I - O parecer do MP, que se manifesta perante o objecto do recurso, cumprindo o contraditório, não vincula o STJ nos seus poderes de cognição, que apenas tem, de se ater ao objecto do recurso, como foi interposto pelo recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de natureza oficiosa de que possa conhecer (requeridas ou não pelos sujeitos processuais não recorrentes) ─ arts. 410.º, n.º 1, e 412.º do CPP.
II - Para haver omissão de pronúncia era necessário que perante questão suscitada pelo recorrente, o tribunal de recurso não se pronunciasse sobre ela, ao julgar o recurso.
III -O acórdão recorrido, anulado pelo STJ, é omisso quanto à condenação concreta do arguido e, por isso, ininteligível, por falta de objecto decisório, para se formular um juízo sobre a admissibilidade ou não do recurso. A ausência de condenação constituiu assim questão prévia à também questão prévia da admissibilidade ou não do recurso (caso a decisão recorrida se apresentasse formalmente completa).
IV - Deste modo, improcede a nulidade arguida pelo MP, devido a alegada omissão de pronúncia por parte do STJ, sobre a questão da inadmissibilidade do recurso, que havia sido suscitada no parecer emitido ao abrigo do disposto no art. 416.º do CPP.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
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Inconformada, a assistente BB, casada, residente na Rua ..., interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a procedência da acusação, bem como o pedido de indemnização civil.
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A 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir a seguinte:
“Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, modificando a matéria de facto da decisão recorrida nos termos supra expostos e decidindo, em consequência:
- revogar a sentença recorrida na parte em que absolve o arguido do crime que lhe era imputado e do pedido de indemnização civil;
- condenar o arguido recorrido como autor de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º do Cód. Penal, bem como na obrigação de indemnizar a assistente;
- ordenar a remessa dos autos à primeira instância a fim de determinar a pena a aplicar ao arguido e o valor da indemnização a fixar.
Sem custas.”
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O Acórdão recorrido, e com o devido respeito, violou o artº 32 nº 2 da Constituição da República Portuguesa ao não aplicar - mesmo na sua perspectiva da fixação de uma factualidade com que se não concorda e que a seguir se impugna - o principio do "in dúbio pro reo". Na verdade ao estabelecer uma factualidade mesmo em si duvidosa, e apenas motivadora de dúvidas e incertezas, avançou para conclusões que impuseram a verificação e a imputação de um crime pp no artº 143 do Código Penal. Sendo certo que este normativo porventura exige a declaração da duvida do Tribunal que decide, neste caso o Tribunal a quo, não deixa de ser igualmente certo que um principio tão importante e basilar da nossa mais elementar estrutura jurídica não possa ser, não deva ser, constantemente escrutinado a todo o momento e em todas as instâncias, nas conclusões que se apreciam, como no caso concreto, no modo como são fixadas "certezas" factuais para sedimentar um juízo dedutivo e a suas consequências jurídicas.
2°
Por outro lado ao não respeitar a indissolubilidade da oralidade - e suas conclusões -com que decorreu o julgamento, e na não valoração da prova produzida em julgamento, violou o artigo 127º do Código de Processo Penal, que consagra a livre apreciação da prova com que decorre o julgamento.
3º
Ao consignar e ao fixar como matéria provada, que
- "e como ela não saísse, o arguido com uma das mãos agarrou-a pelo pescoço e, em simultâneo, com a outra mão empurrou-a";
- " e ainda o arguido empurrou a ofendida, fazendo com que ela caísse para trás, desamparada, no chão";
- " com a actuação descrita o arguido causou à ofendida um traumatismo do pavilhão auricular esquerdo, na região cervical e na região peitoral, e ainda dores na região infra-hióidea e no pavilhão auricular esquerdo, lesões que não carecem todavia de tratamento hospitalar" e ainda que,
- " o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de atingir a ofendida na sua integridade física, o que fez causando-lhe as lesões acima indicadas, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei".
Cometeu, e sempre com o devido respeito, um erro notório na apreciação da prova e isto, na medida em que da prova produzida a única conclusão possível a retirar é aquela precisa que o meritíssimo juiz do Tribunal da comarca de Caldas da Rainha, retirou, aliás sufragada pelos representantes do Ministério Público junto às duas instâncias judiciais.
