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EMPREITADA
PAGAMENTO DO PREÇO
Sumário
Na falta de convenção ou uso, o art.º 1211.º, n.º 2, do Código Civil só faz depender a obrigação de pagar o preço relativo à empreitada da aceitação da obra, podendo ela ser validamente aceite ainda que incorpore defeitos.
Texto Integral
Processo 460/11.4TBOAZ
Juiz Relator: Pedro Lima da Costa
Primeiro Adjunto: Des. Filipe Caroço
Segundo Adjunto: Des. Maria Amália Santos
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
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B…, Limitada, intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, regulada no Decreto-Lei 269/89, de 1/9, contra a ré C…, Sociedade Anónima, pedindo que a ré seja condenada a pagar à autora a quantia de 5.172,30€, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos no montante de 259,61€, bem como a pagar-lhe os juros de mora vincendos, até integral pagamento.
Sumariamente, alega a autora:
A autora prestou à ré serviços de escavação de uma vala e colocação de tubagens, no âmbito de uma obra pública que a ré executava, tudo no valor de 5.172,30€, pagamento esse que deveria ser realizado até 8/7/2010, mas que não foi efectuado;
A ré exigiu à autora a quantia de 3.510,05€ a título de defeitos nessa obra, mas a autora não tem responsabilidade nesses defeitos.
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Na contestação, a ré conclui que só deve ser condenada a pagar 1.662,25€ à autora e conclui que a autora seja condenada como litigante de má-fé, com indemnização à ré correspondente ao valor das custas que à ré venham a caber.
Sumariamente alega a ré:
A ré foi adjudicatária de uma obra pública promovida pelo Município … e subempreitou parte dos trabalhos à autora, ou seja os trabalhos que a autora descreve nos documentos que diz serem facturas;
A autora executou os trabalhos com defeitos, não compactando devidamente o aterro que tapa a vala e sendo a ré quem procedeu à repavimentação, com gasto de 3.510,05€;
A ré ofereceu à autora o pagamento da diferença, comunicando-lhe a compensação de créditos;
Não são exigíveis juros à ré e antes existe mora da autora;
A autora litiga com má-fé quando exige em juízo os 1.622,25€ que tinha recusado.
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Realizou-se a audiência de julgamento, com inquirição de testemunhas arroladas pela autora e testemunha arrolada pela ré.
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Na sentença decidiu-se julgar a acção totalmente procedente e condenou-se a ré a pagar à autora a quantia de 5.172,30€, a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, a contar de 8/7/2010 até integral pagamento, juros esses calculados à taxa legal vigente nas relações comerciais.
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A ré apelou da sentença e formula as seguintes conclusões:
1. O contrato objecto dos autos, celebrado entre autora e ré, configura um contrato de subempreitada de obras públicas, sujeito ao regime dos arts. 833 [383] e ss do CCP [Código dos Contratos Públicos].
2. Não se mostrando reduzido a escrito, é o contrato em causa nulo por vício de forma, como expressamente dispõe o nº 1 do art. 384 do diploma citado, podendo tal vício ser agora invocado e mesmo declarado oficiosamente pelo Tribunal nos termos do disposto no art. 286 do Código Civil.
3. O Tribunal terá feito, assim, errada qualificação do contrato, do que terá resultado a não declaração da nulidade, violando as regras dos arts. 384 do CCP e 286 do CC.
4. Estando provado que a autora se dedica a outras actividades que não a pavimentação de vias; que a compactação das valas foi por ela mal executada; que sobre essas valas executou a ré a pavimentação; que por causa da deficiente compactação feita pela autora, o pavimento executado pela ré abateu – não era possível intimar a autora para corrigir o defeito (má compactação), já que a correcção implicava a execução de outros trabalhos de pavimentação, não destacáveis daquele outro, que não só não cabem nas actividades que a autora exerce como não estavam incluídos no âmbito da subempreitada.
5. O Mmo. Juiz a quo, na conjugação dos factos provados, terá desconsiderado a circunstância de, no momento do abatimento, a estrada já estar repavimentada, cometendo assim erro notório na apreciação da prova.
6. Deveria o Tribunal ter considerado, face às circunstâncias apontadas, que a correcção do erro pelo subempreiteiro já não era então possível, pelo que não haveria lugar à sua instância para corrigir.
7. Constitui facto notório, não carecendo de alegação e prova, a constatação de que o perigo que resulta da existência de um abatimento no piso de uma estrada nacional, aberta ao trânsito, ao longo de 100 metros implica que a respectiva reparação se faça com a maior urgência.
