CESSÃO DE CRÉDITOS
VALIDADE
NOTIFICAÇÃO
EFICÁCIA
TERCEIRO
COMPENSAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Entre as partes, no que respeita ao cedente e ao cessionário, a validade da cessão de créditos é aferida pelo modelo do negócio que lhe deu origem (venda, pagamento, mútuo). Os efeitos entre as partes – cedente e cessionário – estão dependentes do tipo de negócio que serve de base à cessão; no concernente ao devedor – que pode estar de fora do contrato – a eficácia da cessão depende de lhe ter sido feita a atinente notificação ou de se verificar a sua aceitação.
II - Porque nenhum obstáculo foi posto à convenção que legitimou a cessão de créditos operada pelo modo consentido no contrato junto a fls., por não haver nada a impedir que os seus efeitos se estendam também a terceiros, ela também é eficaz em relação à autora A, S.A.
III - Pressuposto da obtenção da mútua extinção de obrigações recíprocas, que a figura da compensação concretiza, é que o crédito do compensante esteja assegurado, que não esteja em dúvida a existência e a validade do crédito principal.
IV - É à parte na acção que pretende efectivação da compensação que lhe incumbe provar que este seu crédito existe e é válido.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

     "AA, S.A." com sede em Vilarinho ......... - Gandra -apartado 00 em Valongo, intentou a presente acção com processo ordinário contra "BB L.da", com sede em Rebordelos, Lustosa, Lousada, alegando ter fornecido à Ré os equipamentos identificados nas facturas com os nºs 000000, 000000, 000000, 000000, 000000, 000000, 000000, 000000 e 000000, no valor global de € 29.596,68 não tendo aquela efectuado o seu pagamento.

Peticiona, ainda o pagamento de juros de mora no montante € 17.185,41 e no pagamento à autora de € 144,00, a título de taxa de justiça.

Concluiu pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia global de G 46.926,09 acrescida dos respectivos juros moratórios desde a instauração da acção até efectivo e integral pagamento.

A Ré contestou, confirmando que na data em que a autora instaurou a acção devia o valor de € 29.596,68, sendo certo que a última das facturas se venceu em 8/2/2003.

Alega que os juros de mora não podem ser calculados à taxa de 11,07% como a autora pretende pois os juros só podem ser contados desde 21/7/2003 e não desde 9/2/2003 pois a injunção foi deduzida em 21/7/2008 e os restantes prescreveram e porque essa taxa só é aplicável aos juros comerciais vencidos de 1/7 a 31/12/2007 e de 1/7 a 31/12/2008.

Defende que as sociedades comerciais "CC, Lda." e "DD, Lda." outorgaram o contrato de cessão de créditos em 31/7/2006, pelo que a “DD” adquiriu os créditos que a sociedade "CC” detinha sobre a autora constante das facturas 770, 945, 1422, 1210, 1618, 1748, 2041, 2355, 2658, 2763, 2836, 2900, 3022 e 3137, emitidas, respectivamente, em 7/4/00, 28/4/00, 26/6/00, 17/5/02, 28/6/02, 12/7/02, 23/8/02, 30/9/02, 31/10/02, 15/11/02, 22/11/02, 29/11/02, 13/12/02 e 31/12/02, vencidas 30 dias após a data da respectiva emissão, no valor global de € 30.930,43.

Contrapõe, ainda que a sociedade "DD, Lda." e a Ré outorgaram o contrato de cessão de créditos em 8/9/2008, através do qual a "DD” cedeu à ré, quer os créditos referidos no número anterior quer os créditos que a mesma detinha sobre a autora através das facturas com os números 534, 1395, 1924, 1925, 1926, 1959, 1960, 1971, 2043, 2044, 10, 255, 347, 511, 786 e 958, emitidas, respectivamente, em 17/3/00, 23/8/02, 22/11/02, 22/11/02, 22/11/02, 29/11/02, 29/11/02, 29/11/02, 13/12/02, 13/12/02, 13/12/02, 10/1/03, 14/2/03, 28/2/03, 21/3/03, 30/4/03 e 23/5/03, vencidas 30 dias após a data da respectiva emissão. No valor global de € 16.018,51, depois de descontada uma devolução feita pela autora referente à factura nº 534. Assim, a ré, em 11/9/2008 é credora da autora de € 30.930,43 e de € 16.018,51, valores a que acrescem juros de mora, contados às taxas de juros comerciais aplicáveis desde 11/9/2003 até 11/9/2008, atenta a prescrição dos restantes, no valor de € 23.908,88.

