É no processo de inventário e não em processo de prestação de contas do cabeça de casal que se determina a quota-parte da cada interessado no saldo positivo apresentado.
- As rendas dos prédios da herança não podem oficiosamente ser atualizadas.
- Só se vencem juros de mora a partir da altura em que o cabeça de casal é interpelado para pagar a quota-parte do saldo que cabe a cada interessado.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Em 1996.08.28, no Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel – 1º Juízo AA instaurou a presente ação de prestação de contas contra BB, cabeça-de-casal nos autos de Inventário nº 00/00, de que esta ação é um apenso, requerendo que, nessa qualidade, seja obrigado a prestar contas relativas à administração dos bens da herança.
Citado, o Réu veio apresentar contas, que a autora contestou.
Proferido despacho saneador, procedeu-se à seleção da matéria de facto, fixando-se os factos assentes e organizando-se a base instrutória.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, e decidida a matéria de facto provada e não provada, sem reclamação, foi proferida sentença, em que se julgou prestadas as contas da administração do réu.
Na sequência de recurso dessa sentença, interposto pela autora, por acórdão deste tribunal da Relação, foi anulada a decisão quando às “respostas dadas aos quesitos 11 a 24 e 28, bem como a sentença recorrida, devendo, em consequência, e antes do mais:
- ordenar-se as diligência instrutórias necessária, já acima enunciadas e consoante o aí indicado, junto da Repartição de Finanças, INGA e Região de Viticultura de Vinhos Verdes;
- e proceder-se depois à repetição da audiência de discussão e julgamento a respeito dos quesitos viciados, lavrando-se nova sentença, que respeitará, contudo as partes já decididas que não estejam abrangidas pela anulação…”
Realizadas as diligências ordenadas, teve lugar nova audiência de discussão e julgamento e, proferida decisão quanto à matéria dos quesitos 11 a 24 e 28 e sem reclamação, foi proferida nova sentença que, novamente, julgou validamente prestadas as contas da administração feita pelo réu.
De novo interposto recurso pela autora, veio, novamente, anular-se a decisão sobre a matéria de facto aos “quesitos 11 a 24 e 28 (a fim de poder concluir-se quanto a receitas), nesse grupo se inserindo também o quesito 31 (cuja resposta concreta interessa também ao apuramento das despesas), anulando-se, em consequência, a (nova) sentença”.
E ordenou-se “a continuação das diligência até que seja possível, nos termos do art.1017.º, nº 5, do Código de Processo Civil (atento o regime especialíssimo de prova) obter em sede de audiência de julgamento (repetição) as respostas concretas a respeito de receitas e despesas da administração, e assim se tornar possível determinar o saldo final das contas prestadas”.
“A nova sentença deverá contudo respeitar as partes já decididas no anterior acórdão e neste …”.
Após a realização de diversas diligências, ordenadas oficiosamente ou requeridas pela autora e prestadas informações várias pela Repartição de Finanças da situação dos bens, pela Comissão de Viticultura de Vinhos Verdes e pelo INGA (Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola) foi designada data para audiência de julgamento.
Já no dia designado para continuação da audiência, para “leitura da resposta aos quesitos”, pelo Mmo Juiz foi proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os autos com vista à decisão sobre a matéria de facto entendemos existirem questões a demandar esclarecimentos suplementares, nomeadamente tendo em vista dar um cabal cumprimento ao anteriormente determinado pelo Tribunal da Relação do Porto, no que respeita a receitas da herança.
Para o efeito, afigura-se-nos essencial a produção de meios de prova suplementares e a obtenção de esclarecimentos da parte requerente dos autos.
Pelo exposto e ao abrigo do preceituado no art.º 653°, nº 1, do Cód. Proc. Civil, dou sem efeito a leitura da resposta à matéria de facto agendada, determino a reabertura da audiência e decreto:
- nos termos do art.266°, nº2, do Cód. Proc. Civil. a audição/em audiência, de ambas as partes com vista a prestarem esclarecimentos sobre a materialidade alegada.