8. Dando por não provado ser exigível que as reparações fossem executadas de imediato, face à demais matéria tida por assente, a douta sentença recorrida terá violado a regra do art. 514 nº 1 do CPC, face ao que deveria ter o Tribunal assumido que era exigível que as reparações fossem executadas de imediato ou com a maior urgência.
Termos em que com suprimento de V. Exas. – que se espera e reclama – haverá o presente recurso de obter provimento, por ele se anulando a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva a ré no pedido ou, em alternativa, considere a compensação operada, condenando a ré a pagar à autora 1.662,25€ e absolvendo-a no excedente, assim se fazendo justiça.
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Nas contra-alegações a autora conclui que a sentença deve ser confirmada.
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Foram colhidos os vistos legais.
A questão a decidir prende-se com a nulidade, por preterição de forma escrita, do contrato celebrado entre a autora e a ré e com a definição do montante que a ré tem de pagar à autora, atento um gasto da ré de 3.510,05€ e atenta a indevida compactação do aterro da vala pela autora.
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Na sentença consideraram-se provados os seguintes factos:
1. A autora dedica-se a actividade comercial de transporte de mercadorias, terraplanagens e venda de materiais de construção e afins.
2. No desenvolvimento da sua actividade comercial, a autora prestou à ré, a pedido desta, os seguintes serviços:
a) 100 metros de escavação mecânica, com entivação se necessário, na abertura de vala ou trincheira para assentamento de colectores, ramais de ligação e demais acessórios da rede de drenagens de águas pluviais em qualquer tipo de terreno;
b) 100 metros de aterro envolvendo a tubagem com material proveniente da própria vala;
c) 100 metros de remoção e transporte dos produtos sobrantes a depósito, a cargo do adjudicatário, incluindo 20% do empolamento;
d) 100 metros de fornecimento e assentamentos de tubo corrugado, dupla parede, PPS N 8, DN 300 mm;
e) 51,40 metros de fornecimento e assentamento de tubo corrugado, dupla parede, PPS N 8, DN 200 mm, em ramais de sarjetas;
f) 3 execuções de caixas de visitas;
g) 3 execuções de sarjetas;
h) 1.146,8m2 de demolição de passeios em betonilha, a executar de novo, incluindo escavação numa altura média de 0,25m, carga e transporte do material sobrante a depósito do empreiteiro, aplicação de tout venant, obra 605.
3. Também foram prestados à ré os seguintes serviços:
a) 420,2m2 de execução de levantamento de passeios, aplicação de tout venant e remoção de todos os produtos sobrantes;
b) 174m2 de execução de levantamento de passeios e remoção de todos os produtos, obra ….
4. Os serviços referidos em 2 e 3 foram efectuados pela autora a pedido da ré, aproximadamente entre os meses de Maio de 2009 e Setembro de 2009, numa obra pública que esta última estava a executar na cidade de Espinho.
5. Quando a autora terminou os trabalhos que lhe tinham sido requeridos emitiu a factura … de 22/2/2010, mas a ré não concordou com os valores e medições, razão pela qual a autora teve de realizar um acerto nos valores facturados, por exigência da ré.
6. A autora teve de substituir a factura … pelas facturas … e …, as quais foram emitidas em 8/6/2010, depois de ter conseguido chegar a um consenso com a ré por causa dos valores facturados.
7. Pela prestação dos serviços referidos em 2 e 3, a autora emitiu as facturas … e … pelas quantias de 3.406,08€ e 1.766,22€, respectivamente, já com IVA incluído à taxa legal.
8. As facturas … e … foram enviadas para a ré na data de emissão.
9. A ré recebeu as facturas e não realizou o pagamento das mesmas.
10. A ré em 8/2/2010 depositou na caixa de correio da autora uma carta com uma nota de débito, datada de 20/1/2010, na qual exigia da autora o pagamento da quantia de 3.510,05€ por supostos defeitos da obra.
11. Em 24/2/2010 a autora devolveu à ré essa nota de débito, através de carta registada com aviso de recepção datada de 18/2/2010, na qual referia que devolvia a nota de débito por não serem da sua responsabilidade os defeitos apresentados na obra.