Reclama um crédito sobre a autora, em 11/9/2008 de € 70.857,82, pelo que o crédito da autora encontra-se extinto por compensação desde 12/9/2008, data em que comunicou à autora tais contratos, e em reconvenção peticiona a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 27.158,70, acrescida de juros à taxa legal, desde 12/9/2008 até integral pagamento.

A Autora, na réplica, refere que não há qualquer prescrição dos juros peticionados porque diversas vezes interpelou a ré para efectuar o pagamento e aquela reconheceu a sua dívida.

Alega que a "CC" e a "DD" não efectuaram quaisquer fornecimentos de bens ou serviços à autora pelo que esta nada deve, improcedendo a excepção peremptória da extinção da obrigação por compensação, por falta dos requisitos previstos no art. 847º do C.Civil.

Invoca que a ré litiga com evidente má fé, nos termos do art. 456º do C.P.C., pois deduz uma oposição cuja falta de fundamento não pode ignorar, devendo ser condenada em multa e indemnização a favor da autora nos termos do art. 457º do C.P.Civil.

Conclui, pedindo, que sejam julgadas improcedentes as excepções deduzidas pela ré e o pedido reconvencional, condenando-se aquela como litigante de má fé no pagamento de multa e indemnização a favor da autora.

A ré, na tréplica, mantém os factos alegados e peticiona a condenação da autora como litigante de má fé no pagamento de multa e indemnização a favor da ré em quantia não inferior a € 2.500,00.

A final foi proferida sentença em que, julgando a acção parcialmente procedente, em consequência, condenou a ré "BB, Lda." a pagar à autora “AA, S.A." a quantia de € 29.596,68, acrescida de juros de mora, às taxas legais então em vigor, contados desde 30/7/2003 até integral pagamento e absolveu a ré do restante pedido e absolveu a autora do pedido reconvencional deduzido.

     Inconformada com o decidido apelou a ré para a Relação do Porto que, por Acórdão de 6/2/2012 (cfr. fls. 432 a 444), mantendo a decisão de não condenação como litigante de má fé da autora, revogou a decisão recorrida e condenou a autora a pagar à ré/reconvinte a quantia de € 27.158,70 (cfr. compensação de créditos acima aludida), acrescida dos peticionados juros de mora vencidos e vincendos.

     Inconformada, recorreu gora para este Supremo Tribunal a autora "AA, S.A.", apresentando as seguintes conclusões:

     1. O acórdão recorrido, que revoga parcialmente a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, faz errada interpretação da matéria de tacto provada, sendo certo que, nenhuma modificação se produziu a este respeito em sede do recurso.

     2. A sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância não merece qualquer censura, nem no Acórdão recorrido se apresenta fundamentação válida que contrarie a tese acolhida naquela decisão.

     3. Não se encontra provado que os créditos que os cedentes DD e CC declaram haver cedido à ré (cessionária) fossem na realidade existentes e atingissem os montantes apontados. Neste sentido pode ler-se ainda na sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e que subscrevemos "Mas mesmo considerando que os efeitos das invocadas cessões se teriam produzido naquelas datas relativamente à autora, a verdade é que da factualidade assente não resulta, que a ré haja logrado demonstrar ser credora daquela.";

     4 - Por conseguinte, não resultando provada a existência de um crédito pela ré sobre a autora, o entendimento que consta do Acórdão recorrido, que o pagamento teria de ser alegado e provado pela autora, contraria sem justificação, a matéria de facto

     5. Sendo certo que na réplica a autora impugnou expressamente os suscitados créditos das sociedades "DD" e "CC", como tal esta factualidade teve de ser, como foi apreciada.

 6. A ré pretende livrar-se do cumprimento da sua obrigação para com a autora, utilizando (presuntivos) créditos de terceiro (a si alegadamente cedidos) sobre essa sua credora, que não créditos seus próprios sobre a mesma credora, o que não é permitido pelas supra apontadas disposições legais, designadamente pelo n.º 2 do art.º 851.º do C. Civil.".

