1 – No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro;
2 – Não tem aplicação a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro, referida na parte final do n.º1 anterior, quando a omissão do nome desse trabalhador for devida a circunstâncias juridicamente relevantes, face aos princípios gerais do direito, nomeadamente ao princípio geral da boa fé que deve presidir à formação e execução dos contratos;
3 – A omissão do nome de um trabalhador na folha de vencimentos relativa ao primeiro mês de actividade, iniciada no dia 25 desse mês, não exclui a responsabilidade da Seguradora por um acidente que vitimou aquele trabalhador no mês seguinte, quando se prove que aquela omissão decorre de uma prática de encerramento das folhas de férias no dia 20 de cada mês para permitir dessa forma o processamento de salários até ao fim do mês, e mercê disso, a entidade empregadora enviava à Seguradora até ao dia 15 do mês seguinte o mapa de pessoal e salarial restringido até àquele dia 20 do mês anterior, sendo esse facto do conhecimento do mediador de seguros respectivo.
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
Pedia, por isso, que as Rés (Seguradora e CC) fossem «condenadas a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia correspondente à incapacidade permanente que vier a ser fixada na junta médica que requereu; uma indemnização de € 10.846,55 correspondente às incapacidades temporárias; o subsídio de elevada incapacidade de € 9.594,00; a quantia de € 208,00 de reembolso de despesas de deslocação a Juízo e exames médicos e a assistência clínica de que vier a necessitar; tudo com juros de mora vencidos e vincendos até à data do pagamento e “prestação em espécie de todos os tratamentos clínicos que necessitar e vier a necessitar para atingir a cura clínica”».
A acção instaurada foi contestada por ambas as Rés, vindo a Ré BB SA a requerer a intervenção principal de DD, Lda., na qualidade de Ré, intervenção que foi admitida, vindo esta Ré a deduzir contestação, igualmente.
Tendo-se procedido a julgamento a com gravação da prova, foi respondida à matéria de facto constante da Base Instrutória, vindo a acção a ser decidida por sentença de 31 de Julho de 2009, nos termos da qual a acção foi julgada parcialmente procedente, decidindo-se
«a) - Absolver as Rés “CC” e “DD” do pedido.
b) – Condenar a Ré BB a pagar ao autor AA as seguintes prestações:
1º - A pensão anual e vitalícia de € 9.104,08 (nove mil e cento e quatro euros e oito cêntimos), a pagar mensalmente em 14 prestações por ano, sendo duas em Maio e duas em Novembro, com efeitos a partir de 01/05/2003 (dia imediato ao da alta).
2º - A quantia de € 7.106.22 (sete mil e cento e seis euros e vinte e dois cêntimos), a título de indemnização pelas incapacidades temporárias.
3º - A quantia de € 4.176,12 (quatro mil e cento e setenta e seis euros e doze cêntimos), nos termos do DL n.º 325/01, de 17.12, a título de subsídio de elevada incapacidade.
Sobre as referidas quantias e prestações vencidas são devidos juros de mora à taxa legal desde a data da alta ou do respectivo vencimento no caso da pensão.
Improcede o pedido de assistência clínica por esta apenas poder ser considerada em sede de incidente de revisão, face à actual cura clínica».
Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré BB para o Tribunal da Relação do Porto, que decidiu anular a resposta a um dos quesitos que integravam a Base Instrutória e determinar a ampliação da matéria de facto.
Remetido o processo à 1.ª instância e cumpridas as determinações decorrentes daquela decisão, veio a ser proferida nova sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Termos em que julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, decido:
a) - Absolver as Rés “CC” e “DD” do pedido.
b) – Condenar a Ré BB a pagar ao autor AA as seguintes prestações:
1º - A pensão anual e vitalícia de € 9.104,08 (nove mil e cento e quatro euros e oito cêntimos), a pagar mensalmente em 14 prestações por ano, sendo duas em Maio e duas em Novembro, com efeitos a partir de 01/05/2003 (dia imediato ao da alta).
2º - A quantia de € 7.106.22 (sete mil e cento e seis euros e vinte e dois cêntimos), a título de indemnização pelas incapacidades temporárias.
3º - A quantia de € 4.176,12 (quatro mil e cento e setenta e seis euros e doze cêntimos), nos termos do DL n.º 325/01, de 17.12, a título de subsídio de elevada incapacidade.
Sobre as referidas quantias e prestações vencidas são devidos juros de mora à taxa legal desde a data da alta ou do respectivo vencimento no caso da pensão.
Improcede o pedido de assistência clínica por esta apenas poder ser considerada em sede de incidente de revisão, face à actual cura clínica.»
Custas apenas pela Seguradora, atendendo que o valor tributário é superior ao valor da causa atribuído na petição inicial.
Novamente inconformada com esta decisão, dela recorreu a Ré BB para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 20 de Dezembro de 2011, decidiu negar provimento ao recurso interposto e confirmar a decisão de 1.ª instância.
Ainda inconformada com esta decisão dela recorre agora aquela Ré para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as alegações apresentadas, nos seguintes termos:
«1) - As instâncias consideraram que o vínculo laboral entre o autor e a DD teve início apenas a 25 de Fevereiro de 2002. Ora,
2) - Está provado que desde 13 de Fevereiro de 2002, data em que efectivamente foi contratado, ou admitido, que o sinistrado vinha remuneradamente frequentando, por ordem da ré DD, uma acção de formação e segurança.
3) - Deve considerar-se que o vínculo de trabalho entre o AA e a DD se iniciou a 13 de Fevereiro de 2002, data a partir da qual aquele se colocou às ordens desta, disponibilizando-lhe a sua força de trabalho e colocando-se às suas ordens, mediante remuneração.
4) - Não tendo considerado desta forma, as instâncias, nomeadamente o Venerando Tribunal da Relação, interpretaram de forma menos correcta, violando, o disposto no art.° 1.° do Decreto-lei 49 408 de 24 de Novembro de 1969, também designado por Lei do Contrato de Trabalho, diploma esse então aplicável à relação sub-judice.