12. Em 1/4/2010 a autora recepcionou um fax da ré, no qual esta reenviava a nota de débito.
13. Em 14/4/2010 a autora voltou a devolver a referida nota de débito através de fax, onde referia que “…devolvíamos a nota de débito, com base em que as referidas imperfeições na obra não eram da responsabilidade da nossa empresa, pelo que não temos que proceder a nenhum pagamento! (…) Se V. Exas. procederam a rectificação das deficiências da obra, isso desconhecemos, pois não fomos informados desse facto”.
14. A autora recebeu em 16/12/2010 uma carta, datada de 7/12/2010, onde a ré lhe enviava a nota de liquidação 150 para pagamento da factura …, pelo montante de 1.662,25€, acompanhada pelo cheque ………. do D…, emitido em 7/12/2010.
15. A ré enviou na sua carta datada de 7/12/2010 o recibo … pela quantia de 3.510,05€ e uma nota de liquidação .., datada de 6/12/2010, pela mesma quantia de 3.510,05€.
16. Em 17/12/2010, a autora, através de carta registada com aviso de recepção, voltou a devolver à ré a nota de liquidação … (que continha o cheque ………., sacado sobre o D…, pelo montante de 1.662,25€), o recibo … e a nota de liquidação .., referindo que a quantia que lhe era devida era 5.172,30€ e não 1.662,25€, devolvendo aqueles documentos porque desconhecia a que se referiam, não tendo contratado os serviços da ré e nada lhe devendo.
17. Em 28/12/2010 a ré enviou uma carta registada com aviso de recepção, datada de 23/12/2010, na qual referia que, aquando do envio da nota de liquidação …, tinha procedido a compensação de créditos.
18. Nessa carta a ré menciona que tinha aceite oportunamente as facturas … e … pela quantia total de 5.172,30€ e que a esta quantia tinha descontando o montante de 3.510,05€, referente à nota de débito, por “supostas deficiências na obra”.
19. Em 4/1/2011 a autora respondeu à ré, através de fax, referindo que a ré não era credora da autora e que oportunamente tinha sido devolvida a nota de débito com o fundamento de que não eram da responsabilidade da autora as imperfeições que a obra apresentava, pelo que a ré nunca poderia ter como “compensado” os créditos, pois nunca tinha existido aceitação por parte da autora.
20. A ré foi adjudicatária de uma obra pública concursada pela Câmara Municipal …, pela qual se obrigou a instalar águas pluviais e passeios em determinado troço da Estrada Nacional …, com subsequente reposição do pavimento.
21. A ré subempreitou parte desses trabalhos na autora, a qual veio, nesse âmbito, a realizar os trabalhos constantes das facturas … e ….
22. A autora obrigara-se perante a ré a executar tais trabalhos com toda a perfeição técnica, de acordo com as boas práticas da construção civil e obras públicas para uma obra de instalação de uma rede de águas pluviais sob uma estrada aberta à circulação do trânsito automóvel.
23. As valas teriam de ser aterradas após a colocação dos colectores, devendo tal aterro incluir a compactação de terras por forma que o piso não viesse a ceder e suportasse as cargas habituais de trânsito, sem estragos na canalização e sem abatimentos.
24. A autora não compactou devidamente as valas.
25. Recebida pela ré a obra executada pela autora, esta [a ré] procedeu à repavimentação do piso.
26. O qual cedeu poucos dias após o reinício da passagem de veículos, criando abatimentos ao longo da zona das valas abertas e aterradas pela autora.
27. A ré procedeu à reparação do pavimento, removendo o piso nas zonas abatidas, consolidando a compactação e executando novo pavimento.
28. Nesses trabalhos despendeu a ré a quantia de 3.510,05€.
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Declararam-se como não provados os seguintes factos:
a) A autora não tinha possibilidades – porque não dispõe de meios humanos, de meios técnicos nem de know how – de proceder à correcção do pavimento.
b) A obra em curso tratava-se de uma estrada nacional com muito movimento.
c) Era exigível que as reparações fossem executadas de imediato.
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O Decreto-Lei 18/2008, de 29/1, aprova o Código dos Contratos Públicos e entrou em vigor no dia 29/7/2008, mas apenas se aplica aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após esse dia 29/7/2008, conforme os respectivos arts. 16 nº 1 e 18 nº 1.
Não vem alegado quando é que o Município … iniciou os procedimentos de formação do concurso público de instalação de águas pluviais e passeios num trecho da Estrada Nacional …, com subsequente reposição do pavimento.
Ora, a demonstração de os trabalhos que incumbiam à autora terem sido realizados aproximadamente entre os meses de Maio de 2009 e Setembro de 2009 é inteiramente compatível com o início daquele procedimento administrativo municipal antes de 29/7/2008.