- uma inspeção judicial ao local, com a presença dos mandatários e das partes, bem como das testemunhas ouvidas a fls. 729;
- a realização de uma perícia singular, a efetuar por um Engenheiro Agrónomo, com vista a responder às questões que, oportunamente, serão colocadas (cuja definição depende ainda das diligências acima referidas) ”.
Descontente com o mencionado despacho, dele agravou a autora.
Designada data para a inspeção ao “local dos prédios da herança”, juntamente com as partes e o perito nomeado, e para início da diligência de perícia, aí se fixou o objeto da perícia, com a formulação de “quesitos”.
Junto o relatório do perito e prestados por este os esclarecimentos requeridos pela autora, foi concluída a realização da audiência de discussão e julgamento, com a decisão sobre a matéria provada e não provada (quanto aos quesitos 11 a 24 e 28 sem qualquer reclamação das partes.
Seguidamente foi proferida sentença, que julgou verificado um saldo (das contas) positivo a favor da herança de € 483.228,23, valor devido à herança pelo administrador, cabeça-de-casal e aqui réu.
Inconformado, este deduziu apelação, pedindo que a prestação de contas fosse determinada apenas com base nos factos dados como provados.
De novo chamada a pronunciar-se, a Relação proferiu acórdão nos seguintes termos
“Pelo exposto, acorda-se neste tribunal da Relação:
a) em negar provimento ao agravo da autora e manter o despacho recorrido e
b) em anular a decisão de primeira, em sede de matéria de facto, bem assim dos termos subsequentes e dependentes, nomeadamente a sentença, para em repetição de julgamento, se responder novamente às questões de facto referidas no ponto 13 da motivação, seguindo-se, após, o demais formalismo legal.» (sic)
No referido ponto 13 do mesmo acórdão conclui-se assim:
“(…)
Para o que, em atenção ao disposto no artigo 712º/4, se impõe anular a decisão em ordem a serem esclarecidos os aspetos atrás mencionados, procedendo-se a novo julgamento da matéria de facto, quanto à matéria dos quesitos 15 (nos aspetos já referidos) e 16 a 23.”
Foram recolhidas novas provas, designadamente em sede de audiência de julgamento e, concluída a discussão da causa, a 1ª instância respondeu à matéria dos referidos quesitos (15º a 23º) e, após, em 2010.06.23, foi proferida nova sentença, em que julgou existente um saldo positivo a favor da herança no montante de 37.309,90 €.
A autora apelou, com parcial êxito, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 2012.02.02, fixado um saldo a favor da herança no montante de 37.399,68 €.
Novamente inconformada, a autora deduziu a apresente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.
O recorrido não contra alegou.
Cumpre decidir.
As questões
Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
A) – Matéria de facto
B) – Determinação de quota-parte
C) – Atualização das rendas
D) – Juros.
Os factos
São os seguintes os factos que foram dados como provados na Relação:
1. O réu é cabeça de casal na herança aberta por óbito de CC e marido DD, cujo processo de inventário corre termos sob o nº 00/00, ao qual os presentes autos correm por apenso;
2. CCa e DD faleceram respectivamente em 08.05.1973 e 16.09.1985;
3. O réu despendeu a importância de € 374,10 (75.000$00) com despesas de funeral;
4. O réu despendeu a quantia de € 14,96 (3.000$00) em transportes;
5. No ano de 1992 o réu despendeu a importância de € 24,94 (5.000$00) no arranjo do quinteiro das netas;
6. No ano de 1993 o réu despendeu a importância de € 29,93 (6.000$00) no arranjo da casa do Senhor FF;
8. O réu despendeu a importância anual de € 3,49 (700$00) pelo aluguer de dois contadores eléctricos na Granja e Outeiro;
9. E suportou tal despesa durante 11 anos;
10. O réu durante 11 anos pagou a importância de € 373,10 (74.800$00) referente a contribuições dos prédios da herança;
11. A renda anual dos prédios inscritos na matriz sob os artigos 47 e 203, desde 1986, é de, pelo menos, €24,94, renda essa recebida pelo cabeça-de-casal; a renda anual do prédio inscrito na matriz sob o artigo 50 era, desde 1986 a 1993, de €24,94, tendo passado desde tal data a ser de €59,85, montantes esses recebidos pelo cabeça de casal;
12. Dos prédios pertencentes à herança e no período decorrido entre 1985 e 1996 o réu só agricultou os seguintes:
13. - artigo 59 – L......
- artigo 755 – S.......
- artigo 366 – C...... ou V....
- artigo 90 – O.....
- artigo 82 – C.....
- artigo 79 – C.....
- artigo 82 – B......
- artigo 126 – C....
- artigo 237 – V......, sendo que, a partir de 1996, só agricultou o C..... e o O.....;
14. Nos referidos prédios e nos referidos períodos o réu até 1995 cultivava milho, vinho, azeite e pasto, tendo obtido os seguintes rendimentos globais líquidos: Milho – €5.512,67 (1.105.190$21), Batata - €5.213,91 (1.045.296$00), Centeio - €1.384,56 (277.578$81), Feijão - €957,39 (191.939$25), Azeite - €4.649,01 (932.043$20), Vinho - €8.117,69 (1.627.450$00), Pasto - €3.609,43 (723.625$00), conforme quantidades e custos constantes dos quadros de fls. 1135 a 1141 que aqui se dão por reproduzidos;
15. Dos prédios pertencentes à herança e arrendados a EE, o réu recebeu ainda no período de 1986 a 1996 a título de renda e anualmente : 20 sacos de batatas de 30Kg e fruta, pêssegos e ameixas, obtendo um rendimento liquido global de €1.629,76 (326.738$00);
16. Relativamente a prédios pertencentes à herança o réu recebeu do INGA os subsídios a seguir discriminados:
- Anos 1994/1995 – Prédios – artigo 366 - €1.278,54;
- artigo 90 - €319,63;
- artigo 82 - €15,04;
- artigo 79 - €13,54.
- Anos 1995/1996 – Prédios – artigo 366 - €1.643,89;
- artigo 90 - €420,10;
- artigo 82 - €397,27;
- artigo 126 - €210,05.
- Anos 1996/1997 – Prédios – artigo 366 - €1.367,31;
- artigo 90 - €351,98;
- artigo 82 - €333,93;
- artigo 126 - €175,99.
Os factos, o direito e o recurso
A) – Matéria de facto
Em face do alegado pela recorrente nas conclusões do presente recurso, podemos descortinar a sua insatisfação contra a fixação da matéria de facto feita pelas instâncias, insatisfação essa que radica em errada valorização dada a uma chamada “confissão” feita pelo réu, na violação do dever de colaboração por parte deste, na errada utilização do “prudente arbítrio” e das “regras da experiência” por parte do tribunal para fixar factos relacionados com os rendimentos dos bens e com os subsídios e na insuficiência da matéria de facto apurada, insuficiência esta que a Relação deveria conhecer.
Não pode ser.
Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue aplicável – artigo 729°, n.º1, do Código de Processo Civil.
Consequentemente, não conhece de matéria de facto, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - artigos 729º, n.º2 e 722°, nº 2, do mesmo diploma.
É que, sem qualquer dúvida, cabe às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo que na definição da matéria fáctica necessária para a solução do litígio, a última palavra cabe à Relação.
Daí que, a tal propósito, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça se apresente como residual e apenas destinada a averiguar da observância de regras de direito probatório material - art.º. 722°,n° 2, do Código de Processo Civil ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto - art. 729°, n.º3, do mesmo diploma.
Aliás, não poderá esquecer-se que só à Relação compete censurar as respostas à base instrutória ou anular a decisão proferida na 1ª instância, através do exercício dos poderes conferidos pelos nºs 1 e 4 do artigo 712º do Código de Processo Civil.
Pode, assim, afirmar-se que, no âmbito do julgamento da matéria de facto, se movem as instâncias, estando, em princípio, vedado ao Supremo Tribunal de Justiça proceder à respectiva sindicância.
Sendo a intervenção do Supremo, a este propósito, residual e destinada a averiguar da observância das regras de direito probatório material – artigo 722°, nº2, já citado, que se reconduz à sua vocação para apenas conhecer de matéria de direito, visto que a sua missão, neste campo, consiste, não em sopesar o valor que for de atribuir, de acordo com a consciência e argúcia do julgador aos diversos meios probatórios de livre apreciação, mas em assegurar que se respeite a lei, quando ela atribui a determinados meios probatórios um valor tabelado e insusceptível de ser contrariado por outros.