5) - Deve, pois, ter-se por assente que
6) - tendo o sinistro que vitimou o autor, AA, ocorrido a 19 de Março de 2002,
7) - ele tinha começado a trabalhar para a ré DD, disponibilizando-lhe a sua força de trabalho, colocando-se às suas ordens, mediante remuneração, desde 13 de Fevereiro de 2002.
8) - Ora, na folha de salários do mês de Fevereiro de 2002 - que remeteu à seguradora - a DD não indicou o AA,
9) - sendo certo que não havia, para tal omissão, qualquer causa justificativa, mesmo que considerássemos (o que se não aceita) que o autor só teria sido admitido ao trabalho a 25 de Fevereiro.
10) - A DD só viria a relacionar o AA na folha de férias do mês de Março de 2002 que remeteu à seguradora/recorrente em Abril seguinte, após a eclosão do acidente.
11) - O nome do trabalhador sinistrado foi assim omitido pela entidade patronal à sua seguradora de acidentes de trabalho, sem causa justificativa, até à data do sinistro laboral.
12) - É de concluir que o contrato de seguro de acidentes de trabalho em apreço, apesar de válido, é ineficaz em relação ao sinistrado, não cobrindo o acidente que sofreu.
13) - Por esse motivo, a recorrente não é responsável pelas consequências deste acidente de trabalho ora em discussão.
14) - Tendo decidido em sentido contrário, o tribunal recorrido fez indevida aplicação e violou, para além das normas acima referidas, o disposto nos artigos 405 do Código Civil, 426 e 427 do Código Comercial e ainda 37 n.°s 1 e 3, 38 n.°s 1 e 2 da Lei 100/97, de 13 de Setembro.
15) - E ainda os artigos 16.° n.° 1 c), 17.° e 2.° n.° 1 da apólice uniforme de acidentes de trabalho por conta de outrem, aprovada pelo Regulamento n.° 27/99, II Série, de 30 de Novembro».
Termina pedindo que se conceda provimento ao recurso interposto, a revogação do acórdão impugnado e, em consequência, a substituição do mesmo «por decisão que considere não estar o presente acidente de trabalho sofrido pelo autor coberto pelas garantias da apólice e, consequentemente, absolva de todos os pedidos a ora recorrente, por não ser responsável pelo dito sinistro, devendo, ao invés, ser condenada a ré DD».
A recorrida DD não respondeu ao recurso interposto.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código do Processo de Trabalho, pronunciando-se proficientemente no sentido da improcedência do recurso.
Notificado o parecer apresentado às partes, veio a BB, SA, reafirmar as posições subjacentes ao recurso por si interposto.
Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada pelo recorrente, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, considera-se que o objecto da presente revista consiste em apreciar:
- Se a Ré BB é responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho que vitimou o Autor, sendo relativamente a ela eficaz o contrato de seguro que celebrou com a entidade patronal daquele, a Ré DD – , Ldª.
«1º - No dia 19 de Março de 2002, o A. encontrava-se a trabalhar nas instalações da JOMAR, em Perafita, Matosinhos, e, ao manobrar uma máquina elevatória para iniciar uma soldadura na ponte de passagem de diversa tubagem, ficou apertado entre o cesto da máquina elevatória e a estrutura de passagem da tubagem;
2º - O que lhe determinou compressão torácica com paragem cardio-respiratória e coma, deixando como sequelas tetraparésia da ràquis, lesões que determinaram I.T.A. desde 20 de Março de 2002 até 30 de Abril de 2003, data em que o perito médico do tribunal lhe deu alta clínica;
3º - Nas circunstâncias desse acidente, o Autor encontrava-se a trabalhar sob as ordens, fiscalização e no interesse de outrem, com categoria profissional de soldador;
4° - Nas referidas circunstâncias, o A. trabalhava para a Ré ”DD”;
5° - Desde 13 de Fevereiro de 2002, data em que efectivamente foi contratado, que o Sinistrado vinha remuneradamente frequentando, por ordem da Ré DD, uma acção de formação e segurança;
6º - O Sinistrado começou a trabalhar em 25 de Fevereiro de 2002, face à elaboração do contrato escrito em 22 desse mês;
7º - Entre a Ré a DD e a Ré BB vigorava à data do acidente um contrato de seguro por acidentes de trabalho na modalidade de folhas de férias;
8º - Também entre a Ré” CC” e a Ré Seguradora vigorava, então e desde antes de Novembro de 2001, um contrato de seguro na mesma modalidade;
9º - A Ré DD mencionou pela primeira vez o A. na folha de salários relativa ao mês de Março, que enviou à seguradora, em Abril seguinte, pelo salário de € 748,20 x 14 meses, acrescido de € 82,30 x 11 meses;
10º - A Ré “DD” fechava as folhas de ponto ao dia 20 de cada mês, para permitir o processamento de salários até ao fim desse mês, e, mercê disso, enviava à Seguradora, até ao dia 15 do mês seguinte, o mapa do pessoal e salarial restringido até àquele dia 20 do mês anterior, mapa que era diferente do enviado à Segurança Social, que incluía o pessoal efectivo até ao fim do mês com massa salarial presumida, o que era do conhecimento do mediador de seguros e a Ré sabe ser prática habitual no mercado empresarial;
11º - O Sinistrado, antes da sua admissão ao serviço da Ré DD, vinha sendo incluído pela Ré CC nas suas folhas de férias enviadas à Segurança Social, a pedido do pai do Sinistrado, que suportava do seu bolso as necessárias contribuições, com a finalidade de poder frequentar curso de formação profissional comparticipado e realizado pelo Instituto de Soldadura e Qualidade;
12º - Durante mais de um ano após o acidente, a Ré Seguradora prestou ao sinistrado assistência clínica e pagou-lhe a indemnização por incapacidades temporárias, até que declinou a sua responsabilidade pela reparação do acidente;
13º - A Ré Seguradora, ao declinar a sua responsabilidade, fê-lo porque então entendeu não estarem preenchidas as circunstâncias para tal;
14º - A Ré CC não tinha mencionado em nenhuma das folhas de férias que regularmente remetia à contestante o nome do Autor;
15º - Em 30 de Abril de 2003, o Autor continuava a fazer terapia da fala, mobilização articular, técnicas de equilíbrio e marcha, cinesioterapia e reeducação motora;
16º - As Rés “DD” e “CC” pertencem ao mesmo Grupo Económico Empresarial” e têm alguns serviços comuns, nomeadamente os serviços de Pessoal;
17º - Os sócios e os gerentes dá CC eram, à época, os mesmos da DD (um dos sócios gerentes da DD era, aliás, pai do Sinistrado);
18º- O sinistrado nasceu no dia 15 de Setembro de 1983;
19º- O contrato referido no ponto 6º, junto a folhas 41 e 42, tem o seguinte conteúdo:
«-------------------CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO------------
1° OUTORGANTE: DD – Montagens e Manutenção do Norte, Lda., titular do cartão de pessoa colectiva nº 000000000, com sede na Rua D. ....................., nº ..........-...., 4445 Ermesinde.