7. Sendo irrelevante que em 27/5/2003 vigorasse um acordo verbal entre os administradores da autora, da ré, da "DD" e "CC" de que o pagamento dos fornecimentos destas empresas à autora seria efectuado por encontro de contas com os fornecimentos efectuados pela autora à ré (facto 11.º da contestação), já que tal acordo é posterior ao vencimento das facturas a que se alude no ponto 3 da factualidade assente (do relatório da sentença proferida pelo Tribunal de l.ª instância).

8. Pelas razões aduzidas e não se verificando os requisitos previstos nos art.ºs 847.º a 856.º do Código Civil, não se pode fazer operar a invocada compensação.

9. Aliás, o Acórdão recorrido estriba exclusivamente a sua (insuficiente) fundamentação no disposto no art.º 847.º e omite a interpretação e aplicação do disposto no art.º 851.º n.º 2 do Código Civil.

10. Por conseguinte, o Acórdão recorrido não aplicou devidamente o direito à factualidade provada, sendo que viola entre as já citadas disposições legais, nomeadamente o previsto nos artigos 847° n° 1 e 851° n° 2 do Código Civil, fundamento este para a sua revogação, por consubstanciar evidente violação de lei substantiva.

Termina pedindo que seja revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que confirme a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância

     Contra-alegou a recorrida "BB, L.da" pedindo a improcedência da revista.

                 Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As instâncias consideraram provados os factos seguintes:

1 - A autora é uma empresa que se dedica à indústria, comercialização e instalação de fogões domésticos, encastráveis e equipamentos hoteleiros. (art. 1º p.i.)

2 - A solicitação da ré, a autora forneceu-lhe os equipamentos que se encontram devidamente identificados nas facturas com os nºs 000000, 000000, 000000, 000000 000000, 000000 000000, 000000 e 000000. (art. 2º p.i.).

3 - As referidas facturas venceram-se respectivamente em 7/8/2002, 9/8/2002, 14/8/2002, 14/8/2002, 31/8/2002, 9/10/2002, 26/10/2002, 28/12/2002 e 8/2/2003. (art. 3º p.i.)

4 - As sociedades comerciais "CC, L.da" e "DD, L.da" outorgaram o contrato junto a fls. 60 e 61 em data não determinada. A sociedade "CC, L.da" emitiu as facturas juntas a fls. 63 a 76, com os números 770, 945, 1422, 1210, 1618, 1748, 2041, 2355, 2658, 2763, 2836, 2900, 3022 e 3137, respectivamente em 7/4/00, 28/4/00, 26/6/00, 17/5/02, 28/6/02, 12/7/02, 23/8/02, 30/9/02, 31/10/02, 15/11/02, 22/11/02, 29/11/02, 13/12/02 e 31/12/02, vencidas 30 dias após a data da respectiva emissão, sendo tais facturas relativas a fornecimentos da sociedade "CC, Lda." à autora. (Facto 10º da contestação).

5 - A sociedade "DD, Lda." e a Ré outorgaram o contrato junto a fls. 77 e 78, em 8/9/2008.

A "DD, Lda." emitiu as facturas juntas a fls. 80 a 95 com os números 534, 1395, 1924, 1925, 1926, 1959, 1960,1971, 2043, 2044, 10, 255, 347, 511, 786 e 958, respectivamente em 17/3/00, 23/8/02, 22/11/02, 22/11/02, 22/11/02, 29/11/02, 29/11/02, 29/11/02, 13/12/02, 13/12/02, 13/12/02, 10/1/03, 14/2/03, 28/2/03, 21/3/03, 30/4/03 e 23/5/03, vencidas 30 dias após a data da respectiva emissão, sendo tais facturas relativas a fornecimentos da sociedade "DD -, L.da" à autora.

