrente para fundamentar este pedido fazia parte de um Contrato Colectivo de Trabalho que não lhe era aplicável.
22. A Recorrida, na sua contestação, alega que o Contrato Colectivo de Trabalho para os jornalistas publicado no BTE, n.º 17, de 08.05.1982 (que ela própria junta à contestação como Doc. 1 junto) não é aplicável à relação laboral com o Recorrente apenas desde 1 de Janeiro de 1999 pois nessa data foi nomeado Director do jornal R... (facto provado n.º 4) e, de seguida, transitou para Director do C... (facto provado n.º 5). Alega em defesa da sua tese que a cláusula 4.ª e 5.ª do referido instrumento excluía os Directores do seu âmbito de aplicação.
23. A contrario, depreende-se das considerações da Recorrida, que à relação contratual existente com o Recorrente antes de 1 de Janeiro de 1999 sempre aplicou a referida convenção colectiva de 08.05.1982. Ou seja, entre 1 de Março de 1981, data que o Recorrente foi admitido na Recorrida, como jornalista (Facto provado n.º 3) e 1 de Janeiro de 1999, a Recorrida aplicou a convenção colectiva em apreço ao Recorrente, bem como a todos os outros jornalistas ao seu serviço.
24. A Recorrida esqueceu-se, no entanto, de verificar as alterações posteriormente introduzidas no referido Contrato Colectivo de Trabalho de 08.05.1982 pela Portaria de extensão n.º 35, de 22.09.1986, que o tornaram, inequivocamente, aplicável, igualmente aos Directores pois que aí ficou clarificado que Director é um cargo que deve ser desempenhado por um jornalista de uma das categorias previstas nos instrumentos aplicáveis.
25. A referida Portaria de Extensão (vide Doc. 7 junto à resposta à contestação) foi aplicável no território do continente a todas as empresas de edição de publicações periódicas e a sua cláusula 9.ª clarificou, inequivocamente, que o Director — é o jornalista responsável pela orientação editorial do órgão de comunicação social” (sublinhado nosso).
26. Pelo que o Recorrente era e sempre foi um jornalista, mesmo quando foi nomeado pela Recorrida para exercer o cargo de Director do jornal “R...” ou do “C...”.
27. Assim, aplicando a Recorrida aos jornalistas ao seu serviço o Contrato Colectivo de Trabalho de 08.05.1982 e, sendo o Recorrente jornalista, este era-lhe, igualmente, aplicável em todas as suas cláusulas.
28. Ora a clarificação do conceito de jornalista, introduzida pelo Contrato Colectivo de Trabalho de 22-06-1986, e estendida a toda a imprensa, teve como óbvio efeito o enquadramento do Recorrente, enquanto jornalista, no âmbito de aplicação pessoal da convenção colectiva que a Recorrida aplicava a todos os jornalistas ao seu serviço (a publicada no BTE, n.º 17, de 08.05.1982).
29. Não tem, por isso, sentido considerar que, aos Directores, só são aplicáveis as cláusulas do Contrato Colectivo de Trabalho de 22-06-1986 que foram estendidas por força da Portaria de extensão supra referenciada, como decidiu a Meritíssima Juiz a quo.
30. Aliás do próprio texto do preâmbulo da Portaria de Extensão em causa (3.º parágrafo) resulta claro o objectivo de uniformização para todo o sector: “considerando a conveniência em manter em todo o sector económico da edição de publicações periódicas a uniformização de condições de trabalho alcançada através do CCT publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 17, de 8 de Maio de 1982, e mantida pela PRT, publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 42 de 15 de Novembro de 1984...”
31. Ora, já nesta última PRT de 1984 se discriminava a categoria de Director na “Definição das profissões e categorias profissionais”, constante do respectivo Anexo I.
32. Da definição do estatuto de director constante da Lei de Imprensa (Lei 2/99 de 13 de Janeiro) conclui-se, igualmente, que as funções que lhe estão atribuídas pressupõem competências próprias de jornalistas com experiência na profissão.
33. O CCT para os jornalistas publicado no BTE n.º 17, de 8.05.1982, com as alterações introduzidas pela Portaria de extensão n.º 35, de 22.09.1986, e a alteração publicada no BTE n.º 13, de 8.04.2002, é aplicável ao Recorrente não só porque o Director de uma publicação é o jornalista investido num cargo de Direcção, mas também porque o Recorrente, em concreto, é jornalista, portador da carteira profissional n.º 654 (facto provado n.º 1).
34. Ao Recorrente, bem como a todos os jornalistas ao seu serviço, a Recorrida aplicava, não apenas as cláusulas estendidas pela Portaria de Extensão supra referida — cláusulas 6.ª, 8.ª, 9.ª, 38.ª, 45.ª e 66.ª do Contrato Colectivo de Trabalho [de] 22-06-1986 — mas, ainda, todo o Contrato Colectivo de Trabalho publicado no BTE n.º 17, de 8.05.1982, e junto pela própria Recorrida como Doc.1 à contestação, pelo que a decisão constante da parte final do ponto I da sentença recorrida deve ser alterada em conformidade.
35. O n.º 1 da cláusula 58.ª desse Contrato Colectivo de Trabalho de 08.05.1982 é aplicável ao Recorrente bem como a todos os jornalistas da Recorrida e estabelece, sob a epígrafe “Subsídio de Compensação por serviço externo”: “Nos casos em que o serviço externo obrigue a pernoitar fora do distrito sede da redacção onde trabalha, o jornalista terá direito a receber, além das despesas referidas na cláusula seguinte, uma compensação por cada dia completo de serviço externo correspondente a 1/30 da sua remuneração mensal.”
36. Ficou provado (facto 32. da sentença recorrida) que “Entre os dias 21 de Outubro e 17 de Novembro de 2006, o Autor acompanhou a expedição da M... que testou o modelo classe E, de Paris a Pequim, com vista à realização de uma reportagem sobre a mesma para a Ré“.
37. Para a realização dessa reportagem o A./Recorrente foi enviado em serviço para fora do distrito de Lisboa, entre os dias 21 de Outubro e 17 de Novembro, encontrando-se no estrangeiro ao serviço da R./Recorrida num total de 26 dias completos.
38. Uma vez que a retribuição mensal do Recorrente era de € 12.849,23 (doze mil oitocentos e quarenta e nove euros e vinte e três cêntimos) — facto provado n.º 10 — e 1/30 da mesma corresponde a € 428,30 (quatrocentos e vinte e oito euros e trinta cêntimos), a Recorrida deve ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de € 11.564,10 (onze mil quinhentos e sessenta e quatro euros e dez cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento, a título de subsídio de pernoitas (o subsídio de compensação por serviço externo é denominado no meio jornalístico de subsídio de pernoitas).
Termos em que:
1. Deve ser acrescentado um facto provado 30-A com o seguinte teor: “o A., na data de saída da empresa, tinha registadas na Direcção de Recursos Humanos da R. 216 dias de descanso compensatório — folgas — acumulados, por gozar.”
2. Deve ser condenada a Recorrida a pagar ao Recorrente: i. a quantia de € 128.096,64 (cento e vinte e oito mil noventa e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescid[a] de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento, a título de descansos compensatórios (folgas), acumulados, não gozados e em atraso na data de cessação do contrato de trabalho do Recorrente; ii. a quantia de € 11.564,10 (onze mil quinhentos e sessenta e quatro euros e dez cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até integral pagamento, a título de subsídio de pernoitas (também denominado subsídio de compensação por serviço externo).»
Ambas as partes apresentaram contra-alegações, sendo que o autor ampliou o âmbito do recurso, em termos subsidiários, alinhando as seguintes conclusões:
«1. Refere a Recorrente que a sentença recorrida violou o n.º 1 do artigo 221.º do Código do Trabalho ao incluir as férias vencidas no cálculo dos proporcionais.
2. No cálculo dos proporcionais deve ter-se em conta “o tempo de serviço prestado até à data da cessação” e nesse tempo de serviço prestado são, naturalmente, consideradas as férias já vencidas e efectivamente gozadas pelo trabalhador.
3. Se as férias vencidas e gozadas são computadas no tempo de serviço prestado, para cálculo dos proporcionais, então as férias vencidas e não gozadas deverão ser igualmente consideradas para esse efeito. Caso contrário, os trabalhadores que gozaram as férias vencidas na pendência do contrato de trabalho sairiam beneficiados em relação àqueles que, pelo facto de o contrato ter entretanto cessado, não gozaram as mesmas férias vencidas na sua vigência.
4. Ao contrário do que pretende a Recorrente, a compensação do seu alegado crédito referente à indemnização por incumprimento de aviso prévio por parte do Recorrido não produziu efeitos porque não se verificou a declaração à contraparte, requerida pelo artigo 848.º do Código Civil.
5. Sem conceder e admitindo-se, por dever de patrocínio, que é possível a compensação da indemnização por alegada falta de cumprimento do aviso prévio do Recorrido nos créditos a este devidos pela Recorrente, sempre se dirá que decidiu mal a sentença recorrida quando considerou que o “... A. não demonstrou, como alegou e lhe incumbia, que a R. prescindiu do prazo de aviso prévio”.
6. Em consequência, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 684.º-A do Código do Processo Civil, e a título subsidiário, a Recorrida vem ampliar o âmbito do recurso recorrendo da decisão da Meritíssima juiz a quo que considerou que a Recorrente não prescindiu do aviso prévio de denúncia oferecido pelo Recorrido na sua carta de demissão (ponto II da parte dispositiva da sentença).
7. Da transcrição parcial da troca de correspondência entre A. e R., constante dos factos 13, 14 e 15, resulta claro o real desinteresse da R. pela observância do aviso prévio oferecido pelo A. na sua carta de demissão.
8. Esta é a conclusão que se pode retirar do conteúdo da carta enviada pela Recorrente ao Recorrido (facto provado 15.) à luz da regra de interpretação das declarações negociais constante do n.º 1 do art. 236.º do Código Civil: a interpretação objectivista ou normativa da declaração negocial, nos termos da doutrina da impressão do destinatário, uma vez que, com os elementos disponíveis, um homem médio sempre tiraria a conclusão de que o empregador, na sua carta de 22 de Fevereiro de 2007 manifestou, de forma definitiva, a vontade de não mais contar com o A., inclusive, evitar que ele voltasse a aparecer na empresa, determinando-lhe o gozo imediato das férias e a subsequente dispensa da prestação de trabalho.
9. Em consequência, deve concluir-se, conforme alegado na petição inicial, e contrariamente ao que foi considerado na sentença recorrida, que decorre da correspondência trocada entre as partes (factos 13. a 15.) e em especial da carta enviada pela R./Recorrente ao A./Recorrido em 22 de Fevereiro de 2007 (a fls. 217 dos autos), que a R. prescindiu do prazo de aviso prévio oferecido pelo A. na sua carta de demissão (a fls. 57 dos autos).