2° OUTORGANTE: AA
Estado civil solteiro, categoria profissional de soldador, contribuinte fiscal nº 0000000, beneficiário n 000000000, titular do bilhete de identidade nº 00000000, emitido em 29 de Março de 2000, pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, residente em S..............., CX Postal 508, 4580 Paredes.
É celebrado o presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos do D. L. 64–A/89 de 27 de Fevereiro, e que se rege pelas cláusulas seguintes:
1ª As funções genéricas a exercer pelo segundo outorgante são as típicas da categoria profissional de soldador;
2ª A prestação de trabalho terá lugar na JOMAR, sito em Apartado 000000, Freixieiro, 4456-901, Perafita, Matosinhos, para ° nosso cliente 00000, Eng. de Equipamentos e Instalações Térmicas Industriais, Lda; ;
4ª O segundo outorgante auferirá a remuneração base de 399,04 €;
PARÁGRAFO ÚNICO: O valor mensal proporcional do subsídio de férias, 13º mês e tempo de férias, no valor de 99,75 € será pago mensalmente.
5ª O 2° outorgante, compromete-se a, salvo caso de força maior, efectuar trabalho extraordinário, sempre que seja solicitado a prestá-lo;
6ª A remuneração em regime de turno é acrescida de 25% sobre o valor/hora, do vencimento base (valor/hora = salário acordado=172 horas);
7ª O segundo outorgante tem perfeito conhecimento das condições obrigando-se, em caso de incumprimento do contrato, a indemnizar o primeiro outorgante no montante das despesas efectuadas;
8ª Este contrato inicia a sua vigência no dia 25.02.2002 e caduca em 24.08.2002;
9ª Durante os primeiros quinze dias que constituem o período experimental, qualquer dos outorgantes pode rescindir o presente contrato de trabalho sem aviso prévio, nem invocação de justa causa, facto que não confere direito a qualquer indemnização;
10ª No caso de rescisão sem justa causa, por iniciativa do trabalhador, será cancelado o pagamento do último salário para garantia de eventuais indemnizações devidas à entidade empregadora;
11ª Eventuais lacunas e casos omissos serão integrados à luz do regime jurídico do D. L. 64-A/89.
O contrato ora celebrado é feito em duplicado, destinando-se um exemplar a cada uma das partes e é aceite por ambas em todas as suas cláusulas, condições e obrigações de que têm perfeito conhecimento.
Ermesinde, 22 de Fevereiro de 2002».
2 - Na sequência da reapreciação da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal da Relação, «foi dada por não escrita a resposta dada ao facto n.º 5 na parte em que refere [ … data em que efectivamente foi contratado], nos termos do artigo 646, n.º 4 do CPC» e fixada ao quesito 12.º, a seguinte redacção:
«Provado apenas e com o esclarecimento que a Ré “DD” fechava as folhas de ponto ao dia 20 de cada mês, para permitir o processamento de salários até ao fim desse mês, e, mercê disso, enviava à Seguradora, até ao dia 15 do mês seguinte, o mapa do pessoal e salarial restringido até àquele dia 20 do mês anterior, mapa que era diferente do enviado à Segurança Social, que incluía o pessoal efectivo até ao fim do mês com massa salarial presumida, o que era do conhecimento do mediador de seguros».
Com base nesta matéria de facto o Tribunal da Relação deu como assente que «2.2.1. O acidente dos autos ocorreu em 19 de Março de 2002, por isso, no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro»; que «2.2.2. Não existem quaisquer dúvidas de que o autor foi vítima de um acidente de trabalho no dia 19 de Março de 2002 quando no desempenho da sua categoria profissional de soldador, trabalhava sob a dependência da Ré DD, Lda. (artigo 6º, nº 1, do DL 143/99, de 30 de Abril e 6º, nº 1 e 3, da Lei 100/97, de 13 de Setembro)» e que «podemos dar como assente que a ré DD, Lda. celebrou com a Ré “ BB, S.A.” um contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de folhas de férias, mediante o qual transferiu para esta, a sua responsabilidade emergente de acidentes no trabalho, através da apólice 000000000. (cfr. documento de folhas 30)».
Debruçando depois sobre a questão de saber se «o contrato de seguro, apesar de válido, é ineficaz em relação à Recorrente, pelo que não é responsável pelas consequências do acidente em apreço», o Tribunal da Relação começou por caracterizar o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado entre a Ré DD, Ld.ª e a BB, debruçando-se sobre a aplicabilidade ao caso dos autos da orientação jurisprudencial decorrente do Acórdão para Unificação de Jurisprudência deste Tribunal, n.º 10/2001, de 21 de Novembro de 2001[1], concluindo que «a hipótese dos autos não é exactamente» a que está subjacente àquele acórdão, uma vez que «no caso em apreço a situação é completamente diferente».