Termos em que,
E nos demais de Direito que o Venerando Tribunal suprirá deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, o arguido-recorrente absolvido da autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artº 143º do Código Penal, bem assim como a correspondente obrigação de indemnizar a assistente.
Assim se fazendo Justiça.
V. Exas. farão, como habitualmente, a esperada
JUSTIÇA!”
“Do douto Acórdão proferido em recurso pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 15/11/2011 que deu “provimento ao recurso” interposto pela Assistente, modificando a matéria de facto e condenando o arguido recorrido como autor de um crime de ofensa à integridade física simples do artº 143º do CP., vem agora o arguido AA recorrer para o Supremo Tribunal da Justiça.
O arguido AA, no 1º Juízo do Tribunal das Caldas da Rainha havia, sido absolvido da prática do crime de ofensas corporais à integridade física e julgado totalmente improcedente o pedido de indemnização.
O acórdão do Tribunal da Relação dando provimento exclusivamente à assistente BB, após ter procedido à audição dos suportes informáticos ter confrontado os depoimentos de duas testemunhas, alterou a matéria de facto provada, concluindo daí que dos factos resultava um crime de ofensas à integridade física simples, condenando o arguido AA por isso, mas ordenado “a remessa dos autos à 1ª instância a fim de determinar a pena a aplicar ao arguido e o valor da indemnização a fixar”.
Deste acórdão do tribunal da relação vem o arguido AA recorrer, essencialmente, por ter sido violado o princípio “in dúbio pró reo” e o disposto no nº 2 do artº 32º da Constituição da República ao ser alterada a matéria de facto, defendendo que deve ser absolvido.
Parece-nos também que o acórdão do tribunal da relação é irrecorrível tal como a srª Procuradora Geral Adjunta junto daquele tribunal defende na sua resposta, embora também nos pareça que devam ser outros os fundamentos.
A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, embora não tenha determinado a pena aplicada, alterou o acórdão/recorrido que havia absolvido o arguido e condenou-o pela autoria do crime do artº 143º nº 1 do CP.
Esta condenação ter-se-á de considerar uma decisão final, pois a condenação por autoria do crime não poderá ser alterada, e tal como consta da fundamentação do acórdão da relação, a não aplicação da pena resultou do arguido vir a ter a possibilidade de recorrer dessa sanção o que não podia acontecer se fosse de imediato fixada em recurso.
Mas independentemente do acórdão recorrido não ter fixado a pena, estamos perante uma decisão final que não condenou em pena de prisão efectiva e mesmo que a mesma tivesse sido fixada, nunca seria superior a 5 anos, por nos termos do artº 143º do CP, a pena de prisão aplicável vai até 3 anos ou pena de multa.
E não é admissível recorrer directamente para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do tribunal singular porque este tribunal não pode aplicar pena de prisão superior a 5 anos, conforme determina a al. c) do nº 1 do artº 432º do CPP, pois estas penas só poderão ser atingidas em julgamento de júri ou colectivos.
Por outro lado não havendo ainda pena aplicada – multa, prisão efectiva ou pena declarada suspensa, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que, em recurso, determinou a condenação por autoria de um crime punível com pena inferior a 5 anos, também nos parece ter de se enquadrar na alínea e) do nº 1 do artº 400º do CPP, o que também o torna irrecorrível (artº 432º nº 1, al. b) do CPP.).
Assim parece-nos que o recurso do arguido AA, interposto do acórdão da Relação de Lisboa que o condenou apenas por autoria do crime de ofensas à integridade física, é irrecorrível, nos termos do disposto no art.º 400º nº 1 al. e) e 432º nº 1 al. c) todos do CPP.”
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Não tendo sido requerida audiência seguiu o processo para conferência, após os vistos legais em simultâneo.