10. Se a R. prescindiu do cumprimento do prazo de aviso prévio estabelecido a seu favor não pode vir exigir ao A. a indemnização prevista no artigo 448.º do Código do Trabalho ou, pior ainda, descontar-lhe esse valor, de forma arbitrária e unilateral, dos créditos decorrentes da cessação do contrato de trabalho a que este tinha e tem direito.
11. No caso de ser julgado procedente o recurso da R. Recorrente, considerando o Tribunal ad quem ser possível a compensação supra referida, então deverá considerar-se a mesma inaplicável por não existir crédito a compensar, ou seja, por não ser devida a indemnização a cargo do A., dada a renúncia da R./Recorrente ao aviso prévio por ele oferecido.
12. Alega a Recorrente que “...o Tribunal a quo não deveria ter reconhecido o direito do Autor ao recebimento de um prémio cuja atribuição dependia da verificação de pressupostos que não foram provados nem alegados pois o Autor não alegou nem provou quais os objectivos que a Ré lhe fixou ou propôs para realização em 2006, nem que esses objectivos tivessem sido atingidos, nem qual a avaliação do seu desempenho que foi feita ou deveria ter sido feita, nem em que termos o prémio seria calculado, e dispunha ou podia dispor de todos os elementos para fazer essa prova...”
13. Alega, ainda, “...que a sentença recorrida fez uma errada aplicação do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do CPC pois, ao remeter para a execução da sentença, o cálculo do prémio está a dar uma segunda oportunidade de prova ao Autor que incide sobre os pressupostos da própria existência do direito em concreto...”
14. Não tem razão a Recorrente pois a existência do prémio do A./Recorrido está, inequivocamente, reconhecida pelos factos 17. a 23. com especial ênfase no facto 17. : “a Ré, com periodicidade anual, atribui aos seus quadros mais destacados, incluindo o Autor, um prémio anual variável (...)”.
15. Pelo que, as considerações da Recorrente sobre o facto de a sentença conferir ao A./Recorrido uma “segunda oportunidade de prova” da existência do direito (no incidente de liquidação) não têm sentido pois, como bem assinala a sentença recorrida, a prova incidirá apenas “sobre a quantidade da condenação a proferir”.
16. Esse entendimento foi, aliás, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão proferido no processo 684/08.1TTLSB.L1-4 em 23.06.2010, num caso em tudo idêntico ao dos autos (trata-se de um colega do A./Recorrido que reclamava, igualmente, o pagamento do prémio de 2006 com um enquadramento fáctico similar).
17. Acresce que basta ler a petição inicial da acção, a matéria de facto provada e o despacho da Meritíssima Juiz a quo sobre a justificação da matéria de facto vertida nos pontos 17. a 23. da sentença para concluir que o A./Recorrido alegou e provou quais os seus objectivos para 2006, que esses objectivos de 2006 foram atingidos, qual a avaliação do seu desempenho que deveria ter sido feita e em que termos é que o prémio seria calculado.
18. O A./Recorrido afirmou nos artigos 50.º e 52.º da petição inicial que a Recorrente lhe tinha definido e comunicado os seus objectivos para 2006, nos termos do Doc. 5 junto ao mesmo articulado (fls. 56 dos autos), não impugnados pela Recorrente nem na sua contestação, nem posteriormente.
19. Esses objectivos foram comunicados ao Recorrido, em 22 de Outubro de 2006, através da “Ficha para Apuramento de valor variável a atribuir” (doc. 5 junto à PI, a fls. 56 dos autos), assinada pelo Director de Recursos Humanos da Recorrente, que o confirmou no seu depoimento em juízo.
20. A alegação e prova dos objectivos do Recorrido para 2006 é corroborada pela Meritíssima Juiz a quo na fundamentação da sua convicção na resposta à matéria de facto dos factos 17. a 23., constante do despacho de 20 de Abril de 2010 (ponto 3. do referido despacho).
21. A avaliação de desempenho do A. que deveria ter sido feita pela Recorrente, foi, igualmente, alegada pelo Recorrido, expressamente, no artigo 52.º da sua PI e por remissão para os documentos juntos aos autos a fls. 56 e 69 a 73, ambos valorados pelo Tribunal a quo na fundamentação da matéria de facto dos pontos 17. a 23.
22. É a Recorrente que deverá fazer a referida avaliação de desempenho do Recorrido o que, desde logo, contraria a sua alegação de que, “à data em que a acção foi proposta — 14.02.2008 — o A. dispunha ou podia dispor de todos os mesmos elementos de prova de que dispõe actualmente”. Aliás, actualmente, ainda não dispõe da referida avaliação de desempenho que a Recorrente já há muito deveria ter feito.
23. Como resulta do documento a fls. 56, a referida avaliação de desempenho (ligada aos objectivos “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho Individual”), não condiciona a realização dos restantes objectivos, pois obedece a critérios específicos (constantes da “Norma de Funcionamento n.º 5” junto a fls. 69 a 73 dos autos) e tem uma ponderação perfeitamente autónoma no total da retribuição variável.
24. O A./Recorrido alegou e provou que todos os objectivos quantitativos que lhe tinham sido definidos para 2006 foram atingidos a 100% ou mais, pelo que, não obstante desconhecer a sua avaliação de desempenho de 2006, só pode concluir que a mesma será, igualmente, positiva e, por isso, realizados estarão também os objectivos “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho Individual”.
25. Tal como refere a sentença recorrida nos pontos 17., 18. e 19. da matéria de facto, o pagamento do prémio pressupunha a realização dos objectivos definidos confrontando-‑os com os resultados económicos e comerciais da empresa que foram, em 2006, os constantes do ponto 25. da matéria de facto, ou seja, do confronto do facto provado 19. com o facto provado 25. resulta a prova inequívoca da realização dos objectivos quantitativos do Recorrido em 2006.
26. O Recorrido alegou a forma como o prémio seria calculado e juntou aos autos os elementos de que dispunha para fazer a respectiva prova.
27. A forma de calcular a retribuição variável do Recorrido foi por este alegada no seu articulado e dada como provada pela Meritíssima Juiz a quo no facto 19. e na justificação constante do despacho de fundamentação de 20.04.2010 (n.º 3 do despacho equivalente à fundamentação da resposta aos pontos 17 a 23).
28. Do documento “Norma de Funcionamento n.º 5 – Atribuição de Bónus Relativo ao ano de 2006” (a fls. 69 a 73 dos autos) constam todas as regras de que depende o cálculo dos objectivos do Recorrido, a saber: da sua página 4/5 consta que a “Ficha para Apuramento de valor variável a atribuir” a entregar a cada colaborador, idêntica à entregue ao Recorrido (e junta a fls. 56), “vai ter as várias variáveis em análise bem como os respectivos valores de referência para o cálculo do bónus”.
29. Só por má fé pode a Recorrente afirmar que o “Tribunal a quo não deveria ter condenado a R. se reconhece que não dispõe de todos os elementos, a saber, a avaliação do desempenho da Ré (do Autor feita pela Ré) para fixar o montante do prémio de 2006” quando sabe que a ausência desse elemento resulta de uma omissão sua que até hoje, deliberadamente, não supriu.
30. No limite, se a Recorrente não efectuar a avaliação de desempenho do Recorrido do ano de 2006 e não disponibilizar os respectivos dados, essa avaliação deverá, no incidente de liquidação, ser considerada positiva e obter o Recorrido a nota máxima de 100% na realização do objectivo “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho Individual”.
31. Não obstante resultar claro do supra exposto que a construção que a Recorrente apresenta nas suas alegações não tem qualquer suporte na matéria de facto alegada e provada nos autos, não pode o Recorrido deixar de impugnar, a título subsidiário e por dever de patrocínio, a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil.
32. Vem, por isso, o Recorrido, ao abrigo do n.º 2 do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, requerer ao Tribunal ad quem que reaprecie a prova produzida de acordo com as conclusões seguintes.
33. Deve acrescentar-se à matéria de facto provada um ponto 18.A : “A Ré comunicou ao Autor os seus objectivos para o ano de 2006 através do documento junto a fls. 56 dos autos, intitulado “Ficha para Apuramento de Valor Variável a Atribuir” que continha, igualmente, as regras de cálculo da retribuição variável do Autor para 2006” com base no documento a fls. 56 que constitui prova da atribuição e comunicação dos objectivos de 2006 ao A. e na confirmação da natureza e conteúdo desse documento decorrente do depoimento gravado do Director de Recursos Humanos da R. EE, entre o minuto 23:50 e o minuto 31:26 (concretamente, minutos 23:50, 24:00, 27:45; 29:57 e 31:26).
34. Deve acrescentar-se à matéria de facto provada um ponto 19.A: “O pagamento do prémio do Autor relativo ao ano de 2006 pressupunha a realização dos objectivos definidos no documento junto a fls. 56 dos autos, intitulado “Ficha para Apuramento de Valor Variável a Atribuir” cujo cálculo deveria ter sido efectuado depois do fecho do ano, após apuramento dos resultados correspondentes” com base no documento de fls. 69 a 73 “Norma de Funcionamento n.º 5 – Atribuição de Bónus Relativo ao ano de 2006”que descreve a calendarização deste processo, esclarecendo na sua página 4/5 que: “até 31/01/07 — envio das fichas individuais já com o nível de informação do nível real de concretização dos objectivos informados anteriormente, bem como do valor resultante do respectivo cálculo, ou seja, com o valor do bónus a pagar” o que foi confirmado pelo depoimento gravado do Director de Recursos Humanos da R. EE, entre o minuto 36:34 e o minuto 40:39 (concretamente minutos 36:34 e 40:39).
35. Deve acrescentar-se à matéria de facto provada um ponto 29.A : “No ano de 2007, a Ré não pagou nada ao Autor, pela sua participação na revista “S...”, relativa ao ano de 2006, a qual deveria ser paga juntamente com o prémio de 2006” com base no ponto 5. do despacho de fundamentação da matéria de facto provada (despacho de 20 de Abril de 2010) que para decidir esta questão “se baseou no documento junto a fls. 56 (...) que foi entregue pela Ré ao Autor a 22 de Outubro de 2006 e se referia ao ano de 2006. Esse documento “Ficha para Apuramento de Valor Variável a Atribuir” refere o valor a atribuir ao Autor pela participação na Revista S... sob a epígrafe “Atribuições em regime especial”, mencionando o valor mínimo garantido de € 36.000.
36. Ora, na explicação desta rubrica “Atribuições em regime especial”, referiu o Director de Recursos Humanos da R., ao minuto 38:10 do seu depoimento que “O AA tinha uma colaboração com a Revista S... e a retribuição dessa colaboração foi-lhe proposta ser feita desta forma, ou seja, quando chegasse o momento do pagamento do prémio, ser-lhe-ia paga uma importância que corresponderia à retribuição dessa colaboração (...). No fundo — esclarece, mais adiante ao minuto 39:15 — ele não recebia nada mensalmente (relativo à Revista S...) e chegava ao fim do ano e recebia juntamente com o prémio” (sublinhado nosso).