Neste contexto, destaca-se naquela decisão que «A R. entidade patronal tinha efectivamente a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a R. Seguradora, através da apólice 000000000, na modalidade de seguro de prémio variável por folhas de férias»; que «O acidente de trabalho ocorreu em 19 de Março de 2002»; que «O autor trabalhava para a ré DD, Lda. desde Fevereiro de 2002» e que «O nome do sinistrado apenas foi incluído na folha de férias relativa ao mês de Março de 2002, elaborada e remetida à ré seguradora depois da data em que ocorreu o acidente, ou seja no mês de Abril de 2002».
Refere-se também naquela decisão que não se trataria, assim, de «omissão do envio da folha de férias com o nome do sinistrado, mas apenas de após a ocorrência do acidente a entidade patronal ter feito constar o nome do autor nas folhas de férias, sendo certo que ele já era seu trabalhador desde Fevereiro de 2002».
Cita seguidamente o acórdão deste Tribunal e secção de 9 de Dezembro de 2005, proferido na revista n.º 2 954/04, na parte em que o mesmo se debruçou sobre a remessa de folhas de férias no mês seguinte àquele a que dizem respeito, nomeadamente, quando refere que «o facto de as folhas de férias só serem enviadas no mês seguinte àquele a que dizem respeito permite que as entidades empregadoras menos escrupulosas omitam o nome de alguns trabalhadores ou parte das retribuições que efectivamente foram pagas, para, desse modo, pagarem um prémio de seguro inferior ao que seria devido. Trata-se, naturalmente, quando tal acontece, de um cumprimento defeituoso do contrato, altamente reprovável que se presume culposo (art. 799º, nº 1 do CC) e atenta gravemente contra o princípio da boa fé que deve presidir à formação e ao cumprimento dos contratos (artºs 227º e 762º do CC) e que neste tipo de contrato merece especial protecção, uma vez que às seguradoras é praticamente impossível detectar essa falta de cumprimento, pelo número avultado de contratos celebrados» e «entendemos, por isso, que um tal comportamento não merece a protecção do direito, face ao intuito fraudulento que lhe está subjacente. Só assim não será, se o incumprimento for devido a circunstâncias que se mostrem juridicamente relevantes, face aos princípios gerais do direito, nomeadamente ao princípio geral da boa fé que deve presidir à formação e execução dos contratos, circunstâncias essas que o tomador de seguro terá de alegar e provar, uma vez que ao devedor incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º, nº 1 do C.C.)».
Partindo desta parte final do texto citado, interroga-se o acórdão do Tribunal da Relação sobre se no caso dos autos «não estamos perante uma justificação válida por parte da Ré entidade patronal para só nas folhas de férias do mês de Março de 2002 ter feito constar o nome do sinistrado», perguntando-se, igualmente, sobre se a entidade patronal agiu com a consciência de defraudar a seguradora», vindo a concluir nos seguintes termos:
«Diremos que na apreciação desta questão apenas podemos atender aos factos dados como provados e não a decorrências especulativas sobre a interpretação de certos elementos probatórios produzidos, mas que ao fim e ao cabo não têm correspondência na matéria de facto alegada pelas partes. Por outro lado, não podemos deixar de atender a um princípio norteador de todos os contratos – o princípio da boa fé. Tal princípio, consignado no nº 2 do artigo 762º do Código Civil, deve considerar-se extensivo, através do nº 3 do artigo 10º do CC, a todos os outros domínios onde exista uma relação especial de vinculação de pessoas.
A boa fé consiste numa conduta leal, que impõe a actuação das partes de acordo com os padrões de diligência, honestidade e lealdade, exigíveis ao homem no comércio jurídico.
A boa fé exigida no cumprimento dos contratos traduz-se no dever de agir, segundo um comportamento de lealdade e correcção, que visa contribuir para a realização dos interesses legítimos que as partes pretendem obter com a celebração do contrato ”.
2.2.7. Ora, salvo o devido respeito, entendemos que a actuação da entidade patronal não está contaminada pelo propósito fraudulento de prejudicar a seguradora, tendo a sua actuação derivado da prática seguida de as folhas de ponto serem fechadas no dia 20 de cada mês, para permitir o processamento de salários até ao fim desse mesmo mês. A entidade patronal fez o que sempre fazia e não vislumbramos nesta actuação, apesar de incorrecta, qualquer comportamento lesivo de interesses da seguradora.
No entanto não deixaremos de dizer, de forma breve, que mesmo que se entendesse que o contrato de trabalho tinha tido o seu início no dia 13 de Fevereiro e não em 22 ou 25 desse mesmo mês, tal não beliscaria esta conclusão. Na verdade, o facto de até ao dia 22 estarmos perante uma acção de formação e segurança e só em 22 ter sido celebrado por escrito o contrato de trabalho, tendo no dia 25 o sinistrado começado a prestar efectivamente a sua actividade profissional, é passível de interpretações jurídicas menos correctas de que só com a celebração por escrito do contrato e com a efectiva prestação de trabalho existe a obrigação de incluir o trabalhador nas folhas de férias enviadas à Seguradora.
Por outro lado, não devemos olvidar que esta prática seguida pela entidade patronal era do conhecimento do mediador de seguros. É verdade, como alega a Recorrente, que não está demonstrado que este tivesse poderes para vincular a seguradora, no entanto, no íntimo da entidade patronal o mesmo funciona como um representante desta, pelo que para efeitos de interiorização de comportamentos correctos, ou, pelo menos aceitáveis, bem como executados com boa-fé, devemos valorar este ponto. Tendo o mediador conhecimento da situação ao longo dos anos e nada dizendo ou advertindo aquela sobre o modo de remeter as folhas de férias à seguradora é aceitável e coerente que a entidade patronal tenha interiorizado como correcto e adequado aquele procedimento.
Sendo assim, não vislumbramos razões para discordar do decidido na sentença recorrida, pelo que também perfilhamos o entendimento de que a seguradora é a responsável pelo pagamento das pensões e indemnizações a que o sinistrado tem direito.
Improcede, pois, o presente recurso.»