Com o esclarecimento que em 27/5/2003 vigorava um acordo verbal entre os administradores da autora, da ré, da "DD" e "CC" de que o pagamento dos fornecimentos da DD e CC à autora seria efectuado por encontro de contas com os fornecimentos efectuados pela autora à ré. (Facto 11º da contestação)

6 - A sociedade "DD, L.da" enviou à autora o documento junto a fls. 56, datado de 11/9/2008 e a ré enviou à autora o documento junto a fls. 57 e 58, datado de 12/9/2008. (Factos 9º e 14º da contestação)

7 - A autora teve conhecimento do contrato referido no facto 10 e, em data que não foi possível determinar mas que é posterior a 11/9/2008, através das cartas referidas nos factos 99 e 149. (Facto 13º da réplica).

A questão essencial posta no recurso é a de saber se, tendo sido acordada a cessão, à ré "BB, L.da", dos créditos de € 30.930,43 (que a “CC” havia também cedido à “DD”) e € 16.018,51 que a sociedade “DD, L.DA” detinha diante da autora "AA, S.A.", estes mesmos créditos podem ser compensados no crédito da autora perante a ré.

     I. A sociedade "AA, S.A." é credora da "BB, L.da" pelo montante de € 29.596,68, respeitante ao fornecimento de equipamentos que aquela sociedade lhe fez e estão devidamente identificados nas facturas com os nºs 000000, 000000, 000000, 000000 000000, 000000 000000, 000000 e000000.

          Em data não determinada, as sociedades comerciais "CC, L.da" e "DD, L.da" outorgaram o contrato junto a fls. 60 e 61.

     Deste modo a "CC” cedeu à "DD” o seu crédito que detinha sobre a autora e referente às facturas juntas a fls. 63 a 76, com os números 770, 945, 1422, 1210, 1618, 1748, 2041, 2355, 2658, 2763, 2836, 2900, 3022 e 3137, respectivamente em 7/4/00, 28/4/00, 26/6/00, 17/5/02, 28/6/02, 12/7/02, 23/8/02, 30/9/02, 31/10/02, 15/11/02, 22/11/02, 29/11/02, 13/12/02 e 31/12/02, vencidas 30 dias após a data da respectiva emissão, sendo tais facturas relativas a fornecimentos da sociedade "CC, Lda." à autora.

     Igualmente, em 8/9/2008, a sociedade "DD” e a ré "BB” outorgaram o contrato junto a fls. 77 e 78, através do qual aquela cedeu a esta o crédito concernente a fornecimentos titulado nas facturas juntas a fls. 80 a 95 com os números 534, 1395, 1924, 1925, 1926, 1959, 1960,1971, 2043, 2044, 10, 255, 347, 511, 786 e 958, respectivamente em 17/3/00, 23/8/02, 22/11/02, 22/11/02, 22/11/02, 29/11/02, 29/11/02, 29/11/02, 13/12/02, 13/12/02, 13/12/02, 10/1/03, 14/2/03, 28/2/03, 21/3/03, 30/4/03 e 23/5/03, vencidas 30 dias após a data da respectiva emissão.

Agindo deste modo ficou autorizada a demandada "BB”, a quem foram cedidos todos os direitos e obrigações emergentes do crédito que tais pessoas colectivas detinham sobre a autora, a poder obter a compensação destes adjudicados créditos na dívida que a cessionária tinha perante a demandante.

      A cedência deste crédito é válida?
     Nos termos do n.º 1 do art.º 577.º do C.Civil, o credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor; e os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serviu de base (n.º 1 do art.º 578.º do C.Civil).

     Quer isto dizer que, entre as partes (no que respeita ao cedente e cessionário), a validade da cessão é aferida pelo modelo do negócio que lhe deu origem (venda, pagamento, mútuo...); quanto ao devedor (“debitor cessus”), rege o disposto no n.º 1 e 2 do art.º 583.º do C.Civil que dispõe que, quanto a este, “a cessão produz efeitos...desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite”, ou seja, os efeitos entre as partes - cedente e cessionário - estão dependentes do tipo de negócio que serve de base à cessão; no concernente ao devedor - que pode estar de fora do contrato - a eficácia da cessão depende de lhe ter sido feita a atinente notificação ou de se verificar a sua aceitação.

          Como comprovado ficou, a cedência dos créditos firmada pelas sociedades comerciais "CC, L.da" e "DD, L.da" e pelas sociedades “DD” e ré "BB”, pelo modo consentido no contrato junto a fls. 60/61 e 77/78, respectivamente, chegou ao conhecimento da autora.