37. De facto esse valor, como resulta do referido documento e depoimento, seria pago no momento do pagamento do prémio relativo a 2006, em conjunto com esse, como mínimo garantido de “Atribuições em Regime Especial” relativa a 2006, o que nunca chegou a acontecer pois, como ficou provado, o prémio de 2006 nunca foi pago.
38. Deve, ainda, inserir-se uma correcção no ponto 28. e 29. da matéria de facto provada como resulta, aliás, do final do ponto 5 do despacho de fundamentação de 20 de Abril de 2010 onde se refere que “O Tribunal, quanto a esta matéria teve, ainda, em conta os documentos juntos aos autos a fls. 67 e 68, designados por retribuição variável, dos anos de 2004 e 2005 e dos quais consta, no primeiro caso, o valor objectivo de € 36.000 e prémio participação de € 18.000 (metade daquele) e, no segundo caso, o valor de € 36.000, ambos pela participação do Autor na Revista “S...”.
39. Assim, o mínimo garantido da rubrica “Atribuições em regime especial” que foi pago em 2005 foi o relativo à participação do Autor na revista S... durante o ano de 2004, e o que foi pago em 2006, foi o relativo à participação do Autor na revista S... durante o ano de 2005.
40. Pelo que há que introduzir uma precisão no facto 28. e no facto 29. acrescentando-se, respectivamente, na parte final de cada um deles o seguinte:“28. No ano de 2005, a Ré pagou ao Autor, pela sua participação na revista S... a quantia de € 36.000, relativa ao ano de 2004.” e “No ano de 2006, a Ré pagou ao Autor, pela sua participação na revista S... a quantia de € 36.000, relativa ao ano de 2005”.
Termos em que:
1. A douta sentença do Tribunal a quo é, pois, correcta e está devidamente fundamentada, devendo, por isso, ser negado provimento ao presente recurso por este Venerando Tribunal, mantendo-se a sentença recorrida nos seus precisos termos.
2. Caso assim se não entenda, o que se equaciona apenas por dever de patrocínio, deverá ser considerada a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo dos n.os 1 e 2 do artigo 684.º-A do Código do Processo Civil, nos termos apontados nas presentes contra-‑alegações e alterada a matéria de facto de acordo com os pedidos subsidiários formulados e proferido Acórdão conforme aos factos provados aditados.»
O Tribunal da Relação de Lisboa não acolheu a alteração da decisão sobre a matéria de facto preconizada pelo recorrente, concluiu que improcedia a pretendida retribuição por não gozo de dias de descanso compensatório (folgas), bem como o direito ao subsídio de compensação por serviço externo (pernoitas), entendeu que, na contabilização dos proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal, devidos pela cessação do contrato, não devia ser incluído o período de férias vencidas no ano da cessação e que o trabalhador não chegou a gozar e que o disposto no artigo 850.º do Código Civil não era aplicável no que toca à prescrição dos créditos laborais, daí que não reconheceu à ré o direito de compensar o seu crédito (falta de cumprimento do prazo de aviso prévio) com o do autor, remetendo o apuramento do montante do prémio relativo ao ano de 2006 para posterior liquidação, no atinente incidente, tendo deliberado, em conformidade: (i) negar provimento à apelação do autor; (ii) julgar parcialmente procedente a apelação da ré, reduzindo-se o montante da condenação da ré, operada no ponto a) do dispositivo da sentença, da quantia de € 51.107,79 para a de € 47.701,67, à qual se deduzirão os descontos legais e a quantia já paga ao autor pela ré de € 14.584,58; (iii) julgar prejudicada a ampliação do recurso deduzida pelo autor; (iv) manter, em tudo o mais aí decidido, a sentença recorrida.
É contra esta deliberação do Tribunal da Relação que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 721.º-A, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, o qual foi admitido pela formação de juízes a que se refere o n.º 3 do citado artigo, e no qual formulou as conclusões seguintes:
«A) O Tribunal de primeira instância reconheceu que, “atento o disposto nos artigos 447.º e 448.º do Código do Trabalho, teria a Ré o direito a receber indemnização igual à retribuição base acrescida de diuturnidades, ou seja, ao valor ilíquido de € 7.264,85 x 2 = € 14.529,7”.
Mas acolheu a invocação, pelo Autor, da prescrição deste crédito da Ré, não tendo, por isso, admitido a compensação. B) O douto acórdão de que ora se recorre subscreveu a posição da primeira instância, considerando “que o disposto neste artigo 850.º do Cód. Civil não é aplicável no que toca à prescrição dos créditos laborais, por contrariar o disposto no art. 381.º do Cód. Trabalho de 2003, que constitui lei especial relativamente ao Cód. Civil”. C) Esta posição do Tribunal da Relação de Lisboa contraria frontalmente o decidido no acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2006 no processo 05S369 de que se junta cópia. D) Sempre o Tribunal a quo deveria ter reconhecido o direito de a Ré compensar esse seu crédito (que reconheceu), mesmo que o considerasse prescrito.
É que, nos termos do artigo 850.º do Código Civil, “o crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis”. E) Os dois créditos tornaram-se compensáveis na data da cessação do contrato de trabalho e nessa data não podia ser invocada a prescrição do crédito da Ré. F) Ao não reconhecer à Ré o direito de compensar o seu crédito (mesmo que prescrito) com o do Autor, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 850.º do Código Civil. G) O A. não alegou nem provou quais os objectivos que a Ré lhe fixou ou propôs para a realização no ano de 2006. Por isso, também não alegou nem provou que o objectivo a que estaria condicionada a atribuição do prémio anual tivesse sido por ele atingido. H) O A. também não provou qual a avaliação que do seu desempenho foi feita ou deveria ter sido feita no ano de 2006, nem sequer alegou nada sobre tal matéria. I) Não deveria o Tribunal ter reconhecido o direito do Autor ao recebimento de um prémio cuja atribuição dependia da verificação de pressupostos que não foram provados nem sequer alegados. J) Dos factos provados não se conclui nada a respeito dos termos em que o prémio seria calculado. O A. também nada alegou a este respeito. K) À data em que a acção foi proposta — 14.02.2008 — o A. dispunha ou podia dispor de todos os mesmos elementos de prova que actualmente. L) As regras que regulam o incidente de liquidação não contemplam a possibilidade de alegação e prova de factos que tinham toda a possibilidade de serem conhecidos no [momento] em que foi instaurada a acção ou em que foi proferida a decisão. M) O Tribunal não deveria ter condenado a R. se reconhece que não dispõe de todos os elementos, a saber, a avaliação do desempenho da Ré (?) para fixar o montante do prémio, quando a avaliação do desempenho como positivo e a realização dos objectivos definidos constituem pressuposto do reconhecimento do direito do A. N) Ao confirmar a sentença da primeira instância, relativamente a esta questão, o douto acórdão recorrido concede ao A. uma segunda oportunidade de prova que incidirá sobre a própria existência de violação do direito laboral que constitui o fundamento do pedido. O) O douto acórdão recorrido contraria assim, o Acórdão do STJ de 17.01.2006 (Revista n.º 3748/05-1.ª, Sumários, Jan. 2006) que afirmou que se todos os acontecimentos ocorreram antes da acção declarativa ter sido proposta, o Autor tinha, então, ao seu dispor todos os elementos para fazer a prova dos factos por si articulados (e, no caso presente, nem articulou). E conclui: “Se a prova fracassou, a lei não permite às partes que vão à procura de melhor prova para, numa segunda oportunidade, virem a conseguir o objecto e a quantidade pensados mas não provados no momento e local próprios”. P) O acórdão recorrido fez, assim, uma errada aplicação do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do CPC.»
Termina afirmando «que deve ser dado provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o acórdão recorrido com o consequente reconhecimento do direito da R., Recorrente, à compensação invocada e a absolvição da R. quanto ao pagamento de um prémio anual relativo ao trabalho prestado pelo A. em 2006».
O autor contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado e requerendo, para o caso de procedência do recurso de revista, que este Supremo Tribunal conheça da ampliação do âmbito do recurso que deduziu na contra-alegação respeitante ao recurso de apelação, em conformidade com os artigos 715.º, n.º 2, e 726.º do Código de Processo Civil, alinhando, quanto ao objecto do recurso, as seguintes conclusões:
«[…]
8ª O Tribunal a quo julgou correctamente quando considerou prescrito o crédito alegado pela Recorrente relativo ao aviso prévio em falta, e, por isso, inadmissível a declaração compensatória feita pela Recorrente na sua contestação, pois o artigo 850.º do Código Civil é inaplicável à prescrição dos créditos laborais, “por contrariar o disposto no artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003 que constitui lei especial relativamente ao Código Civil”.
9ª A Recorrente só na contestação da presente acção fez a declaração de compensação do seu alegado crédito, quando este já se encontrava prescrito e, por isso, precludido o direito de o reclamar judicialmente.
10ª O acórdão recorrido, ao considerar não compensável o referido crédito, por ter ocorrido a sua prescrição extintiva prévia, considerou a apreciação do mérito do mesmo prejudicada pela solução de direito defendida.
11ª Ora esse crédito a compensar foi posto em causa pelo Recorrido através do pedido subsidiário de ampliação do objecto do recurso nas suas contra-alegações do recurso interposto pela Recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa.
12ª Em consequência, se o Supremo Tribunal de Justiça vier a considerar aplicável ao caso dos autos a regra da compensabilidade dos créditos prescritos deverá pronunciar-se sobre a existência do referido crédito, em conformidade com o artigo 715.º, n.º 2, e 726.º do CPC.
13ª O Tribunal de 1ª instância decidiu mal quando considerou que o “... A. não demonstrou, como alegou e lhe incumbia, que a R. prescindiu do prazo de aviso prévio”.
14ª Da troca de correspondência entre o Recorrido e Recorrente, no que diz respeito à questão do cumprimento do prazo de aviso prévio, constante da matéria de facto provada e transcrita nas presentes contra-alegações, resulta claro que a Recorrente (R.) prescindiu do prazo de aviso prévio inicialmente oferecido pelo Recorrido (A.)
15ª De facto, na sua carta de 22 de Fevereiro de 2007, a Recorrente (R.) manifestou, de forma definitiva, a vontade de não mais contar com o Recorrido (A.), inclusive, evitar que ele voltasse a aparecer na empresa, determinando-lhe o gozo imediato das férias e a subsequente dispensa da prestação de trabalho.
16ª Assim, no que toca ao cumprimento do prazo de aviso prévio oferecido pelo Recorrido (A.) não podem restar dúvidas de que, do ponto de vista do declaratário normal, a comunicação e comportamentos subsequentes da Recorrente, (R.) só podiam ser interpretados da forma que o Recorrido (A.) entendeu e expressou na carta de resposta à Recorrente (R.) de 28 de Fevereiro de 2007.
17ª Nem pode sequer dizer-se que a Recorrente (R.) não teve perfeito conhecimento do modo como a sua declaração havia sido entendida pelo Recorrido (A.) pois este comunicou-lho expressamente nessa carta de 28 de Fevereiro de 2007 e, apesar desse conhecimento, manteve-se em silêncio, sem qualquer resposta à carta do Recorrido pelo que este assumiu que a comunicação correspondia ao que a Recorrente desejava.