Nos termos do n.º 1 do artigo 37.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, «as entidades empregadoras são obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para as entidades legalmente autorizadas a realizar» seguros por acidentes de trabalho, impondo o n.º 4 do mesmo dispositivo, que na regulamentação daquela lei sejam «estabelecidas providências destinadas a evitar fraudes, omissões ou insuficiências nas declarações quanto ao pessoal e à retribuição, que terá de ser declarada na totalidade para cumprimento do disposto no n.º 1 deste artigo».
Nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 3º de Abril, «são responsáveis pela reparação e demais encargos previstos na lei as pessoas singulares ou colectivas de direito privado e de direito público, não abrangidas por legislação especial, relativamente aos trabalhadores ao seu serviço», abrangidos pelo artigo 2.º daquela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
A transferência da responsabilidade pela reparação dos danos derivados de acidentes de trabalho que onera as entidades empregadoras referida no citado artigo 11.º daquele diploma opera-se nos termos do contrato de seguro.
O contrato de seguro é um contrato de direito privado celebrado entre uma seguradora, ou entidade devidamente autorizada para o efeito, e a entidade empregadora, estando sujeito a uma forma específica, materializada na apólice uniforme de seguros de acidente de trabalho, aprovada pelo Instituto de Seguros de Portugal, nos termos do artigo 38.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
Na data em que ocorreu o acidente estavam em vigor as condições gerais da apólice uniforme aprovadas pela Norma n.º 12/99-R, de 8 de Novembro, decorrente do Regulamento n.º 27/99, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 30 de Novembro de 1999, com as alterações decorrentes das normas 11/2000-R, de 13 de Novembro – Regulamento n.º 32/2000 – Diário da República, 2.ª Série, de 29 de Novembro e norma n.º 16/2000-R, de 21 de Novembro decorrente do Regulamento n.º 3/2001, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 19 de Janeiro de 2001.
2 – À data dos factos o regime jurídico do contrato de seguro tinha assento no Código Comercial – artigos 425.º a 462.º e 595.º a 615.º, bem como no Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, diploma que previa «regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro» e no Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril, que definia o regime de acesso e de exercício da actividade seguradora, relevando igualmente o regime específico do pagamento dos prémios de seguro, decorrente do Decreto-Lei n.º 142/2000, de 15 de Julho.
Este conjunto de diplomas veio a ser parcialmente revogado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, entrado em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, cujo âmbito de aplicação no tempo resulta do artigo 2.º daquele diploma.
Por força do disposto naquele normativo, o regime jurídico que consagra aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a sua entrada em vigor, «assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor».
São ainda aplicáveis ao contrato de seguro, as disposições do regime das cláusulas contratuais gerais, decorrentes do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações decorrentes dos Decretos Leis n.ºs 220/95, de 31 de Agosto e 249/99, de 7 de Julho.
3 – De acordo com o disposto no artigo 426.º do Código Comercial, o contrato de seguro devia ser reduzido a escrito, assumindo este documento a denominação de apólice. Trata-se de um contrato formal, sendo a forma prescrita essencial ao contrato, tendo por isso natureza “ad substantiam”, constituindo um requisito da sua validade.
A apólice pode definir-se como o «documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, de onde constam as respectivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas»[2].
Aquele dispositivo especifica os elementos que devem integrar a apólice, tendo particular interesse, no caso dos autos, o «objecto do seguro e sua natureza valor, referidos no n.º 3, os «riscos contra que se faz o seguro», previstos no n.º 4 e a cláusula geral constante do n.º 8, ou seja, «todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador».
Estes elementos permitem definir o âmbito do contrato, nomeadamente, no que se refere às garantias, aos riscos cobertos e aos excluídos.
A efectiva caracterização dos riscos cobertos tem uma particular importância na formação do contrato, devendo o tomador do seguro fornecer, com verdade, todos os elementos necessários à caracterização do risco cuja transferência pretende, sendo essa caracterização elemento essencial da proposta que apresenta à seguradora.
Para além de sujeitar a celebração do contrato ao princípio da boa fé, a Lei é particularmente rigorosa no que se refere ao incumprimento do dever de verdade na negociação do contrato e na respectiva execução.
Conforme refere JOSÉ VASQUES, «da maior importância é a classificação do contrato de seguro como de boa fé: porque se baseia nas declarações prestadas pelo segurado, referindo-se alguns autores a uma uberrimae bona fidei, máxima boa fé, considerando-o elemento peculiar do contrato de seguro», pretendendo sublinhar-se a «necessidade de absoluta lealdade do segurado para manter a equidade da relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a confiar nas suas declarações, sem poder verifica-las a quando da subscrição»[3].
O incumprimento do dever de verdade e de lealdade na relação entre as partes é sancionado com a nulidade do contrato, nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, por força do qual «toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos, ou condições do contrato, tornam o contrato nulo», e, nos termos do § único deste artigo, «se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé, o segurador terá direito ao prémio».
4 – Resulta do artigo 1.º da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho aprovada pela norma n.º 12/99-R, de 8 de Novembro, decorrente do Regulamento n.º 27/99, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 29 de Novembro de 2000, que enquadra o contrato de seguro cuja execução é objecto da presente revista, que no âmbito da mesma, se entende por «tomador do seguro», «a entidade empregadora que contrata com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento dos prémios»; como pessoa segura, o «trabalhador por conta de outrem, ao serviço do tomador de seguro, no interesse do qual o contrato é celebrado, bem como os administradores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados», e por «trabalhador por conta de outrem», o «trabalhador vinculado por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado, o praticante, aprendiz, estagiário e demais situações que devam considerar-se de formação profissional, e, ainda todo aquele que, considerando-se na dependência económica do tomador de seguro, preste em conjunto ou isoladamente, determinado serviço».
Nos termos do artigo 4.º daquela apólice, o contrato pode ser celebrado em duas modalidades: a prémio fixo e a prémio variável. Na primeira das modalidades, de acordo com a alínea a) deste artigo, «o contrato cobre um número previamente determinado de pessoas seguras, com um montante de retribuições antecipadamente conhecido». Por sua vez, no seguro a prémio variável, «a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela seguradora as pessoas e as retribuições contantes das folhas de vencimento enviadas periodicamente pelo tomador do seguro».