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Ao ler-se a parte decisória do acórdão da Relação, de que foi interposto recurso, verifica-se que, na parte condenatória, é omisso quanto à concreta condenação, o que torna o acórdão nulo por carência de objecto, nos termos do artº 379º nº 1 al. a) do CPP, por contrariar o disposto na alínea b) do artº 374º nº 3 do mesmo diploma legal, pois que, conhecendo as relações de facto e de direito -. artº 428º do CPP – verifica-se que o Tribunal da Relação condenou o arguido por um crime sem que determinasse e aplicasse a respectiva pena, e condenou o arguido em obrigação de indemnização sem que determinasse o seu montante ou remetesse a sua liquidação para execução de sentença.
A estatuição do tribunal no dispositivo ficou incompleta, não indicando o conteúdo punitivo, ou seja a pena, nem o conteúdo da obrigação (o valor do dano a indemnizar, ou se não fosse possível a remessa para liquidação em execução de sentença nos termos do artº 82º do CPP)
Na verdade, os requisitos da sentença encontram-se descritos no artº 374º do CPP, entre os quais o dispositivo a final caracterizado no nº3 e que contém as especificações constantes das respectivas alíneas, entre os quais:
a) As disposições legais aplicáveis
b) A decisão condenatória ou absolutória;
Essas especificações são obrigatórias, cujo incumprimento gera a nulidade da decisão.
Com efeito, o artº 379º nº 1 do CPP, começa por dizer:
“É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º (…)”
Como se sabe, do ponto de vista jurídico-criminal, a apreciação do mérito da causa para efeitos de sentença, envolve duas questões:
- A questão da culpabilidade concretizada nas questões descritas nas alíneas do nº 2 do artº 368º do C.P.P e que obriga a uma dicotomia metodológica: primeiramente “se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificadamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa, e bem assim os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões”.
“Em seguida, o presidente enumera discriminadamente e submete a deliberação e votação todas as questões de direito suscitadas pelos factos referidos no número anterior”- nº 3
- A questão da determinação da sanção nos termos do artº 369º do CPP.
A sanção aplicada em termos penais, e o valor do dano em termos cíveis, em sentença condenatória é que constitui a eficácia e validade processual e material da decisão e a autonomiza, sobre a qual se pode formar o caso julgado e que lhe confere exequibilidade por ser a decisão do objecto do processo de conteúdo exequível.
Como pode ser exequível uma decisão penal que condena por crime se não determinou nem aplicou a pena correspondente? Onde está a ‘injunção’ da condenação?
E mutatis mutandis quanto ao pedido de indemnização civil.
Como pode haver lugar a condenação em obrigação de indemnização, se não se determinou nem sequer averiguou o valor do dano?!
A decisão recorrida, ao condenar, apresenta uma decisão penal e civil sem objecto definido, certo e determinado, em termos de condenação.
A decisão recorrida, ao condenar, não estabeleceu a pena concreta e não fixou a indemnização atinente à obrigação de indemnização, nem remeteu a sua liquidação para execução de sentença.
Uma decisão condenatória penal, sem indicação da respectiva pena se transitasse em julgado, como poderia obter força executiva em todo o território português, e ainda em território estrangeiro?
Qual o efeito útil de uma decisão assim, perante o artº 467º do CP?
Aliás, o artº 375º do CPP é elucidativo quando determina:
“1. A sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram `a escolha e à medida da sanção aplicada, indicando nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres do condenado, bem como o plano individual de readaptação social.”
Refere a decisão recorrida:
“Entendemos, todavia, que a determinação da pena e do montante indemnizatório competem ao Tribunal de primeira instância (neste sentido cfr. o Ac. do STJ de 11.01.2007, proferido no Proc. 4692/06- 5ª Secção; o Ac. da Relação de Lisboa de 14.01.2009, proferido no Proc. 1048472008-3; e o Ac. da Relação de Évora de 14.04.2009 proferido no Proc. 276/08.5GDLLE.E1).