As questões que a recorrente coloca à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça não cabem, manifestamente, dentro dos casos excecionais a que aludem os citados arts. 722°, n.º2 e 729°, n.º2, do Código de Processo Civil.
Vejamos.
Quanto à questão da chamada “confissão” do réu acerca dos factos em causa, em termos de força probatória – única que, como se disse, pode ser conhecida por este Supremo – temos que, conforme se verifica pela fundamentação das respostas aos quesitos após a última audiência de julgamento, as declarações do réu aí referidas não podem ser consideradas como uma confissão “strito sensu”, na medida em que ele aí se limitou a invocar factos que lhe foram favoráveis, portanto, não passíveis de confissão – cfr. artigo 352º do Código Civil.
E tal conclusão é confirmada pelo facto de naquela fundamentação haver referência não só às declarações do réu mas também à conjugação destas com o depoimento da testemunha EE.
E pelo facto de antes ter havida uma apreciação sobre a inconclusividade da prova testemunhal e pericial apresentada.
Ou seja, as referidas declarações do réu não tiveram, aqui, a força probatória plena referida no nº1 do artigo 358º do Código Civil, que teriam se fossem consideradas como uma confissão.
Foi a apreciação de todos os meios probatórios que conduziu a considerar-se como provada a matéria em causa.
As declarações do réu foram, assim, mais um meio de prova atendível, nos termos do disposto no artigo 515º do Código de Processo Civil.
Posta assim a questão e não tendo sido consideradas as declarações em causa com a força probatória plena que lhe atribuiu a recorrente, também não se põe a questão da inconstitucionalidade invocada por aquela.
Quanto à violação do dever de colaboração por parte do réu, a questão manifestamente não se enquadra nas exceções previstas nos já citados artigos 729º, n.º2 e 722°, nº 2, do Código de Processo Civil, na parte em que poderia influenciar a apreciação da matéria de facto.
De qualquer forma, sempre se dirá que parte de um pressuposto que não se encontra demonstrado, qual seja, o dar que “comprovado está, no confronto com a documentação dos autos, que o cabeça de casal recebeu mais e explorou mais prédios do que diz”.
Sendo assim nunca se poderia concluir que, com a invocada ocultação, tivesse havido uma recusa de colaborar com o tribunal.
Quanto à errada utilização do “prudente arbítrio” e das “regras da experiência” por parte da Relação para fixar factos relacionados com os rendimentos dos bens e com os subsídios, também é evidente que se trata de questão relacionada com a apreciação da matéria de facto, não incluída nas exceções atras referidas e, portanto, subtraídas ao conhecimento deste Supremo.
Sob o ponto de vista da legalidade – único que, como se disse, este Supremo pode conhecer – não se pode censurar as decisões relacionadas com a utilização ou não utilização de médias estatistas ou de médias aritméticas para apuramento das contas.
Assim como a utilização da equidade.
Repetindo e concluindo: não pode este Supremo sindicar decisões sobre a matéria de facto que não se enquadrem em violações do direito probatório material, como é o caso.
Finalmente e quanto à alegada insuficiência da matéria de facto, invoca a recorrente que “toda a documentação dos autos mostra rendimentos e factos que não foram considerados pela Relação e imprescindíveis para a descoberta da verdade, ou seja, para o apuramento correto, justo e razoável das contas dos exercícios dos vários anos”, para concluir que “a Relação não fez uso dos poderes de controlo que permitem ampliar a decisão de facto (artigo 712º-4-1ª parte)”.
Situa-se a questão, mais uma vez, no campo da matéria de facto.
E no que concerne à sua ampliação tem este Supremo, como se disse e resulta do disposto na 1ª parte do nº3 do artigo 729º do Código de Processo Civil, poderes para a ordenar.
Simplesmente não se vê por que razão essa ampliação deve ser ordenada.
Por três vezes foram anuladas decisões com o fim de se proceder à realização de novas diligências instrutórias.
Foram realizadas essas diligências.
O que se verifica é que a recorrente está insatisfeita com a apreciação feita pelas instâncias dessas diligências.