A variabilidade do pessoal e da massa salarial que lhe é inerente projecta-se na dimensão dos prémios de seguro a pagar pelo tomador.
O objecto do seguro de prémio variável depende, deste modo, da declaração periódica do tomador de seguro que, para não celebrar diversos contratos, de acordo com as flutuações do pessoal, celebra um único contrato, de conteúdo variável em função das alterações do pessoal e respectivas remunerações.
Os seguros de prémio variável determinam para o tomador a obrigação de enviar à companhia seguradora até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuições pagas no mês anterior a todo o pessoal ao seu serviço e que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º da Apólice Uniforme, «devem ser duplicados ou fotocópias das remetidas à Segurança social «devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei».
Por força do disposto no n.º 1 da «condição especial 01» relativa a seguros de prémio variável, «de acordo como o disposto na alínea b) do artigo 4.º das condições gerais, estão cobertos pelo contrato os trabalhadores ao serviço do tomador de seguro na unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas à seguradora, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º das condições gerais da apólice» e, nos termos do n.º 2 da mesma condição especial, «o prémio provisório é calculado de acordo com as retribuições anuais previstas pelo tomador de seguro».
Por tal motivo, nos termos do n.º 3 da mesma condição, «no final de cada ano civil ou aquando da resolução do contrato, (…) será sempre efectuado o acerto, para mais ou para menos, em relação à diferença verificada entre o prémio provisório e o prémio definitivo, calculado em função do total de retribuições efectivamente pagas durante o período de vigência do contrato».
Por força do disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Apólice Uniforme que vimos analisando, coerentemente com o disposto no artigo 429.º do Código Comercial acima referido, o «contrato considera-se nulo e, consequentemente não produzirá quaisquer efeitos em caso de sinistro, quando da parte do tomador do seguro tenha havido, no momento da celebração do contrato, declarações inexactas assim como reticências de factos ou circunstâncias dele conhecidas, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato».
5 – Colocado perante uma divergência jurisprudencial sobre a questão de saber «se no caso do contrato de seguro de prémio variável, a omissão do nome do sinistrado na folha de férias não afecta a validade do contrato, importando a responsabilização da seguradora, ou determina a exclusão do trabalhador/sinistrado omitido do âmbito do seguro», este Tribunal veio a unificar a Jurisprudência através do Acórdão n.º 10/2001, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 27 de Dezembro de 2001, nos seguintes termos:
«No contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, a omissão do trabalhador sinistrado nas folhas de férias remetidas mensalmente pela entidade patronal à seguradora, não gera a nulidade do contrato nos termos do artigo 429.º do Código Comercial, antes determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro».
A fundamentação deste acórdão fornece elementos relevantes no sentido do enquadramento da situação do presente processo. Referiu-se, com efeito, naquele acórdão, no contexto dos fundamentos da decisão proferida, o seguinte:
«6.3 - Conforme já referido, mais do que uma posição em termos de dogmática jurídica relativamente à questão da natureza jurídica do contrato de seguro de acidentes de trabalho, a solução da situação sob apreciação assenta particularmente na relevância das declarações do tomador.
Com efeito, neste âmbito, as mesmas são por demais importantes, até porque, e desde logo, a efectivação do seguro delas depende essencialmente, pois que elas estabelecem a medida exacta do risco que a seguradora assume com a celebração do contrato.
Sendo fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade (…) os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências (…), com omissões por parte do tomador de seguro e que influam sobre a existência (…) ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado, artigo 429.º do Código Comercial (e cláusula 25.ª da apólice uniforme).
Não obstante se poder concluir, da simples leitura do supra-referido preceito, que a relevância das declarações para efeitos de validade do acordo opera apenas no momento da celebração do negócio, quer a jurisprudência quer a doutrina têm vindo a defender a aplicabilidade de tal regime sempre que se verifique qualquer modificação que altere (aumente) o risco, ou seja, sempre que estiverem em causa circunstâncias ou elementos relevantes para a determinação do conteúdo concreto do contrato, no caso da sua permanente actualização.
A avaliação do que sejam declarações inexactas ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio, terá de ser feita caso a caso, sendo que a solução paradigmática encontrada por certa jurisprudência relativamente à omissão do nome do trabalhador nas folhas de férias a enviar à seguradora nos seguros de modalidade de prémio variável parece desajustada da realidade do contrato em causais (…).
Na verdade, nesta modalidade de seguro, a entidade patronal transfere a sua responsabilidade infortunística pelos danos sofridos por um número variável de pessoas. Por conseguinte, tal variabilidade de pessoal, que implica necessariamente uma variação de massa salarial, terá de repercutir-se no montante dos prémios a cobrar.
O objecto do seguro de prémio variável depende, pois, da declaração periódica do tomador de seguro que, para não celebrar diversos contratos consoante as flutuações do pessoal que emprega, firma um único contrato com conteúdo variável, sendo consequentemente variável a respectiva obrigação de seguro (…).
Compreende-se, assim, a obrigação da empregadora de incluir o trabalhador nas folhas de férias a enviar à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte ao início das respectivas funções, n.º 4 da cláusula 5.ª da apólice uniforme, já que é através dessas folhas de férias ou salários que se efectua a actualização do contrato, a que corresponde a actualização do prémio, por parte da seguradora.
A vantagem desta forma de contratação, que tem subjacente a variabilidade da identidade ou do número de pessoas que estão ao serviço do tomador de seguro, reside no facto de, pela celebração de um único contrato, poder ser dado cumprimento ao que, no fundo, são obrigações de seguro independentes, porquanto cada uma destas obrigações surge relativamente a cada prestador de serviço e depende das condições próprias da prestação de trabalho (…), pelo que, e consequentemente, a responsabilidade a assumir pela seguradora depende, necessariamente, da identificação do pessoal.