A cessão desta forma consumada é eficaz em relação às sociedades “CC” (cedente) e "DD (cedente/cessionária) e perante a ré "BB, L.da" (cessionária).

E, porque nenhum obstáculo foi posto à convenção que legitimou esta cessão de créditos, por não haver nada a impedir que os seus efeitos se estendam também a terceiros, ela também é eficaz em relação à autora "AA, S.A." - foi abolida a limitação que constava do art.º 789.º do Código de 1867 quanto à eficácia da cessão em relação a terceiros...; a cessão ficou, portanto, quanto a estes, sujeita aos princípios gerais sobre eficácia dos negócios jurídicos ou a quaisquer princípios especiais sobre transmissão de certos créditos.[1]

 Apesar do que acabámos de dizer, destas especificadas considerações não poderemos expressar que está já demonstrada, implacavelmente, a razão invocada pela recorrente.

     II. A compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como subrogado dela, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor.

Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu direito libertando-se do seu débito, por uma espécie de acção directa.[2]

Para que a extinção da dívida por compensação possa ser aposta ao notificado, exige-se a verificação dos requisitos enunciados no art. 837.º do C. Civil e assim pontificados por Menezes Cordeiro[3]:

a) A existência de dois créditos recíprocos;

b) A exigibilidade do crédito do autor da compensação;

c) Que as obrigações sejam fungíveis e da mesma espécie e qualidade;

d) A não exclusão da compensação por lei;

e) A declaração de vontade de compensar.

Nos termos do n.º 1 do art. 848.º do C.Civil a compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.

Deste modo podemos deduzir, como o faz o Prof. Almeida Costa[4], que a compensação não opera "ipso jure", isto é, automaticamente; é necessária a manifestação de vontade de um dos credores­/devedores no sentido da extinção dos dois créditos recíprocos

A compensação reveste a configuração de um direito potestativo que se exercita por meio de um negócio unilateral; e a importância desta declaração é decisiva, porquanto prescreve o art. 854.º do C. Civil que "feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornarem compensáveis".

Quer isto dizer que, verificando-se os demais requisitos da compensação, é a partir do momento da ocorrência da declaração de compensação que se opera a mútua extinção dos créditos.

A importância desta proposição é assim posta em evidência por Antunes Varela: é que... a extinção recíproca dos créditos depende da declaração de compensação, embora esta possa ser emitida, na generalidade dos casos por um ou outro dos interessados. Isto significa, além do mais, que, enquanto não houver a declaração compensatória, cada um dos créditos continua a poder ser validamente satisfeito ou extinto por qualquer dos outros modos de extinção das obrigações (cumprimento, dação em cumprimento, consignação em depósito, execução forçada, etc.[5]

A manifestação compensatória é, pelo próprio teor e espírito do n.º 1 do referido art.º 848°, uma declaração receptícia, ou seja, uma declaração que carece de ser dada a conhecer ao destinatário[6] (art. 224° do C. Civil), que tanto pode ser feita por via judicial, como extrajudicialmente.

No primeiro caso, pode ser efectuado por meio de notificação judicial avulsa (art. 261° do C. P. Civil) exclusivamente destinada a levar ao conhecimento da outra parte a intenção do compensante, ou por via de acção judicial, seja através da petição inicial, seja através da contestação[7].

Quando a compensação é invocada na acção judicial pelo réu, ela pode ser aposta por via de excepção ou como reconvenção, directiva por que optou a ré.

Pressuposto da obtenção da mútua extinção de obrigações recíprocas que a figura da compensação concretiza, é que, como atrás referimos, o crédito do compensante esteja assegurado, que não esteja em dúvida a existência e a validade do crédito principal - se o débito (o chamado crédito principal) não existe, for nulo ou vier a ser anulado, a compensação não se verificará.[8]

III. O nosso sistema jurídico-processual reparte o ónus da prova entre autor e réu pelo modo como este princípio geral está consignado no art.º 342 do Código Civil: - a quem invoca um direito em juízo incumbe fazer a prova dos factos, positivos ou negativos, constitutivos do direito alegado ("actore non probante reus absolvitur"); à parte contrária compete provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito ("reus excipiendo fit actor").