18ª Ora, o prazo de aviso prévio para a denúncia do contrato de trabalho previsto no artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho é estabelecido para protecção do empregador, de forma a evitar que “a organização económica-produtiva da empresa, fique prejudicada com a saída extemporânea e imediata do trabalhador” (Morais Antunes e Ribeiro Guerra, Despedimentos, 1984, pág. 231).
19ª Se a Recorrente prescindiu do cumprimento do prazo de aviso prévio estabelecido a seu favor não pode vir exigir ao Recorrido a indemnização prevista no artigo 448.º do Código do Trabalho ou, pior ainda, descontar-lhe esse valor, de forma arbitrária e unilateral, dos créditos decorrentes da cessação do contrato de trabalho a que este tinha e tem direito.
20ª Aliás, só com a contestação da Recorrente (R.) na presente acção ficou o Recorrido (A.) consciente da posição por esta assumida pois só nesta fase lhe foi comunicado o detalhe do valor da última transferência bancária que foi feita para a sua conta.
21ª Assim sendo, não pode a Recorrente invocar a compensação judiciária de um crédito correspondente a uma indemnização a que renunciou quando prescindiu do prazo de aviso prévio oferecido pelo Recorrido.
22ª A indemnização que a Recorrente “cobrou” ao Recorrido, de [moto] próprio e sem o informar ou lhe comunicar de alguma forma, é ilegítima e traduz um comportamento que constitui um verdadeiro “venire contra factum proprium” condenável à luz do princípio da boa fé que deve pautar o desenvolvimento da relação laboral mesmo no seu momento terminal (n.º 1 do artigo 119.º do Código do Trabalho).
23ª Não existe crédito a compensar por não ser devida à Recorrente qualquer indemnização pelo Recorrido, decorrente de um alegado incumprimento de aviso prévio a que a R./Recorrente renunciou.
24ª Quanto à alegação da Recorrente de que não era possível o acórdão recorrido remeter para liquidação de sentença a condenação ao pagamento do prémio de 2006 ao Recorrido, por alegada contradição de julgados, não pode colher pois o caso dos autos não é semelhante ao apresentado pela Recorrente no sumário do acórdão fundamento.
25ª Ou seja, a Recorrente vem dizer que não foi alegada e provada pelo Recorrido a matéria de facto que suportou o pedido na presente acção e, na verdade, quer da sentença de 1ª instância quer da decisão recorrida resultou, inequivocamente, provado o direito do Recorrido ao prémio de 2006, apenas ficando em aberto a respectiva quantificação concreta, a realizar em incidente de liquidação de sentença.
26ª De facto, decorre, claramente, dos factos provados 17. a 25. e da justificação da convicção da Meritíssima Juiz a quo sobre a matéria de facto (despacho de 20 de Abril de 2010) que o Recorrido alegou e provou: (i) quais eram os seus objectivos para 2006; (ii) que esses objectivos de 2006 lhe foram comunicados pela Recorrente; (iii) que esses objectivos de 2006 foram atingidos pelo Recorrido; (iv) qual a avaliação do seu desempenho em 2006 que deveria ter sido feita pela Recorrente, em função dos objectivos que lhe comunicou; (v) em que termos é que o prémio deve ser calculado em função dos objectivos que foram comunicados ao Recorrido e da sua avaliação de desempenho, o que só por inércia deliberada da Recorrente não ocorreu.
27ª O Recorrido alegou e provou quais os objectivos que a Recorrente lhe comunicou para o ano de 2006: de acordo com o que vem afirmado no ponto 18. dos factos provados, esses objectivos foram comunicados ao Recorrido, em 22 de Outubro de 2006, através da “Ficha para Apuramento de valor variável a atribuir” (doc. 5 junto à PI, a fls. 56 dos autos).
28ª Os objectivos relacionados com os resultados económicos e comerciais da empresa estavam discriminados nesse documento de fls. 56 e, por isso, podem ser calculados por confronto com os resultados da empresa em 2006, constantes do documento a fls. 74 dos autos e referido no ponto 25. da matéria de facto provada.
29ª Os objectivos “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho Individual” obrigavam e obrigam a Recorrente a avaliar o desempenho do Recorrido em 2006, de acordo com o previsto na página 3/5 da “Norma de Funcionamento n.º 5”, de 19.09.2006 (a fls. 69 a 73 dos autos e igualmente referenciado pela Meritíssima Juiz a quo no n.º 3 do despacho de fundamentação da resposta à matéria de facto dos pontos 17 a 23).
30ª Estes objectivos qualitativos, ligado à avaliação de desempenho foram alegados pelo Recorrido no artigo 52.º da sua PI remetendo para os documentos juntos aos autos a fls. 56 e 69 a 73, ambos valorados pelo Tribunal a quo na fundamentação da matéria de facto dos pontos 17. a 23, tendo ficado provado qual a avaliação de desempenho que deveria ter sido feita pela R./Recorrente, respeitando as orientações que ela própria publicou e difundiu aos seus trabalhadores.
31ª A referida avaliação de desempenho (ligada aos objectivos “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho Individual”), não condiciona a realização dos restantes objectivos, pois obedece a critérios específicos (os transcritos supra e constantes da “Norma de Funcionamento n.º 5” como referido) e tem uma ponderação perfeitamente autónoma no total da retribuição variável que é de apenas 17%.
32ª O A./Recorrido alegou e provou que todos os objectivos quantitativos que lhe tinham sido definidos para 2006 foram atingidos a 100% ou mais (confrontar o facto provado 19. com o facto provado 25.) pelo que, não obstante a Recorrente não ter feito a sua avaliação de desempenho de 2006, só pode concluir-se que a mesma é, igualmente, positiva e, por isso, realizados estarão também os objectivos “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho Individual”.
33ª O Recorrido alegou e provou, igualmente, a forma como o prémio deveria ter sido calculado.
34ª O ponto 19. da matéria de facto assim o reconhece[:] “19. O pagamento do prémio pressupunha a realização dos objectivos definidos e cujo cálculo era efectuado depois do fecho do ano, após apuramento dos resultados correspondentes”. E foi-o em 2003, relativamente aos resultados de 2002 (facto 20.) em 2004, relativamente aos resultados de 2003 (facto 21.) em 2005, relativamente aos resultados de 2004 (facto 22.), e em 2006, relativamente aos resultados de 2005 (facto 23.).
35ª Só não foi assim em 2007, relativamente aos resultados de 2006 (facto 24.) porque a Recorrente decidiu não calcular e pagar ao Recorrido o prémio que lhe era e é devido.
36ª De acordo com o doc. junto a fls. 56 a ponderação dos objectivos de 2006 do Recorrido, correspondentes aos resultados económicos e comerciais da Recorrente equivale a 83% do total da retribuição variável objectivo do Recorrido do ano de 2006, e a ponderação dos objectivos qualitativos equivale apenas a 17% do total da retribuição variável objectivo do Recorrido do ano de 2006.
37ª Na verdade, da referida “Ficha para Apuramento de valor variável a atribuir” (junto a fls. 56 dos autos) constam detalhadamente — conforme referido no facto 17. — a retribuição variável do Recorrido (Variável Objectivo de 2006), para além dos objectivos de 2006 relacionados com os “resultados económicos e comerciais da empresa” e os objectivos “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho Individual”.
38ª O Recorrido alegou e provou qual a sua retribuição variável objectivo em 2006, definida no próprio documento junto a fls. 56: € 188.500.
39ª Os factos conhecidos foram, por isso, todos alegados e provados — objectivos, resultados e forma de os calcular — e deles resultou a convicção do Tribunal no sentido de que “provado ficou o direito do autor, provado ficou em que termos era calculado o prémio..."
40ª Os únicos objectivos que foram alegados pelo Recorrido e não resulta dos autos a possibilidade de os calcular são os ligados à “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho individual”, pois, como bem sublinha a sentença recorrida, “não dispõe o Tribunal de todos os elementos, a saber a avaliação do desempenho da Ré (ou seja do Autor feita pela Ré), para fixar o montante do prémio de 2006”.
41ª Em relação a estes, só por má fé pode a Recorrente afirmar que o “Tribunal a quo não deveria ter condenado a R. se reconhece que não dispõe de todos os elementos, a saber, a avaliação do desempenho da Ré (do Autor feita pela Ré) para fixar o montante do prémio de 2006”, quando sabe que a ausência desse elemento resulta de uma omissão sua que, deliberadamente, não supriu. Com efeito, a Recorrente já há muito deveria ter realizado a avaliação do Recorrido para efeitos de ponderação da realização do objectivo “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho Individual”, a qual, de qualquer forma, vale apenas 17% do total da retribuição variável do Recorrido em 2006.
42ª No limite, se a Recorrente não efectuar a avaliação de desempenho do Recorrido do ano de 2006 e não disponibilizar os respectivos dados, essa avaliação deverá, no incidente de liquidação, ser considerada positiva e obter o Recorrido a nota máxima de 100% na realização do objectivo “Avaliação Qualitativa” e “Desempenho Individual” até porque, tendo realizado todos os seus objectivos quantitativos, outra não poderia ser a avaliação da empresa à sua performance individual, no ano de 2006.
43ª Não obstante resultar claro do supra exposto que a construção que a Recorrente apresenta nas suas alegações não tem qualquer suporte na matéria de facto alegada e provada nos autos, não deixou o Recorrido de impugnar, a título subsidiário, aquando das suas alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A do Código de Processo Civil.
44ª No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou essa questão prejudicada pela decisão de manter a sentença de 1ª instância no que diz respeito ao direito ao pagamento do prémio de 2006, e, por isso, na hipótese inverosímil do Supremo Tribunal de Justiça se pronunciar sobre o presente recurso de revista excepcional relativamente à questão da condenação da Recorrente no pagamento do prémio de 2006 ao Recorrido e o julgar em sentido desfavorável a este, deverá o processo baixar ao Tribunal da Relação de Lisboa para apreciação do pedido subsidiário constante das contra-alegações de recurso de apelação do Recorrido.
Termos em que:
1. […];
2. […];
3. Caso se considere admissível a compensação do crédito laboral invocada pela Recorrente, o que se equaciona apenas por dever de patrocínio, deve considerar-se inexistente o referido crédito, em conformidade com o artigo 715.º, n.º 2 e 726.º do CPC e, por isso, deve o presente recurso de revista excepcional ser julgado improcedente;
4. Caso seja admitido o recurso de revista excepcional no que diz respeito à condenação da Recorrente no pagamento ao Recorrido do prémio de 2006, a processar em incidente de liquidação de sentença, o que se equaciona apenas por dever de patrocínio, deve considerar-se que não existe contradição de julgados a esse respeito e, por isso, deve o presente recurso de revista excepcional ser julgado improcedente;
5. Caso assim se não entenda, o que se equaciona apenas por dever de patrocínio, deverá ser considerada a ampliação do objecto do recurso nos termos pedidos nas contra alegações do recurso de apelação.»
Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que o recurso da ré devia proceder quanto à reclamada compensação de créditos, sustentando que, «[s]e a prescrição se verificar em momento posterior à verificação dos demais requisitos da compensação, aquela revela-se inoperante relativamente a esta, nos termos do artigo 850.º do CC».
3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:
– Se a prescrição do crédito do empregador atinente à falta de cumprimento do prazo de aviso prévio para denúncia do contrato de trabalho impede a compensação com os créditos reconhecidos ao trabalhador [conclusões A) a F) da alegação do recurso de revista]; – Se é devida ao empregador indemnização por falta de cumprimento do prazo de aviso prévio para denúncia do contrato de trabalho por parte do trabalhador [conclusões 5) a 11) da contra-alegação do autor no recurso de apelação ― ampliação do âmbito do recurso ― e conclusões 11) a 23) da contra-alegação do autor no recurso de revista];
– Se deve ser reconhecido ao trabalhador o direito ao prémio anual relativo ao trabalho prestado em 2006 e remeter-se o apuramento do respectivo montante para posterior incidente de liquidação da sentença [conclusões G) a P) da alegação do recurso de revista]; – Se deve ser alterada a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre os pontos da matéria de facto impugnados concernentes ao prémio anual relativo ao trabalho prestado em 2006 [conclusões 31) a 40) da contra-alegação do autor no recurso de apelação ― ampliação do âmbito do recurso ― e conclusões 43) e 44) da contra-alegação do autor no recurso de revista].
Corridos os «vistos», cumpre decidir.
II
1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) O autor é jornalista, titular da carteira profissional n.º 654;
2) A ré é uma empresa jornalística, proprietária e editora do Jornal «C...» e da Revista «S...»;
3) O autor foi admitido ao serviço da JJ – …, S. A., em 1 de Março de 1981, para desempenhar as funções de jornalista;
4) A partir de 1 de Janeiro de 1999, o autor passou a desempenhar o cargo de Director do Jornal «R...»;
5) Em Dezembro de 2001, foi convidado para assumir a Direcção do Jornal «C...», propriedade da empresa BB – …, S. A., a qual, tal como a JJ – .., S. A., faz parte do Grupo empresarial detido pela GG …, SGPS, S. A.;
6) Cargo que passou a exercer a partir de 14 de Dezembro de 2001;
7) A formalização contratual da referida transferência ocorreu apenas a 1 de Janeiro de 2002, através de um Acordo de Transferência de Titularidade de Contrato de Trabalho, celebrado entre a ré, [a] JJ – …, S. A., e o autor, junto aos autos a fls. 51 e 52, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
8) Na sequência, o autor exerceu as funções de Director do «C...» até 28 de Fevereiro de 2007, data em que a relação laboral existente cessou por denúncia do contrato de trabalho por iniciativa deste;
9) Para além das funções de Director do «C...», o Autor colaborava, ainda, em duas outras publicações pertencentes à GG …, SGPS, a Revista «S...» (publicação detida e editada pela ora Ré), cujo projecto de concepção foi solicitado pela GG …, SGPS, tendo igualmente, sido encarregue da sua concretização prática e, posteriormente, nomeado para a respectiva direcção editorial e na Revista «D…» (editada pela JJ, como suplemento do Jornal «R...»);
10) À data da cessação da relação laboral, o autor auferia mensalmente as seguintes quantias: a) Vencimento base no valor de € 7.105,73; b) Subsídio de exclusividade, no valor de € 3.552,87; c) Isenção de horário de trabalho, no valor de € 2.032,24; d) Diuturnidade, no valor de € 159,12; e) Subsídio de refeição no valor de € 5,3 por cada dia útil de trabalho;
11) Acordaram ainda, autor e ré que aquele usaria em serviço e em termos pessoais, uma viatura automóvel CLK 200, com matrícula -VP;
12) A referida viatura era objecto de um contrato de aluguer de longa duração (ALD) entre a ré e a empresa M... – contrato n.º …, nos termos do qual a ré pagava uma renda mensal no valor de € 1.401,52;
13) O autor remeteu à ré a carta junta aos autos a fls. 57, com data de 15 de Fevereiro de 2007, cujo teor se [passa a transcrever]:
«Assunto: Denúncia de contrato de trabalho
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007
Exmo. Senhor
Eng. KK
Na sua qualidade de Presidente do Conselho de Administração da BB, e na sequência das reuniões que ontem mantivemos, ao final da manhã e princípio da tarde, por este meio reitero a minha decisão de fazer cessar o contrato de trabalho que me liga à empresa, nos termos legais.
Confirmo a minha presença na reunião que me disse que marcará para o princípio da próxima semana, em ordem a podermos concretizar todas as questões relacionadas com esta minha decisão.
Tal como igualmente foi referido nas sobreditas reuniões, encontro-me totalmente disponível para colaborar com a empresa no sentido de assegurar a maior eficácia do processo de transição que agora se iniciará.
Sem outro assunto, apresento os meus sinceros cumprimentos, ficando a aguardar que me contacte com vista à realização da referida reunião.
De V. Exa.
[…]
(AA)»
14) Em resposta, a ré remeteu ao autor a carta junta aos autos a fls. 217, cujo teor se [passa a transcrever]:
«Lisboa, 21 de Fevereiro de 2007
Exmo. Senhor,
Acusamos a recepção da sua prezada carta datada de 15 de Fevereiro de 2007, em que nos é dado conhecimento da sua decisão de proceder à rescisão de que o liga a esta empresa.
Com o propósito de fazer uma avaliação dos termos específicos constantes no documento onde é estabelecido o regime de exclusividade e o respectivo enquadramento em caso de cessação do contrato de trabalho, gostaríamos que nos fosse comunicado em que termos se vai processar a rescisão, nomeadamente se virá a integrar algum grupo ou produto concorrencial de GG Media.
Atentamente,
LL
Administrador»
15) Com data de 22 de Fevereiro de 2007, a ré remeteu ao autor a carta junta aos autos a fls. 58, cujo teor se [passa a transcrever]:
«Assunto: Denúncia de Contrato de Trabalho
Exmo. Senhor,
Recebemos em 16 do corrente a carta de V. Exa. datada do dia anterior, em que reitera a sua decisão de fazer cessar o seu contrato de trabalho, nos termos legais.
Nesses mesmos termos o contrato de V. Exa. com esta empresa cessará no próximo dia 17 de Abril de 2007.
Sendo manifesto que esta empresa deve encarar, sem delongas, a substituição de V Exa. no cargo de Director do C..., vimos comunicar-lhe a sua demissão imediata deste cargo.
Deverá V. Exa. gozar as férias que se venceram em 1 de Janeiro do corrente ano, bem como os dois dias das férias a seu crédito que deveria ter gozado em 2006 respeitante às férias vencidas nesse ano, e os três dias também respeitantes a esse ano, devidos nos termos do artigo 213.º, n.º 3, do Código do Trabalho, gozo a iniciar no próximo dia 23 do corrente mês de Fevereiro (total de 27 dias úteis).
Está V. Exa. dispensado, após o termo do gozo das férias referido no parágrafo anterior, da prestação de trabalho até ao termo do contrato.
Sem outro assunto, com os nossos melhores cumprimentos, subscrevemo-nos
Atenciosamente»
16) A 28 de Fevereiro de 2007, a ré procedeu à transferência para a conta bancária do autor da quantia de € 14.584,58;
17) A ré, com periodicidade anual, atribuía aos seus quadros mais destacados, incluindo o autor, um prémio anual variável apurado de acordo com os respectivos salários, resultados comerciais obtidos pela empresa e avaliação de desempenho, com o esclarecimento que os resultados tidos em conta eram, não apenas os comerciais como os económicos;
18) A ré comunicava anualmente a cada um dos trabalhadores os objectivos propostos;
19) O pagamento do prémio pressupunha a realização dos objectivos definidos cujo cálculo era efectuado depois do fecho do ano, após apuramento dos resultados correspondentes;
20) A ré pagou ao autor no ano de 2003, em Fevereiro de 2003 e em Julho de 2003, a título de «Prémio Diverso c/ IRS» as quantias de € 89.121,78 de cada vez, quantias referentes ao ano de 2002;
21) A ré pagou ao autor no ano de 2004, em Março de 2004 e em Julho de 2004, a título de «Prémio Diverso c/ IRS» as quantias de € 98.955,44 de cada vez, quantias referentes ao ano de 2003;
22) A ré pagou ao autor no ano de 2005 em Fevereiro de 2005 e em Julho de 2005, a título de «Prémio Diverso c/ IRS» as quantias de € 115.438,00 de cada vez, quantias referentes ao ano de 2004;
23) A ré pagou ao autor no ano de 2006 em Março de 2006 e em Julho de 2006, a título de «Prémio Diverso c/ IRS» as quantias de € 101.636,00, quantias referentes ao ano de 2005;
24) Em face da cessação do contrato em 28 de Fevereiro de 2007, a ré não pagou ao autor qualquer prémio referente ao ano de 2006;
25) Em 2006, os resultados da ré foram os referidos no documento junto a fls. 74 a 98 dos presentes autos, e cujo conteúdo se dá por reproduzido;
26) Pela participação do autor na edição da Revista «S...», este auferia o montante anual de € 36.000,00;
27) O autor participava na edição da revista «S...» escrevendo crónicas e artigos, elaborando e aprovando, semanalmente, a respectiva capa, em conjunto com a Direcção;
28) No ano de 2005, a ré pagou ao autor, pela sua participação na revista «S...» a quantia de € 36.000,00;
29) No ano de 2006, a ré pagou ao autor, pela sua participação na revista «S...» a quantia de € 36.000,00;
30) É prática na ré que os jornalistas vão acumulando os dias de descanso compensatório — folgas — e gozando as mesmas à medida que convém aos próprios e de acordo com as necessidades de serviço;
31) O autor, em 2006, trabalhava de segunda a sexta, com folga aos S...s e domingos;
32) Entre os dias 21 de Outubro e 17 de Novembro de 2006, o autor acompanhou a expedição da M... que testou o modelo classe E, de Paris a Pequim, com vista à realização de uma reportagem sobre a mesma para a ré;
33) No dia 21 de Outubro de 2006, foi publicada no jornal «C...», a reportagem de fls. 104 e 107, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, realizada pelo autor;
34) No dia 4 de Novembro de 2006, foi publicada no jornal «C...», a reportagem de fls. 110 e 111, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, realizada pelo autor;
35) No dia 11 de Novembro de 2006, foi publicada no jornal «C...», a reportagem de fls. 108 e 109, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, realizada pelo autor;
36) No dia 18 de Novembro de 2006, foi publicada no jornal «C...», a reportagem de fls. 102 e 103, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida, realizada pelo autor;
37) A Revista «S...» publicou a reportagem realizada pelo autor e junta aos autos a fls. 112 a 118, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
38) O autor colaborava na publicação da Revista «D…» (distribuída com o Jornal R... de S...) detida e editada pela JJ, empresa do Grupo GG Media, escrevendo, desde 1 de Maio de 2004 e todas as semanas um artigo de opinião intitulado «Revendo a Semana».