Assim, não se encontrando determinado trabalhador incluído nas folhas de férias enviadas à seguradora, verifica-se, segundo cremos, uma situação de não cobertura e não de omissão de declaração relevante para efeitos de nulidade do contrato, pois o comportamento omissivo por parte do tomador de seguro/empregador nada influenciou os riscos de verificação do sinistro assumidos pela seguradora relativamente aos demais trabalhadores.
De outro modo, poderia verificar-se, no caso de produção de acidente com um trabalhador regularmente inscrito, a possibilidade da seguradora invocar a nulidade do contrato em virtude de, ao serviço do mesmo tomador do seguro, um (ou outros) trabalhador(es) nunca ter(em) sido mencionado(s) nas folhas de férias.
O contrato de seguro de prémio variável exige, assim, o cumprimento de várias obrigações de seguro, independentes entre si, embora unidas por um único contrato cujo objecto vai sendo determinado caso a caso.
O incumprimento, por parte do tomador de seguro, da obrigação consubstanciada na inclusão do(s) trabalhadore(s) ao seu serviço na folha de férias a enviar à seguradora até ao dia 15 do mês seguinte ao do início das funções do(s) respectivo(s) trabalhador(es), determina, consequentemente, a não assunção de responsabilidade, por parte da seguradora, pelos danos sofridos pelo trabalhador omitido, pois verifica-se uma situação de não cobertura, decorrente do não preenchimento das condições necessárias estabelecidas pelas partes, para a assunção da responsabilidade, tendo a entidade patronal de suportar o pagamento do que for devido ao trabalhador».
À luz da doutrina que emerge desta decisão mostra-se estabilizado o entendimento de que o contrato de seguro de acidentes de trabalho a prémio variável, é ineficaz em relação aos trabalhadores não incluídos nas folhas de retribuições, sem que isso afecte a validade do próprio contrato de seguro relativamente aos demais.
Em síntese, tal como se concluiu no acórdão desta secção de 10 de Janeiro de 2012, proferido na revista n.º 57/08.6TTBCL.P1.S1, e disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI, «o contrato de seguro de acidentes de trabalho é um negócio jurídico formal, que, essencialmente, se traduz na emissão de um apólice, a qual é precedida da elaboração de uma proposta, limitando-se o tomador do seguro a preencher um impresso próprio, fornecido pela seguradora, devendo o contrato considerar-se celebrado se a seguradora expressamente o aceitar, o que se concretiza pela emissão da apólice, sendo que, no seguro a prémio variável, são consideradas pela seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimentos que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro».
6 – Da matéria de facto fixada resulta:
- Que o sinistrado, no dia 19 de Março de 2002, quando se encontrava a trabalhar «sob ordens, fiscalização e no interesse da Ré DD, Ldª» foi vítima do acidente de trabalho a que se refere o presente processo;
- que desde 13 de Fevereiro de 2002, o sinistrado vinha frequentando, por ordem da Ré DD, uma acção de formação e segurança;
- Iniciara o desempenho das funções no contexto da qual veio a ocorrer aquele acidente, no dia 25 de Fevereiro daquele ano, no âmbito do contrato de trabalho que celebrou com aquela Ré no dia 22 do mesmo mês;
- Que entre a Ré DD e a Ré BB vigorava na data em que ocorreu o acidente um contrato de seguro por acidentes de trabalho, na modalidade de folha de férias;
- A Ré DD mencionou pela primeira vez o A. na folha de salários que enviou a Ré BB relativa ao mês de Março de 2002, que enviou à ré seguradora em Abril seguinte;
- Que a Ré DD fechava as folhas de ponto ao dia 20 de cada mês, para permitir o processamento de salários até ao fim desse mês, e mercê disso, enviava à Segurador, até ao dia 15 do mês seguinte, o mapa de pessoal e salarial restringido até àquele dia 20 do mês anterior, mapa que era diferente do enviado à Segurança social que o pessoal efectivo até ao fim do mês com massa salarial presumida, o que era do conhecimento do mediador de seguros;
No contrato de seguro a prémio variável, tal como se referiu, a apólice cobre um número variável de trabalhadores, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela seguradora as pessoas e a as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro.
Coerentemente com este âmbito de cobertura do seguro, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, al. c) da Apólice Uniforme, o tomador do seguro obriga-se «a enviar mensalmente à seguradora, quando se trate de seguro de prémio variável, e até ao dia 15 de cada mês, as folhas de retribuições pagas no mês anterior a todo o seu pessoal e que devem ser duplicados ou fotocópias das remetidas à Segurança Social, devendo ser mencionada a totalidade das remunerações previstas na lei (…).
Por força desta cláusula do contrato de seguro que ligava as duas rés, a DD deveria ter enviado até ao dia 15 de Março de 2002 as folhas de retribuições relativas a todo o pessoal ao seu serviço no mês de Fevereiro anterior, o que não fez relativamente ao Autor que só veio a ser integrado nas folhas relativas ao mês de Março seguinte.
O Autor não foi integrado nas folhas de retribuições relativas ao mês de Fevereiro, ou seja, o mês anterior ao do acidente e que é o mês correspondente ao do início das suas funções, o que já não aconteceu no mês em que o sinistro veio a ocorrer, o mês de Março seguinte, remetidas à Ré Seguradora em Abril, em conformidade com a Apólice Uniforme.
Pergunta-se se este facto, em conformidade com a orientação jurisprudencial que resulta do acórdão deste Tribunal, de 21 de Novembro de 2001, acima citado, «determina a não cobertura do trabalhador sinistrado pelo contrato de seguro».
Entende a Ré Seguradora que «não havia, para tal omissão, qualquer causa justificativa, até à data do sinistro laboral» e conclui daí que o contrato de seguro que aligava à Ré DD, «apesar de válido, é ineficaz em relação ao sinistrado, não cobrindo o acidente que sofreu».
No modelo de contrato de seguro a prémio variável a apólice não estabelece nenhuma específica obrigação sobre o tomador do seguro, relativamente ao início de actividade de qualquer trabalhador, nomeadamente impondo a comunicação desse facto à seguradora.