Não desconhecendo as opiniões contrárias (vide, por todos o Ac. da Relação de Lisboa de 21.1.2010, proferido no Proc. nº. 98/05.5JELSB.L1-9), somos sensíveis ao argumento de que o direito ao recurso (constitucionalmente consagrado no art. 32º 1 da Constituição da República Portuguesa) ficaria limitado sempre que um arguido absolvido em primeira instância fosse condenado na segunda instância, pois que lhe estaria vedado recorrer da espécie e medida da pena aplicada, a menos que esta fosse privativa da liberdade (cfr. o disposto na alínea e) do nº 1 do art. 400º do Cód. Proc. Penal). Acresce que só após a decisão sobre a culpabilidade do arguido pode o tribunal decidir sobre a determinação da sanção (art. 369º do Código citado) e até decidir da necessidade de prova suplementar para a determinação da sanção, o que levaria à reabertura da audiência, nos termos do art. 371º do mesmo Código – embora neste caso concreto se afigure comportar a decisão sobre a matéria de facto todos os elementos necessários à determinação daquela sanção – sem olvidar a possibilidade de reabrir a audiência para obter o consentimento do condenado se o tribunal optar por penas de substituição que não prescindam daquele consentimento, como é o caso do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, ou em regime de semi-detenção, ou da prestação de trabalho a favor da comunidade.”
Mas aqui várias considerações se impõem:
1 - A relação conhece de facto e de direito – artº 428º do CPP - devendo por isso, subsumir o direito aos factos.
2 - O recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.- artº 402º nº 1 do CPP.
3 - Mesmo que houvesse limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.- artº 403º nº 3 do CPP.
4- Se a Relação como tribunal de recurso, ao arrepio dos seus poderes de cognição, não decidir de forma completa o objecto do recurso, podendo e devendo fazê-lo, incorre em omissão de pronúncia geradora de nulidade nos termos do artº 379º nº 2 do CPP.
5- Se o tribunal superior não decidisse de forma completa o objecto do recurso, podendo e devendo fazê-lo, devolvendo a parte incompleta para a 1ª instância decidir, frustraria o caso julgado, porque conduziria à eternização da instância, de forma tautológica, pois a cada decisão da 1º instância poderia seguir-se recurso, que, (re)apreciado, pelo tribunal superior, poderia de novo decidir em parte, e remeter a outra parte decorrente dessa apreciação á 1ª instância para decisão subsequente, à qual poderia seguir-se novo recurso, e assim sucessivamente.
6- O artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP), não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.
Mas daqui não resulta que a decisão do tribunal do recurso ao modificar a decisão da 1ª instância, não pudesse ou não devesse decidir, e devesse remeter à 1ª instância para proferir a decisão, com vista a garantir o direito ao recurso.
A decisão do tribunal de recurso não tem que ‘preocupar-se’ com eventual direito ao recurso, não é esse o thema decidendum, não é essa a função do tribunal ao decidir, nem o objecto do recurso, nem pode o tribunal de recurso cindir ou afastar os seus poderes legais de cognição.
O direito ao recurso consagrado no artº 32º nº 1 da CRP não significa que tenha de ser exercido, que seja obrigatório - salvo os casos de recurso obrigatório pelo Ministério Público, nos casos contemplados na lei - antes se assume como garantia do processo penal no sentido de que possa haver outro tribunal diferente do que apreciou e decidiu pela primeira vez o pleito a reexaminar e decidir a mesma causa.
O exercício do direito ao recurso visando determinado objecto (o objecto do recurso) é necessariamente integrado pelo exercício do contraditório, pelo que nada obstando ao conhecimento de mérito do recurso, a decisão do recurso, sendo de mérito, tem de abranger esse objecto na sua totalidade, como thema decidendum, sob pena de omissão de pronuncia.
Ora in casu,
As legítimas expectativas criadas foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para a Relação, por força da conjugação do artº 432º nº 1 al. c) e 427º, ambos do CPP., em que foi exercido o contraditório e o direito de defesa relativamente ao objecto do recurso e, por isso, não houve lugar a decisão surpresa,
Não há qualquer violação de normas constitucionais.
7 - O objecto do recurso deve ser decidido na sua totalidade – se for caso de juízo de conhecimento de mérito - de harmonia com os poderes de cognição do tribunal de recurso, que no caso do Tribunal da Relação, no âmbito da sua competência, conhece – repete-se - de facto e de direito, sem prejuízo do disposto no artº 410º nºs 2 e 3 do CPP.
Nada obstando ao conhecimento de mérito:
Se houver apenas recurso em matéria de facto, conhece do objecto do recurso, e se modificar a matéria de facto, extrai as consequências jurídicas decorrentes.