Eis o acervo factual a considerar para resolver as questões postas no recurso.
2. Em primeira linha, a ré alega que o tribunal de 1.ª instância reconheceu que, «atento o disposto nos artigos 447.º e 448.º do Código do Trabalho, teria a Ré o direito a receber indemnização igual à retribuição base acrescida de diuturnidades, ou seja, ao valor ilíquido de € 7.264,85 x 2 = € 14.529,7», mas acolheu a invocação, pelo autor, da prescrição deste crédito da ré, não tendo, por isso, admitido a compensação, e que o acórdão recorrido «subscreveu a posição da primeira instância, considerando «que o disposto neste artigo 850.º do Cód. Civil não é aplicável no que toca à prescrição dos créditos laborais, por contrariar o disposto no art. 381.º do Cód. Trabalho de 2003, que constitui lei especial relativamente ao Cód. Civil», posição que «contraria frontalmente o decidido no acórdão [do] Supremo Tribunal de Justiça, de 24.05.2006, no processo 05S369», sendo certo que, «nos termos do artigo 850.º do Código Civil, ‘o crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis’».
A terminar aduz que «[o]s dois créditos tornaram-se compensáveis na data da cessação do contrato de trabalho e nessa data não podia ser invocada a prescrição do crédito da Ré», donde, «[a]o não reconhecer à Ré o direito de compensar o seu crédito (mesmo que prescrito) com o do Autor, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 850.º do Código Civil».
Tendo o contrato de trabalho cessado em 28 de Fevereiro de 2007, isto é, em plena vigência do Código do Trabalho de 2003, que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), atento o disposto nos artigos 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, e 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aplica-se o regime jurídico acolhido naquele Código.
O artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003 reza que «[t]odos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho» (n.º 1), preceito que corresponde ao n.º 1 do artigo 38.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto‑Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, designado adiante por LCT, nos termos do qual «[t]odos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, quer pertencentes à entidade patronal, quer pertencentes ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho […]».
Esta regra específica quanto à prescrição dos créditos resultantes do contrato de trabalho é justificada, no dizer de ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 875), «pelo facto de, na pendência da relação laboral, o trabalhador poder encontrar-se constrangido a intentar uma acção judicial contra o empregador(-)» e «implica duas alterações em relação ao regime do direito civil. Primeiro, nos termos do art. 306.º do CC, por via de regra, a prescrição tem início com o vencimento da obrigação, enquanto nos créditos resultantes da retribuição devida no contrato de trabalho, o início da prescrição relaciona-se com o termo do contrato. Por outro lado, e nesta sequência, a prescrição não corre durante a vigência do contrato de trabalho(-). Trata-se, no fundo, de uma suspensão da prescrição, tal como vem previsto no art. 318.º, alínea e), do CC, apresentada com outras vestes jurídicas(-).»
A questão suscitada é idêntica à que foi decidida por este Supremo Tribunal no acórdão de 24 de Maio de 2006, Processo n.º 05S369, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, documento n.º SJ200605240003694, o qual, na parte que releva para resolução do caso em apreciação, se passa a transcrever:
«As instâncias consideraram inatendível a compensação, com o fundamento de que o art. 850.º do Cod. Civil, por contrariar o art. 38.º n.º 1 da L.C.T., não é aplicável à prescrição dos créditos laborais.
Esta questão vem recolocada na revista e também aqui — dizemo-lo já — não acompanhamos as instâncias.
Neste âmbito, decidiu o Acórdão recorrido que a invocação da compensação — mesmo que não configurasse reconvenção mas simples excepção — nunca seria atendível, por virtude da já operada prescrição extintiva do crédito compensatório.
Prescrição — acrescenta — que a própria Ré reconhece, visto que havia já decorrido há quase dois meses, quando a mesma Ré reclamou o seu direito, o prazo de um ano sobre a cessação do contrato individual de trabalho, previsto no art. 38.º n.º 1 da L.C.T.
Considerou ainda a Relação que a excepcional faculdade de compensação de créditos, consentida pelo falado art. 850.º, se baseia na ideia de que o credor, que pode extinguir o seu crédito mediante compensação, tende a demorar a efectivação pontual desse crédito e de que não seria equitativo que ficasse prejudicado por serem desiguais os prazos de prescrição, sustentando que a letra do referido preceito pressupõe claramente essa diferença de prazos prescricionais, sem a qual a sua previsão se tornaria carecida de sentido.
Por isso se conclui também — como já se salientou — que o art. 850.º do C.C. contraria o art. 38.º n.º 1 da L.C.T., à luz do qual inexiste a assinalada diferença de prazos, que é de um ano para o trabalhador e para o empregador e se conta em qualquer dos casos, da mesma data, ou seja, do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Mais ponderou a Relação que o entendimento contrário violaria o princípio da igualdade das partes, tanto quanto é certo que iria conceder ao empregador um direito que seria negado ao trabalhador, sempre que estivessem prescritos os créditos por este reclamados.
Por seu turno, sustenta a recorrente que a prescrição do seu aduzido crédito — efectivamente já verificada quando foi limitada na contestação a declaração de compensação —, não pode, por si só, impedir a compensação: a tal se oporia, segundo diz, o referido art. 850.º
Vejamos.
3.2.5.
Nos termos do art. 38.º n.º 1 da L.C.T., todos os créditos emergentes de contrato de trabalho, e da sua violação ou cessação, extinguem-se, por prescrição, decorrido que seja um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato.
Este preceito estabelece um regime especial de prescrição dos créditos laborais, subtraindo à aplicação geral da lei civil os aspectos específicos que contempla: duração do prazo e fixação do seu “dies a quo”.
Quanto ao mais não especialmente previsto, deverá continuar a ser coligível o regime geral da prescrição, assim como deverá ser articulados os outros institutos que pressuponham a verificação da prescrição e não contendam com as especificidades do enunciado regime da L.C.T.
Neste sentido se têm orientado a doutrina e a jurisprudência, para quem importa avocar o regime substantivo da lei civil em tudo o que, relativamente à prescrição dos créditos laborais, não venha contemplado na lei especial.
A nosso ver, é justamente o que sucede com o princípio expresso no mencionado art. 850.º, segundo o qual o crédito prescrito “... não impede a compensação se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis”.
Na verdade, a aplicação do comando assim enunciado, na medida em que de[p]ende de uma prévia verificação da prescrição do crédito, ou seja, de uma prévia constatação do preenchimento dos pressupostos elencados no art. 38.º da L.C.T., sempre que estejam em causa créditos laborais, pressupõe a óbvia e necessária apreciação desta norma: deste modo, e sem mais, não pode contender com o seu âmbito de especialidade.
Ademais, não vemos por que motivo a possibilidade de compensação de créditos prescritos, consentida pelo art. 850.º, deva restringir-se aos casos em que os prazos de prescrição são desiguais: ao invés do que se afirma no acórdão sindicando, nem a letra do preceito pressupôs claramente essa diferença de prazos prescricionais, nem a sua previsão se torna desprovida de sentido quando os referidos prazos são idênticos.
A letra do preceito, desde logo, nada adianta sobre a questão, uma vez que não alude à dimensão dos prazos e apenas se reporta à “...data em que os créditos se tornaram compensáveis” estabelecendo, como condição para a operatividade da compensação, que a prescrição não pudesse ser então invocada.
É nesta data que têm de se verificar os requisitos da compensação e, em consonância, é desde essa data que os créditos se consideram extintos, tal como decorre do art. 854.º do C.C. — que estabelece a [retroactividade] da compensação — não se exigindo a diversidade dos prazos prescricionais.
Como assinalam P. Lima e A. Varela (inob. cit., pág.123), a norma do art. 850.º: “... é uma consequência da retroactividade da compensação prescrita no art. 854.º”.
Assim, só nos casos em que o prazo da prescrição já se havia completado no momento em que se verificaram os demais requisitos da compensação e os créditos se tornaram consequentemente compensáveis, é que a prescrição pode impedir a extinção da dívida por compensação: é a esse momento, e a nenhum outro eventualmente posterior, que deve reportar-se a averiguação sobre a prescrição que, sendo posterior, se revela de todo inoperante para impedir a compensação como o art. 850.º meridianamente assume e declara.
Por outro lado, tanto se revela equitativo tutelar o interesse do credor que pode extinguir o seu crédito mediante compensação e que tende, confiado na possibilidade de a realizar, a demorar a efectivação pontual desse crédito, no caso de ser o prazo da prescrição respectivo inferior ao do contracrédito, como no caso de ele ser igual (maxime se os créditos se fazem valer em juízo, caso em que o crédito do réu, a invocar na contestação, estará necessariamente prescrito quando a acção for intentada no limite do prazo prescricional, como é usual nas acções emergentes do contrato individual de trabalho) ou até superior.
Finalmente — e como bem refere a recorrente — não se vislumbra como a aplicação da compensabilidade dos créditos prescritos pode “...ir contra o princípio da igualdade das partes”, uma vez que a invocação da compensação, por via do art. 850.º, tanto pode ser efectuado pelo empregador como pelo trabalhador, beneficiando ambos de tratamento similar, em consonância com o princípio do tratamento uniforme emergente do falado art. 38.º da L.C.T. Se nenhum dos créditos estava prescrito no momento em que se tornaram compensáveis, a verificação da prescrição antes de ser emitida a declaração compensatória impede que a compensação opere, conforme flui do art. 850.º, uma vez que a declaração — seja do trabalhador, seja do empregador — tem efeitos retroactivos, pretendendo o legislador que o Réu não seja penalizado por eventual inércia na propositura de acção para reclamar o seu crédito.
É que a declaração compensatória — já o sabemos — retroage os seus efeitos à data em que os créditos se tornaram compensáveis (art. 854.º) e, uma vez feita, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.
Somos a concluir que procede a tese da recorrente, quer quanto à qualificação da sua defesa — por excepção —, quer quanto à invocabilidade do comando emergente do falado art. 850.º»
Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem perfeito cabimento no caso, sendo as considerações anteriormente expostas, formuladas a propósito do preceituado no n.º 1 do artigo 38.º da LCT, inteiramente transponíveis para o previsto no n.º 1 do artigo 381.º do Código do Trabalho de 2003.
No caso, o crédito da ré a receber indemnização por falta de cumprimento do prazo de aviso prévio para denúncia do contrato de trabalho pelo autor constitui um crédito resultante do contrato de trabalho e já estava prescrito quando se efectuou a pertinente declaração compensatória, porque o contrato de trabalho cessou em 28 de Fevereiro de 2007 e aquela declaração foi efectuada, em sede de contestação, apresentada em 31 de Outubro de 2008 e notificada ao autor por serviço postal registado, em 11 de Novembro de 2008 (fls. 244), presumindo-se feita a respectiva notificação, em 14 de Novembro seguinte, nos termos do n.º 3 do artigo 254.º do Código de Processo Civil, aplicável por força da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho, portanto, para além do prazo de um ano a contar do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Todavia, face ao disposto no artigo 850.º do Código Civil, norma também aplicável aos créditos resultantes do contrato de trabalho, «[o] crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis».