Trata-se de uma situação bem diversa do que se passa com as alterações de risco previstas no artigo 9.º daquela apólice, em que o tomador do seguro, nos termos do n.º 1 deste artigo, é obrigado a comunicar à seguradora em 8 dias «todas as alterações do risco que agravem a responsabilidade por esta assumida».
Deste modo, a seguradora só tem conhecimento da existência de novos trabalhadores abrangidos pelo contrato quando recebe a comunicação das folhas de retribuições, estando a sua responsabilidade por força da natureza do contrato limitada a esses trabalhadores.
Esse facto não permite à Seguradora repudiar a sua responsabilidade por acidentes sofridos por esses novos trabalhadores no mês correspondente ao do início da prestação de trabalho, acidentes, que, todavia, lhe são comunicados previamente, nos termos do n.º 2 do referido artigo 16.º da Apólice Uniforme.
É certo que esta situação permite a inclusão na folha de férias de trabalhadores que nela poderiam não ser incluídos se não tivessem sido vítimas de um concreto acidente de trabalho, o que viola os mais elementares princípios de boa fé nas relações entre as partes.
De facto, tal como se referiu no Acórdão desta secção acima citado, de 9 de Dezembro de 2004, proferido na revista n.º 2954/04-4, «o facto de as folhas de férias só serem enviadas no mês seguinte àquele a que dizem respeito permite que as entidades empregadoras menos escrupulosas omitam o nome de alguns trabalhadores ou parte das retribuições pagas, para desse modo pagarem um prémio inferior ao que seria devido», tratando-se, segundo aquele aresto «de um cumprimento defeituoso do contrato, altamente reprovável que se presume culposo (art. 799.º, n.º 1 do CC) e atenta contra o princípio da boa fé que deve presidir à formação e cumprimento dos contratos».
Trata-se, contudo, de uma das vicissitudes daquele modelo de contrato que terá de encontrar solução exactamente no contexto da boa fé que deve estar subjacente às relações entre as partes e nos fundamentos da resolução do contrato, previstas na Apólice Uniforme.
Por outro lado, no que se refere à não inclusão do Autor na folha de vencimentos relativa ao mês de Fevereiro, ou seja, aquele em que efectivamente iniciou o exercício da actividade no contexto da qual veio a ocorrer o sinistro, resultam da matéria de facto elementos que podem justificar esse facto.
Na verdade, deu-se como provado que a Ré DD fechava as folhas de ponto ao dia 20 de cada mês, para permitir o processamento de salários até ao fim desse mês, e mercê disso, enviava à Seguradora, até ao dia 15 do mês seguinte, e que esse facto que era do conhecimento do mediador de seguros.
Sem pôr em causa que esta prática contraria as obrigações do tomador do seguro decorrentes da Apólice Uniforme, conforme acima se viu, a verdade é que a mesma era do conhecimento do mediador de seguros, não sendo esse conhecimento inócuo.
Na verdade, nada resultando da matéria de facto sobre as relações entre a Ré BB e esse mediador, aquele facto releva, pelo menos, no sentido de abalar a convicção que pudesse existir sobre a eventual má fé na omissão de integração do Autor na folha de vencimentos em causa e, nomeadamente, no sentido se poder concluir que o mesmo só foi incluído no mês em que ocorreu o acidente por ter sido vítima do sinistro.
Na verdade, encerrada a folha de vencimentos relativa ao mês de Fevereiro no dia 20 daquele mês e tendo-se iniciado a relação de trabalho do Autor com a Ré no dia 25 de Fevereiro, sempre haveria um motivo para a não integração do Autor naquela folha relativa ao mês de Fevereiro, enviada à Seguradora em Março.
Esta não integração, no contexto em que ocorre e atento o conhecimento dos seus motivos pelo Mediador de Seguros, não violaria o dever de boa fé que deve estar subjacente às relações entre as Partes, não tendo aplicação aqui a orientação decorrente do acórdão para unificação de jurisprudência acima mencionado.
7 – Nas conclusões 1.ª a 4.ª da alegação de recurso apresentada refere a recorrente que as instâncias consideraram que o «vínculo laboral entre o autor e a DD teve início em 25 de Fevereiro de 2002, quando o início daquela relação deveria ter sido situado em 13 de Fevereiro de 2002, data em que o Autor iniciou uma acção de formação por ordem da Ré DD.
Entende a recorrente que decidindo deste modo as instâncias teriam violado o disposto no artigo1.º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
Da matéria de facto dada como provada resulta apenas que «desde 13 de Fevereiro de 2002, que o sinistrado vinha remuneradamente frequentando, por ordem da Ré DD, uma acção de formação».
Ao contrário do que pretende a recorrente, o facto de o sinistrado frequentar um acção de formação por ordem da Ré DD não permite situar o início da relação de trabalho subordinado na data em que se iniciou tal acção de formação.
Na verdade, a matéria de facto dada como provada não permite caracterizar a acção de formação a que o Autor se submeteu, não podendo olvidar-se que nos termos do n.º 3 do artigo 12.º do Decreto-lei n.º 405/91, de 16 de Outubro, tal como se referiu na decisão recorrida, «o contrato de formação não gera nem titula relações de trabalho subordinado e caduca com a conclusão do curso ou acção de formação para que foi celebrado».
A relação de trabalho entre o Autor e a Ré iniciou-se, pois, nos termos fixados no ponto n.º 6 da matéria de facto fixada, ou seja, «o sinistrado começou a trabalhar em 25 de Fevereiro de 2002».
Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação de recurso apresentada pela recorrente, impondo-se a negação da revista e a confirmação da decisão recorrida.
IV
Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas da Revista a cargo do Ré BB, SA.
Lisboa, 11 de Julho de 2012
António Leones Dantas (Relator)
Pinto Hespanhol
Fernandes da Silva
___________________________
[1] Publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 27 de Dezembro de 2001.
[2] JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, p. 97.
[3] Obra citada, p. 110.