Os factos provados e as alegações deduzidas na contestação não sustentam os pressupostos temporais que determinam a aplicação do Código dos Contratos Públicos ao assunto, e, concretamente, não sustentam a aplicação da norma do respectivo art. 384, a qual obriga, sob pena de nulidade, à adopção da forma escrita nas subempreitadas dos contratos públicos.
Essa nulidade, em todo o caso, não podia ser oposta pela ré empreiteira à autora subempreiteira, uma vez que o nº 2 do dito art. 384 impõe ao empreiteiro – não ao subempreiteiro – que seja ele a cumprir a obrigação da forma escrita e exclui ao empreiteiro o direito de invocar a nulidade em causa, o que sempre tornaria inconsequente a arguição de nulidade do contrato de subempreitada, suscitada – só então suscitada – na apelação.
O art. 29 do DL 12/2004, de 9/1, impõe a forma escrita no contrato de subempreitada, com expressa previsão de nulidade, mas só se reporta a contratos em que o preço seja superior a 180.000€, o que não é o caso dos autos.
Provou-se que a autora se obrigara perante a ré a executar os trabalhos com toda a perfeição técnica, de acordo com as boas práticas da construção civil e obras públicas para uma obra de instalação de uma rede de águas pluviais sob uma estrada aberta à circulação do trânsito automóvel, sendo uma parte dos trabalhos o aterro das valas com compactação de terras, por forma que o piso não viesse a ceder e suportasse as cargas habituais de trânsito, sem estragos na canalização e sem abatimentos.
Mais se provou que a autora não compactou devidamente o aterro das valas.
Ainda se provou que foi a ré quem repavimentou o piso depois de receber a obra executada pela autora, mas esse piso veio a ceder poucos dias após o reinício da passagem de veículos, criando abatimentos ao longo da zona das valas, valas essas que tinham sido abertas e aterradas pela autora.
Também se provou que a ré procedeu à reparação do pavimento, removendo o piso nas zonas abatidas, consolidando a compactação do aterro e executando novo pavimento, no que despendeu 3.510,05€.
Nesses trabalhos finais de reparação do pavimento foi necessário retirar o piso betuminoso que a ré tinha colocado, compactar melhor o aterro da vala que a autora tinha deixado insuficientemente compactado e recolocar o piso betuminoso.
O art. 1218 nº 1, nº 2, nº 4 e nº 5 do Código Civil [CC] estabelece:
“1- O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios.
2- A verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer.
4- Os resultados da verificação devem ser comunicados ao empreiteiro.
5- A falta de verificação ou da comunicação importa aceitação da obra”.
Essa norma do art. 1218 e as disposições do CC que se enunciam em diante são inteiramente válidas no contrato de subempreitada, sendo análoga à condição da ré a condição de dona da obra e análoga à condição da autora a condição de empreiteira.
Essa norma do art. 1218 consagra a extraordinária importância dos procedimentos de recepção de obra e a ré, num contexto de gasto efectivo de 3.510,05€ e de nexo causal entre esse gasto e comprovada deficiência imputável à autora, não pode ultrapassar esses procedimentos, ou entender que é notório que eles não poderiam ter sido seguidos, nomeadamente pela alegada manifesta incapacidade da autora para a reparação e/ou por manifesta urgência incompatível por espera pela autora.
Ao receber a obra da autora a ré ficou com o ónus de verificar a compactação do aterro da vala, seja para recusar a obra, invocando compactação deficiente, seja para comunicar à autora os resultados da verificação que porventura tivesse realizado.
A ré tinha o ónus de alegar os factos que integravam a verificação, por ela, da obra, a fim de a recusar, bem como tinha o ónus de alegar que tinha comunicado à autora os resultados de tal verificação.
Esse ónus de alegação resulta do disposto no art. 342 nº 2 do CC – “A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” – e os factos correspondentes deveriam ser alegados na contestação, conforme arts. 264 nº 1, 489 nº 1 – “Toda a defesa deve ser deduzida na contestação (…)” – e 490 nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) – “Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos articulados na petição”.
A ré não alegou que verificou a obra e não alegou que comunicou à autora os resultados de uma eventual verificação.
Por força do transcrito nº 5 do art. 1218, a cominação das omissões dessas alegações da ré é a de se entender que ela aceitou a obra.
Também o art. 1220 nº 1 do CC estabelece para o dono da obra um ónus de denúncia dos defeitos ao empreiteiro, reiterando obrigação que já constava no art. 1218 do CC.