Mas isso não é, como é evidente, razão para se continuar a proceder indefinidamente a novas diligências – aliás, não concretamente indicadas – até haver uma apreciação concordante com a apreciação da recorrente.
Não pode ser.
Concluindo: não há razão para a ampliar a matéria de facto.
B) – Determinação de quota-parte
No acórdão recorrido entendeu-se que é no inventário de que esta prestação de contas é um apenso, que se define o direito de cada interessado ao saldo positivo da prestação de contas, com determinação da respetiva participação.
A recorrente entende que, como foi a única autora a interpor a presente ação, deveria ser determinada desde logo a sua quota-parte, de forma a obter uma sentença com valor executivo, sendo inconstitucional a interpretação de que o saldo apurado se apresenta a favor da herança, por violar o direito a um processo de execução.
Cremos que não tem razão e se decidiu bem.
Nos termos do disposto no nº4 do artigo 1016º do Código Civil “se as contas apresentarem saldo a favor do autor, pode este requerer que o réu seja notificado para, no prazo de 10 dias, pagar a importância do saldo (…)”.
Tal dispositivo pressupõe, no entanto, a existência de um titular com direito exclusivo a esse saldo.
Ora, no caso em apreço, há mais que um titular.
Assim, é inaplicável aquela hipótese normativa.
Para a prestação de contas do cabeça de casal a correr por apenso a um inventário para partilha de bens existe uma regra específica – a constante do nº3 do artigo 2093º do Código Civil – em que se dispõe que ”havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano”.
Daqui se conclui que é no processo de inventário que se faz a distribuição desse saldo.
É aí que esse saldo deve ser distribuído pelos interessados, “segundo o seu direito” depois de deduzidos os “encargos para o novo ano”, a estimar pelos interessados ou pelo juiz.
E depois e nesse mesmo processo, qualquer interessado que pretenda realizar o seu direito, pode receber a parte do saldo que lhe compete.
Neste sentido, ver Lopes Cardoso “in” Partilhas Judiciais, volume III, 3ª edição, página 81.
Não há aqui, como se vê, qualquer violação ao princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmando no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Os interessados têm direito a esse acesso e a essa tutela no processo de inventário.
C) – Atualização das rendas
No acórdão recorrido entendeu-se que as rendas dos prédios urbanos constantes da herança não tinham que ser automaticamente atualizadas pelo Tribunal, uma vez que o que interessava era apenas as rendas efetivamente recebidas pelo cabeça de casal e não aquelas que poderia receber por via dessas atualizações.
A recorrente entende que as referidas rendas deveriam ser atualizadas pelo Tribunal uma vez que “têm que ser atualizadas pelas respectivas portarias legais”.
É evidente que não tem razão.
A atualização das rendas não é obrigatória para os senhorios.
Só existirá se estes a requererem.
Daí que não é automaticamente aplicada.
Por isso, não tem o Tribunal que proceder qualquer atualização oficiosa.
Sendo que o que interessa para a prestação de contas é o montante das rendas recebidas, independentemente de serem ou não atualizadas.
D) – Juros
No acórdão recorrido entendeu-se que não eram devidos juros sobre o montante apurado no saldo final da prestação de contas.
A recorrente entende que são devidos esses juros.
Não tem razão.
Na verdade e conforme resulta do disposto no artigo 1014º do Código de Processo Civil, o objeto de uma ação de prestação de contas consiste no “apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
Ora, sendo assim, é de concluir que só após ser apurado o saldo e o montante a que cada interessado tem direito, é que o obrigado a prestar contas pode ser condenado e depois interpelado para pagar aquele montante.
E só no caso de haver mora após essa interpelação é que haveria lugar ao pagamento de juros de mora – ver neste sentido, o disposto no artigo 1164º do Código Civil.
Ora, no caso concreto em apreço, essa interpelação ainda não ocorreu, até porque ainda não existe a determinação da parte do saldo a que tem direito a recorrente, como já se referiu aquando da apreciação de segunda questão.
Assim e para já não estão em dívida quaisquer juros de mora.
A decisão
Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 10 de Julho de 2012
Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Álvaro Rodrigues