Sendo o recurso de facto e de direito, conhece de ambos.
Sendo o recurso somente de direito, conhece do recurso, sem prejuízo do disposto no artº 410º nºs 2 e 3 do CPP.
«Havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto.» - nº 8 do artº 414º do CPP, ou seja:
8 - A função do tribunal de recurso perante o objecto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é, a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que convocou o tribunal ad quem. a um juízo de mérito.
Conhecendo de mérito, de facto e de direito, não pode o tribunal da Relação, perante as questões postas, e fixada a matéria de facto, proferir uma decisão de direito incompleta, de forma a conhecer e decidir parte dela e devolver ao tribunal a quo o conhecimento e a decisão da parte que falta.
“como justamente observa LUHMANN, na sua visão sociológica da função jurisdicional, nesta. mais do que um «dever de decidir» (um Entscheidungspflicht), existe uma «coacção à decisão» (uma EntscheidungszWang), de que a proibição de non liquet, bem como as regras sobre o ónus da prova – e necessariamente sobre a «motivação» da sentença – são concretizações.” (José Manuel Damião da Cunha, O caso julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, Teses, Porto 2002, Publicações Universidade Católica, p. 295 apud 8.2. O sentido da função jurisdicional)
9 - O Tribunal de recurso apenas pode fazer uso do reenvio (parcial ou total) nos termos do artº 426º do CPP, pela verificação dos pressupostos ali apontados no seu nº1, ou seja:
«1. Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.» - sublinhado nosso.
Com efeito, como refere J.M. Damião da Cunha (ibidem p. 725): “Do ponto de vista do tribunal de recurso – na forma de uma qualquer Revista alargada – a censura faz-se exactamente nestes termos “pela distinção, quanto aos fundamentos, do que é relevante para a questão da culpabilidade e do que é relevante para a questão da determinação da sanção). Mas, podendo esta censura ser realizada segundo esta forma de «semivinculação», tal não significa que seja possível reenviar para novo julgamento toda e qualquer questão sobre a determinação da sanção.”
Poderá proceder ao reenvio, usando as palavras do mesmo Autor (ibidem, p. 732): - “Quando, face a uma questão referente à determinação da sanção, o tribunal de recurso dela não possa decidir ou conhecer (por não ter os critérios para a sua decisão)”
A inexistência de critérios para decisão, em tribunal de recurso, só pode ser o que se consubstancia em vícios dos previstos na alíneas do nº 2 do artº 410º do CPP - entre os quais o da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - que o tribunal não consiga suprir e por isso, fique impossibilitado de decidir a causa.
In casu, inexiste carência factual indispensável à decisão no seu todo, pois é o próprio acórdão recorrido que da conta de que «neste caso concreto se afigure comportar a decisão sobre a matéria de facto todos os elementos necessários à determinação daquela sanção».
Fora da situação prevista no artº 426º do CPP, somente em caso de nulidade da decisão recorrida, é que a reapreciação da questão objecto de recurso, pode ou deve de novo ser conhecida pelo tribunal a quo, conforme o âmbito da nulidade, quando exista.
10- O limite aos poderes de cognição do tribunal de recurso, está na delimitação do objecto do recurso e na proibição da reformatio in pejus , que, conforme artº 409º do CPP:
«1. Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
2. A proibição estabelecida no número anterior não se aplica à agravação da quantia fixada para dia de multa, se a situação financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.»
Do exposto verifica-se que o acórdão recorrido é nulo também nos termos do nº 2 do artº 379º do CPP porque omitiu pronúncia sobre questão que era obrigado a decidir
Na verdade, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
Ar omissão de fundamentação e de pronúncia nos termos do artº 379º nº 1 a) e c) do CPP, o que obsta a que se decida sobre a sua recorribilidade ou irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em declarar nulo o acórdão recorrido por omissão de fundamentação e de pronúncia, nos termos do artº 379º nº 1 a) (1ª parte) e c) do CPP, sobre a determinação da medida concreta da pena e do conteúdo da obrigação de indemnização.
Sem custas
Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Maio de 2012
Elaborado e revisto pelo relator
Pires da Graça (relator)
Raul Borges