A denúncia não se exerce com a comunicação de compensação de gastos com obra de rectificação, obra esta já realizada pelo dono da obra, o mesmo é dizer redução do preço, e sim com a concreta descrição dos defeitos e com intimação ao empreiteiro para suprimir em espécie esses defeitos, como se prevê no nº 1 do art. 1221 do CC, só funcionando uma segunda fase para redução do preço, ou até para resolução do contrato, conforme previsão do art. 1222 do CC, se o empreiteiro, devidamente intimado nos termos dos arts. 1218 e 1220 nº 1 citados, não tiver procedido à sua custa à supressão em espécie dos defeitos, ou à construção de nova obra.
A ré, manifestamente, ultrapassou etapas nesse procedimento e, invocando indevidamente o instituto da compensação, quis resumir a um resultado de redução de preço – mesmo reconhecendo-se-lhe gasto de 3.510,05€ – diligências a que estava obrigada e que poderiam ter conduzido à reparação em espécie pela autora.
Atente-se ainda, a propósito de prazos de garantia de cinco anos ou outros convencionados, que o art. 1225 do CC manda sempre seguir os procedimentos dos “artigos 1219 e seguintes” (“Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219 e seguintes […]”), o que reconduz o dono da obra à disciplina de denúncia e de intimação do empreiteiro para reparação em espécie.
O art. 1211 nº 2 do CC estabelece que “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra”.
Sendo incontroverso que o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado – art. 1208 do CC – e sendo verdade que a obra tinha defeito – insuficiente compactação do aterro da vala –, nem por isso a obrigação de pagar o preço se deixa de vencer com a aceitação da obra, sendo considerada aceitação a não verificação da obra no acto de recepção, ou no prazo usual ou razoável que se segue a tal recepção, ou a falta de comunicação do resultado a que tal verificação conduziu.
No silêncio do contrato e das alegações da ré, bem como na ausência de determinação quanto aos usos, o transcrito art. 1211 nº 2 só faz depender a obrigação de pagar o preço da aceitação da obra, sendo certo que uma obra pode ser validamente aceite ainda que incorpore defeitos.
Acresce o seguinte.
O art. 1219 do CC estabelece que “1- O empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles. 2- Presumem-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra”.
É matéria de irresponsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra.
Os factos provados revelam que a deficiente compactação só se tornou ordinariamente perceptível poucos dias após o reinício da passagem de veículos, isso depois de a ré ter repavimentado, pela primeira vez, o piso.
Sucede que os juízos de percepção ordinária podem não ser os juízos válidos na relação entre comerciantes do ramo – ambos com alvará para executarem obras – e a ré não alega que só podia ter tido percepção da compactação deficiente depois de o trânsito na estrada ter sido reatado e de terem decorrido alguns, poucos, dias desde esse reatamento.
Nem essa alegação seria razoável, uma vez que os diagnósticos de compactação de agregados térreos são procedimento inteiramente corrente nas obras como as que a ré desempenhava – particularmente antes de se colocarem tapetes asfálticos –, sendo realizados por uma técnica vulgar que se designa Ensaio de Proctor, as mais das vezes com equipamentos técnicos semi-automáticos de uso corrente no ramo, sendo ainda corrente, para os profissionais do ramo, o conhecimento das exigências de carga que o trânsito rodoviário exerce sobre as vias, para mais num horizonte temporal de poucos dias. Esses diagnósticos, de tão vulgares, regem-se por específicas normas portuguesas, a NP 84 e a NP 143, e pela especificação do Laboratório Nacional de Engenharia Civil E197/1966, matérias cujo conhecimento não pode ter sido indiferente para a ré obter a certificação de qualidade ……. e o alvará ….
Ou seja, a ré não alega factos de onde razoavelmente se deduza que não tinha conhecimento do defeito assim que aceitou a obra, ou que para ela esse defeito não podia ser aparente antes de o ser para um observador comum, nem se lhe aceita tal desconhecimento.
Resulta daí que também por via da norma do transcrito art. 1219 a autora não tenha de responder pelos defeitos da obra perante a ré, asserção que em nada é desmentida por idêntica exigência à autora de bem saber que tinha executado a obra com compactação deficiente do aterro da vala, segundo os procedimentos de habilitação técnica que também se lhe exigem e que lhe facultaram a obtenção do alvará …./2003.