Neste contexto é à parte na acção que pretende a efectivação da compensação que lhe incumbe provar que este seu crédito existe e é válido.

Compreende-se que assim seja: a dedução da compensação em seu proveito, pressupõe a ideia, clara e inequívoca, de que o crédito passivo está assente e na titularidade de quem desta prerrogativa quer usufruir.

Impondo-se ao credor/autor a demonstração da existência do seu crédito, igualmente se terá de exigir ao contestante/réu a prova do crédito passivo por ele invocado na acção.

Não está comprovada na acção a existência do crédito que a ré/recorrida pretende compensar com o crédito da autora/recorrente, tal e qual é dito na sentença proferida na 1.ª instância.

Na verdade, não é suficiente para podermos concluir que esse crédito existe, a circunstância de a "DD " ter emitido as facturas juntas a fls. 80 a 95 e a sociedade "CC " ter emitido as facturas juntas a fls. 63 a 76 contra a autora, todas elas relativas a fornecimentos que lhe terão sido realizados.

Negando a autora esta objectividade - como alega, a "CC" e a "DD" não lhe efectuaram quaisquer fornecimentos de bens e/ou serviços (20.º da réplica), pelo que esta nada deve - exigia-se a ré que alegasse e demonstrasse a realidade que aquelas facturas materializam.

Não o tendo feito, tudo se passa como se não exista o crédito que invoca em seu favor e como líquido o facto contrário (Antunes Varela; Manual de Processo Civil, pág. 448), ou seja, dito de outro modo, este ónus traduz-se "para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto" - Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil; pág. 184.

Deste modo, improcede a pretendida compensação de créditos.

     Concluindo:

     1. Entre as partes, no que respeita ao cedente e cessionário, a validade da cessão de créditos é aferida pelo modelo do negócio que lhe deu origem (venda, pagamento, mútuo...). Os efeitos entre as partes - cedente e cessionário - estão dependentes do tipo de negócio que serve de base à cessão; no concernente ao devedor - que pode estar de fora do contrato - a eficácia da cessão depende de lhe ter sido feita a atinente notificação ou de se verificar a sua aceitação.

     2. Porque nenhum obstáculo foi posto à convenção que legitimou a cessão de créditos operada pelo modo consentido no contrato junto a fls. 60/61 e 77/78, por não haver nada a impedir que os seus efeitos se estendam também a terceiros, ela também é eficaz em relação à autora "AA, S.A."

     3. Pressuposto da obtenção da mútua extinção de obrigações recíprocas, que a figura da compensação concretiza, é que o crédito do compensante esteja assegurado, que não esteja em dúvida a existência e a validade do crédito principal.

     4. É à parte na acção que pretende a efectivação da compensação que lhe incumbe provar que este seu crédito existe e é válido.

      Pelo exposto, concede-se a revista e, em consequência, mantendo-se a decisão da 1.ª instância:

     1. Revogamos o Acórdão recorrido;

      2. Julgamos a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenamos a ré "BB, L.da" a pagar à autora “AA, S.A." a quantia de € 29.596,68, acrescida de juros de mora, às taxas legais então em vigor, contados desde 30/7/2003 até integral pagamento;

    3. Absolvemos a ré do restante pedido e também absolvemos a autora do pedido reconvencional deduzido.

              Custas pela recorrida.

          Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Junho de 2012

Silva Gonçalves (Relator)

Ana Paula Boularot

Pires da Rosa

______________________________


[1] Pires de Lima e A. Varela; Código Civil Anotado; I Volume; pág.523.
[2] Pires de Lima e A. Varela; Código Civil Anotado; II Volume; pág.130.
[3] In “Obrigações”, 2.º, pág.211.
[4] In “Obrigações”, 4.º, pág.774.
[5] In A. Varela; Direito das Obrigações; II pág.223.
[6] Rui Alarcão, Confirmações, pág.180.rece de ser dada a conhecer ao destinat a aceite.
[7] A. Varela; Direito das Obrigações; II, pág. 213.
[8] A. Varela; Direito das Obrigações; II, pág. 197.