É o que sucede, no caso, pelo que deve reconhecer-se à ré o direito de compensar o sobredito crédito (mesmo que prescrito) com os conferidos ao autor.
Procedem, pois, as conclusões A) a F) da alegação do recurso de revista.
3. Procedendo o recurso de revista, naquele segmento, ao abrigo do n.º 2 do artigo 715.º do Código de Processo Civil, aplicável ao recurso de revista nos termos do artigo 726.º do mesmo Código, há que conhecer da questão de saber se é devida ao empregador indemnização por falta de cumprimento do prazo de aviso prévio para denúncia do contrato de trabalho por parte do trabalhador, a qual foi suscitada pelo autor, em sede de ampliação do âmbito do recurso de apelação, mas que a Relação deixou de apreciar por a ter considerado prejudicada pela solução dada ao litígio.
Refira-se que não é de observar a formalidade prevista no n.º 3 do artigo 715.º do Código de Processo Civil, pois foi garantida à parte contrária a oportunidade de se pronunciar sobre a dita questão, no decurso da tramitação do recurso de revista.
Neste plano de consideração, o autor discorda «da decisão da Meritíssima Juiz a quo que considerou que a Recorrente [ré] não prescindiu do aviso prévio de denúncia oferecido pelo Recorrido [autor] na sua carta de demissão (ponto II da parte dispositiva da sentença)», sustentando que «[d]a transcrição parcial da troca de correspondência entre A. e R., constante dos factos 13, 14 e 15, resulta claro o real desinteresse da R. pela observância do aviso prévio oferecido pelo A. na sua carta de demissão», sendo esta «a conclusão que se pode retirar do conteúdo da carta enviada pela Recorrente ao Recorrido (facto provado 15.) à luz da regra de interpretação das declarações negociais constante do n.º 1 do art. 236.º do Código Civil: a interpretação objectivista ou normativa da declaração negocial, nos termos da doutrina da impressão do destinatário, uma vez que, com os elementos disponíveis, um homem médio sempre tiraria a conclusão de que o empregador, na sua carta de 22 de Fevereiro de 2007 manifestou, de forma definitiva, a vontade de não mais contar com o A., inclusive, evitar que ele voltasse a aparecer na empresa, determinando-lhe o gozo imediato das férias e a subsequente dispensa da prestação de trabalho.»
Conclui, assim, o autor que, «[s]e a R. prescindiu do cumprimento do prazo de aviso prévio estabelecido a seu favor não pode vir exigir ao A. a indemnização prevista no artigo 448.º do Código do Trabalho ou, pior ainda, descontar-lhe esse valor, de forma arbitrária e unilateral, dos créditos decorrentes da cessação do contrato de trabalho a que este tinha e tem direito».
No caso, provou-se que o autor remeteu à ré a carta junta aos autos a fls. 57, com data de 15 de Fevereiro de 2007, em que reiterou a sua decisão de fazer cessar o contrato de trabalho que o ligava à empresa e manifestou disponibilidade «para colaborar com a empresa no sentido de assegurar a maior eficácia do processo de transição […]» [facto provado 13)], tendo a ré, em resposta, remetido ao autor a carta, datada de 21 de Fevereiro de 2007 e junta aos autos a fls. 217, em que acusou a recepção da carta de 15 de Fevereiro de 2007 e lhe solicitou que informasse «em que termos se vai processar a rescisão, nomeadamente se virá a integrar algum grupo ou produto concorrencial de GG Media» [facto provado 14)], sendo que, em 22 de Fevereiro de 2007, a ré remeteu ao autor a carta junta aos autos a fls. 58, em que comunicou ao autor que o seu contrato «cessará no próximo dia 17 de Abril de 2007» e a demissão imediata do cargo de Director do C..., já que havia que encarar, sem delongas, a sua substituição, comunicando-lhe, ainda, que devia «gozar as férias que se venceram em 1 de Janeiro do corrente ano, bem como os dois dias das férias a seu crédito que deveria ter gozado em 2006 respeitante às férias vencidas nesse ano, e os três dias também respeitantes a esse ano, devidos nos termos do artigo 213.º, n.º 3, do Código do Trabalho, gozo a iniciar no próximo dia 23 do corrente mês de Fevereiro (total de 27 dias úteis)», e que estava «dispensado, após o termo do gozo das férias referido no parágrafo anterior, da prestação de trabalho até ao termo do contrato» [facto provado 15)].
Mais se apurou que, na sequência daquela troca de correspondência, o autor, em 28 de Fevereiro de 2007, denunciou o contrato de trabalho [facto provado 8)].
Ora, face ao teor da carta a que se reporta o facto provado 15) é de concluir, tal como o fez a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância, que o autor não demonstrou, como alegou e lhe incumbia (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), «que a Ré prescindiu do prazo de pré-aviso».
Basta, para tanto, atender que, na missiva de 22 de Fevereiro de 2007, a ré fez consignar que o seu contrato de trabalho só cessaria em 17 de Abril de 2007 e comunicou ao autor que devia «gozar as férias que se venceram em 1 de Janeiro do corrente ano, bem como os dois dias das férias a seu crédito que deveria ter gozado em 2006 respeitante às férias vencidas nesse ano, e os três dias também respeitantes a esse ano, devidos nos termos do artigo 213.º, n.º 3, do Código do Trabalho, gozo a iniciar no próximo dia 23 do corrente mês de Fevereiro (total de 27 dias úteis)».
A ré tem, assim, direito a receber a indemnização estabelecida nos artigos 447.º e 448.º do Código do Trabalho de 2003, por falta de cumprimento do prazo de aviso prévio da denúncia do contrato de trabalho, «de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de antecedência em falta», isto é, atento o facto provado 10), alíneas a) e d), ao valor ilíquido de € 14.529,70 (€ 7.105,73 + € 159,12 x 2), crédito que a ré tem o direito de compensar com os do autor.
E não se diga que tal indemnização «é ilegítima e traduz um comportamento que constitui um verdadeiro “venire contra factum proprium” condenável à luz do princípio da boa fé que deve pautar o desenvolvimento da relação laboral mesmo no seu momento terminal (n.º 1 do artigo 119.º do Código do Trabalho)», conforme o autor proclama na conclusão 22.ª da contra-alegação em sede de recurso de revista.
O abuso do direito, como flui da norma do artigo 334.º do Código Civil, traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Não basta, pois, que o titular do direito exceda os limites referidos naquele preceito, é necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito que é exercido.
Por outro lado, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, ou seja, não é necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e intolerável, pois, como é sabido, o nosso ordenamento jurídico acolheu a concepção objectiva do abuso do direito (cf., por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 1967, p. 217).
Tal como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de Março de 2006 (Processo n.º 3921/05, da 4.ª Secção), o abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, «caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente. Como refere Baptista Machado(-), o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”. Todavia, para que o venire se verifique não basta a existência de condutas contraditórias. É necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, que tenha investido nessa situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis(-)».
Ora, a mencionada conduta da ré, ao comunicar ao autor que o contrato de trabalho cessava no dia 17 de Abril de 2007 e que devia «gozar as férias que se venceram em 1 de Janeiro do corrente ano, bem como os dois dias das férias a seu crédito que deveria ter gozado em 2006 respeitante às férias vencidas nesse ano, e os três dias também respeitantes a esse ano, devidos nos termos do artigo 213.º, n.º 3, do Código do Trabalho, gozo a iniciar no próximo dia 23 do corrente mês de Fevereiro (total de 27 dias úteis)», não é de molde a criar a convicção de que a ré prescindia do prazo de aviso prévio estabelecido no artigo 447.º do Código do Trabalho de 2003 e, por outro lado, conferia sentido útil ao período antecedente à cessação do contrato de trabalho, permitindo o gozo de férias, entretanto, vencidas.
Adite-se que o facto da ré ter comunicado ao autor a demissão imediata do cargo de Director do C... (o que não se confunde com a cessação da relação de trabalho) não tem, objectivamente, a virtualidade de gerar uma justificada situação de confiança de que a ré prescindia do prazo de aviso prévio da denúncia do contrato de trabalho, porquanto a proeminência das funções directivas exercidas pelo autor exigia, tal como a ré fez consignar na carta de 22 de Fevereiro de 2007 [facto provado 15)], «encarar, sem delongas, a substituição […] no cargo de Director do C...», e, por outro lado, na mesma missiva, a ré afirmou que o contrato de trabalho do autor cessava em 17 de Abril de 2007 e que, entretanto, devia gozar as férias vencidas, num total de 27 dias úteis, com início em 23 de Fevereiro de 2007, tendo dispensado a prestação de trabalho, somente, após o termo do gozo das férias.
Não ocorrem, pois, os pressupostos do abuso do direito naquela modalidade.
Improcedem, por isso, as conclusões 5) a 11) da contra-alegação do autor no recurso de apelação, em sede de ampliação do âmbito do mesmo recurso.
4. A ré propugna, doutro passo, que «[o] A. não alegou nem provou quais os objectivos que a Ré lhe fixou ou propôs para a realização no ano de 2006. Por isso, também não alegou nem provou que o objectivo a que estaria condicionada a atribuição do prémio anual tivesse sido por ele atingido.»
E acrescenta que «[o] A. também não provou qual a avaliação que do seu desempenho foi feita ou deveria ter sido feita no ano de 2006, nem sequer alegou nada sobre tal matéria», pelo que o tribunal recorrido não deveria «ter reconhecido o direito do Autor ao recebimento de um prémio cuja atribuição dependia da verificação de pressupostos que não foram provados nem sequer alegados», sendo certo que «[a]s regras que regulam o incidente de liquidação não contemplam a possibilidade de alegação e prova de factos que tinham toda a possibilidade de serem conhecidos no [momento] em que foi instaurada a acção ou em que foi proferida a decisão», pelo que o acórdão recorrido fez «uma errada aplicação do disposto no artigo 661.º, n.º 2, do CPC».
A este propósito, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:
«Decorre do art. 802.º do CPC a regra de que só a obrigação líquida pode ser coercivamente efectivada em juízo. Daí que, em certos casos, se torne necessário o recurso ao incidente de liquidação, sendo um deles a hipótese de a sentença condenatória se reconduzir a uma condenação genérica, nos termos do artigo 661.º, n.º 2, do CPC.
A sentença assim proferida constituirá título executivo mas apenas após a respectiva liquidação no processo declarativo — art.s 46.º, n.º 1, al. a), e 47.º, n.º 5, do CPC.
No regime actual, o legislador fez deslocar a liquidação obrigatoriamente para o âmbito do processo declaratório que a originou, em incidente posterior à condenação. Criou-se uma espécie de incidente da instância posterior ou subsequente à decisão judicial de condenação, enxertado no processo declaratório que nela culminou, e que tem até a virtualidade de determinar a renovação da respectiva instância, já extinta — cfr. Carlos Lopes do Rego, Requisitos da obrigação exequenda, Themis, ano IV, n.º 7, 2003 (A reforma da acção executiva), pags. 71 e 72.
Como decorre do citado art. 661.º, n.º 2, o juiz deve procurar proferir uma decisão em quantia certa. Todavia, haverá casos em que tal não será possível, designadamente por não dispor dos elementos indispensáveis para proferir condenação em quantia certa, devendo condenar “no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”.
Tal como refere o Autor e se decidiu no Ac. desta Relação de 23/06/2010 (relatado pelo Exmº Des. Leopoldo Soares e disponível em www.dgsi.pt), encontram, aqui, plena aplicação as considerações expressas no Ac. do STJ de 15/02/2006, in www.dgsi.pt.
Refere-se em tal aresto:
“A questão prende-se essencialmente com o âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil, norma que, procurando definir os limites da condenação, dispõe que ‘[s]e não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida’.
A delimitação do âmbito da possibilidade de condenação no que vier a ser liquidado em execução de sentença não tem sido ajuizada de modo uniforme pela jurisprudência, designadamente deste Supremo Tribunal.
Assim, segundo uma das perspectivas, o n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil só permite remeter para liquidação em execução de sentença, quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos, não como fracasso da prova na acção declarativa sobre esse objecto ou quantidade, mas antes como consequência de ainda não se conhecerem com exactidão todas as consequências do facto no momento da propositura da acção declarativa.
Nesta perspectiva, a carência de elementos não se refere à inexistência de prova dos factos já produzidos e que foram submetidos a prova, mas sim à inexistência de factos provados, na medida em que estes factos não eram ainda conhecidos ou estavam em evolução no momento da propositura da acção ou no momento da decisão quanto à matéria de facto (cf., neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Janeiro de 1995, disponível em www.dgsi.pt, n.º convencional JSTJ00026462, de 13 de Janeiro de 2000, Revista n.º 44/99 da 2.ª Secção, de 24 de Fevereiro de 2000, Revista n.º 27/2000 da 2.ª Secção, de 6 de Julho de 2005, Revista n.º 1169/2005 da 4.ª Secção).
Porém, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Fevereiro de 2006, proferido no Processo n.º 3225/05 (Revista), da 4.ª secção, ‘[e]sta é uma interpretação restritiva, que reconduz o âmbito de aplicação do preceito aos casos em que o autor tenha deduzido um pedido genérico, nos termos previstos no artigo 471.º do CPC, ou tenha formulado um pedido específico, mas não tenha sido possível, no momento da decisão, fixar o objecto ou a quantidade da condenação por se desconhecerem todas ou algumas das consequências do facto ilícito, por estas ainda se não terem produzido ou por se não terem produzido todos os factos influentes na determinação do quantitativo de uma dívida’.
E prossegue o mesmo acórdão, ‘[a] questão não é, no entanto, pacífica e ainda no recente acórdão de 28 de Setembro de 2005 (Processo n.º 578/05), tendo embora presente a referida argumentação, acabou por concluir-se que a condenação em liquidação de sentença poderá ocorrer mesmo quando o autor, tendo formulado um pedido líquido, não tenha logrado provar, no processo declarativo, o exacto montante do que lhe é devido (no mesmo sentido, também o acórdão de 7 de Dezembro de 2005, Processo n.º 2850/05)’.
Efectivamente, na sua actual composição, a Secção Social deste Supremo Tribunal tem considerado, em termos uniformes, que o facto do autor, na acção declarativa, pedir a condenação do réu em determinado montante líquido e não ter logrado provar o exacto montante do invocado crédito, não obsta à condenação do réu em quantia a liquidar em execução de sentença (neste sentido, os mencionados Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Setembro de 2005, de 7 de Dezembro de 2005 e de 2 de Fevereiro de 2006, todos da 4.ª Secção).
[…]
Conforme se ponderou no citado Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Fevereiro de 2006, ‘[n]ão parece curial, em todo o caso, que, tendo o autor provado a existência de uma situação de violação do direito à retribuição, por ter prestado trabalho num condicionalismo que justificava o pagamento de um acréscimo remuneratório, apesar disso, a acção devesse ser julgada improcedente apenas porque se não provou o exacto montante que se encontra, a esse título, em dívida.
‘É certo que numa interpretação lata do artigo 661.º, n.º 2, como preconiza o citado acórdão de 28 de Setembro de 2005, acaba por se conceder uma nova oportunidade de prova ao demandante. No entanto, nas circunstâncias do caso, essa segunda oportunidade de prova não incide sobre a existência da situação de violação do direito laboral que constitui o fundamento do pedido, mas apenas sobre a quantidade da condenação a proferir.’
[…]
Na verdade, o fenómeno jurídico-processual do caso julgado, conforme decorre do estipulado nos artigos 497.º, 498.º, 671.º, 673.º e 675.º do Código de Processo Civil, pressupõe a existência de uma decisão que resolveu uma questão que se entronca na relação material controvertida ou que versa sobre a relação processual, e visa evitar que essa mesma questão venha a ser validamente definida, mais tarde, em termos diferentes, pelo mesmo ou por outro tribunal.
Ora, os limites objectivos do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida no correspondente conteúdo da decisão judicial em causa.
Por outro lado, há que distinguir entre a demonstração do direito invocado e a prova do respectivo objecto ou quantidade.
[…]
Nada parece obstar, nestes termos, que em face da insuficiência de elementos para determinar o montante em dívida se profira uma condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento quantitativo da atinente responsabilidade para execução de sentença.”
O mesmo caminho se seguiu no Ac. desta Relação Lisboa de 2/2/2011 (relator Des. Natalino Bolas, aqui adjunto,) in www.dgsi.pt, ao aí afirmar-se:
“Esta tem sido a orientação da jurisprudência vinda da Secção Social do nosso mais Alto Tribunal, jurisprudência considerada ‘amplamente dominante’ como se pode ver, ainda, do Acórdão proferido também na Secção Social do STJ de 16.01.2008 in www.dgsi.pt (Senhores Conselheiros Vasques Dinis, Bravo Serra e Mário Pereira), onde se pode ler: ‘A jurisprudência, amplamente dominante, vai no sentido das transcritas considerações, ou seja, no sentido de que, mesmo quando o autor formulou pedido líquido, o facto de não ter logrado provar o exacto montante do seu demonstrado direito não obsta à condenação do réu em quantia a liquidar em execução de sentença.”
No caso em apreço, e como bem refere a Sr.ª Juíza, o prémio era determinado pela Ré, em função dos respectivos salários, dos resultados comerciais e económicos obtidos por esta e pela avaliação do desempenho.
Em termos de matéria de facto provada, apenas não ficou demonstrada essa avaliação do desempenho, no que ao Autor diz respeito.
Ou seja, estamos na presença de uma situação em que se mostra levada a cabo a demonstração do direito invocado, mas não a prova da sua quantidade.
Assim sendo, bem andou a sentença ao remeter o apuramento de tal quantidade para posterior liquidação, que deverá ser feita através do correspondente incidente, nos termos supra expostos.»
Tudo ponderado, subscrevem-se, no essencial, as considerações transcritas e, bem assim, o juízo decisório enunciado.
Na verdade, ficou provado que, à data da cessação da relação laboral, o autor auferia mensalmente as seguintes quantias: a) vencimento base de € 7.105,73; b) subsídio de exclusividade de € 3.552,87; c) isenção de horário de trabalho de € 2.032,24; d) diuturnidade, no valor de € 159,12; e) subsídio de refeição no valor de € 5,3, por cada dia útil de trabalho [facto provado 10)].
E mais se demonstrou que:
«17) A ré, com periodicidade anual, atribuía aos seus quadros mais destacados, incluindo o autor, um prémio anual variável apurado de acordo com os respectivos salários, resultados comerciais obtidos pela empresa e avaliação de desempenho, com o esclarecimento que os resultados tidos em conta eram, não apenas os comerciais como os económicos;
18) A ré comunicava anualmente a cada um dos trabalhadores os objectivos propostos;
19) O pagamento do prémio pressupunha a realização dos objectivos definidos cujo cálculo era efectuado depois do fecho do ano, após apuramento dos resultados correspondentes;
20) A ré pagou ao autor no ano de 2003, em Fevereiro de 2003 e em Julho de 2003, a título de «Prémio Diverso c/ IRS» as quantias de € 89.121,78 de cada vez, quantias referentes ao ano de 2002;
21) A ré pagou ao autor no ano de 2004, em Março de 2004 e em Julho de 2004, a título de «Prémio Diverso c/ IRS» as quantias de € 98.955,44 de cada vez, quantias referentes ao ano de 2003;
22) A ré pagou ao autor no ano de 2005 em Fevereiro de 2005 e em Julho de 2005, a título de «Prémio Diverso c/ IRS» as quantias de € 115.438,00 de cada vez, quantias referentes ao ano de 2004;
23) A ré pagou ao autor no ano de 2006 em Março de 2006 e em Julho de 2006, a título de «Prémio Diverso c/ IRS» as quantias de € 101.636,00, quantias referentes ao ano de 2005;
24) Em face da cessação do contrato em 28 de Fevereiro de 2007, a ré não pagou ao autor qualquer prémio referente ao ano de 2006;
25) Em 2006, os resultados da ré foram os referidos no documento junto a fls. 74 a 98 dos presentes autos, e cujo conteúdo se dá por reproduzido.»
Em suma: ficou provado que o autor tem direito a receber o prémio anual relativo ao trabalho prestado em 2006, faltando apenas determinar o seu quantitativo, o qual deve ser apurado em posterior incidente de liquidação da sentença, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil.
Improcedem, pois, as conclusões G) a P) da alegação do recurso de revista.
Uma vez que o recurso de revista improcede, nesta parte, fica prejudicado o conhecimento da questão da alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre os pontos da matéria de facto impugnados concernentes ao prémio anual relativo ao trabalho prestado em 2006, suscitada, em sede de ampliação do âmbito do recurso de apelação, nas conclusões 31) a 40) da contra-alegação do autor no sobredito recurso.
De facto, o n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
III
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Conceder parcialmente a revista e revogar o acórdão recorrido, na parte em que julgou não compensável o crédito da ré relativo à indemnização por falta de cumprimento do prazo de aviso prévio da operada denúncia do contrato de trabalho pelo autor, indemnização fixada em € 14.529,70, reconhecendo-se à ré o direito de compensar o sobredito crédito com os conferidos ao autor, confirmando-se, no mais, o acórdão recorrido; b) Julgar improcedente a ampliação do âmbito do recurso de apelação que foi deduzida nas conclusões 5) a 11) da contra-alegação do autor no mesmo recurso; c) Julgar prejudicado o conhecimento da ampliação do âmbito do recurso de apelação que foi deduzida nas conclusões 31) a 40) da contra-alegação do autor no mesmo recurso.
Custas, neste Supremo Tribunal e nas instâncias, a cargo do autor e da ré, na proporção do respectivo decaimento, sendo suportadas, provisoriamente, em partes iguais, no tocante à condenação a pagar o prémio anual relativo ao trabalho prestado em 2006 no montante a apurar em incidente de liquidação da sentença.