Entende a ré que quando a cedência do piso se verificou não era possível instar a autora para proceder à reparação da obra, uma vez que essa intervenção se processa numa fase em que o tapete betuminoso tem de ser retirado por fresagem, consolidado o substrato térreo que se encontrava mal compactado e recolocado novo tapete betuminoso, com prévia rega de cola betuminosa, não tendo a autora meios técnicos para fresar, aplicar cola betuminosa e recolocar o tapete, tal como não seria possível destacar os trabalhos de reconsolidação do substrato térreo desses outros trabalhos.
Sucede que a ré deixa de estar à vontade para afirmar que, na fase de correcção de defeitos, existiam trabalhos que excediam as capacidades da autora, pela simples razão de que não alega que, na mesma fase, ou na aceitação, tenha comunicado à autora a existência de defeitos na obra, em cumprimento da obrigação referida nos transcritos nºs 1, 2 e 4 do art. 1218.
No artigo 15 da contestação a ré alegava que a autora não tinha possibilidades humanas, técnicas e de conhecimento para proceder à correcção do pavimento, mas essa alegação resultou não provada: não se provou que “a autora não tinha possibilidades – porque não dispõe de meios humanos, de meios técnicos nem de know how – de proceder à correcção do pavimento”.
Nessa resposta não se divisa desconsideração da circunstância de se tratarem de trabalhos de correcção numa fase em que a vala já tinha sido pavimentada com tapete asfáltico, nem se aceita premissa, invocada pela ré, de a autora não poder executar os trabalhos de remoção do asfalto e de recolocação de asfalto novo pela única razão de se não dedicar a trabalhos de pavimentação.
Assim sendo, é correcto o entendimento de se não ter provado que a autora não tinha possibilidades – porque não dispõe de meios humanos, de meios técnicos nem de know how – de proceder à correcção do pavimento, o que determina improcedência da apelação na parte em que se entende que esse facto deveria ser considerado provado. Ao concluir nesses termos não ocorre erro notório de apreciação da prova.
Entende ainda a ré que ocorria urgência na reparação e que essa urgência é facto notório num âmbito, efectivamente demonstrado, de via aberta ao trânsito e de abatimentos no piso.
Sucede que não se provou que “a obra em curso se tratava de uma estrada nacional com muito movimento” e não se provou que “era exigível que as reparações fossem executadas de imediato”.
Com efeito, não existe evidência alguma ou facto notório – ou seja, o facto do conhecimento geral, na acepção do art. 514 nº 1 do CPC – no sentido de os abatimentos no piso de uma estrada nacional aberta ao trânsito, num trecho de 100 metros, tenham de ser imediata ou urgentemente reparados, num contexto em que a ré não alega quais os índices médios de depressão nas zonas abatidas, não alega a existência de abatimentos profundos ou de arestas vivas em buracos de qualquer natureza e não alega a iminência desse tipo de abatimentos ou buracos. A ré só alega que se criaram abatimentos na via e deduz-se das suas alegações que esses abatimentos coincidem com as zonas predominantes de passagem dos rodados, sendo certo que, noutro trecho, a ré ainda invoca que tratando-se de uma estrada nacional com muito movimento era exigível que a reparação fosse executada de imediato, sob pena de se colocar em risco a segurança da via e de a ré ser responsabilizada por eventuais acidentes, mas, mais uma vez, não enuncia factos suficientes para consolidar a asserção de risco grave para a segurança e de risco iminente de acidentes.
Não se tem por facto notório que o perigo (?) que resulta da existência de um abatimento no piso de uma estrada nacional aberta ao trânsito, ao longo de 100 metros, implicar que a respectiva reparação se faça com a maior urgência.
Não se aceita a tese da ré no sentido de se ter substituir à autora na repavimentação da estrada por existirem circunstâncias de perigo iminente que eram incompatíveis com a espera pela autora, pelo que também nessa parte improcede a apelação.
A sentença tem de ser confirmada.
Sumário previsto no art. 713 nº 7 do CPC
No silêncio do contrato de empreitada e das alegações do dono da obra, bem como na ausência de determinação quanto aos usos, o art. 1211 nº 2 do Código Civil só faz depender a obrigação de pagar o preço da aceitação da obra, podendo uma obra ser validamente aceite ainda que incorpore defeitos.
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Em face do exposto, acordam os Juízes em julgar improcedente a apelação e confirmam a sentença.
Custas pela ré.
Porto, 1/3/2012
Pedro André Maciel Lima da Costa
Filipe Manuel Nunes Caroço
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha